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domingo, 5 de junho de 2011

Cangaceiro Balão"Sensacional Entrevista"


O cangaceiro Balão

            Levo ao conhecimento de todos os leitores do Lampião Aceso, este edificante entrevista dada pelo cangaceiro "BALÃO" á Revista Realidade, em Novembro de 1973.
            Nessa ocasião, o velho cangaceiro, faz importantes revelações, e narra em detalhes, como foi a CHACINA DE ANGICOS, em que vitimou LAMPIÃO e mais 10 cangaceiros

          
             Na casinha branca de janelas azuis, em Monte Belo, subúrbio de São Paulo, mora Guilherme Alves, o ex-cangaceiro BALÃO. Ajudado por um de seus 25 filhos, nascidos de três casamentos, ele se concentra sobre os volantes da Loteria Esportiva espalhados pela única e modesta mesa. 

  
             Antigamente, "volantes" para Guilherme tinha outro significado.- eram as patrulhas policiais que ele e LAMPIÃO enfrentaram nas caatingas. Tempos ruins que Guilherme, 63 anos, lembra com detalhes — e dos quais guarda sinais concretos: oito anéis nos dedos e uma bala encravada na perna.

Eis o seu relato:

             No ano passado eu estava subindo uma ladeira em São Paulo, quando um policial, já velho, começou a me olhar. Eu me esquivei, mas ele falou com uma voz fina, de caboclo: "Eu o conheço. Não digo de onde, porque você vai achar ruim". Depois, rindo: "Uma vez matei dois cabras seus na Várzea do Juá. Você é o ex-cangaceiro BALÃO".
              Que olho! Aquilo acontecera havia mais de trinta anos. Entrei para o cangaço em 1929 e fiquei até ver LAMPIÃO com uma bala na testa, em 1938. Eu Morava em Paulo Afonso, na Bahia. Uma tarde passou pela minha casa uma força do sargento Inocêncio, de Alagoas.  Meu pai e meu irmão foram mortos e eu fugi com meu primo, o Azulão, que já estava no cangaço.

Cangaço

           Minha vida de cangaceiro começou num tiroteio, em Aroeira, contra a volante de MANÉ NETO.

[manel+neto.jpg]
           
             Eu tinha 19 anos. LAMPIÃO havia me dado 615 balas e, quando a luta terminou, perguntou-me:
             - E as balas?
             - Só tenho cinco - respondi.
           - E as outras?
            - Por aí, capitão, voando atrás dos macacos. -  Ele riu e me admitiu.  Vivi de fogo em fogo durante 09 anos. A gente aprende a brigar: Soldado morria porque vinha de peito aberto. Cangaceiro não dá o peito nem as costas, briga de quina.
              Um homem de quina é uma faca. Também não brigávamos sem preparo. Só atraíamos a volante depois de construir a trincheira. E lá ficávamos, ajoelhados ou em pé, escorando firme o coice da espingarda.
               Se matei muitos não sei. Quem mata é o mosquetão, e o CAPITÃO LAMPIÃO é quem ordena. A gente obedece, vai atirando. Se o tiro pega, ouve-se o grito: "Ai, Nossa Senhora! Valei minha mãe". Vi uns filmes de cangaceiros. Tudo falso. Todo mundo bonito, a cavalo, como mocinhos. Nós andávamos quase sempre a pé, calçando alpercatas.

A MULHER FOI A PERDIÇÃO DO CANGAÇO:

               Enquanto não apareceu mulher no cangaço, o cangaceiro brigava até enjoar. Depois, diante de qualquer perigo, logo se podia ouvir:
"Ai, corre, corre!" Quando entrei, Lampião tinha duzentos homens, separados em grupos para despistar as volantes. Muitos dos "oficiais" já tinham mulheres:

Corisco,

Luís Pedro,

Pancada.

              No fim, até os cabras. Elas não lutavam.
              Uma única vez vi uma delas brigar como um homem, Foi DADÁ, no dia em que o seu marido, CORISCO, caiu baleado nos dois braços.


