Seguidores

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (II)

Clerisvaldo B. Chagas, 20 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2010
PILÃO: LUÍS GALDINO.

Parte Interna

Pela manhã, ia contemplar o enorme terreiro de trás, repleto de galinhas, pintos e perus. Participava do tititi, chamando as aves e semeando grãos de milho. Jogava também os grãos pelo gradeado de três chiqueiros onde viviam confinados os capões – animais castrados para engorda – servidos em ocasiões especiais. Pareciam perus de tão cevados. Mais tarde ia visitar o pilão de pedra em formato de rachadura onde mulheres lavavam roupa. Ficava a uns duzentos metros dos fundos da casa. Lá para as dez horas, começava a coletar os ovos das aves do terreiro, espalhados em ninhos por vários lugares, inclusive, dentro de casa. Essa atividade me dava muito prazer.
Passeava pelo oitão direito da casa, onde havia algumas bananeiras, e um coqueiro. Pelo oitão esquerdo, perambulava no amplo jardim aguado todas as manhãs pela minha tia. Entrava no vizinho prédio, em preto, que funcionara como vapor e fora queimado pela investida de Lampião. Pelo grande quintal, chegava até os fundos da casa/escolinha – única do povoado – de dona Expedita e seu esposo Barrinho. Às vezes encontrava ali o primo Paulo Chagas, que como eu, passava alguns dias na casa de Expedita. Era filho da minha tia Araci e José Pinto Oliveira, em Santana. Bom quando chegavam à preta Quitéria e sua genitora lá do sítio Gameleira. Passavam o dia. Ambas com pano amarrado à cabeça. Quitéria falava que só uma matraca! Ali castravam os pintos crescidos, lavavam roupa, engomavam e faziam o café com rapadura, batido num pilão de aroeira. O aroma ia longe, longe...
Quando chegava gente ilustre, igual aos padres, docinho para lá, docinho para cá... E o capão gigante no prato das figuras.
Andar pelos quartos arrumados e frequentar a dispensa estavam sempre na minha pauta.
Durante a noite, dormia assombrado com os morcegos que frequentavam o casarão.
Essa era a parte interna e o aprendizado para o futuro.
(CONTINUA).


blogdomendesemendes.blogspot.com

“ANDO DEVAGAR PORQUE JÁ TIVE PRESSA...”

*Rangel Alves da Costa

Sou o verso da canção. Ou sou a canção inteira em cada verso. E por isso “Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais...”. Muito caminhei, muito já segui pela estrada. E também muito aprendi.
E mais aprendi com as pontas de pedras, tocos, espinhos e armadilhas, do que mesmo com as sombras e as flores dos beirais da estrada. Muito mais aprendi com as tempestades e os vendavais, com os furacões e os temporais, do que com as calmarias escondendo indesejadas situações.
Os lobos uivaram pertinho de mim. As serpentes armaram seus peçonhentos botes. As agarras afiadas se lançaram em minha direção. As presas vorazes e famintas se agigantaram sobre mim e sobre os meus sonhos. De repente, do nada surgindo o inesperado aterrorizante e amedrontador. De tudo isso eu me esquivei, eu saí ileso, eu venci.
Mas, podem acreditar, diferente é enfrentar as armadilhas humanas, as falsidades humanas, as covardias humanas, principalmente as traições. Quantas facas e punhais em sorrisos e abraços. Quantas baionetas e mosquetões em cumprimentos e afagos. Quantos facões e fios afiados nas palavras ocultadas na mentira. Uma lástima a selva humana.
Nada mais sórdido e vergonhoso que a selva humana. Pessoas que não se contentam em serem pessoas. Gente que não gosta de ser gente. Sempre preferem ser a bestialidade, a maldade, a aleivosia, a infidelidade, a deslealdade.


