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quarta-feira, 16 de julho de 2025

CORREIO BRASILIENSE (DF) – 12, 13 E 14 DE MAIO DE 1966 - UMA HISTÓRICA ENTREVISTA COM FERREIRA DE MELO

 Transcrição de Antonio Correia Sobrinho


54 anos, neste maio de 2020, da publicação, pelo jornal de Brasília, o Correio Brasiliense, da histórica entrevista do Coronel Francisco Ferreira de Melo, concedida ao jornalista Antônio Sapucaia. Francisco Ferreira de Melo que, como sabemos, foi um dos comandantes das forças militares alagoanas que cercaram e mataram Lampião, em 1938, e se não escreveu livro para dizer deste impressionante e inesquecível acontecimento, como o fez o seu comandante, o Coronel João Bezerra, neste seu depoimento aos Jornais Associados, Francisco Ferreira de Melo apresenta suas impressões e diz sobre a sua participação em Angicos.

Registro que o amigo José Vanderli Silva é o maior responsável por esta postagem, a quem aqui agradeço, visto que foi ele que me consultou sobre esta entrevista, que me levou a buscá-la nos periódicos. E como sempre faço com o que leio e acho interessante, sobre cangaço, trago para os grupos, devidamente digitalizado, para conhecimento e deleite da gente.
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LAMPIÃO EM VERSÃO DEFINITIVA
PUNHAL CRAVADO NO PEITO LEVOU COITEIRO A DENUNCIAR LAMPIÃO


Texto de Antônio Sapucaia

Novas controvérsias sobre a figura lendária e quixotesca de Virgulino Ferreira da Silva – Lampião – levaram dois repórteres associados a percorrer o interior de Alagoas na busca do homem que comandou o ataque decisivo na destruição do bando que durante mais de 20 anos levou a intranquilidade e o pânico a toda região nordestina. Antonio Sapucaia e José Ronaldo localizaram o tenente-coronel da Polícia Militar de Alagoas Francisco Ferreira de Melo, numa fazenda do município litorâneo de Coruripe.

 Assim era o aspirante Ferreira na época do massacre

Pela primeira vez, desde o fatídico 28 de julho de 1938, o coronel Ferreira fala com franqueza e conta tudo sobre o morticínio do bando terrível que matou e saqueou sem piedade em sete Estados da Federação.

Esta, e a história inédita que o coronel Ferreira reteve por 18 anos.
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Durante mais de dois decênios, os sertões nordestinos viveram sobressaltados pelas truculências de Virgulino Ferreira da Silva, o famigerado Lampião, ao lado de outros cangaceiros que lhe obedeciam severamente às ordens recebidas.

Decorridos quase 30 anos do desaparecimento do mais perverso bandido que o Brasil conheceu, vemo-lo transformado em motivo inspirador da nossa música popular, romances, filmes, painéis, enquanto seus familiares vêm travando uma longa batalha: levar ao cemitério a cabeça dele e de Maria Bonita, que se acham insepultas no Museu Estácio de Lima, na Bahia. Ao lado de tudo isto, vem de surgir um fato curioso, envolvendo a “ressurreição” do “Rei do Cangaço” um velhinho paraibano radicado em Fortaleza, que conviveu, conheceu muito bem e até combateu Lampião nas caatingas”, divulgou recentemente que o desalmado cangaceiro não havia morrido e que a existência de Maria Bonita não passava de um mito, porquanto a mesma nunca existira a não ser na imaginação de trovadores e romancistas de feira. Disse ainda que Lampião “está mais vivo do que nunca, negociando gado em Campina Grande e vivendo como um nababo”. Chega a desafiar a qualquer “doutor” a provar o contrário.

Tais afirmações, bem como alguns pontos obscuros e controversos, que existem em torno do “Capitão” Lampião, levaram-nos a uma figura das mais autorizadas sobre o assunto, de vez que assistiu de perto o seu extermínio, lutando e comandando. Trata-se do tenente-coronel reformado, Francisco Ferreira de Melo, aspirante de então que comandara uma das volantes e que, em atenção ao tenente João Bezerra, seu compadre e amigo, e já na pista de Lampião, chegara a orientar o movimento das tropas que cercariam o cangaceiro e seus asseclas. Além disto, foi a sua tripa que primeiro se defrontou com os bandidos, abrindo fogo e os destruindo, na maioria.

A PALAVRA DO CORONEL

Fomos localizá-lo no Poxim, povoado pertencente ao município de Coruripe, estado de Alagoas, onde vive inteiramente voltado para o coqueiral que se estende ao longo dos fundos da sua residência, uma espécie de casa-grande. Durante aproximadamente 13 anos, em pleno vigor da sua mocidade, perseguiu Lampião, tornando-se um dos militares de grande confiança, o que é confirmado pelo fato de ter sido escolhido para comandar uma das volantes, as quais eram subordinas ao comando geral sob a responsabilidade do então coronel Lucena, um homem de fibra, bastante enérgico e vocacionado para a missão.

Homem de 61 anos, em cuja voz e traços fisionômicos percebem-se as pinceladas da velhice, o coronel Ferreira não se faz de rogado. Começa dizendo que retroceder a esse período da nossa história é nos deparar com uma série de atrocidades, lutas, fome, miséria, toda espécie de sofrimento. Fala com entusiasmo, gesticula e procura ser o mais fiel possível.

- “Para muita gente, que se mantinha distante dos acontecimentos, Lampião agia exclusivamente ao lado dos seus cabras, constituindo, todos, apenas um grupo. É puro engano dos que assim pensam. Do mesmo modo que a Polícia tinha as suas volantes, agindo em pontos diferentes, Lampião comandava também vários grupos, que se dispersavam pelas caatingas nordestinas, cometendo as piores misérias. Eu mesmo – prossegue o Coronel – cheguei a travar alguns combates com vários desses malfeitores, sem nunca ter me defrontado com o grupo em que se encontrava o perverso bandido. Com ele, travei apenas um combate – o primeiro e único – que foi o de Angicos, e que culminou com a sua morte.

O certo é que todos eram de uma perversidade extrema e, por onde quer que passassem, deixavam o rastro da sua periculosidade. Só mesmo com disposição, sangue frio e muito espírito de luta é que se poderia enfrentar e dar fim aqueles infelizes malfeitores.