             MARIA BONITA usava uma pistola Mauser, de 11 tiros, mas também não atirava nada. Não era bonita: baixinha, grossinha, pernas meio tortas, cintura fina, quadris bem largos, atrás era batidinha como uma tábua. Tinha o rosto cheio, redondo, andava com botas de couro de bode, bem coladas nas pernas. Usava saia de couro abaixo dos joelhos e uma blusa de couro.
             Ela sempre tentava me derrubar, a gente brincava muito.. LAMPIÃO não ligava. Olhava e recomendava: "Depois não vão se zangar".

           
            Aos poucos, o bando foi ficando cheio de mulheres. E homem de batalha não pode andar (RELAÇÃO) com mulher. Se o cangaceiro tem uma relação sexual, perde o poder da oração (uma espécie de amuleto), e seu corpo fica como uma melancia: qualquer bala atravessa. Por isso, antes, seriam necessários alguns cuidados:
             O cangaceiro deve tirar a oração do corpo e entregá-la a um amigo por quinze dias. E antes de usá-la, novamente precisa tomar um bom banho, lavar bem as roupas do pecado.
            Nasceram muitas crianças, enquanto eu estive no cangaço. As mães davam à luz à noite, e mal o dia clareava, estavam correndo da polícia. E, que eu saiba, nunca perderam um filho. 
             As crianças eram entregues a algum padre ou fazendeiro, e os pais prometiam ir buscá-las um dia — se sobrevivessem.
             LAMPIÃO andava todo furado de balas. Eu pensava: é oração, ele não morre mais.

Balão 

             LAMPIÃO era alto, magro, as pernas secas. Lia e rezava muito. Só ele e CORISCO sabiam ler.
             O bando sentava-se sob as árvores, ouvia suas explicações sobre o que estava escrito na Bíblia, principalmente no Velho Testamento. De madrugada todos se reuniam de novo para rezar o ofício sagrado.
             Aprendi o Padre-Nosso com LAMPIÃO. Ele dizia ser essa a única oração ensinada por Deus e que todo o resto fora inventado pelo povo.
              Repartia a comida com suas próprias mãos, em porções iguais. Às vezes passávamos fome. Chegamos a ficar uma semana comendo só raiz de imbuzeiro.
              Até Hoje o povo pensa que LAMPIÃO matava por qualquer coisa. Mas nunca o vi mandar matar alguém a sangue frío. E as fazendas por ele destruídas eram dele mesmo. Lampião havia comprado as terras em sociedade com um tal de Petro de Alcântara Reis: Tronqueira, Cachoeirinha, Formosa. Mas Petro as registrou apenas em seu próprio nome. LAMPIÃO zangou-se. Eu mesmo, ajudei a matar muito gado a tiro, na Cachoeirinha. Petro fugiu para Alagoas.
              Os fazendeiros que se recusavam a dar dinheiro ou gado para o bando nunca eram mortos, mas Lampião expulsava da fazenda todos os vaqueiros. Eles só podiam voltar com sua permissão. 
             Uma vez me perdi do bando e fiquei um ano nas caatingas de Bebedouro, Jeremoabo, Cipó de Leite, sem ver uma alma viva. No começo eu estava com ANJO ROQUE e sua mulher.

Labareda

            Ele, porém, era ciumento e nos separamos. Fiquei só. Pensei em me entregar, mas seria morte certa. Vaguei pela caatinga como um porco-do-mato, comendo raiz de imbuzeiro, folhas e carne de bode. Do cipó de mucunã tirava a água: a gente corta, assopra e ela vai caindo, avermelhada mas doce. Quem não conhece o truque morre de sede pisando na água.
              Cangaceiro não vive só de briga. LAMPIÃO sabia tocar uma gaita de oito baixos como ninguém. E seus homens gostavam de dançar. Uma vez, na FAZENDA CUIABÁ , ficamos oito dias e oito noites dançando. 
             Nessas ocasiões todos se enfeitavam, e já cheguei a ver cangaceiro tomando banho morno, - preparando-se para o baile. Havia preferência pelos enfeites de ouro. Muitos levavam moedas esterlinas no chapéu.

