Por Rubens Antonio
Tenente Geminiano José dos Santos
Relatório do Capitão José Galdino de Souza, de Senhor do Bonfim sobre Relatório
do tenente Geminiano José dos Santos, relativo ao Massacre de Queimadas, com
transcrição daquele, encaminhando-o à Secretaria de Policia e Segurança Pública
da Bahia.
Peça importante para o entendimento deste evento referencial no Cangaço,
relata, a partir do ponto-de-vista do tenente Geminiano, o massacre de
Queimadas.
Documento relevante, especialmente por o tenente Geminiano ter sido morto, mais
tarde, em confronto com o bande do cangaceiro Lampeão.
Conseguido por mim, em levantamento em arquivo de documentos da Polícia Militar
da Bahia.
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Ao Exm° Sr. dr. Bernardino Madureira de Pinho
M.D. Secretario de Estado, Policia e Seguraça Publica da BAHIA
Divulgado o horrendo morticinio de 7 (sete) praças do destacamento da Villa de
Queimadas, praticado pelo bando “Lampeão” em a tarde de 22 do expirante, ás
3,35 minutos da manhã de 23, em trem especial, fiz seguir áquella Villa, o 2°
Tenente Geminiano José dos Santos para garantia e em uma incumbencia, tambem,
de prestar informes sobre a chacina, cujo relatorio feito com o auxilio
perspicas e intelligente do Sr. CPm. Médico Dr. Arthur Xavier da Costa, moço
este, durante a minha acção nesta cidade muito vem concorrendo para a bôa ordem
publica e incitamento de coragem aos camaradas cntra o banditismo que
infelizmente vem demorar a sua extinção.
Na integra transcrevo a Vossa Excellencia o Relatorio que acima referi:
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“RELATORIO APRESENTADO AO CAPITÃO JOSÉ GALDINO DE SOUZA, A RREPTO DA ENTRADA DE
LAMPEÃO EM QUEIMADAS, PELO TENENTE GEMINIANO JOSÉ DOS SANTOS
Illmo Sr. Capitão José Galdino de Souza, em conformidade com as vossas ordens
afim de apurar as occorrencias da incursão de Lampeão em Queimadas no dia 22 de
dezembro corrente tenho a dizer–vos que me transportei áquella Villa, trem
especial ás 3,35 da manhã de 23, e lá chegando, procurei logo o Sr. Dr. Arlindo
Simões que me historiou do facto e com o mesmo vos dei conhecimento pelo
telegrapho do occorrido. Procurando em seguida o Dr. Manoel Hilario Nascimento,
Juiz Preparador do Termo que me forneceu as informações seguintes: Em cerca de
3 horas e 40 minutos da tarde de domingo 22 treis individuos em trages de
cangaceiro se dizendo mesmo caibras de Lampeão e que depois elle soube serem
Marianno, Antonio de Engracia e Gavião invadiram a sua residencia exigindo
pagamento em dinheiro; que á sua recusa elles responderam que nesse caso se
considerasse preso e elle, reacção nenhuma podendo fazer, ficou á discrecção
dos mesmos. Tempos depois entrou o proprio Lampeão com parte do seu grupo
trazendo o sargento Commandante do Destacamento, que não foi logo por elle
reconhecido pelo facto de se achar a paisana, o que elle fazia questão de
accentuar pois era a primeira vez que via o sargento em trajes não militares. A
elle foi confiado, occasião, a guarda de todo o armamento do destacamento que
ficou depositado em sua casa até a hora da saida, pela madrugada. Em seguinda o
proprio Lampeão exigiu do Juiz preparador, mesmo de pyjama como se achava, a
sahida á Rua afim de apresental–o as pessoas que podessem lhe fornecer
dinheiro; que o Juiz reccusando sahir de pyjama por ser um autoridade e não lhe
ficar isso bem o proprio Lampeão concordou em que fossem chamadas as pessoas em
sua casa para ahi, determinar as quantias com que casa um devesse contribuir
para o saque; que pelo proprio official de Justiça elle mandou chamar alguns
negociantes cujos nomes eram tomados pelo proprio Lampeão sendo elle mesmo
Lampeão quem prefixava a quantia. A proporção que cada negociante se
apresentava, dava o nome e por sua vez o mesmo negociante ia indicando outros
que podiam tambem entrar com dinheiro.