 
 Aspirante Ferreira observa carro queimado por Corisco em 1938

HOMENS SELECIONADOS

- “Os nossos homens eram todos selecionados, escolhidos a dedo, e aquele que demonstrava sinal de fraqueza, não poderia figurar ao nosso lado. Muitos deles, bravos e destemidos, ainda estão por aí, relembrando os dias negros que vivemos, para vermos terminado um verdadeiro período de calamidade, que colocava em pânico todo o Nordeste. Afastados dos nossos lares – continua o Coronel – passamos muitas noites de olhos abertos, em meio à caatinga brava, e era comum passarmos muitos dias de estômago vazio. Se por vezes tínhamos as criações, bodes, carneiros, etc., às vezes nada tínhamos, a não ser a fome que nos deixava assustados.

Incrível que pareça, eu mesmo, certa vez, cheguei a comer pedrinhas, cuidadosamente catadas, tamanha era a fome que de mim se apoderava.

Em 1938, o aspirante Ferreira de Melo tinha o comando da sua tropa sediada em Pedra de Delmiro, a do tenente Bezerra em Piranhas e a do cabo Aniceto, em Mata Grande, enquanto o comando-geral situava-se em Santana do Ipanema.

No dia 27 de julho de 1938, uma quarta-feira, as tropas do aspirante Ferreira e do tenente Bezerra encontravam-se em Pedra de Delmiro, juntas, ocasião em que os seus comandantes traçavam planos para uma batida que julgavam de importância vital para o extermínio ou captura do adversário. Enquanto o tenente Bezerra deixara Piranhas para encontrar-se com o aspirantes Ferreira, na Vila de Pedra, o cabo Aniceto, deixava Mata Grande, sob a alegação de que teria faltado mantimentos que garantissem a permanência do seu pessoal ali, e demandara Piranhas, onde morava sua noiva, por sinal, filha do prefeito daquele Município.

Foi justamente nessa ocasião que, inesperadamente, segundo narra o coronel Ferreira, chegara a Piranhas um caboclo, meio assustado e tímido à procura do tenente Bezerra, manifestando o desejo de com ele se avistar. Interrogado sobre o que desejava, relutou em responder, posto que o sertanejo comumente é desconfiado. Depois de muita insistência, resolveu confessar então que, horas atrás, vira um grupo de cangaceiros em Entremontes, distante dali umas duas léguas.

Detalhadamente, dissera que, no momento em que tangia alguns bodes, observou que alguns bandidos se encontravam em um roçado, quebrando milho e roubando melancias. Reconheceu que pertenciam ao grupo de Lampião. Diante do que vira, estava desejando falar com o tenente Bezerra, a fim de que o oficial rumasse para aquele povoado. Inteirado do fato, sem perder tempo o cabo Aniceto não teve outro caminho, senão telegrafar ao Tenente Bezerra: “Venha urgente boi curral”.

Tão logo a mensagem chegou ao poder do seu destinatário, este acusara o recebimento do telegrama, ao mesmo tempo em que solicitava do seu subordinado que providenciasse uma condução, e os viesse apanhar, pois em Pedra não havia nenhuma condução motorizada naquele momento. Apesar disto, as duas tropas, de Bezerra e Ferreira, partiram com destino a Piranhas, a pé, porque não se poderia perder tempo. Afinal de contas, a condução poderia vir ou não!

Depois de enfrentarem, durante algumas horas, as terras comburidas e o solo causticante, encontraram um caminhão, procedente de Mata Grande, conduzindo alguns feirantes e suas mercadorias. O Tenente Bezerra determinou, assim, que fosse descarregado o caminhão, fizesse a volta e os conduzisse até Piranhas, o que foi feito incontinente, enquanto os passageiros ficaram aguardando o retorno da condução.

NO ENCALÇO DE LAMPIÃO

Em Piranhas, trataram de providenciar uma canoa, a fim de que, através do rio São Francisco, eles pudessem alcançar a localidade onde se encontravam os bandidos. Depois de grande esforço, resolveram ajoujar três canoas – diz o coronel –, única solução viável naquele momento, uma vez que, eram aproximadamente 45 homens e se tornava necessária a presença de todos. O percurso dessa arriscada viagem foi feito à noite, sob forte aguaceiro, tendo os policiais chegado em Entremontes, cerca das 22 horas.

- “Quando alcançamos aquele povoado, ficamos à margem do rio, tendo o tenente Bezerra, comandante das tropas, determinado que o cabo Bida fosse à casa de Pedro de Cândida, bem próximo dali, e o trouxesse preso. Pedro de Cândida – esclarece o coronel – era um dos inúmeros coiteiros de Lampião, vivendo exclusivamente às expensas deste e sempre afirmava que botaria a policial em cima de todos os grupos, menos no de Virgulino Ferreira. Retornando sem haver cumprido a missão, o cabo Bida informou que Pedro de Cândida havia dito que por obséquio, o tenente fosse falar com ele em sua própria casa.

O pior de tudo, é que não trouxe o homem. Ficamos tomados de grande revolta e o único pensamento que me veio à cabeça era de que o Pedro havia fugido e ninguém mais o encontraria. Mas, graças a Deus e à sua ousadia, que era demais, o homem não se arredara de casa e dois soldados foram buscá-lo, dessa vez com fortes recomendações. E o trouxeram, sem muito esforço. Diante do tenente Bezerra – continua o coronel – a despeito dos apertos que levou, o coiteiro-mor nada confessou, afirmando sempre não saber onde esse encontrava Lampião.

Persistindo no intento de arrancar a confissão verdadeira, fosse de que maneira fosse, uma vez que ninguém tinha mais dúvida de que ele poderia tudo esclarecer, o comandante das nossas tropas resolveu encaminhá-lo para mim, no sentido de que eu desse um “jeitinho” para desvendar o mistério em torno do paradeiro dos bandidos.

PEDRO DE CÂNDIDO CONFESSA

- “Chamei-o para um lugarzinho afastado, já tomado de forte cólera, e conclui que a única solução do assunto dependia de uma medida rigorosa que, de fato, pudesse assustar ao maldito coiteiro. Saquei de um punhal que conduzia e encostei ao peito esquerdo dele, e disse com voz firme: “você tem dois caminhos a seguir: ou confessa ou morre. Por duas vezes, encostei-lhe o punhal, furando-o sem grande profundidade. Na terceira vez, quando ele percebeu que eu estava realmente disposto a mandá-lo para o outro mundo, resolveu falar, insistindo para que eu não o matasse.

- “Eu vou contar tudo – disse Pedro de Cândido ao aspirante – mas vai morrer muita gente...”