Maria Bonita 
             
             MARIA BONITA ia carregada de ouro, em voltado pescoço, prendia o lenço com várias alianças e usava até dois anéis em cada dedo. Ah, era bonito. E o perfume, então! Todos os cangaceiros usavam — e não economizavam. Madeira do Oriente e principalmente um chamado trina, que durava até seis meses, no corpo. As volantes às vezes achavam o nosso rastro só pelo cheiro.

A TRAIÇÃO DE PEDRO,
E A MORTE DE LAMPIÃO:

           
             Nunca pensei que Lampião morresse. Estávamos acampados perto do Rio São Francisco. LAMPIÃO acordou às 5 da manhã e mandou um dos homens reunir o grupo para refazer o ofício Nossa Senhora. Enquanto lia a missa, em voz alta, todos nós ficamos ajoelhados ao lado das barracas, respondendo "amém" e batendo no peito na hora do "Senhor Deus". 
            Terminado o ofício, Lampião mandou Amoroso buscar água para o café. Mas, quando ele se abaixou no córrego, veio o primeiro tiro. Havia uma metralhdora atrás de duas pedras a 20 metros da barraca de Lampião.

Amoroso entre Benjamim, à esquerda e Lampião
           
              PEDRO DE CÂNDIDA, um dos nossos, havia nos traído, e acho que tinha dado ao sargento Zé Procópio até a posição das camas. Numa rajada de metralhadora serrou a ponta da minha barraca. Meu companheiro Merguião, levantou-se de um salto, mas caiu partido ao meio por nova rajada. Eu permaneci deitado, com jeito coloquei o bornal de balas no ombro direito, o sobressalente no esquerdo, calcei uma alpercata. A do pé esque não quis entrar, e eu a pendi também no ombro.
            Quando levantei vi um soldado batendo com o fuzil na cabeça de Merguião. De repente, ele estava com o cano de sua arma encostada na minha perna, e eu apontava meu mosquetão contra sua barriga. Atiramos. Caímos os dois e fomos formar uma cruz junto ao corpo de Merguião. Levantei-me devagar. O soldado estava morto, e minha perna não fora quebrada.
             Então vi LAMPIÃO caído de costas, com uma bala na testa. Moeda, Tempo Duro; Quinta-feira, todos estavam mortos. Contei os corpos dos amigos. Nove homens e duas mulheres. 
            MARIA BONITA, ferida, escondeu-se debaixo de algumas pedras. Mas foi encontrada e degolada viva. Não havia tempo para chorar. As balas batiam nas pedras soltando faíscas e lascas, ouviam-se; os gritos por toda parte, um inferno. LUIS PEDRO ainda gritou: "Vamos pegar o dinheiro e o ouro na barraca de Lampião"
            Não conseguiu, caiu atingido por uma rajada. Corri até ele, peguei seu mosquetão e, com ZÉ SERENO, consegui furar o cerco. Tive a impressão de que a metralhadora enguiçou no momento exato. Para mim foi Deus.
            No rancho do Minduim encontramos os cangaceiros: Cobra Verde, Novo Tempo, Candeeiro, todos feridos. De lá fomos para a FAZENDA CUIABÁ. Muitos se entregaram.

Candeeiro
          
              Eu resolvi seguir com um grupo, para Pínhão, onde estava CORISCO. Mas no caminho fomos cercados pela: forças do sargento Zé Luis. Os cangaceiros Cruzeiro, Amoroso, Zé de Vera foram mortos.
            Consegui esconder-me até escurecer e então comecei a descer, seguindo o rio. Os soldados, porém, não haviam desistido. Logo eu os senti na minha pista Resolvi tentar driblá-los. Voltei e consegui outra vez furar o cerco. No caminho derrubei um soldado que gritou, antes de morrer: "Pelo amor de Deus, eu não tenho culpa!" Depois contei mais de quinhentos buracos de bala na minha roupa e nos bornais. 
             Como é que gente não morre?
            Em Pinhão encontrei Corisco, Zé Sereno e Anjo Roque.

