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terça-feira, 16 de agosto de 2022

REVISITANDO O CALDEIRÃO – BEATO JOSÉ LOURENÇO É O ÚLTIMO “CONSELHEIRO”

Por Tarcísio Marcos Alves (1940 – 2016) – Professor – Autor do livro A Santa Cruz do Deserto: a comunidade igualitária do Caldeirão: 1920-1937.

Fonte – Suplemento Cultural. Estado de Pernambuco. Ano XII. Outubro/Novembro 1997, págs 24 e 25. Imagens – Tok de História

Em 1897, quando as tropas federais destruíram Canudos, o beato José Lourenço Gomes da Silva iniciava, no Sítio Baixa D’Anta, no Juazeiro do Norte — Ceará, a organização de uma comunidade camponesa igualitária que, após, alguns anos, realizara no Sítio Caldeirão, no Crato — Ceará. A experiência realizada pelo beato José Lourenço representou a última tentativa de um beato e seus seguidores de organizar uma comunidade camponesa de cunho religioso nos sertões nordestinos.
Beato José Lourenço.
Isto porque a política modernizante-autoritária do Estado Novo, aliada às facções fascistas da Igreja Católica, destruíram sistematicamente os movimentos populares — de beatos e cangaceiros — filhos do século XIX; Caldeirão foi devastado em 1937, e, um ano depois, Lampião e seus sequazes foram assassinados pelo capitão João Bezerra, seguido, meses depois, pela dizimação dos restos de beatos que viviam em Pau de Colher, na Bahia, pelo implacável caçador de beatos e cangaceiros Optato Gueiros…
O Estado Novo encerrou assim, para sempre, um ciclo de revoltas populares características do século XIX, que desde então estarão historicamente ultrapassadas.