- Cientifiquei o ocorrido ao compadre Bezerra e mandei que ele próprio ouvisse a confissão. Sem muita demora, foi logo dizendo que os cangaceiros de fato estiveram em Entremontes, porém já haviam atravessado o rio, estando em Sergipe, e que um seu irmão, que residia a margem do rio, no outro lado, sabia esclarecer detalhadamente sobre o paradeiro dos bandidos, principalmente porque, no dia anterior, havia levado um bode assado para o “capitão” Lampião e sua gente. Não é necessário dizer que custamos a acreditar naquela conversa. Mesmo assim, atravessamos o São Francisco, conduzindo entre nós Pedro da Cândida, ocasião em que nos dissera que, se porventura não fosse verdadeiro o que ele acaba de confessar, pudéssemos matá-lo. A partir daquele momento, criamos alma nova e ficamos na certeza de que estávamos nos calcanhares de Lampião. A chuva não cessava e era cada vez maior a nossa esperança de vermos terminada aquela jornada, que havia começado há vários anos, sem ninguém saber quando terminaria!

CORONEL CONFESSA: DEGOLA DOS BANDIDOS FOI LIDERADA POR MIM

Após a confissão de Pedro de Cândida, os “macacos” perceberam que estavam no começo do fim. Ouçamos o coronel Ferreira:

- “ Quando atravessamos o São Francisco, encostamos as canoas em um lajedo e rumamos para a casa do irmão de Pedro de Cândida, cujo nome não consegui gravar. Deixamos o coiteiro em poder de alguns soldados, e procuramos falar com seu irmão, sem dizermos que Pedro se encontrava conosco. Insistimos bastante e ele nada queria nos confessar, sempre negando, até que a nossa paciência se esgotou. Daí, procuramos fazer a acareação dele com o irmão, tendo este, tão logo se avistaram, pedido que confessasse tudo, pois já havia descoberto o que sabia e estava tudo perdido. Seria inútil qualquer tentativa em sentido contrário. Nada mais restava fazer. E o rapazote despejou tudo com facilidade, inclusive confirmou que no dia anterior havia levado um bode assado para Lampião. E acrescentou que ele havia dito que, se não partissem naquela tarde, partiriam no dia seguinte, cedinho.
O Coronel Ferreira respira fundo, esfrega as mãos e diz que a partir daquele instante estava iniciada uma verdadeira via crucis. Estávamos cansados, molhados como patos n’água, mas tínhamos uma missão a cumprir – confessou-nos calmamente.

- “As tropas foram divididas. Cada grupo seguiu o seu rumo e coube à minha volante conduzir Pedro de Cândida, que nos mostraria o local onde se achava o assassino. Andamos de quatro pés, de joelhos, rastejamos, e quanto mais nos aproximávamos, em meio à escuridão, falávamos aos cochichos, evitando, assim, que algum barulho viesse a denunciar a nossa presença. Vivemos momentos de intensa apreensão. Ficou convencionado que o tenente Bezerra, tão logo se aproximasse do esconderijo, daria o primeiro tiro, no que seria seguido por todos nós. O correu, no entanto, que a minha tropa tanto se aproximou dos miseráveis, ao ponto de vermos, a poucos metros da nossa frente, um cangaceiro de cócoras, apanhando água, com uma cabaça, ou cantil. Mais tarde, viemos a saber que se tratava de Zé Sereno.

Ouvimos o chocalho dos animais, fortes gargalhadas, e naquele momento, entre o clarear do dia e a penumbra da noite, o soldado Abdon, viu-se tão perto de um cangaceiro, conhecido por “Quinta Feira” que, sem a menor demora, deu-lhe um tiro. Estava iniciado o tiroteio. Um minuto de indecisão, e naturalmente teríamos levado chumbo. Iniciada a batalha, confesso que nunca vi quadro tão horroroso, principalmente pelos gritos horripilantes que os cangaceiros davam. Eram gritos horríveis, que assustariam a qualquer cristão, mesmo preparado para o difícil momento. O tiroteio durou uns 20 minutos, aproximadamente, em meio a uma fumaceira terrível, onde se misturavam a neblina da manhã com a fumaça vomitada pelas armas, enquanto espirrava cangaceiro por todos os lados. Quando já havíamos derrubado seus bandidos, já a tropa do tenente Bezerra se aproximava, dando prosseguimento ao tiroteio, derrubando os que iam aparecendo.

 Volante do Tenente Ferreira de Mello Chico Ferreira, 
quando retornavam de Angico, dias após a chacina


LAMPIÃO E MARIA BONITA BALEADOS

- “Cessado o fogo, fomos dar balanço das vítimas. Dos nossos companheiros, o soldado Adrião fora baleado mortalmente. Lampião recebera apenas uma bala, atingindo-o no lado esquerdo da região umbilical. Ainda agonizava, quando um dos nossos soldados aproximou-se dele, e, apontando o fuzil em direção da sua cabeça, ia puxando o gatilho, no que foi obstado por um outro soldado, Sebastião Vieira Sandes, conhecido por Santos, meu compadre e um dos mais corajosos milicianos que conheci. Mesmo assim, a bala que se destinaria diretamente à sua testa, ainda o atingiu, embora de raspão.

Ao seu lado, Maria Bonita, com o fato todo de fora, pronunciava palavras incompreensíveis, arrancadas com esforço de moribundo. Luís Pedro, lugar-tenente de Lampião, ainda correu, tendo sido baleado a umas 10 ou 15 braças do local, acompanhado de um seu afilhado, o bandido “Vilanova”. Atingido por balas mortais, insistia com Vilanova para que este o acabasse de matar e que, como lembrança, ficasse com o seu mosquetão. Não resistiu, e o afilhado ficou com o mosquetão e o chapéu de como lembrança. No local – conclui o Coronel Ferreira – além de dois animais que eles conduziam, encontramos duas máquinas de costuras, manuais, comida de várias espécies, principalmente carne de conserva, jornais, medalhas, anéis de todo tipo, além de um verdadeiro arsenal.

DEGOLA: INICIATIVA DO CORONEL

Como se sabe, as vítimas da chacina de Angicos, excluindo o soldado Adrião, perfizeram um total de onze: Lampião, Luís Pedro, Quinta Feira, Mergulhão, Elétrico, Caixa de Fósforo, Cajarana, Diferente, Maria Bonita e Enedina, além de outro cujo nome não conseguimos reter. Cessada a batalha, jaziam alguns cangaceiros, enquanto outros ainda agonizavam.

 O cangaceiro "Diferente"

Tomado de ingente revolta, o aspirante Ferreira chegou a sangrar um dos bandidos, que, num gesto de represália involuntária, jogou-lhe algumas golfadas de sangue, em meio aos horríveis gritos que antecedem aos instantes finais da vida.