Zé Sereno

           CORISCO era chamado também, de Diabo Louro; brigava muito. Nunca si entregou. Zé Rufino o matou.

Zé Rufino

           E como são as coisas: DADÁ, mulher de CORISCO, foi quem mais tarde colocou a vela nas mãos de Zé Rufino, que morreu pedindo perdão.

O DESCANSO DA GUERRA NA
CIDADE GRANDE:

           — Estávamos cansados de brigar. Ficamos nos divertindo em Pinhão, passeando dançando. Era a despedida - íamos nos entregar. Fomos bem recebidos em Jeremoabo, pelo capitão Aníbal. Não ficamos presos mas apenas detidos. O capitão ANIBAL era nosso amigo e alguma vezes chegou a desviar as volantes para evitar um encontro. Tive até privilégio de ter até um ordenança, à minha disposição, chamado Doutor.
            Depois de soltos, tivemos de nos acostumar aos poucos com a civilização. Nas caatingas de Sergipe vi pela primeira vez um zepelim. Parecia um fim de mundo. 
            Nesse tempo, em 1939, diziam que o mundo todo estava em guerra, e eu me apavorei: "Corre, gente, é um bombardeio". 
            Todos se esconderam numa moita de mucunã. Numa cidade, ANJO ROQUE não deixou um homem ligar o rádio perto de bando: “Essa máquina é de prender, vai nos deixar sem movimento!"
           Viajei muito. Trabalhei em Minas, como pagador da estrada de ferro. Um serviço perigoso na época, mas nenhum assaltante se meteu comigo. Depois morei muito tempo em Marília, no interior de São Paulo, e finalmente vim para a capital. 
            Há algum tempo comecei a trabalhar numa construção. Tomava o trem às 3 e meia da madrugada e entrava no serviço às 8 na Lapa. Havia perigo de desabamento, no poço que estávamos cavando, e eu já avisara o engenheiro. Mas ele não ligou. 
             Um dia aconteceu: veio tudo abaixo. Eu, que enfrentara tanto fogo sem sofrer um arranhão, quebrei a espinha, cinco costelas e perdi oito dentes.
             A espinha nunca mais sarou. Tenho a impressão de estar com ela atravessada por uma porção de agulhas. Segundo o advogado do INPS, a firma, terá de me indenizar. 
            Até agora, nada, e já faz um ano. Mas vou deixando. Eu sou caboclo, não me afobo, eu espero.

FIM...


AMIGOS:
  ESSE DEPOIMENTO DO "BALÃO", É MUITO INTERESSANTE, POIS TRAZ MUITAS INFORMAÇÕES IMPORTANTES, SOBRETUDO S/ O COMBATE DE ANGICOS, LOCAL DA MORTE DE LAMPIÃO.
 

UM ABRAÇO A TODOS E OBRIGADO PELA ATENÇÃO.
IVANILDO SILVEIRA
NATAL/RN 

Legendas: FOTOS DE BALÃO QUE ILUSTRAM A REPORTAGEM, MAIS TARDE EM SÃO PAULO E FOTO DA FAZENDA CUIABÁ / CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO/SE, LOCAL EM QUE ESTIVERAM VÁRIOS CANGACEIROS, APÓS O "COMBATE DE ANGICOS". OBSERVEM, O ESTADO DE ABANDONO, EM QUE SE ENCONTRA A CASA SEDE DA FAZENDA PERTENCENTES AOS "BRITOS" (grandes coiteiros):
FOTO: Cortesia do escritor/pesquisador do cangaço, Dr. Sérgio A. S. Dantas.


Extraído do blog "Lampião Aceso", do amigo Kiko Monteiro


Pérolas: Delírios literários... ou seu dotô pode botar aí, que foi verdade!