José Lourenço chegou ao Juazeiro do Norte na época dos “milagres” (1889), quando a aldeia fervilhava de romeiros que afluíam de todas as regiões sertanejas para a terra do Padre Cícero Romão Batista. Duas coisas importantes os atraíam: as terras férteis do Vale do Cariri e a certeza de alcançarem a salvação na cidade do santo milagreiro. O próprio Padre Cícero constatou o fato, ao afirmar que “Juazeiro tem sido um refúgio dos náufragos da vida”. É que para lá iam multidões de miseráveis, refugiados das regiões castigadas pelas secas…
Outra imagem do Beato José Lourenço.
O beato José Lourenço logo se integrou na aldeia e tornou-se penitente. Morou alguns anos no Juazeiro e depois foi com a família viver no sítio Baixa D’Anta. Lá começaram a desenvolver uma experiência de trabalho coletivo com base no mutirão, o que levou a um esboço de organização de uma comunidade camponesa de cunho cooperativista. Mas o que mais marcou a sua vida no sítio e o tornou conhecido na região foi o episódio do boi “Mansinho”. Tratava-se de um garrote que o Padre Cícero ganhara de presente e dera ao beato para criar. Como era um animal pertencente ao Padre Cícero, toda a comunidade dedicava um tratamento especial ao boi. Em pouco tempo surgiram boatos de que o boi “Mansinho” estava fazendo milagres…
Região do Caldeirão – Foto – Rostand Medeiros.
Por essa época (cerca de 1920), além das perseguições religiosas contra o Padre Cícero, a imprensa fazia uma feroz campanha contra Floro Bartolomeu. Este passou a ser acusado pelo Deputado Federal Morais e Barros como o “Deputado de bandidos e fanáticos”. Sob pressão, Floro Bartolomeu foi obrigado a agir: mandou prender o beato José Lourenço e matar o boi “santo”.
Padre Cícero em sua mesa de trabalho.
Solto e humilhado, com fama de “fanático” José Lourenço voltou para o sítio Baixa D’Anta, onde viveu mais alguns anos, quando o proprietário da terra vendeu a propriedade e expulsou-o de lá. O beato passou algum tempo em Juazeiro, onde, pelas suas práticas religiosas, adquiriu fama de “homem santo” e passou a ser tratado como “beato”. Em 1926 retirou-se com algumas famílias para o sítio Caldeirão dos Jesuítas, terra pertencente ao Padre Cícero. O Padre entregou as terras ao beato quando o seu testamento já estava pronto, no qual doara todas as suas propriedades aos Salesianos, inclusive o sítio Caldeirão. Encerrava-se a história do boi “Mansinho” e começava a do beato José Lourenço, que em breve tornar-se-á o beato mais célebre da região do Cariri e liderança indiscutível de uma comunidade camponesa contando com alguns milhares de trabalhadores pobres.
Igreja do Sítio Caldeirão – Foto – Rostand Medeiros
Na comunidade, a experiência vivida expressou-se em uma experimentação concreta da fé, a materialização de uma nova forma de vida: o trabalho tornou-se um meio para a salvação da alma. A principal testemunha dos acontecimentos do Caldeirão, o senhor Henrique Ferreira, recentemente falecido, assim descreve o trabalho como penitência na comunidade do Caldeirão: “É os penitentes, é os pobres penitentes, que todo pobre é penitente. O trabalhador é um pobre penitente! Tá na penitência do trabalho!” Nestas condições, a pobreza da vida tornou-se suportável e até prazerosa. Foi a partir desta perspectiva religiosa – o trabalho como penitência —, que a comunidade camponesa do Caldeirão se organizou.
Formação rochosa que acumulava água na época de seca, conhecida como “Caldeirão”, que batiza a localidade histórica. Esse tipo de local foi essencial para o sucesso inicial da comunidade do Beato José Lourenço – Foto – Rostand Medeiros.
O sítio era uma pequena propriedade abandonada, com cerca de 900 hectares, do outro lado da Serra do Araripe, distante vinte quilômetros do Crato. Encravado entre serras e morros, de acesso extremamente difícil, era lugar ideal para o isolamento. Lá instalados, o beato e seus seguidores deram início aos trabalhos de limpeza dos matos e construções e reparos de cercas. Construíram a casa do beato e as primeiras e pequenas casas de taipa e, como a terra era seca, iniciaram também a construção de pequenas barragens nos grotões e socavões dos morros, garantindo assim razoável abastecimento de água para as épocas de secas. Nas terras altas deu-se início a plantação de algodão, milho e feijão. Nas terras baixas, irrigadas por processos primitivos, plantou-se cana-de-açúcar e arroz. Pequena engenhoca levantada nas imediações do pequeno povoado passou a produzir rapadura, batidas e melaço suficientes para o sustento da comunidade. Construíram ainda a casa de farinha e produziam sabão, a partir de uma planta nativa da região, conhecida por “pingui”. Em pouco tempo, o que era uma terra deserta e abandonada transformou-se em um pequeno arraial.
Área do antigo Sítio Caldeirão na atualidade 
 Foto – Rostand Medeiros.
Nessa fase inicial, a comunidade trabalhava basicamente na agricultura e na construção de casas em mutirão para os novos moradores. Cada nova família que lá chegava era bem recebida, e os que já viviam no sítio construíam logo a nova moradia; alastraram-se as casinhas a partir do sopé dos morros, formando, gradativamente, um cinturão em redor da pequena planície onde floresciam as primeiras plantações. A divisão do trabalho era simples: os homens trabalhavam na limpeza dos terrenos, na construção de casas, de caminhos, cercas e na agricultura, enquanto as mulheres, além dos trabalhos caseiros, carregavam água para molhar as plantas, ajudadas pelas crianças maiores. O problema da água será resolvido definitivamente através da construção de dois açudes.
A educação na sua comunidade era uma grande preocupação 
do Beato José Lourenço.
O beato estava sempre à frente de todos os trabalhos e tudo era feito sob a sua orientação. Trabalhava-se das seis da manhã às seis da noite, sob o ritmo dos benditos, puxados pelo beato… A incrível capacidade de trabalho e liderança do beato é atestada por todos, inclusive por aqueles que não nutriam simpatia por ele, como é o caso do tenente Góis de Barros – que comandou a invasão e destruição do sítio em 1936 —, que afirmou espantado em seu Relatório: “Aliás, faça-se justiça, o espetáculo de organização e rendimento do trabalho, com que nos deparamos ali, era verdadeiramente edificante”. Toda a produção e consumo eram controlados por Isaías, espécie de “ministro do planejamento e da economia” da comunidade. Os produtos eram armazenados em celeiros e redistribuídos de acordo com as necessidades de cada família.
A igreja local na década de 1930.
Não circulava dinheiro na comunidade e a organização social era rígida, dentro de padrões de uma religiosidade quase ascética. Outras pessoas ajudavam o beato José Lourenço na administração da vida da comunidade, destacando-se o papel exercido por Severino Tavares, que, apesar não viver no sítio, exercia o papel de “aliciador” de romeiros para visitar a comunidade. Seu trabalho como divulgador da vida no Caldeirão muito contribuiu para o aumento da população do sítio, pois muitas pessoas que iam apenas conhecer o beato lá permaneciam…
Foto – Rostand Medeiros.
Com o crescimento populacional do sítio diversificaram-se as atividades produtivas. No meio de tantos trabalhadores que chegavam ao Caldeirão, encontravam-se profissionais das mais diversas especialidades. Organizaram-se então as primeiras oficinas, passando-se a fabricar os mais diversos instrumentos de trabalho e utensílios domésticos. Em pouco tempo a comunidade produzia praticamente tudo o que necessitava para a sua sobrevivência. Apenas o sal e o querosene, assim como remédios, eram comprados pelo beato, com o dinheiro que arrecadava com a venda de rapadura e algodão.

