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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

AS MULHERES DO CANGAÇO

Por Wanessa Campos

“Acorda, Maria Bonita, levanta e vem fazer café…” Escutava com assiduidade a musiquinha na minha meninice em Triunfo, Sertão de Pernambuco, a minha cidade. E, diante da curiosidade infantil, ficava a perguntar a mim mesma quem era essa Maria dorminhoca que precisava ser despertada para fazer o café. Mais adiante, ainda menina, ouvindo as histórias do Cangaço, fiquei sabendo que a Bonita era a mulher de Lampião. Entendi a história pelo meio, ficou faltando um pedaço.

Já adulta, formada em jornalismo e morando em Recife, fui trabalhar exatamente numa editoria regional e fatalmente iria me deparar com fatos nordestinos. Cangaço, certamente, não seria uma notícia fora do contexto. Em 1991, houve um plebiscito em Serra Talhada, terra de Virgolino Ferreira, em torno de uma pergunta: Lampião era herói ou bandido? Dependendo do resultado, ele teria uma estátua de 30 metros de altura na sua cidade. A maioria votou que ele teria sido um herói, mas a estátua ainda não foi erguida. E ele não foi herói nem bandido, mas sim, história.

Diante de tão importante acontecimento, comecei a ler mais sobre o Cangaço. Fiquei tão deslumbrada que me apaixonei pelo tema. Fiz inúmeras reportagens, e Maria Bonita passou a ser uma figura de minha admiração. Com a proximidade do seu centenário de nascimento, decidi escrever sobre essa mulher tão corajosa, tão desafiadora no seu tempo, que rompeu paradigmas, virou musa, mito e fonte de inspiração até hoje.

Pesquisar sobre a mulher do Capitão talvez tenha sido a minha maior dificuldade profissional. As imprecisões, as contradições da sua vida passaram a ser um desafio. Como “sequenciar” a vida dessa Maria sobre quem pouco se sabe? Foram dois anos e meio de pesquisas, viagens, entrevistas, consultas em livros e jornais da época. O resultado está no livro “A Dona de Lampião” e continua aqui nesse blog com outras Marias. Outras “Mulheres do Cangaço”
 
https://mulheresdocangaco.com.br/sobre-2/

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FAMÍLIA DO CANGACEIRO ÂNGELO ROQUE, O LABAREDA.

Por José Mendes Pereira 

O que segue abaixo, foi escrito pelo pesquisador e historiador do cangaço, Beto Rueda, o ex-cangaceiro Labareda, Ângelo Roque da Costa, nasceu no sítio Quixabá, município de Tacaratu - no Estado de Pernambuco, no ano de 1910, e nasceu  numa família humilde, mas respeitada na região. Fez ingresso no cangaço após matar o soldado Horácio Caboclo, o "Couro Seco", por ter desrespeitado a sua irmã de 15 anos, Sabina Roque da Costa.

Depois do crime foi perseguido pelo pai de Horácio, André Caboclo que o atacou com uma facada, mas ele sobreviveu. Meses depois, fingindo uma viagem, voltou e matou o velho também.
Após esse novo assassinato a sua casa foi cercada e um intenso tiroteio resultou a morte do seu irmão João de Deus e sua esposa Ozana, que deixou um filho. Ângelo Roque conseguiu escapar. Sua casa e as propriedades da família foram queimadas.

Ameaçado, pediu amparo ao coronel João Sá que era amigo do seu pai. Permaneceu um tempo na fazenda do seu protetor, próximo a Jeremoabo - BA.

Tempos depois andou com um pequeno grupo formado por parentes e amigos praticando crimes. Foi duramente perseguido pela polícia. Procurou Lampião e entrou para o grupo que já andava pela Bahia desde agosto de 1928.

Destacou-se mais tarde por sua valentia e liderança como chefe de subgrupo, participando de muitos combates. Sua atuação teve por palco principal o sertão da Bahia e a zona de fronteira com Pernambuco.

Esteve no coito de Angico no dia anterior ao ataque mas, gripado, ficou na casa de um coiteiro e não participou do confronto com a tropa do tenente João Bezerra.

Depois da morte de Lampião em 28 de julho de 1938, permaneceu ainda quase dois anos pelas caatingas de armas na mão. No início de abril de 1940 seu grupo foi atacado pela volante de Odilon Flor nas proximidades de Bebedouro, Parapiranga - BA. Entregou-se a polícia com 12 companheiros: 8 homens e quatro mulheres. Eles e seus companheiros foram transferidos para a capital, Salvador.

Pelos seus crimes, foi julgado e condenado a 95 anos de pena, depois reduzidas a 30 anos e comutadas a apenas 10 anos de cárcere. Apesar das adversidades da reclusão, foi considerado um prisioneiro de comportamento exemplar.

Após sua saída da prisão, foi contratado como assistente do professor Estácio de Lima como funcionário público na capital baiana.

Deixou um importante testemunho do cangaço com o seu depoimento para o livro "O Mundo Estranho dos Cangaceiros".

Faleceu já em idade avançada, a 12 de outubro de 1974.

REFERÊNCIAS:

LIMA, Estácio. O mundo estranho dos cangaceiros. Salvador: Itapoã, 1965.

PRATA, Ranulfo. Lampião. 2.ed. São Paulo: Editora Paratininga, 2010.

MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5 ed. São Paulo: A girafa, 2011.

https://www.instagram.com/p/DCcJBaOxYJo/

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HUMBERTO DE CAMPOS.

 Por Manoel Neto

Três vezes Lampião

Popularíssimo nas primeiras décadas do século passado com uma legião incontável de leitores espalhados por esse país continental, Humberto de Campos Veras, maranhense, nascido no ano de 1886, em Miritiba – cidade que hoje carrega o seu nome – morreu prematuramente no ano de 1934, aos 48 anos, no Rio de Janeiro, para onde se transferira em busca de melhores condições de trabalho e de vida, tendo com ele desaparecido sua popularidade, sendo hoje absolutamente ignorado pela grande maioria dos brasileiros, mesmo àqueles menos desinformados.