Por: Juarez Conrado

           
            O jornalista baiano, Juarez Conrado (vide foto abaixo), na década de 80, escreveu para o Jornal "A TARDE", uma série de 03 reportagens, depois transformada em livro, sobre os últimos dias de Lampião, antes da chacina que o vitimou, na Grota do Angicos/SE, em 28/julho/1938.
           Com base em depoimentos de coiteiros e ex-cangaceiros, em entrevistas com testemunhas oculares, e apoiado em cuidadosa pesquisa, que incluiu visitas ao cenário dos acontecimentos, o jornalista refez os sete dias, os últimos da vida do Rei dos cangaceiros.

O rei Lampião
                
                 Uma das reportagens feitas pelo citado jornalista, foi com o grande coiteiro "MANOEL FÉLIX" (vide foto, logo abaixo). Esse coiteiro esteve com LAMPIÃO na Grota do Angico, em vários dias, seguidos, inclusive, no PENÚLTIMO DIA QUE ANTECEDEU A MORTE DO REI DO CANGAÇO.

O GRANDE COITEIRO "MANOEL FÉLIX" 
             
              Nascido e criado em Poço Redondo, de onde jamais se afastou, trabalhando sempre no campo, Manoel Félix um sertanejo calmo e tranquilo, e, certamente, a principal testemunha de tudo o que ocorreu com "Lampião" e seu bando durante os sete dias de permanência na Gruta do Angico, onde, surpreendido pela tropa do tenente Bezerra, encerrou, tragicamente, os 22 anos de aventuras pelos sertões de sete estados nordestinos.

Cortesia do pesquisador/escritor
Dr. Sérgio Augusto de Souza Dantas

            Durante muito tempo conviveu com "Lampião", sendo por ele encarregado da aquisição de mantimentos na feira de Piranhas, no Estado de Alagoas, do outro lado do Rio São Francisco, bem à frente de Canindé.
            Manoel Félix como a grande maioria dos moradores de Poço Redondo/SE, de uma certa idade, viu de perto "Lampião", a quem jamais traiu ou temeu, porque dele ignora qualquer crueldade praticada na região contra os que ali viviam, o que não acontecia, porém, com as "volantes", temidas e odiadas pela barbaridade de seus integrantes que, no afã de compensarem sua incapacidade em descobrirem o bandoleiro, martirizavam com seus impiedosos tratamentos a quantos julgavam "coiteiros".
             Manoel Félix, amigo particular de Virgulino Ferreira da Silva, a quem reconhece "um homem fino e educado", embora lamentando o seu trágico fim, "porque um homem como Lampião não devia morrer assim", confessa ter sentido "uma frescura de alívio no espinhaço" ao certificar-se de sua morte, pois, mais dia, menos dia, sabia que também ele acabaria torturado pelas desumanas "volantes".
             Seu depoimento gravado, que nos prestou em Poço Redondo/SE, percorrendo em nossa companhia os principais pontos por onde "Lampião" passou, é o maior documento que pode existir sobre os últimos dias do "Governador do Sertão".

Viajou com Lampião
            
             Manoel Félix que já conquistara a confiança de "Lampião", teve oportunidade de fazer algumas viagens em companhia do famoso bandoleiro, a última das quais à localidade conhecida como Capoeira, às margens do Rio São Francisco, fato ocorrido após sua chegada à Gruta do Angico.

Rio São Francisco
            
              Em meio à viagem, pegaram uma cabra, do que se encarregou o próprio Manoel Félix, com ela preparando o almoço, já por volta das quatro horas da tarde. Propositadamente, tendo em vista que o encontro se daria à beira do rio, por onde navegavam muitas canoas, "LAMPIÃO" permaneceu escondido no mato até o cair da noite, quando foi se avistar com o fazendeiro Joaquim Rizério, com quem fizera as pazes após longos anos de feroz inimizade. O que conversaram ninguém veio a saber, pois a reunião entre ambos foi sigilosa, em local reservado.