- “Qualquer homem de bem, por mais pacato que seja – justifica o coronel – faria o que eu fiz. Bastaria que conhecesse de perto, colocando diante dos olhos os quadros de misérias que as terras sertanejas estavam cansadas de nos expor tendo com responsáveis aqueles perversos e miseráveis bandidos. Certa vez, não pude me controlar e cheguei a chorar, quando cheguei a uma casa e vi toda família, inclusive alguns menores, todos amarrados e queimados, vítimas de Lampião e seus comandados. Em plena caatinga, era hábito encontrarmos esqueletos dependurados em árvores, iniciativa do terrível Virgulino Ferreira. Seria ocioso mencionar as suas perversidades, por demais conhecidas, embora não na sua totalidade.

MARIA ERA MESMO BONITA E O “REI DO CANGAÇO” NÃO MORREU DORMINDO

Dizíamos, no meio desta série de reportagem, que existiam muitos pontos obscuros e controversos sobre Lampião, sua gente, suas façanhas. Um deles, por exemplo, prende-se ao coiteiro-mor Pedro de Cândido, o homem que conduziu o Tenente Bezerra e os seus comandados até ao esconderijo em que se achava o perverso cangaceiro, de conluio com algumas dezenas de divorciados da lei.

Numa série de entrevistas concedias aos Associados, o ex-cangaceiro “Volta Seca”, atualmente Antônio dos Santos, pai de sete filhos, funcionário da Leopoldina, no Rio, dissera entre outras coisas que, após a degola dos cangaceiros, as tropas da polícia alagoana deram cabo de Pedro da Cândido.

- “Nada mais inverídico e falso – refuta o Coronel. Na realidade, quando o conduzíamos em demanda de Angicos, levando-o com certa cautela, eu havia autorizado a dois soldados que, tão logo fosse iniciado o tiroteio, acabasse com a vida dele. Entretanto, apesar de não ser lá nenhum bom coração, resolvi pensar de modo diferente, atendendo aos seus clamorosos apelos, sobretudo com referência à família, que ia ficar desamparada. Assim sendo, através de gestos, eu transmiti aos soldados que nada fizessem, deixassem-no ir embora. E assim foi feito. Não posso esclarecer como ele escapuliu e foi bater em casa, mas uma coisa posso afirmar: um mês depois da chacina, Pedro de Cândida ainda tirava espinhos do corpo, um tanto inchado, em consequência da carreira que dera, enfrentando os mandacarus, xique-xiques e todos os tipos de plantas bravas.

Para desfazer totalmente as informações de Volta Seca, o coronel diz que os governos de Bahia e Alagoas (o interventor de Alagoas era o Dr. Osman Loureiro), juntos, ofertaram cem mil cruzeiros, a serem distribuídos com os participantes da luta, tendo ele e o Tenente Bezerra recebido maiores parcelas, enquanto o restante recebeu quantias iguais, inclusive o próprio Pedro de Cândido. Diz, ainda, que o referido coiteiro ingressara na polícia alagoana, na qualidade de cabo, tendo ido destacar em Entremontes, local em que residia.

 O aspirante Ferreira de Melo e o soldado Noratinho 
mostram a Melchiades da Rocha o local onde Lampião foi decapitado.

ASSASSINADO ANOS DEPOIS

E o coronel revela:

- “Destacando em Entremontes, Pedro de Cândido, que era muito mulherengo, habitualmente deixava aquele distrito, conduzido em uma canoa por ele mesmo remada, em demanda de Piranhas. Naquela cidade, Pedro tinha as suas aventurazinhas amorosas. Nessa época, começou a aparecer um boato de que existia “bicho” naquelas redondezas, chegando a ser “visto” por muitas pessoas. Certa noite, quando um rapazinho de 15 a 16 anos transitava nas imediações do rio São Francisco, e tendo que passar por um caminho que se localizava bem a sua margem, inesperadamente deparou-se com um vulto, braços abertos, dando a ideia de que iria abraçá-lo. Já ciente do boato que circulava em Piranhas, ficou na certeza de que estava fielmente diante do lobisomem. Deste modo, talvez impulsionado pelo próprio medo, puxou do bolso uma “faquinha de cabo preto”, que conduzia, e a cravou no peito esquerdo do suposto fantasma, saindo a gritar dizendo que havia morto o “bicho”.

Com grande surpresa para os habitantes dali, verificaram, depois, que se tratava de Pedro de Cândido, trajando um capote escuro, na época distribuído pela polícia de Alagoas.

LAMPIÃO NÃO MORREU DORMINDO

Outra inverdade divulgada pelo ex-integrante do grupo de Lampião, refere-se à morte do seu ex-chefe, quando afirma que o “rei do cangaço” morreu dormindo, sem tempo para acordar. E acrescenta que “foi encontrado no chão, mas já caiu da rede morto e ensanguentado, com o corpo crivado de balas”.
- “Lampião, diz o coronel Ferreira, sem dúvida alguma foi tomado de surpresa e longe estava ele de acreditar que àquelas horas, naquele seu infeliz amanhecer de 28 de julho de 1938, nossas tropas estivessem, ali, ao seu redor. A bem da verdade, torna-se necessário esclarecer que o fato de termos o agarrado inesperadamente, ajudou-nos bastante, visto que, bastaria uma simples falha nossa, ou até mesmo uma simples indecisão ao abrir fogo, e talvez poucos soldados das nossas volantes viessem a descrever aqueles instante de ferocidade e agonia. Apesar de o termos cercado de surpresa, afirmo categoricamente que Lampião não morreu dormindo, nem foi crivado por várias balas.

Todos os cangaceiros já se encontravam de pé, naturalmente se aprontando para a partida, pois o dia já estava amanhecendo e Lampião, conforme é sabido por todos, não era homem de dormir até tarde, principalmente com os seus subordinados acordados. Isto não passa de conversa mole, que não tem nenhuma razão de ser. Lampião já estava de pé e recebeu apenas uma bala, conforme eu já disse, empunhada pelo cabo Honorato, conhecido por Honoratinho. Todavia, ninguém poderia precisar, em meio ao fumaceiro, às apreensões e a balbúrdia do momento, que esse ou aquele policial tivesse atingido ao nosso terrível adversário. O verdadeiro, no duro, é que foi a minha tropa que exterminou Lampião. Esta é que é a verdade – diz energicamente o Coronel Ferreira.

 


ANTÔNIO FERREIRA É UM PSICOPATA

A entrevista está no fim. “Seu Antônio Ferreira, declarou que Lampião não havia morrido e que Maria nunca existiu, de vez que ele participava também do bando e nunca viu mulher ou mulheres entre eles.

Lemos para o Coronel as ousadas declarações do velhinho paraibano, ouvidas sobre forte gargalhada.