Garoto pobre, órfão de pai nos primeiros anos da sua breve existência, Humberto cedo conheceu a obrigação cotidiana do trabalho, transformado que foi com o passamento do seu genitor, em arrimo de família. As tarefas cotidianas se dificultaram sua ida à escola não o afastou, porém, dos livros e das leituras, amor que carregaria por todo tempo.

Autor prodigioso, dono de uma prosa fluente e erudita, porém, saborosamente coloquial, o escritor maranhense que também viveu no Pará, estreou na literatura com o volume de poemas “Poeira” entregue ao público em 1910, quando contava 24 anos de idade. Capítulo em separado dos seus escritos são os “Diários Secretos”, narrativa em dois volumes que postumamente lançadas provocou escândalo entre os intelectuais e a sociedade como um todo, em razão das inconfidências e comentários desairosos sobre figuras de destaque na vida pública da Capital Federal, o  provocando constrangimentos generalizados.


Desembarcado no Rio de Janeiro em 1912, procedente de Belém do Pará, onde já se fizera notório como cronista escrevendo para os jornais “Folha do Norte” e “Província do Pará”, galga prestígio rapidamente e já em 1919 é eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira número 29, sucedendo ao seu amigo Emílio de Menezes, láurea que vai lhe acrescer em fama e respeito junto aos seus leitores e pares.

Prosador e poeta, crítico, jornalista e político, Campos nos legou uma obra que relida nos dias que correm demonstram o seu talento singular, em que pese fortemente marcada pela temporalidade, o que por outro lado nos permite também revisitar o país que Humberto viveu e reportou com a assiduidade de um militante da palavra que ele incontestavelmente o foi, Diria mesmo que os seus textos são fontes documentais valiosas para o historiador que deseje estudar o Brasil daqueles dias tumultuados.

Pois foi relendo um dos seus muitos trabalhos, conjunto de crônicas  reunidas e que originaram os volumes “Notas de Um Diarista”, publicados em duas séries, nos anos de 1935 e 1936, após o falecimento do escritor, que surpreso constatei não ter passado despercebido ao cronista, as façanhas do Capitão Virgolino Ferreira nas caatingas da Bahia e outros Estados nordestinos. Ao contrário, mais de uma vez ele fez do cangaço o seu tema, o que ratifica ter sido o assunto recorrente na imprensa “brasilis” do Oiapoque ao Chuí.
 

A primeira destas crônicas – “A Última Proeza de Lampião” – estende-se da página 27 a pagina 30, em frente e verso. Logo de saída o articulista anuncia a sua fonte de informação:

“Um telegrama da Bahia, publicado ontem no Rio de Janeiro, descreve mais um feito sanguinário do maior e mais terrível sanguinário que tem imperado nos sertões do Brasil: a frente de 60 apaniguados ferozes e bestiais, “Lampião” invadiu a vila de Curuçá [1] (sic), estuprou, roubou, depredou, matou, afixou, enfim, em cada rua e em cada casa, o selo fatídico e vermelho  que assinala sempre a sua passagem. Quinze homens válidos e pacíficos tombaram sangrados pela suas mãos. E o coração de um deles, arrancado pela garganta, foi levado em troféu entre gritos de animação, de entusiasmo e de vitória”. (CAMPOS. Notas De Um Diarista, p. 27).

O forte apelo dramático do texto não é casual. Ao apresentar para seu leitor homens ferozes e bestiais, violentos e capazes de ações que nos remetem a barbárie, Humberto de Campos não foge a regra vigente, era assim que a mídia retratava os cangaceiros. Demonizá-los era imprescindível para justificar a violência do braço aramado do Estado. Não há dúvida que os bandos que infestavam o Nordeste, usavam o terror como instrumento de coação e controle sobre as populações, notadamente os grupos sociais mais vulneráveis, geralmente trabalhadores rurais e pequenos proprietários. Para aqueles que não aderiam direta ou indiretamente ao cangaço, integrando os bandos ou servindo como coiteiros e informantes, a existência era perturbada pela atribulação, pela violência que partia tanto dos grupos marginais, quanto do próprio Estado, através das volantes que agiam de forma arbitrária e discricionária.

Quanto à notícia propriamente dita ela merece muitos outros reparos. Que a  região e a cidade eram local de passagem contumaz dos malfeitores e das forças de repressão é fato incontestável. Duvidosa é a informação de que Virgolino se fizera acompanhar de “60 apaniguados”, quando nesta fase da luta o Rei do Cangaço já procedera à subdivisão do seu pessoal dispersando-os em pequenos ajuntamentos, visando maior mobilidade e, por consequência, mais segurança. Por outro lado ataque de tal monta, com tantos mortos, mutilados e violência sexual repercutiria muito mais amplamente. Na Bahia mesmo temos como exemplo a chacina em  Queimadas, no ano de 1929, incidente até hoje fartamente documentado e referenciado por escritores, jornalistas e pesquisadores.

Compulsando documentos Curaçá e sua história, recolhemos algumas informações bastante úteis e esclarecedoras que nos ajudam a dissecar os acontecimentos mencionados pelo cronista. Vejamos:

1) Em 1933 – a crônica foi escrita após 1930 e não pode ultrapassar 1934, ano do falecimento do autor – o município de Curaçá além da sede englobava os distritos de Ibó, Chorrochó, Patamuté e Barro Vermelho – todos com registros de ocorrências que relatam a passagem de cangaceiros. Várzea da Ema ponto de visitação repetido dos cangaceiros e que até 1911 pertencia a Curaçá, em 1933 já não integra o município sanfranciscano.