Ainda bem que os labirintos podem ser vencidos. Ao caminhar, ao seguir em frente, o destemor vai deixando para trás aqueles que se contentam em nada ser. E nada melhor do que, vencendo o mal, ir seguindo em frente, ir tocando a vida. E, sem pressa, trilhar a estrada-vida como se fosse andando na própria mão.
E enfim poder descansar debaixo de um sombreado. E enfim poder beber água fresca da fonte. E enfim colher a doce fruta do mato para saciar a fome. E enfim deitar sobre a relva tendo na memória um poema de esperança e encorajamento. E também, quem sabe, poder levantar asas.
Sim, levantar asas e voar. Não precisa sair do chão para voar. O homem livre, liberto, andante cheio de si mesmo, sempre tem o poder de levantar voo e ganhar os espaços. Como é bom sonhar, como é bom planejar o melhor para os dias, como é bom abrir janelas e portas e deixar entrar borboletas e passarinhos.
Nem precisarei olhar para trás. Mas ao olhar, sem pretensão de retornar ou sentir saudade do que já não vale a pena viver, apenas dizer que nem tudo foi tão ruim. Da dor e na dor, no sofrimento e na angústia, no dilaceramento e na lágrima caída, um livro se abriu trazendo mil lições. E como aprendi.
Agora mais fortalecido, mais encorajado, mais cheio de planos e sonhos. E levando na mente e no coração a lição da bela canção: “Ando devagar porque já tive pressa, e levo esse sorriso porque já chorei demais... Como um velho boiadeiro levando a boiada, eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu vou. Estrada eu sou...”.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

blogdomendesemendes'blogspot'com

CANUDOS 2018

https://www.youtube.com/watch?v=OM0TdlV8oOM&feature=youtu.be&fbclid=IwAR0jML9-yBqxx3sAa_-UQTBgs-CO9V2mtv42H1WQWYCQJGEftpF80IY6sFw

Publicado em 20 de nov de 2018

O registro de uma viagem à velha Canudos de Antônio Conselheiro e também as ruínas da segunda Canudos que, devido à seca, ambas afloraram das águas do Cocorobó.

Categoria

Enviado pelo cineasta e pesquisador do cangaço Aderbal Nogueira

blogdomendesemendes.blogspot.com

EU ROUBEI MARIA BONITA


O cangaceiro Beija-Flor lembra-se com saudade dos momentos felizes passados com Lampião e Maria Bonita: “Nas noites de lua, os bandidos sentavam no chão, bebiam cachaça, Lampião tocava sanfona e Maria Bonita acompanhava no bandolim. Os cangaceiros cantavam modas. Canções que falavam de sua vida aventurosa e cheia de perigo. Também falavam de amor”.

Testemunho do cangaceiro Beija-Flor transcrito por Guaracy Oliveira, “Eu Roubei Maria Bonita”, O Cruzeiro, 18 de ago. 1962. 

Matéria completa da Revista O Cruzeiro.
 Formato PDF

https://viacognitiva.blogspot.com/2018/09/eu-roubei-maria-bonita.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

MARIA BELA E BONITA


https://viacognitiva.blogspot.com/2018/11/maria-bonita.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

NOVOS LIVROS!

Os interessados poderão adquiri-los através deste e-mail: 

franpelima@bol.com.br



e Flores do Pajeú História e Tradições de Belarmino de Souza Neto.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

IDENTIFICAÇÃO

Encontrei no acervo do amigo pesquisador Joel Reis

Na foto com a Neném está um cangaceiro até então desconhecido.

Na segunda foto o cangaceiro DIFERENTE ao desembarcar no gare às 17:53 junto com Cajazeira (Zé de Julião) para se apresentar a polícia em Paripiranga - BA

A Tarde - 24 de dez. 1938.

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2036302599767959&set=gm.953816824827262&type=3&theater&ifg=1

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

HISTÓRIA PURA..! FOTO INÉDITA DAS CABEÇAS DOS CANGACEIROS NA CIDADE DE MACEIÓ..!


https://www.facebook.com/photo.php?fbid=971440983057876&set=gm.954169034792041&type=3&theater&ifg=1

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

PARENTES

Octacília... Uma provável filha do irmão de Lampeão 

Descoberto e comunicado por Orlins Santana. 