Poupava as cobras

             Já de retorno à gruta, um fato chamou a atenção de Manoel Félix: a preocupação de "LAMPIÃO" e seu bando em não matarem cobras por mais venenosas que fossem. Disso, aliás, o próprio coiteiro teve provas quando, distraidamente, ia pisando uma cascavel que surgira em meio ao caminho. Pegando de um pau para matá-la, foi impedido por Zé Sereno, que não permitiu, procurando, com muito jeito, fazer com que a cobra retornasse aos matos de onde havia saído.

Zé Sereno - o primeiro da esquerda

              Em outra, oportunidade, quatro ou cinco dias antes da chacina, Manoel Félix, em companhia do seu irmão Adauto, foi até a gruta levar para "Lampião" certa quantidade de doce de côco, por ele muito apreciado, tendo o cangaceiro, bastante satisfeito, agradecido o presente, logo distribuído em pequenas quantidades com algumas mulheres do grupo, como:

Maria Bonita,
Enedina,
 
Cila,
 Maria, Dulce e Maria, mulher de Juriti.
            
             Nesse dia, havia chegado um sobrinho de Lampião, chamado de “José” – de 18 anos, a fim de integrar-se ao bando, tendo "Lampião" encarregado o coiteiro de comprar na feira de Piranhas/AL, do outro lado do rio, a mescla para preparar o bornal do jovem, o que, entretanto, não chegou a acontecer, como veremos mais adiante.

Lampião esperava "Corisco e Labareda"

            Conquanto nada lhe dissesse diretamente, porque com ele não conversava sobre assuntos internos do grupo, Manoel Félix ouviu de "Lampião", na véspera de sua morte, estar na expectativa da chegada de:

 Ângelo Roque, o "Labarêda",
 
que fora a Jeremoabo, e de "Corisco",

que se encontrava do outro lado, em Alagoas.

              Embora a conversa sobre esses dois bandoleiros fosse com Zé Sereno, Manoel Félix sentiu por parte de "Lampião" certa preocupação ante a demora dos mesmos, preocupação que o levou a conjecturar sobre um possível encontro com as "volantes", hipótese logo descartada porque, segundo disse, "se fosse macaco a gente já tinha sabido".


Zé Sereno
 
             Até às 18 horas do dia 27/julho/1938, véspera da morte de Lampião, quando deixou a gruta, Manoel Félix não registrou a chegada de nenhum dos dois celerados, confirmando-se depois que se encontravam ausentes no momento do cerco pela tropa do Tenente João Bezerra.


Tenente João Bezerra

Contatos
           
             Outro detalhe muito importante relatado por Manoel Félix é o que se relaciona às ligações de "Lampião" com influentes fazendeiros, principalmente nos estados de Bahia, Alagoas e Sergipe, embora sempre com o cuidado de não revelar, nem mesmo aos seus mais chegados seguidores, a identidade desses indivíduos.
            Na última semana de vida, "Lampião" manteve, lá do Angico, contatos com vários desses fazendeiros através de emissários que despachava secretamente, e dos quais, por motivos óbvios, exigia absoluto segredo de suas missões, geralmente com o objetivo de apanharem dinheiro, mantimentos, armas e munições.
             De quem chegava, ou de onde chegava o que ele precisava, "Lampião" fazia questão de não relatar, mantendo tudo sob o mais completo sigilo.