2)  “Documento publicado em 2004, noticiando história do município, no capitulo referente ao “Processo de Urbanização de Curaçá”, anota: “ [...]
3) Recordam-se os mais velhos que no início da década de 1930,  inúmeras casas foram construídas nos limites da cidade pelos produtores rurais. Estes abandonaram suas roças do interior do município por sentirem-se vulneráveis diante do conflito existente na região provocado por Virgolino Ferreira da Silva, conhecido por Lampião, o Rei do Cangaço, Lampião chegou a liderar 200 cangaceiros e a milícia destacada pelo Governo para matá-los era conhecida como volante. “A população rural amedrontada temia tanto os cangaceiros pela sua violência, como as volantes pela sua maldade e perversidade (grifo nosso)”.(AGENDA 21. Distrital, p. 8)

Recorremos ainda a estudiosos que se mostraram surpresos não só com a existência das crônicas, mas, sobretudo, a menção de um ataque de tamanha virulência naquela cidadezinha sertaneja.
Antonio AmaurY

O mestre Antônio Amaury Correa de Araújo, nome que dispensa apresentação pela credibilidade e conhecimentos sobre cangaço e cangaceiros, nos informou que Lampião realmente esteve em Curaçá na década de 1930, sendo que na ocasião duas mortes ocorreram, até porque, os membros da família Engrácia, de cujo seio saiu 23 cangaceiros – dentre eles Antônio e Cirilo de Engrácia – eram naturais da região, sendo, pois, bastante conhecidos naqueles lugarejos, o que assegurava relativa tranqulidade aos salteadores, que se mostravam sempre bem informados e municiados pelos amigos que mantinham naquelas paragens. Deu-nos ciência Amaury que estes dados lhe foram transmitidos por certo Sr. Cândido, mais conhecido como Candinho, nascido e criado em Curaçá e testemunha presencial do acontecido. Sobre o assombroso número de 15 mortos, uma delas tendo o coração de “tirado pela boca” o coração, o renomado pesquisador não tem notícia, classificando-a como a muitas outras, de informações fantasiosas da imprensa da época.

Não pretendemos em absoluto negar os crimes, alguns bastante cruéis, cometidos pela gente do cangaço, ao contrário, como já mencionamos neste texto o uso do terror como forma de intimidação foi uma estratégia largamente utilizada pelos cangaceiros. Como sempre ressalta o escritor Frederico Pernambucano de Melo, este é um procedimento que dificultava, sobremaneira, a ação coibidora do Estado, porquanto, inibe o aparelho policial e judiciário, em decorrência da inexistência de testemunhas que se dispusessem a depor, temerosas das represálias que certamente ocorreriam advindas dos denunciados. Voltando ao documento produzido pela AGENDA 21, parcialmente reproduzido acima, é importante a menção às fontes orais ouvidas pelos pesquisadores, confirmadoras da “maldade e perversidade” das volantes. Sempre é bom lembrar que trajados de maneira muito assemelhada aos cangaceiros, composta em esmagadora maioria por homens nascidos e criados nos sertões nordestinos, as guarnições militares que percorriam as caatingas em perseguição aos bandoleiros, cometiam seguidas arbitrariedades, não poupando, inclusive, idosos e inocentes, não sendo incomuns queixas de abusos sexuais cometidos pelos soldados e, até mesmo, alguns graduados.

Dando curso as suas reflexões Humberto prossegue alertando que o prolongamento do fenômeno e a inconcebível, para ele, impunidade dos transgressores, começa a gerar indiferença entre os brasileiros, Escreve observando que [...]

“A princípio, ao ler a comunicação de uma destas façanhas o país se comovia e indignava, reclamando dos poderes públicos o ponto final para o feio poema de sangue e lama. As vozes que se erguiam, foram, porém, caladas nos peitos que as emitiram. È hoje com indiferença quase criminosa que se tem conhecimento dessas selvagerias do bandoleiro. E Lampião de pavio aceso, continua desafiando o Brasil (CAMPOS, p. 27).

Atribui essa indiferença da opinião pública antes tão sensível ao noticiário sobre o assunto a incapacidade das autoridades no Governo Federal e nos Governos estaduais diretamente afetados pela insidiosa atividade do cangaço, para enfrentar e dar cabo de lampião e seus seguidores. Para ele falta vontade política, determinação administrativa e investimento financeiro para derrotar os bandidos, embora reconhecendo que “O Governo da República tem uma infinidade de problemas a resolver” (Cf. ob.cit. p. 28). Indaga se “ os Estados nordestinos não possam reunir um contingente de 200 homens, escolhidos entre os melhores elementos das suas milícias policiais?”(idem).Repara que os governos quando desejam perseguir adversários políticos são ágeis e eficientes, inferindo:

“A sofreguidão com que se organizam forças para a politicagem dos governos, e a impossibilidade, que se encontra em mobilizá-las para a defesa do povo e da dignidade nacional, não constituirão um índice triste e amargo da capacidade ou da incapacidade dos homens públicos do nosso tempo? (ibidem).

Não quer ou não consegue perceber que o cangaço é decorrência das mazelas históricas da sociedade brasileira, no caso, em particular, da vida rural no Nordeste. Insulados nos latifúndios imensos, submetidos com suas famílias a tutela dos coronéis poderosos, os camponeses, vítimas desvalidas dos potentados, fazem-se descrentes do juiz e do delegado, do organismo judiciário e policial, “lavando com sangue” em alguns casos a honra de  uma filha molestada sexualmente ou uma desfeita que lhe humilhou e ofendeu de forma profunda. Feita a desgraça não há mais retorno Muda de hábitos e de vida. Caminha lado a lado com outros homens induzidos por diferentes ou pelas mesmas razões àquele caminho. Não compreende Humberto de Campos, talvez antolhado pelo espírito da época, que a subsistência do cangaço somente ocorre por interesses das classes dominantes e das autoridades. O fornecimento de armas, munições e alimentos, a venda de informações estratégicas e o uso dos grupos armados para intimidar e eliminar adversários políticos e concorrentes comerciais sabemos hoje, proporcionou lucros e prolongou o poder de muita gente boa. Sem coiteiro o cangaço não teria duração tão prolongada. Lampião, Corisco, Zé Baiano, Ângelo Roque, Gato e tantos outros, tornaram-se profissionais numa atividade altamente compensadora, arriscada, periculosa, desconfortável quase todo o tempo, entretanto, com lucros materiais nada desprezíveis.