- “Só mesmo um psicopata, poderia fazer tão imbecil afirmativa, sem pé nem cabeça, decerto procurando um início de levar o nome às páginas dos jornais. Se Lampião não morreu, como é que os membros da sua família vêm lutando para sepultar a cabeça dele e de Maria Bonita? Se Lampião não morreu, como é que os próprios sequazes seus, que lado a lado viviam com ele, constantemente se referem ao seu desaparecimento, muito embora nem sempre historiando a verdade dos fatos? Existira prova mais fiel do que a existência da sua cabeça, já mumificada, no museu Estácio de Lima, na Bahia?

- “Não consigo entender como é que uma pessoa afirma que não existiam mulheres no bando de Lampião. Eu mesmo fiquei com algumas fotografias, pertencentes ao desgraçado cangaceiro, retiradas de uma lata que se achava em seu poder, onde se constata a existência das mulheres.

Folheia um álbum, que nos deu para examinar, no qual, dentre várias fotos, encontra-se uma do bandido “Pancada”, ao lado a sua companheira, cujo nome desconhece. Mais adiante, lá estão Lampião e Maria Bonita, esta sentada, entre dois cachorros, e aquele de pé, ao lado, em um jornal. da fotografia, vê-se que Maria Bonita era bonita mesmo e dona de umas lindas pernas.

 Ferreira e o jornalista

 HOMEM DE CONSCIÊNCIA TRANQUILA

Aos 61 anos de idade, o tenente coronel Ferreira de Melo é um homem que diz viver de consciência tranquila, não obstante algumas malvadezas que teve de praticar, forçado pelos ossos do ofício, nem sempre ossos bons de roer. Respeitado e admirado, vive sob a glória de haver concorrido bravamente para o extermínio do maior bandido que o Brasil conheceu e reconhece que o triunfo coube a todos que participaram da chacina e outros que direta ou indiretamente, deram a sua parcela de sacrifício, em defesa da tranquilidade da nação. Cita os nomes do coronel Lucena Maranhão, do Tenente Bezerra, do ex-cabo Aniceto, que morreu baleado em Santana do Mundaú, no de 1959, e não esquece, entre vários outros, o Dr. Osman Loureiro que, na qualidade de Interventor, muito fez para a extinção daquela praga social.

Ainda hoje, na tranquilidade em que vive, fala de Lampião com ares de revolta e ódio.

Bônus:

Francisco Ferreira de Melo em dias de paz.

A Ilustração ficou por conta do Blog Lampião Aceso

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PEDRO CAROLINO DE SOUSA DE REFÉM A SARGENTO DE VOLANTE.

 Por Luis Bento

O então distrito de Macapá, hoje Jati, por se localizar na região sul do cariri cearense, fronteira do Estado com o Pernambuco, sempre viveu conturbados dias de conflitos por cangaceiros que assolavam na região.

Jati - CE

No início do ano de 1938, aconteceu no sítio Oitis no então distrito Macapá, um episódio envolvendo Pedro Carolino e o cangaceiro Moreno. 

Pedro, ficou refém do grupo por determinadas horas, sobre ameaças de morte, enquanto seu cunhado Noia Gomes foi imbuído a uma missão, de ir ao distrito efetuar compras de alimentos e munição para o bando necessitado.

Pedro Carolino de Sousa

"Vivi momentos de angústia, todo instante era ameaçado de morte, caso meu cunhado falhasse as exigências do grupo,  por pouco não morri, acredito que agente só morre quando chega o dia".  Assim comentou Pedro Carolino ".

Dias após o acontecido, Pedro Carolino e seu cunhado Noia Gomes, procuraram o Quartel General da Cidade de Juazeiro do Norte e foram dar combate ao  grupo cangaceiro que atuava na região.

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LAMPIÃO E OUTRAS HISTÓRIAS - CANGACEIROS, COITEIROS E VOLANTES

Por Doizinho Quental

O coiteiro Mané Félix

O conhecimento mais apurado das origens dos cangaceiros, coiteiros e volantes do tempo do cangaço se fazem necessário, para situarmos melhor os nossos contos e curiosidades.

Nada mais plausível do que recorrermos ao livro "Cangaceiros, coiteiros e volantes" do mestre e escritor José Anderson Nascimento, com a sua prestimosa autorização, para situarmos estes integrantes do cangaço no seu tempo e sabermos suas origens.

“A partir da primeira metade do século XIX, a dura realidade do sertão nordestino, onde predominava intensa miséria e injustiça social, criou-se uma manifestação caracterizada pelo banditismo, com a denominação de cangaço”.

O termo cangaço já era conhecido desde 1834, e se referia a certos indivíduos que andavam armados, com chapéus de couro, carabinas, cartucheiras e longas facas esterçadas batendo na coxa. Levavam as carabinas passadas pelos ombros, tal como um boi no jugo, na canga. Daí decorreu a significação cangaço e dela derivando o vocábulo cangaceiro, para identificar aquele bandido do sertão nordestino, que andava sempre fortemente armado.

A fama de Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Lampião e mais alguns cangaceiros que se tornaram lendários, ofusca os nomes de outros bandidos rurais tão famosos quanto eles em sua época. Famosos, frios e destemidos, a exemplo de Diogo da Rocha Filgueira, o Dioguinho, que agia no oeste paulista no final do século passado.

Mais cruel que Dioguinho só mesmo Lucas da Feira, escravo fugitivo que atacava nas redondezas de Feira de Santana, na Bahia.

Tanto Lucas da Feira, como Dioguinho, apesar de agirem em área rural não podem ser considerados "bandidos sociais". O baiano não passava de um salteador de estrada e o paulista, de um bandido bem protegido.

O banditismo social nasceu de forma muito diferente. Teve a sua base em fatos de natureza econômica e social.

Jagunço, cabra, bandoleiro ou cangaceiro, era o inadaptado à civilização litorânea, o retardatário, o reacionário contra as normas de uma nova sociedade.

Surgiram, em grupo, ao aceno de um companheiro mais terrível.

Banditismo grupalista, banditismo tribal ou familiar, banditismo social, impulsionados todos por fatores de ordem social ou antropológica.

No quadro do banditismo do Nordeste houve uma divisão em dois grandes grupos: o primeiro constituído pelo jagunço ou capanga que sempre figurou como bandido comum, um mercenário ou guarda-costas, também conhecido como pistoleiro, a serviço do poder econômico nas lutas em torno de limites de propriedades entre famílias ou políticas; o segundo formou-se com os cangaceiros que, de certa forma podem ser apresentados como "bandidos sociais", uma vez que eram apoiados pela comunidade, a qual legitimava os seus atos e colaborava no fornecimento de alimentos, esconderijos e informações.

