Publicado em 14/01/2014 por Rostand Medeiros
Archimedes Marques
Gérson, o Canhotinha de Ouro –
Fonte: http://revistaalfa.abril.com.br

A HIPOCRISIA E O ESTIGMA DA “LEI DE GERSON”
Por Archimedes Marques
Vivemos em um país em que muitas vezes os valores se invertem,
cidadãos imorais se tornam paladinos da moralidade, enquanto cidadãos de
ilibada moral e reputação caem na vala comum. Até herói vira bandido e
vice-versa. É dentro desse contexto que agora refuto – de tanto cansar
de esperar pelo tempo e por mudança de comportamento popular em vão – o
estigma, a injustiça, a cruz que carrega o cidadão Gerson Oliveira
Nunes, o meia Gerson, também conhecido como “canhotinha de ouro”, grande
maestro do tricampeonato mundial conquistado pela seleção brasileira de
futebol, na memorável campanha no México, em 1970, profissional
irrepreensível e cidadão exemplar, que teve a infelicidade de estrelar
um comercial de cigarro com frases impensadas, não calculadas, mas nunca
maldosas no seu sentido mais amplo, muito menos frases criminosas.
Estávamos na década de 70, na recém conquista da copa pela seleção
encantadora dos nossos sonhos, estávamos também ainda vivenciando a
ditadura e dentro das propagandas perniciosas que se faziam era também
permitida a de cigarros, que para dizer a verdade, na dita época: “fumar
era chique, fumar estava na moda”. Entretanto, o infeliz
vídeo/comercial gravado por uma empresa de propagandas e apresentado nas
redes televisivas e radiofônicas iria mudar para sempre a trajetória
moral do notável Gerson.
O dito filme propaganda é iniciado associando – com justiça – a
imagem de Gerson como “Cérebro do time campeão do mundo da Copa do mundo
de 70″ sendo narrado pelo entrevistador de terno e microfone em mão.
Tal cena se passa em um sofá de uma sala de visitas, oportunidade em que
o dito entrevistador pergunta ao herói atleta o porquê da sua escolha
pela marca Vila Rica, recebe um cigarro de Gerson e o acende enquanto
ouve a resposta, que é finalizada com a frase que “fulminou” para sempre
a sua moralidade: “Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo
aquilo que eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo,
certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!”. Pronto isso
bastou, isso ressoou como sendo uma confissão explicita que o nosso
herói era um homem sem princípios ou escrúpulos, um imoral, um
salafrário, um fraudador, um corrupto, enfim um criminoso dessa espécie
capaz de fazer de tudo para obter vantagem nos seus intentos.
Reconhecendo o erro de interpretação popular causado, o produtor
propagandista posteriormente refez o comercial na tentativa de obter
mudança de comportamento com um segundo anuncio gráfico que dizia: “levar vantagem não é passar ninguém para trás, é chegar na frente”.
Mas essa frase não pegou, a primeira já estava grudada tal qual uma
desgraçada sanguessuga a sugar a moralidade do ilustre Gerson. E o
pior, tais frases foram imaginariamente transformadas em lei popular, a
lei dos inescrupulosos.

Fonte http://revistaalfa.abril.com.br/
Assim, o grande Gerson, carrega, desde então, o estigma da suposta
lei que enunciou, deturpada, talvez no inicio, pelo seu conteúdo
subliminar de incentivo ao vício do cigarro, mas logo usada para
exprimir traços bastante característicos e pouco lisonjeiros do caráter
midiático nacional, associados à disseminação da imoralidade e ao
desrespeito a regras de convívio para a obtenção de vantagens.
A lei de Gerson funciona como mais um elemento na definição da
identidade nacional e o símbolo mais explícito da nossa falta de ética.
Na arraigada cultura brasileira, a famigerada lei de Gérson é uma norma
não-escrita, não oficial, segundo a qual a pessoa que gosta de levar
vantagem em tudo segue-a no sentido negativo de se aproveitar de todas
as situações em benefício próprio, sem se importar com questões éticas,
morais ou legais.
Francamente arrependido das suas palavras Gérson tentou por muito
tempo se desvencilhar da fama de patrocinador dos espertalhões, patrono
dos corruptos, professor dos desonestos, propagandista dos canalhas… Mas
não teve jeito. A lei de Gérson pegou, grudou e ficou. Crucificaram-no,
como antes já crucificaram outros inocentes. Cravaram-no em uma cruz
pelas suas palavras, não pelos seus atos. Atos esses já devidamente
comprovados, que são e sempre foram de um homem honrado, moral,
cumpridor dos seus deveres, das verdadeiras leis vigentes e também
preocupado com o bem estar e com o futuro daqueles mais necessitados.
O cidadão Gerson (para os hipócritas, insensatos, maledicentes,
ignorantes…) execrado e crucificado como sinônimo de ardil, na verdade,
além de ser defensor da moralidade e dos bons costumes é Diretor do
“Projeto Gerson” e Presidente de Honra do Instituto Canhotinha de Ouro,
com sede na cidade de Niterói (mas atuante noutros municípios do Rio de
Janeiro), e atende cerca de 3.000 crianças e adolescentes que vivem em
situação de risco social, por vezes tirando-os das ruas, dos sinais de
trânsitos a esmolar, das marquises, das drogas, fornecendo-lhes
esportes, alimentação, planos médico e odontológico, acompanhamentos
pedagógico, nutricional e psicológico.
Tais planejamentos e projetos, sem dúvidas, além de tudo, ocupam o
tempo ocioso das crianças e adolescentes que deles fazem parte.
Fornece-lhes cidadania, e também dá oportunidade do primeiro emprego aos
jovens maiores de 16 anos de idade, vez que há convênios entre o citado
Instituto e várias empresas dos municípios onde atua, enfim,
oferece-lhes uma nova oportunidade para as suas vidas que quase sempre
descambariam para a criminalidade. Além desses pontos positivos que só
merecem aplausos e reverências de todos, o Instituto Canhotinha de Ouro,
há cinco anos consecutivos, vem realizando um intercâmbio
sócio-esportivo com grupos de meninos e meninas, vindos de Utah , nos
Estados Unidos da América, o que tem proporcionado aos seus alunos uma
troca de experiências e contatos com outros povos e culturas, ou mesmo o
alcance de futuras e melhores oportunidades técnicas e profissionais a
tais brasileirinhos.
Fonte – http://revistaalfa.abril.com.br/
Precisamos então enterrar de vez a famigerada lei de Gerson,
resgatá-lo dessa cruz. Colunistas, jornalistas e fazedores de opinião
pública em geral deveriam se unir, parar de usar a desnecessária e sem
sentido “lei de Gerson”. Deveriam trocá-lo por sujeitos que realmente
tenham contas a acertar com a Justiça, pois esses inexpressivos
cidadãos, na verdade seguem o conceito alienígena de Maquiavel, não do
triunfante Gerson que além de ser detentor de todos esses elencados
atributos altamente positivos, é nosso glorioso herói/maestro do
tricampeonato da paixão maior dos brasileiros. Seus passes longos,
precisos e milimétricos cantaram e encantaram o mundo e nos fizeram
viver alegrias em tempo de triste ditadura.
Autor: Archimedes Marques. Delegado de Policia no Estado de Sergipe e também escritor. archimedes-marques@bol.com.br
Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.wordpress.com/2014/01/14/a-hipocrisia-e-o-estigma-da-lei-de-gerson/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com