Ângelo Roque, vulgo "Labareda"

A produção do próprio espaço em que operava foi tarefa que o gênio de Lampião empreendeu com absoluta competência. Teceu com paciência e habilidade de negociador político arguto, diversificada rede de colaboradores, que foram decisivos para o funcionamento e a dinâmica do cangaceirismo. Mesmo nos momentos mais duros, como nas grandes estiagens, essa rede logística podia claudicar, entretanto, não deixava de prover as necessidades das “tropas cangaceiras”. Assim o dinheiro circulava, corria solto, cevando os bornais de muito graúdo. Se múltiplos fatores podem explicar o cangaço, não menos complexas são as causas da sua extinção. Quando a roda inexorável da história gira, cumprindo a sua dialética irreversível, a realidade se altera carregando de roldão mais cedo ou mais tarde, de uma ou de outra forma, todos que não compreendem este processo ou contra ele se colocam por convicção política e ideológica.

Voltando ao texto de Campos, nos parágrafos seguintes ele imerge em duas considerações capitais para o entendimento do seu modo de pensar. Ao final da página 28 e no começo da seguinte, ele retoma a idéia de que o banditismo rural, tomando aqui o conceito de Hobsbaw [3], apresenta-se já como uma “calamidade comum, ordinária, como a lepra, como a tuberculose, como as epidemias que, pela persistência e continuidade, se tornaram familiares” (CAMPOS, PP. 28. 29.

Usa ainda um exemplo que foi buscar no historiador paraense Ignácio Moura [4], que segundo Humberto, informa em um dos seus estudos “que no Alto Araguaia há quarenta anos, o bócio [5]era tão vulgar, e se achava tão generalizado, que as pessoas sem papo eram olhadas, quase, como defeituosas” (Cf. CAMPOS, p. 29).

O texto na sua continuidade ingressa em etapa propositiva e a panacéia é objetivamente indicada, remédio ortodoxo e prontamente erradicador do mal: “Já é tempo, entretanto, de os homens que têm uma pena apelarem para os homens que têm uma espada, em lugar de se dirigirem, apenas, àqueles que têm o mando” [...] Há no Exército, e nas milícias dos Estados do Sul, numerosos oficiais briosos e valentes, nascidos nas regiões que Lampião castiga com a sua ferocidade e humilha com a sua depravação São baianos, alagoanos, sergipanos, pernambucanos, cearenses, rio-grandenses-do-norte”  (ob.cit. p. 29).

Fica evidente que a proposição é federalizar o problema, solução que na cabeça não só do escritor maranhense, mas de muita gente, equacionaria o impasse da falta de recursos humanos e armamentos. Nada de novo no front.  Inevitável evocarmos aqui a história e colhermos no fundo do baú os exemplos de Canudos, Contestado, Caldeirão Grande e Pau de Colher [6], sublevações camponesas com fortes conotações religiosas, que tratadas como assuntos meramente policiais produziram resultados sangrentos.

Profundamente apegados as suas crenças e crendices, os cangaceiros de um modo geral não se apartavam dos seus santos, rezas e escapulários, para não falar das correntes com medalhas e relicários, objetos pelos quais tinham predileção estética e devoção contrita. Todavia, se oriundos da mesma matriz social e física e perlustrando o mesmo espaço geográfico, cangaceiros e beatos seguiram rumos diferentes. Os beatos eram pastores de almas e obcecados realizadores de obras civis e religiosas, como demonstram os apostolados operosos do Padre Mestre Ibiapina, de Antonio Conselheiro e do Beato José Lourenço [7]. Lampião seus companheiros e seguidores não se propunham a reformar o mundo ou a uma prática social profilática junto à pobreza, agiam exclusivamente para sobreviver e garantir o amealhamento de valores em dinheiro e metais preciosos. Vez por outra, mormente, quando precisavam de ajuda ou informação, sabiam ser generosos e pródigos na distribuição de favores e numerários. Cultivavam também seus afetos e cuidavam para que os seus amigos e familiares tivessem existência menos atribulada, na mediada do possível. Ao concluir sua crônica Humberto de Campos, ressalva:

“Bato, neste momento, pela primeira vez, com a minha mão de paisano, à porta dos quartéis. E tenho quase a certeza de que meus olhos não verão em nenhuma delas o dístico da porta do Inferno, o qual ordenava aos que entravam, que deixassem, ali, toda a esperança.... “. (CAMPOS, ob.cit. p.30).

Finaliza como iniciou, repercutindo a notícia telegráfica que lhe ordena à consciência por cobro ao cangaço, infrene e desinteressado sobre as causas e sobre os homens que de pacatos camponeses transformaram-se em salteadores de estradas e cidades, latrocidas e sequestradores, como se tal forma de vida não os castigassem severamente. Afinal quase todos tiveram vida breve, morreram jovens e os que sobreviveram jamais voltaram a delinqüir. Mas o notável escritor a isso não pode ver, porquanto, ele também partiu prematuramente.

