Por João Sousa Costa
Os conflitos
da família Ferreira no final (início) do século 19 abalaram Vila-Bela, o Sertão do
Pajeú; sacudiram sete Estados do Nordeste, tornando-se o capítulo mais
apaixonante na história das famílias rurais brasileiras, algo como uma tragédia
Shakespeariana com “luz e sombra”; muita sombra sobre as origens e alguma luz
nos relatos de historiadores. Tem um início novelesco e de paixão proibida.
Eis que uma
jovem cabocla, Maria Sulema da Purificação, aos 15 anos, surge grávida de uma
relação com um jovem de uma família economicamente poderosa, Venâncio Barbosa
Nogueira, de 18 anos, cujas diferenças sociais no meio rural daquele século
(1895), torna o casamento inviável.
Mas a garota
também não era de família de “pés-rapados”, (para usar uma expressão
preconceituosa tão recorrente no Sertão) para ser escorraçada ou deserdada.
A gravidez
indesejada de Maria Sulema exigia uma solução, e esta foi sugerida por um velho
negro, descendente de escravos, conhecido como “Brucutu” segundo narra José
Alves Sobrinho, no seu livro “Lampião, Antônio Ferreira e Livino,”.
Maria Sulema
era da família Lopes, não tão rica como a família Nogueira, mas de linhagem
respeitada. De tal modo que “Brucutu” tem uma solução capaz de “abafar” tudo.
- “Arranja-se
um rapaz que queira casar com a moça, que é bonita e ainda receber um bônus em
dinheiro,” propôs Brucutu às famílias Nogueira e Lopes.
Proposta
aceita. E ele mesmo, Brucutu, deixou a Serra Vermelha, em Serra Talhada,
“vasculhou toda a área da região do Navio à Mata Grande no Estado de Alagoas,
fazenda por fazenda em busca de um rapaz com o perfil desejado. Fracassou.
Mudou de
roteiro. Voltou para Pernambuco garimpando um rapaz até achar devido a urgência
do caso: a barriga da moça crescia. “Brucutu” foi até Triunfo. Novo Fracasso.
O tempo passando
e a gravidez de Maria Sulema em segredo. Em Triunfo, Brucutu toma
conhecimento de festa de apartação em Conceição do Piancó, já na Paraíba. Ao
chegar em Conceição, dia domingo e de feira, não teve dificuldade em
aproximar-se de jovens que bebiam numa confraternização de amigos e lançar seu
desafio.
Todos ali
naquela farra de fim de feira, com Brucutu já familiarizado, um dos
rapazes indaga:
-“E o coroa
para onde vai?
- “Eu
estou procurando um rapaz que queira se casar com uma moça bonita. Alguém se candidata?”,
respondeu.
- Que
idade tem a moça? Indagou um dos rapazes.
Este moço era
José Ferreira. Ali mesmo naquela confraternização e diante do “sim, eu
caso” do rapaz, Brucutu, tomou providências, comprou e pagou por
cavalo e sela e os dois deixaram Conceição rumando no sentido de Serra Talhada.
Os dois
cavalos foram levados à exaustão; o tropel dos animais era grande, mas a causa
era urgente: a barriga de Maria Sulema já estava saliente.
Já na fazenda
dos Nogueiras, em Serra Vermelha, o rapaz foi apresentado; familiarizou-se com
o drama familiar dos Nogueira, conheceu a família Lopes e se entendeu com a
jovem; casou e, em vez de dinheiro vivo prometido, optou por receber de comum
acordo com a jovem, uma faixa de terra desmembrada da fazenda, que viria a
tornar-se Sítio Passagem das Pedras.
Meses depois,
nascia Antônio Ferreira, o primeiro de mais 8 irmãos da família Ferreira.
Essa novela
shakespeariana, está na raiz dos conflitos entre os Irmãos Ferreira e Zé
Saturnino, o primeiro inimigo de Lampião. E quem disse isso foi o próprio Zé
Saturnino, em 1970, num depoimento ao historiador Frederico Pernambucano de
Melo.
- “Quem
arrastou isso pra riba de mim foram os Nogueira. Quando a pessoa cai num
abismo, como eu caí mode ou outros, e eles fizeram o que fizeram comigo depois,
muito encrenqueiros, a vontade que dá é de meter a espingarda pra riba e matar
gente do nosso lado, se não fosse dar gosto ao inimigo”, relatou Zé Saturnino.
Briga por
causa de chocalhos roubados foi apenas a gota d’água que detonou a guerra épica
que arrastou os irmãos Ferreira para o Cangaço.
Saturnino diz
que a aurora do conflito sempre foi entre os Ferreira e os Nogueira, a quem ele
deposita culpa por ter se envolvido na disputa.
- “Findou por
cair no meu colo, por ter casado na família”, lamentou Saturnino .
O maior
desafio dos escritores é entender como os irmãos Ferreira “administravam” a
realidade de ter um irmão (Antônio) com sangue Nogueira, ou como Maria Sulema
tocou a vida com José, se o primogênito era um Nogueira.
Zé Saturnino
deu uma das pistas. O ódio dos irmãos Ferreira aos Nogueira ocorreu em
solidariedade ao tio de Virgulino, chamado Manoel Lopes, irmão de Maria Sulema
que, envolvido num crime, fora espancado quando preso e sob custódia dos
Nogueira. Mas aqui já é outra história, outro capítulo shakespeariano da
história familiar de Lampião.
João Costa.
Acesse: blogdojoaocosta.com.br e @joaosousacosta
Fonte:
“Lampião, Antônio Ferreira e Levino,” de José Alves Sobrinho; Editora Babecco
“Apagando
Lampião”, de Frederico Pernambucano de Melo.
Fotos: 1.
Vigulino Antônio Ferreira. F2. Zé Saturnino.
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