A confiança de Luiz Pedro

            Por volta das 15 horas do dia 27/Julho/1938, treze horas portanto, antes do cerco que lhe causou a morte, "Maria Bonita", que na opinião de Manoel Félix, não competia em beleza com Cila, deixou a gruta, onde se encontrava com os companheiros, e foi banhar-se no riacho que passa próximo a entrada da mesma.
            O coiteiro descreveu-nos a fiel e corajosa companheira de Virgulino Ferreira da Silva, assim à vontade, como uma: "mulher baixinha, toda redondinha, uma carinha bonita e com dois olhos pretos e grandes, morena clara, cabelos negros e lisos, quadris relativamente largos, cintura fina, tendo os braços e pernas roliços e muito bem feitos".
            Muito "prosista e conversadeira", brincava bastante com alguns dos bandoleiros, pelos quais era respeitada, apesar de muitos deles levarem essa brincadeira mais além, como Luiz Pedro, por ela chamado de “Caitetu”, e que gozava da maior confiança e intimidade da mesma e do próprio "Lampião", seu compadre.

Neném do Ouro e Luiz Pedro
            
              Nada de anormal até o momento? Realmente o Juarez tava indo até "marro meno"... vejam como a "invenção" de um gesto põe em cheque a autoridade do Rei do cangaço perante seus comandados. (Kiko Monteiro).
           
             Nessa tarde, por sinal, depois de "caçoar" com Luiz Pedro, deixando de fazê-lo somente no momento em que se dirigia para o riacho, o bandoleiro, que estava sentado sobre uma pedra, deu-lhe uma palmada mais ou menos forte nas nádegas, fazendo-a correr na direção do pequeno córrego, enquanto "LAMPIÃO", que a tudo assistia, sorriu como se nada tivesse acontecido.

Bando de Lampião 

Na véspera da morte

             Manoel Félix recorda-se que, na véspera da chacina, quando esteve com "LAMPIÃO", informou não lhe ter sido possível comprar na feira de Piranhas, em Alagoas, tudo o que ele mandara (carne, peixe, queijo, agulhas, chapéu de couro, uma máquina de costura e brim mescla), porque, como já dissemos na reportagem anterior, a Polícia passou a vigiá-lo.
               Ainda assim, entregou as agulhas de "Maria Bonita", devolvendo a "Lampião" os 200.000 réis que dele recebera para adquirir mantimentos. Conversaram durante longo tempo, comendo queijo, que chegara da Fazenda Mulungu, de onde o bando havia recebido certa quantidade de farinha e açúcar.
               "Lampião" mostrava-se bem disposto, pedindo-lhe, inclusive, que lhe cedesse o cinturão em virtude do seu já se encontrar bastante estragado.
            Também "Maria Bonita", muito "prosista e conversadeira", conversou com Manoel Félix, procurando informar-se da situação financeira do mesmo e dos seus familiares.
              Aliás, desde o primeiro encontro que teve com o grupo, na Fazenda Bom Jardim, em Sobradinho, no local conhecido como “ Olho D'Água de Antônio Jorge", quando foi levar banha de peixe que o seu tio Lisboa Félix, também amigo e coiteiro de "Lampião", mandara para o cangaceiro "Boa-Noite" passar no joelho doente, que "Maria Bonita" demonstrou haver gostado dele.

Maria Bonita e o cangaceiro Candeeiro

                Nessa tarde, dia 27 de julho, Manoel Félix recorda-se de que vários cangaceiros jogavam cartas, entre eles Juriti, Passarinho, e Sereno, Luiz Pedro, José de Julião, Moeda, Mergulhão, Colchete, Alecrin, Fortaleza, Cajazeira, Criança, Quinta-Feira, Elétrico, Macelo, Canário e Caixa de Fósforo, enquanto outros passeavam nas proximidades.
             Luis Pedro, teve oportunidade de mostrar-lhe, e ao seu tio Caduda, que estava em sua companhia, grande quantidade de ouro guardada numa pequena caixa, como anéis, correntões e argolas.
              Este bandido, de estatura mediana, claro, cabelo miúdo, e muito alegre, juntamente com Manoel Moreno e Zé Sereno, preparou a comida para o grupo na véspera da morte.