Paralelamente desenvolveu-se a criação de animais, bovinos, caprinos e suínos, além das mais diversas espécies de galináceos. Através deste quadro sintético da organização econômica e social da comunidade do sítio Caldeirão, fácil é perceber que ela formava um vivo contraste em relação à situação dos trabalhadores dos latifúndios do Sertão. Ali reinava a fartura, fruto do trabalho intenso de milhares de pessoas em mutirão – a população do sítio alcançou na fase mais populosa, cerca de duas mil pessoas —, o que duplicava a produtividade do trabalho, fazendo com que os celeiros estivessem sempre cheios. Foi esta fantástica organização do trabalho visando a plena satisfação das necessidades fundamentais da comunidade — que se tornou praticamente autossuficientes —, que caracterizou a experiência realizada no sítio Caldeirão pelo beato José Lourenço, e que o transformou em uma ilha de fartura em meio à miséria reinante no Sertão da época. Era uma comunidade pobre, evidentemente, mas bem alimentada material e espiritualmente. A religiosidade popular, que perpassava todos os atos cotidianos da comunidade, tornava suportável a penitência do trabalho e fácil a vida…
Uma das casas remanescentes do antigo Sítio Caldeirão,
 sendo preservada na atualidade – Foto – Rostand Medeiros.
As reservas de víveres permitiram que a comunidade sobrevivesse à grande seca de 1932, apesar de o número de habitantes do sítio ter sido acrescido de cerca de 500 pessoas no período. É que o beato abriu as portas do sítio para receber todos os flagelados da seca que lá quisessem entrar e permanecer!
Após a morte do Padre Cícero, em 1934 — época em que os habitantes do Caldeirão passaram a se vestir todos de preto, em luto perpétuo pelo “santo” do Juazeiro —, grande parte dos romeiros que iam a Juazeiro visitar o túmulo do Patriarca fazia questão de ir ao Caldeirão pedir a bênção ao beato José Lourenço. Isto se devia ao fato de José Lourenço representar o único sobrevivente dos “santos” do Juazeiro.
Os romeiros ao visitarem a comunidade contribuíam com o desenvolvimento econômico do sítio, pois levavam valiosos presentes, que iam desde cargas de alimentos, animais a até objetos preciosos. Entretanto, a morte de Padre Cícero – amigo e protetor do beato -, anunciava também as tempestades que se avizinhavam. O crescimento constante da popularidade do beato, aliado à prosperidade crescente do sítio, despertou a atenção das elites políticas e religiosas do Crato.