Obtidas essas informações do Juiz Preparador ouvi pessoas outras na localidade
que me informaram, mais ou menos, o seguinte: Em as 15 horas de domingo 22 de
dezembro foi visto um grupo atravessando o rio em canôa, grupo esse que pareceu
a muita gente ser força Pernambucana; que dois ou treis delles se dirigiram
logo a estação da estrada de ferro que foi fechada sendo preso o telegraphista;
que Lampeão e mais cinco do seu grupo se dirigiram para o quartel onde
surprehenderam o sargento e mais 5 praças sendo as duas restantes presas na rua
e conduzidas ao quartel; que o sargento Evaristo Carlos da Costa, commandante
do destacamento lhe informou que só deu pela presença do grupo de Lampeão
quando já habia galgado a escada que dá acesso para o Quartel estando os fuzis
e a munição de reserva, em outro compartimento, não lhes foi possivel uma
reacção dado o imprevisto da chegada. Informou mais, o sargento, com testemunho
de outras pessoas da localidade que, Lampeão, recolhidos os soldados no mesmo
xadrez, em que estavam os criminosos, os foram postos em liberdade, exigiu do
sargento a entrega de armamento e da munição; que elle, mesmo sem poder fazer
redução respondeu que não podia dar armamento e munição pois que estava sob
guarda e delles era responsavel; que Lampeão respondeu que a responsabilidade
delle tinha cessado, pois que naquelle dia, alli em Queimadas, elle Lampeão, era
tudo – Chefe de Policia, Governadôr, tudo enfim; que em seguida perguntou–lhe
se sabia onde era a casa do Juiz obrigando–o a ir com elle até lá, onde
depoisitou o armamento já tendo sido a munição repartida entre os caibras,
munição essa que era calculada em cerca de SEISCENTOS CARTUCHOS; que em casa do
Juiz permaneceu longo tempo sempre guardado indo depois ao bar do Cirsio onde
os caibras quizeram que elle bebesse; que á sua recusa lhe foi offerecida
gazoza, que elle tomou por lhe ser impossivel reccusar; que nessa ocasião foi
avisado de que a noite haveria um baile e que elle estava convidado para
dansar; que, com a bebida, tambem recusou dizendo que nunca havia dansado ao
que não insistiu; que em seguida levaram–no para a casa do sr. Amphiloquio
Teixeira onde permaneceu longo tempo; que teve varias oportunidades dentre
ellas se lembra da occasião em que estava na casa do Juiz, de fugir, mas não o
fez por ser um ato de covardia embora estivesse certo de ir morrer sendo que
uma das vezes pediu a um popular, seu conhecido, uma arma para suicidar–se idéa
logo affastada pelo facto da difficil aquisição da arma; que viu varias pessoas
confabulando em casa do dr. Amphilophio Teixeira com o bandido Marianno, seu
principal guarda, sendo que uma daz vezes aquelle respondeu: – não, não sei.
vou falar com o capitão mas acho difficil; que só depois veio a saber que esta
confabulação tinha por fim a obtenção de sua liberdade, nem um pedido porem,
tendo feito elle até então; que chegou Lampeão, cerca de 5 horas da tarde depois
de conversar com pessoas da casa do dr. Amphilophio e com o proprio Marianno
perguntou–lhe se elle sargento Evaristo não sabia que tudo que elle Lampeão
prometia cumpria; que respondeu que já tinha ouvido fallar nisso; disse–lhe
isto que tinha perdido um homem em Aboboras, a quem era tão grato que se
matasse toda a Força Publica não lhe pagava o companheiro perdido e a quem lhe
devia a vida. Em seguida Lampeão communicou–lhe que aberta para elle uma
excepção coisa rara aliás, resolvendo não mais matal–o e que elle podia ficar á
vontade que nada mais lhe aconteceria; que tendo Lampeão lhe communicado que ia
fazer uma besteira no quartel e comprehendendo elle que isso significava a
morte dos seus companheiros que estavam presos elle então disse a Lampeão: –
vou lhe fazer o primeiro pedido, depois que eu estou preso; não desejo assistir
a morte dos meus companheiros; ao que Lampeão lhe respondeu ser indifferente,
que podia deixar de ir sendo–lhe exigida ainda a entrega de dois fardamentos
kakis, que elle mesmo foi buscar em sua casa sendo esta mais uma das vezes em
que não quiz fugir; que tão atordoado estava com os factos desta tarde que nem
ouviu os estampidos dos varios tiros com que foram trucidados seus
companheiros, só mais tarde, por occasião da saida do grupo foi que veio a
saber da chacina havida. Pude apurar por informações da população e
principalmente do Juiz Preparador que o sargento já havia dado provas de
energia principalmente na occasiao da passagem de Curisco nas visinhanças de
Queimadas quando queimou a Estação do Rio do Peixe e que com os proprios
soldados era sempre energico mas não passava desapercebido á população o
abandomno principalmente por parte das praças e que todos se admiram da