Este explica, em seu relato:

"Encontrada uma criança de Nome Octacília, e que como de praxe, a Santa Casa de Misericórdia colocava o sobrenome "Mattos" em todas as recebidas na roda dos expostos.

Otacília, no dia 31 de agosto ano de 1929, foi batizada em Miguel Calmon. Nascida a 26 de dezembro de 1929, filha legítima de João Ferreira da Silva e Anna Francisca Ferreira da Silva, incluída no livro do ano de 1927, em agosto de 1930, à folha 109, "Livro de batizados", no Arquivo paroquial de Santo Antonio de Jacobina, sendo padrinhos Porfirio Brandão Filho e D. Julina Fraga Brandão.


Sir João Ferreira
Dos homens, foi o único que não tornou-se cangaceiro.

Padre Manoel Magalhães Araújo. As custas foram dispensadas devido os pais serem nimiamente pobres.

Otacília foi retirada pela mãe no dia 30 de Abril de 1949. Era uma menina parda, que foi colocada "na roda" com 5 anos de idade, às 19:30 da noite, em maio de 1933, em bom estado de saúde, com camisola estampada, calçola de morim, capotinho de tricoline com bordados, camisa de morim usada. Com um colar de contas brancas e vermelhas, com um pedido do vigário de Jacobina.

Obs: A família Brandão, também tinha membros em Serra Talhada.

Para acrescentar aos arquivos dos amantes do cangaço... Vera Ferreira viu este documento hoje segunda feira 19 de Março pela manhã. Segundo Vera Ferreira, o tio que conheceram, tinha uma esposa com outro nome. Relatou que Expedita falou que ele, João, era mulherengo, e que tem sentido a matéria.

A menina ficou moça e saiu do orfanato com 21 anos, quando a mãe veio buscar. Foi a única que saiu com vida. Espero que esteja ainda com vida, aqui em Salvador, pensei em sondar.

Ela é prima da filha de Lampião, então deduzo que, o envio de crianças, já era orientado pela familia Ferreira da Silva. Agradeço a Deus, ter me iluminado, e fazer vir à tona para vocês.

O que me surpreende, é ter posto as mãos, nas primeiras buscas, logo neste livro, no meio de mais de 20 mil.
Deve ter um grupo, que é só energia, e não mais possue corpo, me guiaram, após ter sintonizado a capacidade e a dedicação.

O achado é impossível...

É por isso que se deve fazer o bem, amar as pessoas, não trair, não mentir. Pois lhe asseguro, que em toda minha vida duvidei, destes acompanhamentos, nunca acreditei. E por isto foi muito chocante, mas, rezo por êles. Muitos estão mergulhados num oceano de arrependimentos. Apesar da atualidade estar mil vezes pior, onde os grupos de cangaceiros, coiteiros e volantes eram uma bobagem. Agora é que se vê ampliado tudo aquilo. Te prepara viu nêgo, êles também estão te acompanhando. Trilhe sobre documentos e não dê asas à imaginação nem invencionice.

Nem tudo que existe, é o que você toca e vê. Se você foi sintonizado e sua energia é da mesma frequencia, aguarde. Deus nos proteja."