Vingar a honra da família constituía o portão de entrada do jovem sertanejo para o cangaço. Foi por essa causa que Jesuíno Alves de Melo Calado, o Jesuíno Brilhante, "caiu" no cangaço, no Rio Grande do Norte. Ganhou fama ao ajudar os flagelados da seca de 1877, e morreu lutando com a polícia, na Paraíba.

Na mesma época, afora Brilhante, surgiram os bandos dos Viriatos, Quirinos e Calangros.

No início da República era famoso o cangaceiro Antônio Silvino, que só foi preso em 1914. Conduzido à cadeia do Recife e condenado a 32 anos de prisão, cumpriu 28 e foi indultado pelo Presidente Getúlio Vargas. Faleceu em 1944, aos 79 anos de idade.

“Outro bandido famoso foi Sinhô Pereira, que só aderiu à vida cangaceira para vingar a morte do seu irmão Né Pereira, no sertão pernambucano de Serra Talhada.”

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, o mais famoso cangaceiro do Nordeste,  segundo alguns historiadores, nasceu em 7 de julho de 1897, no sitio Passagem de Pedra  município de Vila Bela ( hoje Serra Talhada); estado de Pernambuco.

Outros afirmam categoricamente que este famigerado cangaceiro nasceu em 6 de junho de 1898.

Dotado de uma inteligência acima do normal, Virgulino tinha facilidade de trabalhar com qualquer atividade. As funções de vaqueiro, almocreve, soleiro, pedreiro, tocador de sanfona, poeta e cangaceiro, executou  sempre com a mania de perfeição. 

Ainda jovem, juntamente com os seus dois irmãos mais idosos, Antônio Ferreira e Livino, meteram-se em encrencas com os vizinhos, Zé Saturnino e João Nogueira, genro e sogro, considerados  homens ambiciosos e maus, terminando por entrarem nas desgraças do cangaço, fazendo justiça com as próprias mãos, já que as autoridades da época, foram partidárias, levianas, e coniventes com  Zé Saturnino e João Nogueira, agricultores mais abastados. Alguém declarou que se não tivesse existido Zé Saturnino, não teria havido Lampião. Entretanto, escritores célebres asseguram que a sua índole perversa e má terminaria aflorando, até mesmo se ele tivesse sido educado em seminário de jesuítas: “o carneiro aprende a dar marrada, nem que seja criado em chiqueiro de cabras".

Lampião foi considerado, por muitos entendidos, como um cangaceiro de personalidade múltipla; um esquizofrênico, mau e vingativo. A história mostra que este celerado praticou atos vis, desumanos e de um sadismo que revoltou o mundo. No entanto, vários autores escreveram sobre atos de humanismo, 

Em entrevista prestada pelo ex-cangaceiro  Oliveira ou Alagoano, aos autores do livro Lampião e o Estado Maior do Cangaço, de Hilário Lucetti e Magérbio de Lucena - Edição de 1985, declara: - "Durante o tempo que andei com Lampião, quando a gente estava no Ceará, ele dizia logo: - Cuidado que este é um Estado que eu respeito! E ninguém tomava nada de ninguém, não matava ninguém. Lampião não gostava de dar surras. Para pegar um pobre paisano  desarmado e dar-lhe  uma pisa, dizia, não é vantagem para um homem. Vantagem para um homem é falar alto para outro armado! Não se davam bolos. As moças tinham que ser respeitadas. O padre Cícero tinha pedido para ele respeitar moças, senhoras casadas e seus romeiros, dizendo que se fizesse isso, ele morreria de velho em sua cama."

Portanto, momentos ensandecidos e rasgos de humanismo, foram perpetrados por essa personalidade controvertida.  

Lampião foi proclamado por seus asseclas, como vimos acima, de justo e defensor das mulheres e donzelas, todavia, temos relatos de que nem sempre agiu assim, pois chegou a ferrar senhoras e moças, como se fossem animais.  Em outras ocasiões,  investiu   contra mulheres de bem e pacatas donzelas,  satisfazendo os seus instintos bestiais de sexo, onde todo o seu bando de réprobos o acompanhou, numa sevícia e torpeza inigualáveis, deixando as vítimas em estado de torpor.

Apesar de, em 4 de abril de 1926, na cidade de Juazeiro do Norte, quando entrevistado pelo repórter Otacílio Macedo, ter confessado que agia sempre com justiça, os fatos comprovam seus crimes hediondos, de uma perversidade que extrapolam os limites do irascível.

Com toda a sorte de crimes hediondos praticados por ele e pela turba de demônios que o acompanhavam, é de admirar que este celerado ainda seja lembrado como um defensor  do sertão nordestino. A verdade, cremos, é que Lampião, quando defendeu seus interesses, foi amigo do pobre, do miserável e do rico coronel de barranco, se estes fossem os seus provedores. Defendia a ferro e fogo os seus coiteiros, e os trucidava quando era traído pelos mesmos.

Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, foi fruto da sanha perversa e doentia, de um tempo onde o coronel de barranco era o senhor absoluto de tudo e de todos. Aqueles que "não honravam os dois maracujás que carregavam na forquilha", eram vilipendiados, espezinhados e difamados pelos potentes régulos da época do cangaço. Porém alguns, como o rei do cangaço, não transportavam nas suas veias o sangue do pacífico homem ou do medroso renegado, que suja as calças na hora da luta. De uma impetuosidade sem tamanho, partiu inicialmente com seus dois irmãos, para as vinditas ferrenhas pelas injustiças sofridas.

Como muitos imaginam, ele não entrou no cangaço porque mataram seu pai, José Ferreira;  o seu genitor foi morto covardemente por José Lucena, em consequência de Lampião e seus irmãos já terem abraçado o cangaço.

Daí para frente as suas "vinganças tornaram-se malignas".

Agora você pergunta: - como pode existir oportunidade para se realizar um trabalho de humor, sobre este ser cruel e vingativo? Matutamos por bastante tempo sobre esta verdade incontestável e ficamos espantados com o resultado das  pesquisas que fizemos; mais uma vez comprovamos que "o que dá pra rir dá pra chorar", como enfatiza a  canção.

A nossa  intenção  não  é   contar  a história de Lampião, mas relatar, como já dissemos, fatos, histórias jocosas, curiosidades que grassaram naquela época de trancos e barrancos, onde o trabuco falava mais alto do que os poderes da justiça.

Para aqueles que realmente querem saber sobre a vida de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, no final deste livro, fazemos recomendação das principais obras que devem ser consultadas.

“Como componentes do cangaço estão os coiteiros e as volantes”.