[1] Curuçá, como grafou Humberto de Campos é uma cidade do Pará, como também, um distrito  com topônimo semelhante, pertencente à cidade de São Paulo.  Na Bahia existe o município de Curaçá, cuja existência como tal remonta ao final do século XIX, mais precisamente 1890, quando o local foi elevado a categoria de cidade, estando inserido até hoje me zona onde transitaram e de onde saíram muitos cangaceiro zona do semiárido baiano.

[2] Ouvimos também os escritores e pesquisadores Oleone Coelho Fontes e Luiz Rubem Bonfim, autoridades reconhecidas na matéria, que desconheciam o fato mencionado no telegrama que Campos tomou como fonte para o seu comentário.
[3] Hobsbaw. Eric.Bandidos. Editora Forense Universitária. Rio de Janeiro, 1976. 148 p.il:.

[4] Ignácio Moura (1857-1929), nascido em Cametá, município paraense, era jornalista, escritor, professor, poeta.

[5] Bócio- Moléstia que ataca a tireóide, sendo popularmente conhecida como “papo”.

[6] Canudos e Pau de Colher na Bahia. Caldeirão Grande no Ceará e o Contesto entre os Estados de Santa Catarina e Paraná. O rescaldo final da repressão soma milhares de mortos, inclusive, velhos, mulheres e crianças.

[7] Ibiapina fundou as Casas de Caridade que assistiu e educou centenas de mulheres pobres. Antonio Conselheiro ao longo de sua caminhada ergueu e reparou templos e cemitérios, além de providenciar aguadas e pequenos açudes para saciar as populações esquecidas dos sertões. Quanto ao beato José Lourenço transformou em fértil e produtiva propriedade as terras do Caldeirão.

Manoel Neto
Centro de Estudos Euclydes da Cunha – CEEC                             
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1927 – UM INTERESSANTE ARTIGO DE TÉRCIO ROSADO MAIA SOBRE O CANGAÇO.

 

PUBLICADO NA IMPRENSA PERNAMBUCANA TRÊS DIAS APÓS O ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ, O TEXTO NADA COMENTOU SOBRE ESTE GRAVE EPISÓDIO!
Autor – Rostand Medeiros

Tércio Rosado Maia foi um potiguar nascido no dia 19 de agosto de 1892, em Mossoró, sendo o terceiro filho do farmacêutico paraibano Jerônimo Ribeiro Rosado e de Maria Amélia Henriques Maia, que faleceu justamente durante o parto de Tércio. Seu pai, como era o costume comum na época, logo contraiu matrimônio com Isaura Henriques Maia, sua cunhada.

Tércio Rosado Maia – (1892 – 1960)

O patriarca Jerônimo inicia a partir do nascimento de Tércio uma tradição singular na família Rosado de Mossoró. Tércio em Latim significa terceiro e seus irmãos que nasceram posteriormente foram batizados com números. Alguns em latim, mas a maioria com numeração existente no idioma francês.

Tércio se mostrou um homem de extrema capacidade, onde buscou ampliar muito dos seus conhecimentos através dos estudos. Já nos primeiros anos da década de 1910 concluiu o curso de farmácia na Escola de Medicina da Bahia. Dinâmico e atuante foi um dos pioneiros do cooperativismo no Rio Grande do Norte, responsável em 1915 pela criação da primeira cooperativa potiguar; a Sociedade Mossoró Novo. Consta que passou um tempo trabalhando na Estrada de Ferro de Mossoró e em 1925 deixou este emprego e passou a morar na capital pernambucana [1]. Ainda em Recife concluiu o curso de odontologia em 1929, o de Direito em 1940 e chegou até o 4º ano de medicina.

Mossoró, primeira metade do século XX - Fonte - blogdetelescope.blogspot.com
Mossoró, primeira metade do século XX – Fonte – blogdetelescope.blogspot.com

Mas voltando para a segunda metade da década de 1920, ao realizarmos uma pesquisa na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, descobrimos que nesta época Tércio Rosado estava em Recife não apenas aprendendo sobre dentes, ele igualmente começou a escrever na imprensa do Recife e a participar ativamente da vida intelectual da cidade.

Não sei quando e em qual periódico ele começou a escrever na capital pernambucana, mas vamos encontrá-lo assinando em 10 de abril de 1927 um interessante artigo sobre a chegada do hidroavião português “Argos” a Recife. O trabalho foi publicado na primeira página do Diário de Pernambuco, um dos mais respeitados jornais do Brasil naquela época[2].

Na sequência o nome de Tércio Rosado Maia começa a aparecer ocasionalmente na coluna “Estudos e opiniões”, onde trazia principalmente temas que iam desde o folclore nordestino, até mesmo assuntos internacionais. Quase sempre esta coluna era publicada nas primeiras páginas do Diário de Pernambuco.

Recife, Ponte da Boa Vista, primeira metade do século XX - Fonte - www.luizberto.com
Recife, Ponte da Boa Vista, primeira metade do século XX – Fonte – http://www.luizberto.com

Junto com sua atuação nos periódicos, Tércio também começou a fazer parte do Cenáculo Pernambucano de Lettras, uma das várias associações literárias que congregavam grupos de intelectuais em Recife. Nesta época também fazia parte desta associação o médico potiguar Abelardo Calafange.

Na continuidade das minhas pesquisas, encontrei na edição do Diário de Pernambuco de quinta-feira, 16 de junho de 1927, na segunda página, um interessante e pouco conhecido artigo escrito por Tércio Rosado Maia sobre os cangaceiros nordestinos.

O bando de Lampião. Foto realizada após a derrota em Mossoró, em Limoeiro do Norte-CE.
O bando de Lampião. Foto realizada após a derrota em Mossoró, em Limoeiro do Norte-CE

Intitulado “A magistratura e a prophilaxya do cangaceirismo”, inicialmente clamava por uma ação mais ativa da magistratura contra os sobas das localidades interioranas, os portentosos coronéis que tanto contribuíam para a formação e a existência dos grupos de cangaceiros. Apesar da sua formação acadêmica em Direito só haver ocorrido treze anos após o famoso ataque de Lampião a Mossoró, Tércio Rosado escreveu este interessante texto com extrema segurança e desenvoltura em relação as suas opiniões.