Os jornais iniciaram a campanha contra o beato e sua comunidade. O artigo intitulado “Os fanáticos do Caldeirão”, publicado no jornal “O Povo”, afirmava, entre outras coisas: “Dois malandros do Ceará, José Lourenço e Severino Tavares, andam explorando no Vale do Cariri a memória do Padre Cícero.”’ Para a hierarquia católica, o Caldeirão parecia representar uma ameaça: o beato poderia tornar-se um novo “santo” como o Padre Cícero… E, nesse caso, com o agravante de estar fora do controle da Igreja: seria um novo Antônio Conselheiro!…
Assim, alarmados, os proprietários vizinhos e as elites políticas e religiosas atacavam sistematicamente o beato e sua comunidade: “Setores conservadores ligados à política regional, insuflados pelos proprietários de terras e do clero, encarregam-se de espalhar boatos sobre o beato José Lourenço e os habitantes do Caldeirão. Diziam que o beato oficiava sacramentos reservados ao clero de forma bárbara e sacrílega, que vivia em concubinato com as beatas, possuindo harém de 16 mulheres, que explorava a ignorância e o fanatismo dos camponeses, usando a sua força de trabalho para enriquecer”.
Era, enfim, a orquestração de uma formidável avalanche de inverdades — como a de que o beato, então com 65 anos, tivesse capacidade sexual de manter um harém com 16 concubinas! —, com o objetivo de destruir a experiência comunitária do Caldeirão, que, além de atrair trabalhadores de todas as partes, “as relações de produção e consumo tendiam abertamente para o comunismo”, na expressão do Tenente Góis de Barros…
Os padres salesianos, herdeiros das terras do Padre Cícero, decidem tomar o sítio sem indenizar o beato pelos benefícios lá realizados. Para isto, contratam o advogado Norões Milfont, deputado da Liga Eleitoral Católica — LEC (de cunho fascista), que passa a defender a causa dos mesmos. O advogado passa a divulgar que o Caldeirão era uma nova Canudos, que o beato José Lourenço possuía armas escondidas e que a comunidade representava uma séria ameaça ao Estado, por ser de franca tendência comunista…
O então tenente Alfredo Dias foi um dos oficiais da polícia cearense que combateu os membros do Caldeirão. Entrou na corporação como soldado e se aposentou como coronel, tendo chegado a combater cangaceiros do bando de Lampião.
A hierarquia católica confirma: “Nos sermões, os padres falam do perigo do ajuntamento de fanáticos e da infiltração de agentes vermelhos a serviço do totalitarismo ateu. Os boatos chegam aos ouvidos das autoridades estaduais.”’ Era, enfim, a união da Igreja, do Estado e das elites políticas e latifundiárias contra a comunidade camponesa igualitária do sítio Caldeirão… O advogado dos salesianos, Norões Milfont, não se limitou a espalhar boatos denegrindo a comunidade; para provar suas denúncias e incriminar ainda mais o beato e seus seguidores, enviou um espião ao Caldeirão. A escolha feita, por si só, revela as intenções subjacentes ao ato: decidiu-se enviar “um dos maiores bandidos-autoridade de que se teve notícias no Ceará”, na expressão de Optato Gueiros.
Era o Capitão José Gonçalves Bezerra, conhecido na região como um implacável caçador de cangaceiros, sendo, na verdade, um deles, só que escondido por trás da farda policial. Escolhido o espião, as autoridades iniciaram as investigações. O tenente José Góis de Campos Barros encarregou-se de comandar a destruição, que descreveu depois no seu “Relatório”. Nele afirma que o número de habitantes do Caldeirão havia tomado tamanho vulto que as autoridades locais alertaram o Capitão Cordeiro Neto, Chefe de Polícia, de “certos fatos singulares, que ali estavam passando”.

Para esclarecer os “fatos”, foi ao sítio o Capitão José Bezerra, disfarçado em industrial interessado nas possibilidades econômicas da região, em relação à indústria de oiticica. Admitido na residência do beato, o Capitão Bezerra tudo observou, especialmente as riquezas acumuladas no sítio, fruto do trabalho sistemático da comunidade, o que logo lhe despertou o interesse…
Os mortos do Caldeirão foram identificados pela imprensa como “São Anastácio”, “São Pedro” e “São Cosmo”.
No seu relatório, refere-se à existência de “uma nova Canudos, coito de fanáticos e do terrível perigo comunista,”’ e conclui solicitando urgente intervenção.