O documento:









Transcrição:

"Anno 1933 – Mês Maio – Dia 8
Pelas 19 horas 1/2 foi posta no Asylo de N.S. da Misericórdia uma menina parda com 5 annos 1/2 de idade, em bom estado de saude.
Trouxe os seguintes objectos:
1 – Camisola de tuquim estampado
2 – Sombra de morim com renda de bilro
3 – Calçola de morim (usada)
4 – Camisa de morim usada
5 – Capotinho de tricoline com bordado de linha de côr (usado)
6 – Collar de contas brancas e vermelhas.
Com o seguinte attestado:
1 – Pedido /// Rvmo: Snr Vigario de Jacobina
Abaixo assignada Madrinha de Otacilia Ferreira, filha de João Ferreira da Silva e Anna Ferreira da Silva, carece para fins de caridade, da certidão de teôr do assentamento do seu baptismo, realizado na freguezia de Jacobina no anno 1929, pelo que vou pedil–a a V. Rvma mui respeitosamente
Nestes termos
P. deferimento
Julina Fraga Brandão
Bahia, 27 de Janeiro de 1933
Certidico que revendo os livros do Archivo parochial desta freguezia de Santo Antonio de Jacobina, de um dos livros, já findos, que serviu nos annos de 1927 ao mês de Agosto de (1930) mil novecentos e trinta para lançamento dos baptisamentos desta mesma parochia, delle consta a fls 109 o registro de teôr seguinte: “As trinta e um de agosto de mil novecentos e vinte nove o reveredissimo Vigario baptisou solemnemente em Miguel Calmon a Octacilia, nascida a vinte e seis de Dezembro de mil novecentos e vinte sete, filha legitima de João Ferreira da Silva e Anna Francisca Ferreira da Silva, sendo padrinhos Porfirio Brandão Filho e Justina digo Julina Fraga Brandão. Do que para constar lavrei o presente termo que assigno O Vigario P. Magalhães”
Nada mais continha o termo acima, ao que fielmente copiei e concertei. Ita pi fide parochi Jacobina matriz de Santo Antonio em 15 de Fevereiro de 1932. O Vigario
Pe. Maneol Magalhães Araujo
Dispensada de emolumento por ser miniamente pobre e nada poder por si nem por sua mão
Jacobina 15 de Fevereiro de 1933
Pe. Magalhaes
Observações
Sahiu no dia 30 de Abril de 1949 em companhia da genitora."

O Açude é Cangaço na Bahia

http://lampiaoaceso.blogspot.com/2012/03/parentes.html

http://blogodmendesemendes.blgospot.com

LAMPIÃO É NOSSO SANGUE

O drama de Virgolino analisado por um ângulo diferente


Nessa reportagem da revista O CRUZEIRO de 26 de setembro de 1953, encontramos uma experiência patrocinada por esse periódico, onde ficou para a história do cangaço. Trata-se da visita do irmão de Lampião às terras de seu passado, tendo contato com familiares de pessoas que traíram seu irmão Lampião, entrando em assuntos que ele preferia não tocar mais, assim como o autor da matéria, em entrevista a familiares, percebeu.


 
A vida é efêmera e todos nós sabemos disso. Acontece conosco aquilo que o velho adágio popular diz: Quem planta ventos, colhe tempestade." e outro que diz "Colhemos o que plantamos." Isso aconteceu com Lampião. E para lembramos disso, no final dessa reportagem, que nos informa, como o irmão de Lampião, João Ferreira, ao visitar pela primeira e única vez, o local que seu mano tombou, cortar um galho de árvore, fazer uma cruz e fixou-a entre pedras, no local onde jazera o corpo decapitado do irmão, e o repórter perguntar: 

— Enterraram o corpo? 

— Não, a água levou. Respondeu o guia.

Vamos então ler a reportagem de Luciano Carneiro e ver também as fotos que ele próprio tirou:

"Lampião é nosso sangue"  

Pela primeira vez a família do "Capitão" Virgulino defende de público a sua memória.

Jornada sentimental de um irmão de "Lampião" pelas terras que serviram de marco à carreira do "rei do cangaço" — João Ferreira revê o seu berço natal após uma ausência de 37 anos e planta uma cruz onde o mano Virgulino foi morto e decapitado — A outra irmã sobrevivente mora em Alagoas — O CRUZEIRO localiza e fotografa a filha e o netinho de "Lampião" — Deve uma filha envergonhar-se do pai cangaceiro? 