Também trazia a sua visão sobre os fatores que determinavam a criação dos cangaceiros, classificando-os “por índole, degenerados e perversos”. Ainda sobre os cangaceiros no texto chama atenção quando Tércio Rosado apontou a ação positiva da magistratura potiguar no combate ao cangaço. Mas confesso que desconheço completamente a qual caso ele fez referência, que envolveu a ação de magistrados no combate a cangaceiros no Rio Grande do Norte.

Fonte - cariricangaco.blogspot.com
Fonte – cariricangaco.blogspot.com

O texto de Tércio Rosado Maia suscita muitos outros questionamentos e o mais importante estava no fato dele ter sido publicado apenas três dias após o ataque de Lampião e de seus homens a cidade de Mossoró. Mas no material publicado não existe uma única referência sobre este famoso ataque, ocorrido no dia 13 de junho de 1927.

Diário de Pernambuco, primeira página, 19 de junho de 1927.
Diário de Pernambuco, primeira página, 19 de junho de 1927

Vale ressaltar que a primeira notícia do Diário de Pernambuco sobre o ataque a cidade natal de Tércio Rosado só foi publicada no dia 19 de junho, seis dias após a ocorrência dos episódios. Era uma pequena nota na primeira página, onde a empresa Leite Bastos & Cia. informou ter recebido um telegrama de Ramiro Queiroz comentando sobre o ataque, o pavor da população mossoroense, a morte do cangaceiro Colchete e a prisão do temido cangaceiro Jararaca.

Jornal do Brasil, edição de quarta-feira, 15 de junho de 1927, página cinco.
Jornal do Brasil, edição de quarta-feira, 15 de junho de 1927, página cinco.

Apesar dos sistemas de comunicação existentes no Nordeste brasileiro em 1927 não serem tão modernos, a notícia do ataque de Lampião a Mossoró logo alcançou locais muito mais distantes do que Recife. O periódico carioca Jornal do Brasil, edição de quarta-feira, 15 de junho de 1927, na página cinco, trazia uma nota intitulada “Audácias do Banditismo” e resumia o ataque dos cangaceiros a cidade potiguar.

Apesar de não ter descoberto quer era o Sr. Ramiro Queiroz, é inquestionável o atraso do conceituado periódico Diário de Pernambuco em publicar tão grave acontecimento ocorrido em uma cidade nordestina.

Sem mais delongas o leito poderá ler o artigo de Tércio Rosado Maia na íntegra, aqui reproduzido com a escrita original. As palavras marcadas em negrito seguem o padrão original do texto conforme foi publicado em 16 de junho de 1927.
Boa leitura!
Diário de PE-26-07-1927 (1)
Diário de PE-26-07-1927 (1)

“ESTUDOS & OPINIÕES”

A MAGISTRATURA E A PROPHILAXYA DO CANGACEIRISMO

Sobre os hombros do magistrado impende a tarefa principal de sanear o Nordeste da epidemia do Cangaço.

Este acerto cathegorico, tout court[3], nasce de um exame preciso da singular instituição que tanto estorva o progresso e a estabilidade da vida regional.

E tem a sua contra-prova, decisiva, fulminante, num exemplo irretorquível e brilhantíssimo: o caso do Rio Grande do Norte.

O magistrado, aqui no Nordeste quando não é, por sua incapacidade, fraqueza, e desorganização, o principal gerador do cangaceiro, significa o melhor prophylatico de que o governo, possa lançar mão para exterminar a praga do cangaço, ao nascedouro.

O magistrado, agindo dentro das normas estrictas do Dever e conscio de suas responsabilidades, representará no organismo da Região o papel de um phagocyto, insulando e eliminando os elementos tornados deletérios, e immunizando o meio de forma a faze-lo refractario a população de taes vírus de ruina e decomposição.

A dupla interrogação supra lançada, vou tentar uma resposta, procurando de caso passado, fazer abstração e idéias e conceitos todo-formados sobre o assunpto e atirados em circulação com a impertinência de dogmas.

Norteio meu esforço em ver com meus próprios olhos, e analysar com meu proprio senso analytico o problema do cangaço. E vejo afina, desvanecido e satisfeito, que as minhas conclusões em alguns pontos coincidem, e noutras se aproximam das idéias de outros que, reputadamente, souberam distinguir claro, no confuso phenomeno pathologico que é o banditismo no Nordeste.

O cangaceiro – o profissional do Cangaço, póde ser levado a este meio extremo de vida por diversos motivos. Ora, é a explosão destruidora de latentes instictos de ferocidade sanguinaria, conduzindo ao primeiro assassinato, elo inicial de uma cadeia maldita que acrescerá continuamente até o fim da vida. Dessa forma, surge a escoria do cangaço, a mais perigosa e perversa camada da classe.

São os seus componente criminosos-natos, individuos degenerados a quem o momento sobrevindo, aproveitam gostosamente a ensancha de se encarreirarem no crime.

Um outro grupo, esquerdo e apagado, exercendo a contragosto a singular profissão com um fatalismo melancholico e resignado, é formado pelos criminosos ocasionais, de diferentes matizes, os que por uma circumstancia fortuita, inesperada, uma fatalidade, emfim, bruscamente incidiram nas disposições punitivas do Codigo; e, sem coragem para enfrentarem a perda de liberdade ou os azares do jury, abrigam-se á impunidade aleatoria do cangaço…

Uma outra divisão ainda; a dos revoltados: se os dois primeiros grupos proliferam com a responsabilidade directa do magistrado, por que os meio de acção de este dispõem nem sempre permittem reduzir á obediencia das leis os elementos recalcitantes: os revoltados constituem uma reacção directa da magistratura viciosa e indigna.

