Por Manoel Belarmino Belarmino
Duas tragédias
de doer com profundidade na alma dos sertanejos de Poço Redondo marcaram aquela
região, onde hoje é o distrito de Santa Rosa do Ermírio. Uma foi a
"Chacina do Couro" ou "A Chacina da Fazenda Pelada", onde,
no ano de 1932, foram mortos pelos cangaceiros 7 pessoas inocentes, e a outra
foi a "Tragédia da Pia Nova", onde no ano de 1937 foram mortos pelos
cangaceiros do subgrupo de Zé Sereno dois inocentes, Torquato da Pia Nova e seu
genro Firmino. Torquato e Firmino eram dois homens de bem, respeitados,
trabalhadores e queridos por todos das redondezas, daquelas terras sertanejas
do sertão de Poço Redondo.
A morte do
cangaceiro Zepelim, no mês de abril de 1937, na Fazenda Araras deixou os
cangaceiros umas feras. Os cangaceiros sabiam que houve traição de algum
coiteiro. Queriam descobrir qual o coiteiro que havia fraquejado e traído os
cangaceiros de Zé Sereno, indo à Serra Negra dizer o lugar do coito. E o
traidor foi o coiteiro Chico Geraldo que pessoalmente havia ido a Serra Negra
avisar o local do coito a Zé Rufino.
Os
cangaceiros, depois daquela morte do Zepelim pelos volantes das
"forças" de Zé Rufino, inconformados, vão "virados na gota
serena" saber do coiteiro Chico Geraldo da Fazenda Salgadinho se foi ele
que fez aquela traição ou se ele sabia quem o fez. Aí Chico Geraldo mente. Diz
que quem foi à Serra Negra entregar o coito dos cangaceiros havia sido Torquato
e seu genro Firmino. Foi a gota d'água no oceano da sede de vingança dos
cangaceiros.
Zé Sereno e
Mané Moreno estão babando de raiva. Áurea estava que parecia soprar fogo pelas
ventas de raiva pois já tinha notícias que os soldados da volante Badu (aquele
mesmo Badu que, tempos depois, Áurea vai sangrá -lo com uma punhalada na
Fazenda Travessado) e João Doutor tinham dado uma pisa, uma surra, no seu pai
Tonho Nicácio na Fazenda Santo Antônio, antes do combate da Fazenda Araras.
Os dois
subgrupos de cangaceiros, liderados por Mané Moreno e Zé Sereno, com 34
cangaceiros homens e mais 4 mulheres, Adília, Dinda, Sila e a valente Áurea
Soares, vão até a Fazenda de Torquato. Cegos de raiva, os cangaceiros conversam
pouco, prendem Torquato e seu genro Firmino e matam os dois ali mesmo no
telheiro da Fazenda Pia Nova. Dois corpos de dois homens inocentes ficam ali
estendido no chão, inertes, mortos. Uma tragédia na família dos Torquarto da
Pia Nova. As mulheres e as crianças vêem enlouquecidas aquela cena de
monstruosidade.
Um rapazinho
de nome João, filho mais velho de Torquato, não aguenta aquela dor. Sente na
alma. E poucos dias depois vai a Serra Negra e ingressa na volante para vingar
a morte do seu pai e do seu cunhado. Vira uma fera braba.
O rapazinho
sertanejo, simples, de bom coração, afiado na lida do gado e da roça, passa
rapidamente a ser um valente e exímio atirador. O valente João Torquato,
sedento de vingança, ingressa na volante de Tonho Recruta da Santa Brígida e
não vê a hora de começar a matar cangaceiros.
João Torquato
anda por todo o sertão na volante. E, finalmente, na Fazenda Queimada do Luiz,
no outro lado do Rio Vaza-Barris, já em terras baianas, a cabroeira para numa
fazenda para descansar e se alimentar. João Torquato e seu parceiro Chico
Amaral saem um pouco para ver a caatinga e dão de caras com um grupo de
cangaceiros. Era o grupo de Corisco, o "diabo louro das caatingas".
Na frente dos dois volantes estão de carne e osso os cangaceiros Rouxinho,
Guerreiro e Dadá de Corisco na malhada da casa abandonada da Fazenda Queimadas
do Luiz. Os outros cangaceiros estão estocados. João aponta o fuzil e o dedo no gatilho. A hora havia chegado. E Atira. Atira sem parar. Mira nos
peitos de Guerreiro e com um tiro só derruba o primeiro. Em seguida derruba o
segundo. Tomba ali o cangaceiro Rouxinho. É a hora da vingança. O seu parceiro
volante Chico Amaral "abre nos paus", foge. João Torquato fica
sozinho. Daí a pouco Corisco bota a testa e o tiroteio continua. Os outros
cangaceiros fogem, pensando estarem cercados pelas volantes. Os tiros de João
Torquato acertam Corisco, que fica desarmado por causa dos ferimentos nos
braços. Não fosse a presença da valente Dadá que continuava atirando e um tiro
amigo dos soldados retardatários que atingiu a sua mão, João Torquato teria
sangrado Corisco. Corisco escapa daquele tiroteio com vida por um milagre.
João Torquato,
sozinho, naquele tiroteio, matou dois cangaceiros, Rouxinho e Guerreiro, e botou
Corisco com todo o seu grupo para correr.
Em 1938, no
"Fogo do Angico", o cangaço termina o seu ciclo. João Torquato deixa
a volante e volta para a sua Pia Nova. De família numerosa, querida, homem de
palavra e de coragem. Trabalhador como o seu pai Torquato. Tudo volta ao
normal, apesar da saudade do seu pai e do seu cunhado.
Naquela
primeira eleição, em 3 de outubro de 1954, quando Poço Redondo se emancipou de
Porto da Folha, ali estava João Torquato como um influente político ao lado de
Zé de Julião na disputa contra Artur Moreira de Sá. Na segunda eleição, em
outubro de 1958, João Torquato da Pia Nova continuava ali, fiel, de arma em
punho, pronto para "o que der e vier", na defesa do ex-cangaceiros e
candidato, no momento do recolhimento das urnas. Um ex-volante aliado político
de primeira linha de um ex-cangaceiro. João Torquato e Zé de Julião, dois
políticos de fibra juntos. Dois filhos de Poço Redondo, que na guerra do
Cangaço estavam de lados opostos, estavam ali juntos na política em defesa de
sua terra e de seu povo. A força política de Zé de Julião era tão significativa
que, mesmo não sendo o eleito (por ser mais novo que Artur), o resultado
daquela eleição deu empate nos votos e vitoriosa para Zé de Julião na vontade
popular.
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