Por José Bezerra Lima Irmão
Puxe o tamborete e vamos conversar.
Me perguntaram se houve festejos por ocasião da morte de Lampião.
Fiz um levantamento dos episódios relatados pelos cronistas sobre esse aspecto
e apurei o seguinte:
Dona Cyra de Brito mulher do tenente João Bezerra, contou à revista Manchete e
depois a Antônio Amaury que estava em casa em seu quarto, de resguardo (ela
havia dado à luz naqueles dias), quando escutou um fuzuê lá fora – o barulho
aumentava, subindo do rio, muitos gritos, uma confusão medonha, e ela notou
aflita que a coisa estava entrando e sua casa: a porta do quarto abriu-se e
João Bezerra entrou com os soldados segurando as cabeças ensanguentadas. Dona
Cyra, apavorada, debruçou-se sobre o berço da filhinha recém-nascida, enquanto
os soldados dançavam e cantavam “Mulher Rendeira”.
Aquele 28 de julho foi um dia de horror em Piranhas. Cada componente da volante
tinha uma versão dos fatos. Como as promoções anunciadas dependiam do grau de
participação na luta, estabeleceu-se uma disputa verbal entre eles, cada um
invocando para si a glória de ser o autor da morte de Lampião. O aspirante
Francisco Ferreira dizia que tinha sido ele quem matou Lampião com uma rajada
de metralhadora. Porém o soldado Noratinho assegurava ter sido ele quem atirou
na cabeça de Lampião. Por sua vez, o cabo Antônio Bertoldo jurava que quem
atirou em Lampião foi ele.
Outra controvérsia foi travada pelos que se vangloriavam de ter decapitado
Lampião e Maria Bonita. Porfiavam pela autoria da decapitação de Lampião o
sargento Aniceto e os soldados José Panta de Godoy e Santo (Sebastião Vieira
Sandes); e pela de Maria Bonita, o cabo Bertoldo e os soldados Cecílio, José
Panta de Godoy, Noratinho e Antônio Jacó.
A autoria da morte de Luís Pedro era disputada entre o aspirante Francisco
Ferreira e o soldado Antônio Jacó. Teve até briga por isso, e por pouco Antônio
Jacó não foi assassinado na mesma semana em Piranhas, na casa do prefeito
Correinha.
Quanto ao povo, a impressão era de dúvida, pois já tinha havido várias notícias
falsas da morte de Lampião. Os matutos, céticos, comentavam: “Sei não, viu? O
tenente João Bezerra matando seu amigo?”
No mesmo dia 28 chegaram a Piranhas levas e levas de moradores de Pedra, Pão de
Açúcar, Canindé e Poço Redondo, todos curiosos com o acontecimento.
Não houve reconhecimento dos corpos – o termo de reconhecimento foi assinado
pelo tenente-coronel José Lucena, que nunca tinha visto Lampião.
As cabeças ficaram em Piranhas até o dia 30. Começaram a apodrecer. Inchadas.
Deformadas.
No transporte das mercadorias para Maceió, o povo, já informado, se apinhava no
caminho para se certificar se de fato era verdadeira a notícia. As notícias
corriam mais que o caminhão. Estrada péssima. O caminhão parava a todo instante,
pois todo mundo queria ver as cabeças. O cortejo lúgubre demorou-se em Olho
d’Água do Casado, no Talhado, em Pedra.
As cabeças só chegaram a Santana do Ipanema ao anoitecer. Não consta que os
moradores festejassem; consta que as cabeças foram recebidas com dobrados
tocados pela banda de música, houve missa e o prefeito Pedro Gaia mandou soltar
foguetes.
A viagem só foi retomada no dia 31. Por onde o caminhão passava, ia parando, de
povoado em povoado e até em sítios.
Já era noite quando chegaram a Maceió. As pessoas lotavam as calçadas,
espremiam-se nas janelas, trepavam nas árvores para ver o espetáculo macabro. O
caminhão entrou pelo bairro do Bebedouro, passou pelo Bom Parto e pelo Cambona,
desceu pela Avenida Fernandes Lima para a Praça dos Martírios, onde ficava o
Palácio do Governo. O interventor federal Osman Loureiro postou-se com outras
autoridades na sacada do palácio. Quando a cabeça de Lampião foi suspensa pelos
cabelos, para que todos vissem, um soldado gritou: “Viva o guveeerno!”. E a
multidão sugestionada por aquele grito, entoou: “Viiivaaa!”
No percurso entre o Palácio e o necrotério da Santa Casa de Misericórdia,
passando pela Rua Boa Vista, Praça Montepio dos Artistas e Praça do Quartel do
Regimento, calcula-se que 10 mil pessoas se acotovelavam nas ruas e becos.
Até os nazarenos sentiram a morte de Lampião. Segundo João Gomes de Lira,
ex-soldado nazareno, Euclides Flor chorou quando soube da morte do inimigo, e
Manoel Jurubeba disse, consternado: “Morreu Lampião. Acabou-se a alegria do sertão”.
(Texto adaptado a partir do meu “Lampião – a Raposa das Caatingas” - Quem tiver
interesse por este livro, por favor entre em contato comigo (71 9 99851664) ou
peça ao Professor Pereira (83 9 9911-8286).
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