Texto e fotos de LUCIANO CARNEIRO 

ESTA reportagem nasceu de um encontro com Rachel de Queiroz. Conversa vai, conversa vem, nossa grande Rachel abriu a bolsa e tirou uma carta para me mostrar "Um primo de "Lampião" foi quem escreveu", ela disse. 

O primo, Antônio Ferreira Magalhães, advogado em Recife, dizia a Rachel, entre outras coisas: "Nós da família Ferreira... não pretendemos justificar ou legitimar os crimes de "Lampião" mas julgamos... lamentável erro de observação... o situar-se Virgulino no plano comum dos malfeitores..." 

A carta fascinaria qualquer repórter. Se esse primo achava que "Lampião" não foi um criminoso comum, é que a família Ferreira tinha uma interpretação dos fatos. Nesse caso, por que não se dar a palavra aos Ferreira? Permitir que eles, pela primeira vez, apresentassem o seu lado da história seria colher um elemento valioso para futuras pesquisas históricas.

Mas os parentes de Lampião não gostam de falar. Eles dizem ter uma profunda mágoa de que a figura de Virgulino apareça por aí tão deformada. Além do mais, queixam-se muito do que sofreram por causa do parentesco. Seria melhor não reavivar mágoas. O irmão de Virgulino, João Ferreira, manteve-se até 1953 sem falar a jornalistas sobre o drama da família, revoltado com as perseguições que lhe valeram anos de prisão e até uma condenação à morte. 

E ele jamais compactuara com os feitos do irmão. Quando procurei o advogado Ferreira Magalhães em Recife, ele afirmou que preferia que "esse drama fosse esquecido". Disse por que: — Para muitos a vida de "Lampião" foi apenas um rosário de atrocidades. Sua morte: um alívio. Para nós, os parentes. Lampião era também o rapaz ordeiro e trabalhador dos primeiros tempos, lançado ao crime por circunstâncias estranhas à sua vontade. Por isso, enquanto o Nordeste se alegrava com as noticias de sua morte, nós nos ajoelhávamos. Nós perdíamos apenas um parente. 

Um parente que se pusera fora da lei para vingar injustiças. Havia pois uma divergência de base entre esses dois modos de pensar, acrescentou Ferreira Magalhães. E se eram opiniões inconciliáveis, "para que rememorar a vida heroica mas inglória de "Lampião", erguendo uma controvérsia sobre a sua cabeça insepulta?" 

A resistência dos Ferreira à ideia da reportagem terminou por ser vencida e em conseqüência O CRUZEIRO localizou os dois irmãos sobreviventes de "Lampião", levou João Ferreira aonde "Lampião" nasceu e aonde foi morto, obteve de João a versão dos Ferreira sobre os acontecimentos que lançaram Virgulino ao crime, fotografou em primeira mão a filha e o netinho de "Lampião" e Maria Bonita. 

QUANDO uma volante alagoana matou "Lampião" em 1938, ele usava tudo isso que aparece na página da esquerda: chapéu, óculos, lenço, bornais, cartucheiras, cantil, alpercatas, pistola, punhal e apito. Só a roupa (no foto) não lhe pertencia. O rosto é uma máscara de morte mandada fazer em cera pelo Instituto Histórico de Alagoas, onde estas fotografias foram feitas. 


UMA CABEÇA em bronze de "Lampião" e uma estatueta de cangaceiro trabalhada em madeira — símbolos do drama nordestino focalizado agora nesta reportagem. Foram adquiridos pelo cineasta Lima Barreto.  




JOÃO FERREIRA reviu terras que não pisava havia 37 anos, O único irmão de "Lampião" que não ingressou no cangaço vive hoje na cidade de Propriá, no Estado de Sergipe, levando a vida honesta que sempre levou. Sofreu bastante por ser irmão de "Lampião". 
PARA OS OUTROS A MORTE DE "LAMPIÃO" FOI UM BEM, UM ALIVIO.