Depois das investigações realizadas pelo Capitão José Bezerra, o interventor e Governador do Estado, Menezes Pimentel, reuniu o advogado dos salesianos Norões Milfont, O Bispo do Crato, Dom Francisco de Assis Pires, Andrade Furtado, Martins Rodrigues, O Capitão Cordeiro Neto, Chefe de Polícia e o Delegado do DEOPS, o tenente José Góis de Campos Barros. Com exceção dos dois militares, todos os outros pertenciam à LEC. Decidiu-se pela intervenção. O Tenente José Góis de Campos Barros comandou a expedição, no mês de setembro de 1936.
O beato José Lourenço conseguiu fugir, escondendo-se na Serra do Araripe, acompanhado de algumas famílias. Em meio a todo tipo de violência, inclusive estupros, os militares atearam fogo em todas as casas, expulsaram os moradores, destruíram e saquearam o sítio…
Segundo um levantamento realizado pelo então delegado de Ordem Política e Social do Ceará, o tenente do Exército José de Goes de Campos Barros (que chegou ao generalato), cerca de 75% dos participantes do Caldeirão eram oriundos do Rio Grande do Norte, 20% divididos entre Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Maranhão e Piauí e apenas 5% do próprio Ceará.
O Tenente José Góis, em seu relato, diz que após juntar todos os habitantes, explicou a eles para que viera: acabar com a comunidade, porque “o Estado não podia permitir aquele ajuntamento perigoso”. As ordens eram que cada família juntasse seus pertences e voltasse para os seus locais de origem. Ofereceu passagens de trem e de navio, que foram unanimemente rejeitadas: “E, fato singular, ninguém tinha bens a conduzir. Tudo o que ali estava, diziam, era de todos, mas não tinha dono”.
O beato José Lourenço continuou por algum tempo refugiado na Serra do Araripe. Severino Tavares e seu filho Eleutério foram presos em Fortaleza. A imprensa da época calculou que, após a destruição do sítio, pelo menos mil pessoas foram juntar-se ao beato José Lourenço, na Serra. Entrementes, Severino Tavares e seu filho foram soltos da prisão e dirigiram-se para Serra do Araripe. Enquanto o beato José Lourenço ganhava tempo para iniciar negociações visando voltar para o sítio, Severino Tavares planejava vinganças… (Afirma-se que uma das moças estupradas pelo Capitão Bezerra era sua filha…)
Sobreviventes do ataque ao Caldeirão.
Os jornais começam a publicar notícias alarmantes, informando que os beatos ameaçavam invadir fazendas e a feira do Crato. Segue uma patrulha comandada pelo Capitão José Bezerra para debelar os “fanáticos”. Severino Tavares montou uma emboscada com alguns seguidores e, em luta corpo a corpo com a patrulha, morreram o Capitão, um filho seu e o próprio Severino Tavares, além de outros soldados e camponeses.
O TOK DE HISTÓRIA apresenta o texto do professor Tarcísio Marcos Alves (1940 - 2016), com a história de uma comunidade religiosa que viveu no seco sertão nordestino, liderada pelo beato José Lourenço, que não perturbavam ninguém, dividia entre seus moradores a produção local e seus lucros. Mas em meio a uma época de grandes conflitos políticos no Brasil, foram acusados de comunistas e massacrados pelas forças militares cearenses.
Seguiu-se o bombardeio na Serra, quando três aviões, comandados pelo Capitão José Macedo, autorizado pelo Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, conduzindo bombas, metralhadoras e grande quantidade de munições, metralharam e bombardearam os agrupamentos de camponeses oriundos do Caldeirão…
Por terra, atacavam as forças policiais. O Capitão Cordeiro Neto avaliou a chacina em cerca de duzentos mortos, enquanto outras fontes orais afirmam que o número de mortes teria atingido uma cifra bem maior: entre setecentas a mil pessoas…
O beato José Lourenço escapou do bombardeio na Serra. Após muitas negociações, conseguiu voltar ao sítio Caldeirão, em 1938. Lá passou mais dois anos, trabalhando e reconstruindo o sítio, junto com poucas famílias de camponeses — o acordo não permitia mais “ajuntamentos”.
Em 1938, quando já reorganizara a produção no sítio, foi novamente expulso pelos salesianos. Na ocasião, o Sr. Júlio Macedo conseguiu junto ao Juiz de Direito do Crato a devolução do dinheiro que fora entregue ao Juizado por ocasião do leilão do que restara dos bens do sítio após a destruição e saque do mesmo.