facilidade do sargento nesse dia em que foi surprehendido por Lampeão. Outras
informações foram por mim colhidas e que embora não tenham grande ligação com a
minha funcção não é de mais que as traga ao vosso conhecimento, antes porem
digo devo informar–vos que os nossos companheiros ás cinco e treis quartos,
mais ou menos, foram barbaramente trucidados por Lampeão e seu grupo tendo
Lampeão da casa do Juiz, se feito acompanhar pelo carcereiro até ao Quartel;
que lá chegou Lampeão e mais dois outros entraram acompanhados pelo carcereiro
que recebeu ordens de abrir o xadrez; que o quartel, no tempo do occorrido
entre a prisão e a chacina ficou sob a guarda de seis criminosos que foram
soltos por Lampeão sendo dois delles praças comdemnadas, digo a espera do
julgamento; que as praças no dia seguinte voltaram ao quartel mandando o Juiz
já que ellas não quizeram fugir ficassem em liberdade e que os quatro
criminosos evadiram–se; verdade dessas informações áquellas passadas no proprio
officio do quarte, algumas dellas eu obtive dos proprios que foram testemunha de
vista da chacina; que aberta a porta do xadrez pelo carcereiro Lampeão ordenou
ao primeiro soldado que desceu a escada ... dois tiros na cabeça dados pelo
bandido Antonio conhecido por VOLTA SECCA em seguida sangrando o soldado quasi
cadaver; que ao ouvir dois estampidos o carcereiro confessou não mais ter animo
para abrir a porta do xadrez, sendo o proprio Lampeão quem, com um ferro
levantou a lingueta da porta do xadrez deixando passar o segundo soldado que
teve o mesmo castigo e assim todos os outros; que o proprio carcereiro foi
empurrado por Marianno para ter a sorte que Lampeão não fez dizendo; que elle
não era macaco e que tinha familia grande, que dahi se dirigiram á Pensão todos
os dezoito do grupo, só o Ezequiel Ferreira, PONTO FINO, irmão de Lampeão não
comeu se queixando de que tinha apanhado um resfriado havendo quem pense que
elle esteja tuberculoso, pois confessou que estava muito doente e que precisava
descançar; após o jantar que não pagaram e onde foram servidos por
representantes de casas commerciaes da Bahia dirigiram–se para o Cinema onde
forçaram o proprietario a dar uma secção cinematographica seguindo–se depois as
dessas para o que convidaram varias familias da ocallidade; assim dançaram em a
casa do Sr. Antonio Felix Baptista, na casa do Sr. Antonio Ferreira de Araujo,
representante do Banco do Brasil e proprietario do Cinema e na Sociedade
Recreio queimadense onde permaneceram até a hora de se movem cerca de duas e
meia hora da manhã; que tanto durante a scção cinematographica e como durante
as dansas, apenas tomaram parte 10 inclusive Lampeão, ficando os outros oito
fiscalizando as immediações e até mesmo a Estação. em um quadro feito a lapis
da Sociedade Recreio Queimadense, o proprio Lampeão traçou as seguintes
palavras que transcrevo: “22 dezembro de 29, Peço desculpe a o Governador Em eu
Capm. Lampeão dar Este Paceio aqui em Queimada e asesti Em Um Senema lhe didio
devera não Endoide Seu Governador Vitá Suór apois com Sua perseguição Estou
engordando até penço que vou é mi cazar. Seu superior, Cap. Virgulino Ferreira
Lampeão.” – Convem accentuar, como homenagem á sua memoria para que sirva de
estimulo que seus companheiros que o soldado Aristides Gabriel de Souza ao ser
convidado por um dos bandidos para levantar o rosto porque ira morrer,
Respondeu: – Vocês matem um homem, covardes, porque pegaram de surpreza seus
descarados – deste ato de coragem que lhe valeu maior trucidamento do que seus
companheiros, peço e indo communicar–vos que, por investigação pessoal do dr.
Xavier Costa, que alli se achava no serviço de exhumação dos referidos
cadaveres por ordem do Exm° Sr. dr. Secretario da Policia, fui informado que a
p. da Pensão, Lampeão, em um momento do intima expansão disse ter assassinado
Curisco porque estava se tornando muito altivo e ousado, o que parece ser uma
verdade porque os seus companheiros de ataque á estação do Rio do Peixe estão
todos com Lampeão não se fallando mais em Curisco.
Assim, cumprindo as vossas ordens declaro, ainda, como um preito de justiça,
que para perfeito desempenho da minha missão contei com o auxilio valioso, em
todas as investigações, como boa vontade do Sr. Capm. dr. Arthur Xavier da
Costa, segundo vosso pedido a elle feito. Saudações
CIDADE DO BONFIM, 24 DE DEZEMBRO DE 1929
(A) Tenente Geminiano José dos Santos.”
Respeitosas Saudações
Cidade do Bomfim, 25 de Dezembro de 1929
Capm. José Galdino de Souza
Fonte: blog do professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio: http://cangaconabahua.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
http://jmpminhasumpleshistorias.blogspot.com