ESTA REVISTA proporcionou a João Ferreira uma viagem de automóvel que ele jamais sonhara realizar. 

NO ALTO SERTÃO de Pernambuco João abraçou parentes que não via desde os seus quinze anos de idade.

NÃO HAVIA choro quando partia. Estivera ausente 37 anos. E ausência é madrasta de apego. 

JOÃO FERREIRA mandou cortar um galho de árvore e fazer urna cruz. Fincou-a no local onde jazera o corpo do mano. Foi recolher flores silvestres e veio depositá-los ao pé da cruz. Para homenagear o irmão. 

A iniciativa de O CRUZEIRO proporcionou a João Ferreira uma jornada sentimental que ele jamais sonhara realizar Esse homem alto, careca, desconfiado, das fotografias ao lado, passou seis dias em cima dum automóvel, varando 2.000 km de Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Vocês precisavam ver que arroubos de entusiasmo o alto sertão arrancava de João. 

Como seus olhos brilhavam. Como o semblante irradiava alegria, pelo menos enquanto ele podia esquecer as razões que o haviam afastado das terras de seu bem-querer. 

No município de Serra Talhada, em Pernambuco, ele abraçou parentes que não via desde os seus 15 anos de idade. E ele agora está com 52 anos. Levado à Fazenda Serra Vermelha, onde nasceu, e onde também nasceu "Lampião", João Ferreira encontrou xique-xique brotando nas ruínas do casarão de sua infância. Voltou-se para mim e disse com desalento: 

"A vida é assim mesmo..." Há 37 anos não pisava ali. Pensava que ia morrer sem voltar. Conversava (incógnito) com os novos donos da terra, fazia perguntas sobre a vida na fazenda. 

Tudo agora lhe parecia diferente. Não havia mais aquela atmosfera dos seus tempos de menino, dos seus tempos de rapaz. Não havia mais.

O ADVOGADO pernambucano Antônio Ferreira Magalhães, primo de "Lampião". 
"LAMPIA0" - MOÇO 
Virgulino Ferreira do Sirva aos 26 anos de idade, numa fotografia rara que se encontrava em poder do umas tias, em Pernambuco. Foi nessa época que ele recebeu a "patente" de capitão das mãos de Padre Cícero, do Juazeiro do Norte. Reparar o olho direito cego. 
João VIAJANDO de barco, ouvia histórias sobre os últimos dias de "Lampião". À direita, deitado, o primo Manuel. 

EM ANGICO desembarcou para ver a local onde, há 15 anos, o seu mono foi traído, morto e decapitado.

EM DELMIRO, no casa da mana Mocinha, tomou leite no pé da vaca (com farinha). 

EM SERRA Talhada, João Ferreira viu xique-xique brotando nas ruínas do casarão onde "Lampião" nasceu. 

"O CRUZEIRO" DESCOBRE EM ARACAJU A FILHA E O NETO DE MARIA BONITA. NUNCA FORAM FOTOGRAFADOS.

A FILHA, O NETO, E O GENRO DE LAMPIÃO,Expedita, as lado de seu esposo Manuel Messias Neto, segura o filhinho Dejair, de 9 meses de idade, neto de "Lampião". Pelo primeira vez a família posou para o objetiva de um repórter. 



A FILHA DE "LAMPIÃO" 
Expedita Ferreira Nunes, que a família Ferreira aponta como única filha deixada por "Lampião" com Maria Bonita, foi localizado pelo repórter em Aracaju. É uma jovem esposa e mãe, com 21 anos de idade. Normal. Bonita. De tez morena. 

Foi educada por João Ferreira e, seguindo o exemplo de seu tio, não gosta de falar sôbre "Lampião". Mas lê tudo que se publica sobre seu pai e até mesmo o filme "O Cangaceiro" ela foi ver e não gostou. 

Ela guardava a edição de O CRUZEIRO com a reportagem de João Martins sobre "Lampião". 