De posse de pequena quantia, o beato ainda conseguiu adquirir uma pequena propriedade no município de Exu, em Pernambuco. Lá, no sítio que denominou de União, o beato, acompanhado de umas poucas famílias, viveu em paz durante oito anos. Morreu no dia 12 de fevereiro de 1946, vitimado pela peste bubônica…

Seu corpo foi transportado através da Chapada do Araripe pelos seus fiéis seguidores, até o Juazeiro…
O que o beato não sabia era a recepção que o seu corpo teria da Igreja: levado para uma capela onde seria realizada a missa de corpo presente, o padre, na última condenação da Igreja ao beato, negou-se a cumprir o ritual…
Foto – Rostand Medeiros.
NOTAS 
1 — CAVA, Ralph Della. Milagre em Juazeiro. Rio de Janeiro-RJ, Paz e Terra, 1976, pág. 122
2 — Henrique Ferreira, entrevista ao autor, 12/07/1983
3 — CARIRY, Rosemberg. O Beato José Lourenço e o Caldeirão de Santa Cruz. In Revista Itaytera, Crato – CE, n°26, pp. 189-199-1982
4 — BARROS, Ten. José Góis de Campos, A Ordem dos Penitentes. Imprensa Oficial, Fortaleza – CE, 1937, pág. 31.
5 – Jomal “O Povo” – Fortaleza – CE, 02/03/1935
6 — Jornal “O Povo” — Fortaleza — CE, 02/03/1935
7 — CARIRY, Rosemberg, in op. cit., pág. 195
8 — GUEIROS, Optato. Lampeão: Memória de um oficial ex-comandante de forças volantes. Recife – PE, 1952, pág. 252.
9 – ANSELMO, Otacílio. “Tragédia de Guaribas”. In. Revista Itaytera., n° 25,1972, pág. 13. 10 – BARROS, Ten. José Góis de Campos. In op. cit., pág. 30.

Pescado no Tok de História 

E eu pesquei no Lampiaoaceso do Kiko Monteiro

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CARIRI CANGAÇO PIRANHAS 2022, MAIS QUE UM EVENTO, UM TURBILHÃO DE SENTIMENTOS!

 Por Fábio Vila

Fábio Vila na Grota do Angico

Vinte e oito de julho de 2022, quem diria que distantes 84 anos, Lampião e Maria Bonita ainda seriam tema de estudos. Obras continuam a ser produzidas, Livros, Cordéis, Filmes, Séries de TV ou Documentários, não importa qual a mídia, a história do Rei do Cangaço continua viva. Mais uma vez na grota do Angico, já perdi as contas de quantas vezes fui, só que agora foi especial, muito especial. 

Flávio Vila, Manoel Severo e Edilma, em noite de Cariri Cangaço Piranhas 2022

O “Cariri Cangaço” roteirizou de forma magistral uma série de eventos únicos. Como adjetivar a homenagem ao mestre Antônio Amaury que teve suas cinzas eternizadas no leito do Rio São Francisco? E as explicações no alto das perdidas? O que dizer da emoção das mais de 200 pessoas que foram agraciadas em ouvir os fatos ocorridos em 1938, na própria “grota”?, nossas emoções foram alimentadas através de cada pequeno momento visto e vivido. E olhe que nem discorri sobre “Os Caminhos da Resistência”. 

- E as resenhas? “Marmininú! nem te falo, correm frouxo ”;- As palestras? “Vixe!”, “Que momento foi aquele de Carlos Elydio, hein?”, emocionante. - As apresentações folclóricas? Todo mundo “empiriquitado”,  sem “pantim” nenhum, “virados num mói de coentro”. 

Enfim... Cariri Cangaço Piranhas 2022, mais que um evento, foi um turbilhão de sentimentos positivos.