Os coiteiros eram os indivíduos que davam asilo aos bandidos ou os protegiam, em decorrência de parentesco, simpatia, interesse ou medo.

As volantes eram tropas ligeiras e contavam com 20 a 60 soldados (macacos) das Forças Públicas dos estados. apoiados por guias, rastejadores e pombeiros (alcaguetes).

Algumas usavam metralhadoras Hoctkiss (beijo quente), de 32 tiros. Muitas volantes se notabilizaram na caça aos bandidos, especialmente as de Teófanes Torres, Manuel Neto, Quelé, Zé Lucena, Baltazar, Zé Rufino e a de João Bezerra.

A caatinga, tipo de vegetação característica do Nordeste brasileiro, formada por pequenas árvores, comumente espinhosas, que perdem as folhas no curso da longa estação seca, era o habitat natural dos cangaceiros.”

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MARIA BONITA: JOIAS, TORTURA E SEM SEXO ÀS SEXTAS, DIZ BIÓGRAFA DO CANGAÇO.

 Por Juliana Linhares - Da Universa

Maria Bonita Foto do Benjamin Abraão

Maria Bonita tornou-se cangaceira porque quis. Era infeliz no casamento - com um sapateiro - e largou tudo para acompanhar Lampião, à época, já uma celebridade internacional, o bandido mais procurado do Brasil, com direito a reportagem no "The New York Times".

A primeira mulher a entrar no cangaço não foi raptada e estuprada ainda criança, como acontecia com a maioria das mulheres do bando. Porém, como elas, foi obrigada a dar a única filha que teve.

Maria Bonita andava coberta com algumas das joias mais caras já vistas no sertão nordestino - todas roubadas pelo marido -, tocava bandolim enquanto Lampião cantava, ajudava a torturar algumas de suas vítimas, atuava como espiã para o bando e adorava comer o "passarinho ao vinho" que Lampião preparava. Ela se chamava Maria Gomes de Oliveira. Na intimidade, era a Maria de Déa (nome de sua mãe) ou Maria do capitão. O Bonita foi criado depois de sua morte.

Maria, Lampião e os cachorros do casal - Foto do Benjamin Abraão

A biografia da "Rainha do Cangaço", escrita pela jornalista Adriana Negreiros, e recheada de histórias inéditas sobre a bandoleira, chega às livrarias no próximo dia 31. Veja trechos de "Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço", da editora Objetiva.

"Abusada e arrumadinha feito uma boneca".

Maria era morena clara, tinha cabelo e olhos castanhos, nariz afilado, lábios finos, 1,56 metro de altura, um par de coxas grossas (...) um certo achatamento da região glútea e os pés grandes e esparramados, descreve a autora. Era dona de uma gargalhada alta e, para Dadá, a mulher de Corisco, e sua principal rival, ela era "abusada, ranzinza, orgulhosa, metida a besta, barulhenta e arrumadinha feito uma boneca".

Muito ouro.

Ela andava com algumas das joias mais caras que já tinham circulado pelo sertão. Diz a autora: "Em volta do pescoço, exibia sete correntes de ouro (que pertenceram a uma baronesa alagoana, cuja casa fora assaltada por Lampião). As mãos traziam anéis em quase todos os dedos. Reluzentes brincos de ouro faziam conjunto com um broche do mesmo material, fixado ao tecido da vestimenta ou à jabiraca, o lenço de seda usado junto aos colares".

O cabelo ficava protegido por chapéus de feltro, enfeitados com moedas, botões e medalhas de ouro.

Maria usava um punhal de 32 centímetros, feito de prata, marfim e ônix, um binóculo alemão e se perfumava com a mesma loção que Lampião: Fleurs d'Amour, da marca francesa Roger & Gallet. Ela também empunhava um revólver Colt calibre 38. No bornal, a bolsa dos sertanejos, carregava maquiagem, sabonete e perfume.

As cangaceiras, em geral, usavam vestidos de seda, quando estavam escondidas, acompanhados de luvas com motivos florais, meias, sandálias ou botas de cano curto. Em dias de andança no mato, o vestido era de pano resistente, acompanhado de meias grossas e perneiras de couro de veado ou bode.
Estupros
Maria Bonita, ao que consta, nunca sofreu violência de Lampião; porém, o cangaceiro violentou muitas meninas. A autora conta que ele "tinha intenso prazer (....) de estuprar uma mulher, enquanto ela chorava". Ele e seu bando costumam fazer estupros coletivos e, na avaliação deles, "porque as mulheres queriam". O livro relata casos estarrecedores.
Benjamin Abrahão

Corisco e Dadá, ela, a rival de Maria Bonita - Foto Benjamin Abraão

O estupro de Dadá, mulher de Corisco.

Corisco a sequestrou, da casa de seus pais, quando ela tinha 12 anos e ele, 20. Conhecido como Diabo Louro, o cangaceiro a desvirginou violentamente. A seguir, a história, nas palavras da autora: "(depois do rapto, Corisco) jogou-a no chão. Imobilizou-a, levantou-lhe o vestido, abriu-lhe as pernas, se debruçou sobre seu corpo feito um animal, penetrou-a com força, repetidas vezes. Quando Corisco finalmente saciou-se, a garota estava inerte, quase desfalecida, com a região genital em carne viva, esvaindo-se em sangue. Delirando de tanta dor, pensara que suas pernas haviam virado escamas de peixe e, na sua alucinação, 'nadava feito uma sereia numa correnteza vermelha com pedras de diamante', como ela contaria depois. Nos dias seguintes, Dadá enfrentou febres altas, que lhe provocavam novos delírios. Cessada a hemorragia, começou a sentir escorrer, pela vagina, um líquido esverdeado. Para tratar os ferimentos e a inflamação, submetia-se a banhos de assento com ervas locais, preparados por dona Vitalina (tia do cangaceiro)".

O sexo no cangaço.

Era raro. E guiado por superstições. Nunca acontecia, por exemplo, às sextas-feiras e em vésperas de mudanças de esconderijo. Quando transavam "em respeito ao Pai Eterno, os cangaceiros tiravam do pescoço os colares com saquinhos nos quais traziam orações. Lampião carregava oito delas, além de um crucifixo em ouro maciço", conta Adriana.

Apesar da pouca água existente no sertão, uma pequena quantidade era reservada para banhos íntimos das mulheres - para que elas estivessem asseadas para os homens. Eles não faziam o mesmo e, muitas vezes, passavam para elas doenças venéreas adquiridas em cabarés.

Como tratavam as DSTs

Contra a gonorreia, os cabras bebiam uma mistura de ovo com o suco de 12 limões, deixado ao sereno por toda uma madrugada e bebida antes do sol nascente. Abcessos eram abertos com canivete e espremidos até acabar o pus. Muitos ficavam de cócoras sobre uma fogueira.