O revoltado é o homem a quem a Sociedade, pela boca expressiva de seu magistrado, negou Direito, faltou justiça. Indignado, elle tenta fazer justiça por suas mãos, justiça que não é justiça, por que esta só póde ser impessoal e equânime. Dado o primeiro passo, o revoltado segrega-se do contacto social, homisiando-se em alguma fazenda distante, sua ou de algum amigo. Se não o incommodam, elle recobrará mais tarde sua anterior personalidade. De alcateia, porém, durante algum tempo, elle, sendo perseguido reage, lucta. Aggrega companheiros – parentes e asseclas, mantem o pequeno grupo em pá de guerra, no cangaço emfim; o trabalho descurado, intermitente, quasi ineficaz, já não repara as brechas feitas nas pequenas economias. Os recursos se exgottam; surge então os expedientes de pedidos de dinheiro, verdadeiras extorsões que a pequena tropa nomade vae fazendo sertão em fóra. Mais tarde as depredações e tropelias. Ou então o grupo cae sob o patrocinio de um potentado, senhor de engenho, dono de grandes latifundios, az ou rei no baralho da politica local. Este dá aos protegidos, muitas vezes, uma occupação pacifica; outras vezes os utiliza nas suas pazzias[4], ou emprezas políticas e… financeiras. Porque atingiu em zonas do interior, v. g.[5] nos Cariris cearenses, á perfeição de uma verdadeira exploração industrial.

O potentado sertanejo é um remanescente do feudalismo medieval; negue, embora, Sylvio Romero a verdade é que o desenvolvimento da colonia recapitula, atravez de formas fustes e camufladas; a história da metropole, e assim não há que extranhar em reconhecer no grande proprietário matuto, o neto do barão feudal.

Com a preoccupação de ostentar força e prestigio, a vaidade dos chefes sertanejos leva-os a acolher e amparar esta escumalha do crime, garantindo-lhe a manutenção e a impunidade. E timbram em afrontar os balbuciantes reclames da justiça local.

Esta, desamparada do poder central, assombrado pelo prestigio politico do temido coronel, reduz-se, annulla-se, dobrando, subserviente, ao capricho dos poderosos.

Vê-se, portanto, que geralmente, de tres fontes recruta-se o exercito do cangaço: os criminosos por indole, degenerados e perversos; os assassinos occasionaes em que se incorporam os criminosos passionaes e, por ultimo, os revoltados, os que torturados pela fome e pela sêde de justiça arvoram contra a Sociedade – emulos de Miguel Kohlhaos, herói citado por Ihering[6] – bandeira sangrenta da rebellião.

Enquadrando o conjuncto, fornecendo ao meio de cultura de taes germens os elementos nutritivos substanceais. A figura bastarda de juiz pulsilaneme e desmoralizado, e a catadura bronca do despota sertanejo, chefe politico ou magnata da roça. Cabe, indiscutivelmente, á Policia Militar de todos os Estados interessados, e actuando combinadamente, como já esta se fazendo[7], a destruição de nucleos de bandidos que, exacerbados pela passagem das hordas de Prestes, e dellas tendo recebido admiraveis licções de uma tactica irreprehensivel, mostram agora uma audacia e mobilidade espantosas[8]. E tambem a esta policia impede a vigilancia manu miltari[9], sem condescendencias, e por um largo tempo ainda, de certas paragens mal afamadas que a experiencia historica assignalou como outros tantos locais habituaes de formação cangaceira.

Mas é a magistratura, que devidamente apparelhada, se antolha, principalmente, a grande e nobilitadora tarefa de sanear o Nordeste, esterilizando o ambiente social sertanejo, de maneira a tornar antecipadamente inviaveis, essas larvas monstruosas do Crime: os cangaceiros.

Pode a magistratura realizar este ambicionado desideratum[10]? Póde; dil-o com segurança, o Rio Grande do Norte.

Ouçamol-o, um pouco em sua historia.
Recife 14-6-927
Tercio Rosado Maia. 

Diário de PE-26-07-1927
Diário de PE-26-07-1927

Mesmo tendo sido escrito no dia 14 de junho de 1927 e publicado dois dias depois, não tenho como afirmar se o motivo de Tércio escrever este texto foi devido ao ataque de Lampião a Mossoró, ou outra razão. Encontrei uma referência sobre este artigo no livro “Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro”, da francesa Elise Grunspan-Jasmin, na página 223 (EDUSP, 2006).

Considerado um dos maiores intelectuais mossoroenses, Tércio Rosado foi também professor em Mossoró, onde lecionou na Escola Normal e no Ginásio Diocesano Santa Luzia, onde seus cursos práticos de agricultura marcaram época. Já no Recife exerceu o magistério na Faculdade de Comércio, Escola Politécnica, Escola Normal Pinto Júnior, Ateneu Pernambucano, Faculdade de Farmácia da Universidade do Recife, Ginásio Pernambucano, Colégio Santa Margarida e Colégio Vera Cruz.

Tércio Rosado Maia faleceu em 8 de novembro de 1960, aos 68 anos de idade.

NOTAS

[1] Ver Diário de Pernambuco, edição de 27 de junho de 1926, página 10.

[2] Ver Diário de Pernambuco, edição de 10 de abril de 1927, 1ª página. O hidroavião português “Argos” havia realizado naquela época a primeira travessia noturna do Oceano Atlântico, era pilotado pelo militar Sarmento de Beires e havia amerissado no Rio Potengi, em Natal, poucos dias antes.