 “Avia” Cariri Cangaço Serra Talhada, chega logo.

Pesquisador Fábio Vila, Natal-RN , 16 de agosto de 2022

Cariri Cangaço Piranhas aconteceu entre os dias 28 e 30 de julho de 2022 na cidade ribeirinha de Piranhas, baixo São Francisco, no estado de Alagoas, nordeste do Brasil.

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UMA MARCANTE EXPERIÊNCIA CHAMADA CARIRI CANGAÇO

 Por Franklin Serra

Franklin Serra, Manoel Severo, Julierme do Nascimento e João Costa

Intenso, vibrante, cheio de entusiasmo — assim me pareceu o Cariri Cangaço sob as batutas de Manoel Severo e de  Celsinho Rodrigues.  O evento aconteceu em Piranhas - AL nos dias 28 a 31 de julho do corrente ano. Tive meu interesse despertado para o tema Cangaço ainda na adolescência,  quando li meu primeiro livro sobre o assunto: Lampeão  - Memórias de um Oficial Ex-Comandante de Forças Volantes, do tenente Optato Gueiros.  Meu pai adquiriu o livro em  Teresina - PI ainda no ano de 1952, quando por lá passou o próprio tenente, anunciando e vendendo, previamente,  o livro que ainda estava no prelo. Fui fisgado pelo sentimento contraditório, como disse  certa vez o imortal Ariano Suassuna,  “de admiração e repulsa pelos cangaceiros.” Com essa leitura, estava lavrada a terra em que brotaria um interesse vivo e contínuo pelo homem nordestino, suas lutas, seus desesperos,  suas glórias.  

Não parei mais. Como um famanaz rastejador, fui  garimpando e escarafunchando a terra fértil,  onde  vicejam autores das estirpes de Luitgard Barros, Antônio Amaury, Marilurdes Ferraz, João Gomes de Lira, Oleone Fontes, Frederico Pernambucano, João Bezerra, Rodrigues de Carvalho  e de tantos outros.  No entanto,   faltava-me  um encontro presencial com os autores e pesquisadores da saga cangaceira. Essa  oportunidade veio com o Cariri Cangaço Piranhas. 

Franklin Serra e Roseli Serra e Dantas Suassuna
Roseli e Franklin Serra, Paulo Britto e Ane Ranzan

O encontro não me decepcionou. Como esperado, fiz novas amizades, adquiri  boa literatura, conheci pessoas admiráveis,  a exemplo da Sra. Terezinha Rodrigues, minha colega de profissão e filha do lendário Chiquinho Rodrigues, que, praticamente sozinho, botou pra correr os bandos de Corisco e Gato naquela longínqua manhã de 29 de setembro de 1936. 

O momento  mais emocionante do encontro foi quando  toda a comunidade do Cariri Cangaço se colocou de pé, às margens do Velho Chico, para homenagear o  escritor Antônio Amaury Correia de Araújo, falecido recentemente e que teve as suas cinzas depositadas no majestoso rio.   Amaury é um exemplo para todos nós. Como um incansável rastejador, percorreu ele todos os cantos e recantos deste imenso nordeste em sua inescapável vocação de caçador de minúcias cangaceiras. Gastou sapato, e tempo, e vida, e paciência, deixando-nos um acervo excepcional, fruto de uma vida inteira de incansável trabalho. A ele nossa homenagem.  

Sinto-me, portanto, feliz por ter participado desse importante encontro do “Brasil de alma nordestina.” Parabéns aos organizadores.

Franklin Serra; Graças, Recife, 16 de agosto de 2022

O Cariri Cangaço Piranhas aconteceu entre os dias 28 e 30 de julho de 2022 na cidade ribeirinha de Piranhas, baixo São Francisco, no estado de Alagoas, nordeste do Brasil.

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CARIRI CANGAÇO E A ARTE DO REENCONTRO

 Por João Andrade

Manoel Severo e João Andrade no Cariri Cangaço Piranhas 2022

Cariri Cangaço - o que mais de relevante, de sensacional pode-se dizer a respeito deste singular evento ecumênico nordestinamente brasileiro? Experimentar com altivez, com paixão e sentimento profundo, seus feitos e seus encantos, criteriosamente alicerçados por uma abordagem estritamente humanista, histórica, artística, paisagística, turística e cultural, é simplesmente demais. Ter o prazer de vivenciar tudo isso e muito mais em um só momento, por diversos momentos, é inacreditável, e, ao mesmo tempo, inesquecível. 