Os cangaceiros também acreditavam que todo o tratamento iria por água abaixo, se "pisassem em rastro de corno".

White Horse, traição e tortura.

Lampião tratava a mulher paciente e carinhosamente. E ria das constantes crises de ciúme dela. Em 1931, o casal viajou no que seria uma lua de mel tardia e se hospedou na casa de fazendeiros abastados. Lampião fumava charutos, Maria jogava cartas e eram muitos os brindes com uísque White Horse. Lampião gostava de cantar e tocar sanfona, enquanto era acompanhado pela mulher, no bandolim. Quando sua voz falhava, chupava pastilhas Valda.

Aparentemente, Maria teve um romance com um comerciante chamado João Maria de Carvalho. Quando precisava de algo, tipo sapatos, ela mandava pedir a ele.

Maria impediu que Lampião matasse muita gente, no entanto, há registros que mostram que, em alguns casos, ajudou a torturar vítimas mulheres do marido: por exemplo, arrancando-lhes os brincos até rasgar os lóbulos.

Dadá, a rival

A mulher de Corisco costurava muito melhor que Maria Bonita, e, por isso, conquistou a alma vaidosa de Lampião. Ele pedia que ela lhe fizesse bornais com bordados florais e geométricos bem coloridos.

A autora não afirma que Lampião e Dadá tiveram um caso, mas conta noites em que eles ficavam numa "risadaria dos pecados".

Lampião fazia "passarinho ao vinho".

Costurar, lavar e cozinhar eram tarefa de todos, homens e mulheres. Os homens costumavam caçar os bichos, as mulheres os temperavam e eles assavam. Lampião adorava fazer um prato em especial: passarinho ao vinho. Maria, além de cozinhar e tecer, agia como espiã, escutando as conversas das pessoas da cidade e recrutando novos homens para o bando. Ela e Lampião sabiam ler e escrever precariamente, e gostavam de ler a revista "O Cruzeiro". 

A doação da única filha

Expedita nasceu em setembro de 1931, pelas mãos de uma parteira, sob a sombra de um umbuzeiro. Dias depois do nascimento, a menina foi entregue a um casal de vaqueiros, em Sergipe. A mulher havia dado à luz recentemente e é possível que a filha de Maria Bonita tenha sido apresentada à vizinhança como a irmã gêmea do outro bebê. Depois que entregou sua filha, Maria amarrou um pano em volta dos seios. Espremidos, eles deixavam vazar pouco leite.

Há relatos de que, antes de ser doada, a bebê quase foi sangrada a facão pelo pai. Lampião se impacientaria com o choro dela e com o fato de ter que parar as caminhadas do bando para que a mulher cuidasse do bebê.

Todas as cangaceiras eram obrigadas a entregar seus bebês ainda recém-nascidos. Geralmente, eles eram dados a fazendeiros, juízes ou padres.

O primeiro casamento de Maria.

Ela foi casada desde os 15 anos com um primo sapateiro. O casal vivia no sertão da Bahia e o sapateiro era conhecido por se entregar aos prazeres da noite. Mas ele fazia pior. "Maria podia passar incontáveis noites longe de casa (quando o marido a traía) - muitas vezes depois de enfrentar a fúria dele que, aborrecido com os protestos da esposa, tentava lhe calar com tapas e socos", escreve a autora. Maria, de seu lado, não era a mais fiel das esposas.

 Como conheceu Lampião.

O cangaceiro, que já era o rei do cangaço, tinha atrás de si as polícias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Decidiu tentar uma vida nova na Bahia. Maria de Déa, de seu lado, era fascinada pelas histórias do cangaceiro. Há algumas hipóteses sobre como os dois se conheceram, mas a mais aceita dá conta que, numa de suas fugas do marido, Maria chegou na casa dos pais e lá encontrou Lampião e seu bando. Foi para a cozinha, ajudar a mãe a preparar a refeição para os cangaceiros, Lampião se aproximou e travou com ela o seguinte diálogo, segundo a autora:

- Você sabe bordar?

- Sei.

- Então vou trazer uns lenços de seda para você bordar e volto daqui a duas semanas para buscar.

(...) ?Dias depois, Virgulino voltaria para pegar os panos e iniciar o namoro com Maria. (...) Durante todo o ano de 1929, ele interromperia suas incursões sertão adentro para visitar, com regularidade, a namoradinha ? o que não o impediria de, durante os trabalhos de campo, procurar o amor em outras paragens.?

O bando, com Maria à frente - Foto do Benjamin Abrahão 

A Rainha do Cangaço.

"Meses depois (....) passaria a viver maritalmente com Lampião. Assim, nos primeiros meses de 1930, Maria (...) se tornaria a primeira cangaceira da história do Brasil. Antes dela, nunca, uma mulher acompanhara o grupo de bandoleiros. Muitos tinham suas companheiras, mas não permitiam que os seguisse. Era o caso de Corisco. Quando Maria de Déa entrou no bando, fazia três anos que ele mantinha Dadá escondida na casa de dona Vitalina (sua tia), escoltada por capangas para evitar que fugisse ou fosse atacada pelas volantes (como era conhecida a polícia)".

Cabeça decepada e madeira na vagina.

O bando de Lampião foi dizimado numa emboscada feita pela polícia, em 28 de julho de 1938 (Corisco e Dadá não estavam nesse dia e se salvaram). Maria tinha 28 anos. Os onze homens haviam acabado de acordar. Os soldados viram Lampião puxar sua oração matinal e Maria fazer o café. Dispararam saraivadas de tiros. Maria estava com uma bacia na mão ao levar a primeira bala na barriga. Ela agonizava quando um soldado degolou Lampião. Depois, outro policial fez o mesmo com ela - que ainda estava viva. As cabeças dos onze cangaceiros foram depois expostas ao público, em Maceió. O corpo de Maria Bonita "seria abandonado com as pernas abertas e um pedaço de madeira enfiado na vagina", conta o livro.

O que mais impactou a autora

Adriana conta que se impressionou muito com as histórias de violência do bando. No entanto, algo a assombrou ainda mais: "os relatos das cangaceiras sobreviventes são geralmente desacreditados em relação à extrema brutalidade da qual foram vítimas", diz Adriana. "Dadá foi muitas vezes tachada de 'exagerada' ao dar detalhes sobre o rapto e estupro perpetrados por Corisco". Adriana sentencia: "Colocar em suspeição a versão das cangaceiras faz parte do mesmo padrão e da mesma lógica que insiste em desqualificar os relatos das mulheres quando violentadas".

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