Da esquerda para a direita:
Mané Moreno, Zé Baiano e Zé Sereno
             
              Embora não lhe revelassem plano de ataques a qualquer cidade, Manoel Félix pôde ver que o grupo contava com grande quantidade de armas e munições, como fuzis e revólveres, além de punhais.           
                 Na última tarde que teve de vida, "Lampião", segundo  Manoel Félix estava absolutamente tranquilo, chegando mesmo a fazer pilhérias quando soube do medo que causava ao coiteiro a possibilidade de ser descoberto pelas volantes. Aliás, nos últimos meses,"Lampião" parecia mais acomodado, um tanto diferente porque sempre pensativo, o que não impedia, porém, de manter a autoridade sobre o grupo, inclusive com os mais temíveis dos seus integrantes, como aconteceu com Luiz Pedro quando este, querendo botar o seu cachorro para brigar com "GUARANY” o de "Lampião", acabou se desentendendo com o chefe, de quem levou, sem responder uma única palavra, séria repreensão.

Grota de Angicos

                Com relação ao cachorro “Guarany” ocorreu um fato interessante na segunda-feira que precedeu à chacina do Angico: descansando, com a cabeça recostada a uma pedra, "Lampião" cochilava, tendo ao lado seu fiel cão de guarda, quando dele se aproximou Zé Sereno, trazendo um bode que capturara pouco antes.
            Vendo o animal, “Guarany”, latindo muito, avançou sobre ele, assustando-o, fazendo com que o bode, espantado, pulasse sobre "Lampião", que, extremamente supersticioso, vendo na reação do bicho um possível mau sinal, ordenou, aos gritos, que Zé Sereno soltasse imediatamente "esta peste", no que foi prontamente atendido.
             Até às 18 horas do dia 27/julho/1938, aproximadamente, Manoel Félix permaneceu no Angico, de onde saiu com a recomendação feita por "Lampião" para retornar no dia imediato, madrugada ainda, pois eles teriam que viajar, tudo indicando que, como das vezes anteriores, a última das quais na Fazenda Santa Filomena, distante duas léguas da sede de Poço Redondo/SE, iria receber 50 ou 100 mil reis de gratificação, pelos serviços que prestou.

11 cabeças de cangaceiros abatidos

             Este, o encontro que jamais iria se realizar, pois, de acordo com as instruções recebidas, ao se dirigir, na madrugada do dia imediato (28/julho/1938), para a gruta do angico , à certa distância ouviu o tiroteio terrível, o que lhe deu a convicção de que, afinal, a volante houvera descoberto o esconderijo de Virgulino Ferreira da Silva, cercara-o e se encontrava dando-lhe combate, sobrevindo, a morte do Rei do Cangaço, naquele fatídico dia.

João Bezerra e seus comandados

Fonte: Segunda reportagem publicada em 28/05/1980)
no Jornal "A TARDE" / Salvador
Autor: Jornalista Juarez Conrado

             
             Realmente, eu achei, também, muito estranho, a narrativa do autor da matéria, ao tecer comentários na reportagem sobre "MARIA BONITA", tendo informado:
              É a narrativa de um fato inusitado, envolvendo "LUIZ PEDRO e MARIA BONITA", e que deixa os estudiosos/pesquisadores do cangaço de "orelha em pé ". 
              Como se vê, ou o jornalista exagerou na sua narrativa, ou o coiteiro Manoel Félix, lhe narrou o fato, de maneira diversa do ocorrido, na realidade. 
             Na minha opinião, acho difícil e improvável, que tal fato, tenha ocorrido.
            Convém, também salientar, que na literatura cangaceira, pelo menos nos livros que li até hoje, não constatei, nenhuma linha, em relação ao comportamento de MARIA BONITA, EM QUE O REI DO CANGAÇO TENHA EXTERNADO "CENAS DE CIÚMES", DA PARTE DELE, EM DESFAVOR DE ALGUM CANGACEIRO ".
             Como se constata, há muitas informações relativas ao "casal REI DO CANGAÇO", que precisam de uma melhor análise, separando-se o fato real, da lenda, bem como as insinuações de alguns escritores cangaceiristas.


Um abraço a todos,
IVANILDO SILVEIRA
Natal/RN