Voltado para o estudo do Cangaço e temas correlatos - o Cariri Cangaço, consegue, sem sombras de dúvidas, através da sua apregoada "Arte do Reencontro", mover "corações e mentes" em busca de um objetivo comum, qual seja: proporcionar a todos os participantes, um breve retorno ao passado distante, para, no tempo presente, poder "vivenciar" com toda emoção, uma "realidade" imaginária dos fatos ocorridos, descritos incessantemente na literatura contemporânea, fartamente acessível.

Cariri Cangaço Piranhas 2022 sob o olhar de Ricardo Beliel

Histórias de um povo sofrido, de uma vida pregressa cheia de tribulações, amarguras e outros dissabores, vivenciada até então, por aqueles que, sem escolha alguma, habitaram uma terra estranha e árida, de seres indomáveis e de solo escaldante, e que o descanso eterno do próprio ser humano era capaz de sanar as dores de todos eles, que, sobre ela estacionaram-se a vida inteira sem jamais arredarem os pés, estes, há muito, cansados, torcidos, retorcidos e calejados de tanto rastejarem-se pela então, infinita terra. Vida longa ao Cariri Cangaço, avante !

João Andrade , pesquisador, Juazeiro - Bahia, 15 de agosto de 2022

O Cariri Cangaço Piranhas aconteceu entre os dias 28 e 30 de julho de 2022 na cidade ribeirinha de Piranhas, baixo São Francisco, no estado de Alagoas, nordeste do Brasil.

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DIAS MARCANTES NA LAPINHA DO SERTÃO!

 Por Helinho Santos

Helinho Santos e Manoel Severo, final de noite de Cariri Cangaço Piranhas 2022

Para mim como curioso e apaixonado que sou pelo tema cangaço, foi uma honra muito grande por ter participado mais uma vez desse grandioso evento que se chama CARIRI CANGAÇO. Já são três edições que participo e, cada uma delas tem um sabor diferente, uma emoção diferente. A primeira vez foi na edição de Poço Redondo Sergipe, em 2018, nas terras do MESTRE Alcino Alves Costa, um grande pesquisador do tema que, infelizmente não tive a oportunidade de conhecer,  a segunda vez foi na edição de 2022 de Paulo Afonso - Bahia, aquela cidade tão imponente, terra do Condor, da rainha do cangaço Maria Bonita e, a terceira vez com um gostinho diferente, foi no último final de semana de julho, na cidade de Piranhas-Alagoas, a lapinha do sertão, cidade que amo demais, por onde muitas passagens cangaceiras ocorreram e, exclusivamente, com a linda homenagem que foi feita ao mestre Dr Antônio Amaury Corrêa de Araújo, sem dúvida alguma, o maior pesquisador e escritor do tema cangaço que já tivemos, onde, tive a grande honra de filmar de cima o depósito das suas cinzas no leito do Velho Chico, local que ele tanto amava.

Carlos Elydio, filho de Antônio Amaury e a Urna com as Cinzas do Mestre: Momento Extraordinário da "Entrega" das cinzas do Mestre Amaury ao Velho Chico

Enfim, no Cariri Cangaço, temos a oportunidade de conhecer pessoas incríveis de todo o país, onde, fazemos amizades, discutimos cultura e, voltamos para casa com a bagagem cheia de conhecimentos, alergia e muita saudade. Obrigado, por tudo! O Brasil de Alma Nordestina se encontra aqui.

Helinho Santos, produtor AirDrone - Imagens Aéreas, Itabaiana SE , 16 de agosto de 2022 

O Cariri Cangaço Piranhas aconteceu entre os dias 28 e 30 de julho de 2022 na cidade ribeirinha de Piranhas, baixo São Francisco, no estado de Alagoas, nordeste do Brasil.

https://cariricangaco.blogspot.com/2022/08/dias-marcantes-na-lapinha-do-sertao.html

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