[3] Tout court – Expressão francesa que significa – sem mais nada, simplesmente, tal qual, sem nada a acrescentar. De um modo geral era comum nas primeiras décadas do século passado o uso de expressões em língua estrangeira, principalmente em francês, nos textos publicados pelos intelectuais brasileiros. Tal como acontece atualmente com o inglês.

[4] Pazzias – Em italiano, no plural, significa – loucuras, demências, insanidades.

[5] V.g. – Abreviatura da expressão em Latim verbi gratia, que significa – por exemplo.

[6] Quase certamente nesta parte deste texto houve um erro de transcrição do alemão para o português. Tércio Rosado Maia não comenta sobre uma pessoa, mas sobre um livro intitulado “Michael Kohlhaas” e escrito pelo dramaturgo, poeta e contista alemão Heinrich von Kleist (1777 – 1811). Neste livro Kleist conta a história do negociante de cavalos Michael Kohlhaas, que se engaja contra uma injustiça praticada contra ele. A história do livro se passa em meados do século XVI e a obra foi escrita em 1810, porém, apesar dos mais de 215 anos, é considerado um livro muito atual. As discussões que suscita vão desde os meios que são permitidos na busca da justiça até questões mais amplas como o ideal subjetivo versus a realidade mundana, a liberdade individual versus a opressão governamental, o povo versus o poder. Trata-se de uma história de impotência. Tanto o tema da busca fanática pela justiça quanto o estilo, espécie de crônica longa, são surpreendentemente modernos. Ver –

[7] Em 12 de dezembro de 1926, o advogado Estácio Coimbra assume o mais alto cargo no Poder Executivo de Pernambuco. Neste novo governo foi designado como Chefe de Polícia (cargo equivalente atualmente ao de Secretário de Segurança) o também advogado Eurico Souza Leão. Este era filho de tradicional família de plantadores de cana do litoral, morava no Rio de Janeiro, mas não recusou o pesado trabalho. Logo marcou uma reunião para promover convênios com os estados vizinhos, visando uma ação contra o cangaço, contando com o apoio do governador Coimbra. É sobre esta ação combinada entre os Estados que comenta no texto Tércio Rosado. Além desta ação conjunta, ocorreram nos primeiros meses de 1927 outras ações referentes a ação da segurança pública contra os cangaceiros no interior pernambucano que logo trouxeram resultados positivos. Quando completava seis meses a frente do cargo, no dia 11 de junho de 1927, através da imprensa pernambucana, Eurico Sousa Leão divulgou uma lista com o nome, alcunha e fatos ligados a captura ou morte de 100 cangaceiros de diversos bandos que infestavam o sertão.

[8] Acredito que se os cangaceiros receberam algumas das “admiraveis licções de uma tactica irreprehensivel” dos membros da famosa Coluna Prestes, só se foi à distância. Inexistem informações de contatos amistosos entre cangaceiros e membros da famosa coluna de revolucionários comandados por Luís Carlos Prestes, quando estes percorreram vários estados nordestinos em 1926. Neste mesmo, na cidade cearense de Juazeiro do Norte e com o beneplácito do Padre Cícero, Lampião recebeu a famosa e controversa patente de capitão. Junto com a deferência vieram muitas armas modernas, munições e fardamentos para o bando do famoso cangaceiro. O objetivo do Padre Cícero e de outras autoridades era de contar com o reforço dos cangaceiros no combate aos revolucionários de Prestes. Ao perceber o nível de comprometimento e preparo dos homens que compunham a coluna de revoltosos, de forma matreira Lampião evitou o confronto com os revolucionários e voltou à vida errante de cangaceiro, mas agora muito melhor armado e municiado. Este último fato é o que, apesar de toda repressão sofrida, tornou os cangaceiros de Lampião mais audaciosos na primeira metade de 1927.

[9] Manu militari é uma locução latina que significa, literalmente, “com mão militar”, ou seja, “com uso de força militar”. Usa-se a propósito de ações cumpridas mediante o uso da força das armas ou com emprego de força policial ou força armada.

[10] Desideratum – Palavra do Latim que significa aquilo que é objeto de desejo, aspiração, pretensão.

Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros

http://tokdehistoria.com.br/

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VOLTA SECA fala ao "PASQUIM" - Parte I.

Por Cangaçologia
https://www.youtube.com/watch?v=rN3lziPBYTM&t=171s&ab_channel=Canga%C3%A7ologia

Uma entrevista polêmica que foi realizada pelo extinto Jornal "O Pasquim" no ano de 1973 com o controverso ex-cangaceiro Volta Seca (Antônio dos Santos), que no passado integrou o bando de Lampião.

Volta Seca entrou para o cangaço ainda criança e apesar do curto espaço de tempo que permaneceu no bando cangaceiro, marcou seu nome para sempre na história devido as suas "aventuras" e ao cometimento de crimes, quando esteve sob as ordens de Lampião.

A equipe de "O Pasquim" entrevistou o ex-cangaceiro e conseguiu resgatar inúmeros fatos e histórias, fazendo dessa uma das mais completas entrevistas já produzidas em todos os tempos com um remanescente do cangaço lampiônico. A princípio a entrevista foi publicada (Escrita) no antigo Jornal e agora decidimos fazer a leitura e a narração das perguntas e respostas, pensando em alcançar um maior número de pessoas e facilitar ainda mais o entendimento sobre o assunto abordado.
A entrevista foi realizada pelos jornalistas / Cartunistas:

  • Aparício Pires
  • Jaguar
  • Millôr Fernandes
  • Sérgio Cabral
  • Ziraldo
A narração ficou por conta do ator Alan Pellegrino, que com sua sensacional interpretação, deu vida aos entrevistadores e entrevistados. Após assistirem deixem seus comentários, críticas e sugestões. Valeu! Cabroeira! Geraldo Antônio de Souza Júnior - Criador e administrador do Canal "Cangaçologia".

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