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domingo, 27 de outubro de 2013

BARAÚNA SERTANEJA

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

Tipicamente nordestina, com moradia e chão pelos esturricados caboclos, a baraúna simboliza a grandiosidade da natureza sertaneja. Mas não somente isso, pois seu tronco, sua raiz, suas galhagens e seu sombreado, representam o convívio cordial entre o homem e o meio mais inóspito.

Imponente, grandiosa e robusta, a baraúna é uma das mais belas filhas da caatinga. Certamente vaidosa, faceira demais, solene, porém solitária. Sozinha no meio do tempo, mas dizem que prefere que assim aconteça. Sozinha na imensidão catingueira, assim amanhece e anoitece com a certeza que será visitada pelo viajante e por qualquer um que passe pelos arredores.

Conhece histórias de arrepiar, mas também de alegria e encantamento. Já avistou o impossível de ser avistado, já foi soprada pelo vento mais feroz que podia existir. Presenciou instantes de paz e de guerra, foi cama e alento da luta cansada; foi berço e quietude depois da refrega. Foi respingada de sangue de incontáveis emboscadas; ouviu o jagunço chorar por não poder fugir de sua sina sanguinária.



É filha de outro tempo, de um tempo onde o sertão ainda era só mataria, vereda, espinho e bicho por todo lugar. Viu quando os primeiros aventureiros chegaram de facão na mão, cortando tudo, derrubando tudo, abrindo caminhos e tirando de vez a paz do lugar. Sentiu a lâmina na sua pele, sangrou, mas era forte demais para ser derrubada por qualquer um. E lá permaneceu para viver e fazer parte da própria história do sertão.

Entristeceu de chorar ao sentir as grandes transformações que a cada dia iam surgindo. Amiga do frescor do vento, dos animais, dos seres encantados, foi percebendo tudo ficar mais escasso e diferente. Crescida e vivendo ao lado de aroeiras, angicos, cedros, craibeiras, jatobás, bonomes, além de infinidade de catingueiras e gameleiras, aos poucos viu a mataria fechada sendo descoberta, mostrando uma triste e desoladora nudez. E o sumiço angustiante de suas irmãs de mataria.

O tempo passou, quase tudo foi sendo arrancado, derrubado, destruído, e somente ela permaneceu em pé na sua moradia. Hoje já se sente envelhecida, com marcas profundas na sua alma, quase apenas uma sombra do muito que já foi um dia. Diferentemente do que ocorria antes, quando os caminhantes a procuravam aflitos para o descanso, hoje é ela que tanto precisa ser visitada, se sentir ainda capaz de dar conforto e servir de repouso.

Por isso sorri quando avista alguém ao longe e chora demais em cada despedida. A cada um dá um adeus como se não fosse mais avistá-lo; a cada um acena o lenço na folhagem e silenciosamente grita que tenha sorte na estrada. E estrada sertaneja que ficará mais triste e desolada quando não mais restar nenhuma grande árvore no seu percurso. E tudo pela mão da sanha cruel e devoradora do progresso.

Após cada partida, depois de enxugar as lágrimas que escorrem pelo tronco, se põe a pensar no seu percurso de vida, na sua história. E recorda que não só dava sombra e cama aos viajantes cansados como servia de quarto de repouso também para os animais. Os bichos ficavam tão contentes debaixo dela que nem precisavam ser amarrados para não fugir. Os viajantes deitavam ali cansados, mas sempre com tempo de sonhar sonhos bons e todos eles como se a baraúna estivesse falando com eles. Siga adiante, mas faça isso e não faça aquilo se quiser me ver novamente. Era o que a danada dizia a todo mundo.

 

Mas não era só isso não, pois o seu tronco passou a servir também como espécie de oratório, como uma igrejinha a céu aberto aonde todo viajante se ajoelhava para rezar, fazer suas promessas ou simplesmente conversar com Deus, com os anjos e os santos. Um dia quiseram cavar sepultura ao seu redor, mas não deixaram, afirmando ser árvore da vida e não da morte. Porém mais de vez velaram pessoas debaixo dela, choraram a dor da partida e da saudade. E sem esquecer que muitos tombaram sem vida diante do seu olhar.

Eis que a baraúna conheceu Lampião e seu bando, mas também a volante raivosa e desregrada. Gostava quando o Capitão do sertão chegava por ali porque ele sempre guardava um tempinho para um segredo ao pé do seu ouvido. E quase sempre dizia que haveria um tempo que até os mais destemidos, como ele e a baraúna, se dobrariam ao destino. Pois tudo haveria de ser assim. Porque tudo assim naquele imenso sertão.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 


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