DIZIA-SE que "Lampião" e Maria Bonita haviam deixado um filho. João Ferreira nega, assinando a declaração cujo "fac-símile" estampamos abaixo:

"Declaro ao repórter Luciano Carneiro que a senhora Expedita Ferreira Nunes, de 21 anos de idade, esposa do sr. Manoel Messias Nunes, 4 filha de meu irmão Virgolino Ferreira da Silva, vulgo Lampeão, e de sua companheira Maria Bonita. 
Quando ela nasceu Virgolino me pediu que eu a fizesse uma mulher de bem. Ele não estava em condições de faze-lo. Não me consta que alem de Expedita, tivesse havido qualquer filho da união de Virgolino e Maria Bonita. Se houve, se há, eu nunca soube." 

 
RECIFE, 19 de Agôsto de 1953 

OS CORPOS de "Lampião", Maria Bonita e seus nove comparsas haviam ficado realmente no leito seco de um riacho. Uma ligeira camada de terra os cobria. Os urubus descobriram e deram em cima. 
Veio uma alma piedosa, enxotou-os, foi buscar veneno e o espalhou pelo local com o fito presumível de manter afastados os urubus. Sem poder adivinhar que aquilo fosse veneno, os urubus voltaram à carga. Três ou quatro tombaram ali mesmo. 

E o próximo visitante que chegou, encontrando os urubus mortos sobre os restos dos cangaceiros, pensou rápido e saiu com a boca no mundo a dizer que "Lampião" não havia sido morto a bala, não. Havia sido envenenado. 

Assim se formam certas lendas no Brasil. Aliás, ninguém pôde atestar se os despojos estavam envenenados ou não. Quando as chuvas chegaram, o riacho ganhou águas e as águas mesmas cuidaram de decompor e destruir o que restava do estado-maior de "Lampião". João Ferreira se esquivava de ouvir essas histórias. 
Seus anos de vida estavam cansados de ouvir histórias tristes sobre Virgulino. 

Em vez, ele andava pelo mato a procurar qualquer coisa. Até que voltou, trazendo um punhado de flores silvestres. 
Aproximou-se da cruz tosca. que fixara entre as pedras, tirou o chapéu da cabeça e se ajoelhou. Após alguns momentos de reflexão, depositou as flores ao pé da cruz. Para João. a morte perdoara os crimes de Virgulino. Ali ele não era mais o rei dos cangaceiros. Era um finado. Quando João se levantou, alguém identificou entre os presentes o Sr. Oséias Cândido, irmão de Pedro Cândido. 
Pedro Cândido era um fazendeiro que negociava com "Lampião" e foi quem guiou a volante alagoana ao esconderijo de Angico. "Lampião" morreu por causa dessa traição. — Meu irmão — disse Oséias — foi posto num dilema: morrer, ou mostrar onde "Lampião" estava. 

E contou que o bando foi surpreendido às 5 horas da manhã, quando presumivelmente dormia. João Ferreira ficou ouvindo de longe, como a não querer misturar-se com o irmão de Pedro Cândido. Ficou mudo o tempo todo. 

Só abriu a bôca no momento em que Oséias contou que Pedro morrera assassinado, em 1942. Quando perguntei a Oséias: "Que é de Pedro?", e ele respondeu: "Mataram", João comentou lá de traz: — Bem feito. E então nos retiramos, deixando a cruz e as flores dentro da paisagem. 
Voltamos a Piranhas peio Rio São Francisco, à noite, debaixo duma lua cheia linda e comovente. Horas mais tarde, quando os quatro passageiros de nosso carro jogaram-se às camas de um hotel em Santana do Ipanema, Manuel Ferreira tirou um livro de sua pasta e pediu que ouvíssemos alguns versos. 

O livro era "Bandoleiros das caatingas", excelente reportagem de Melquiades da Rocha. Os versos, do cantador 'Zebelé'. Versos que nos desviaram o pensamento da lua se derramando sobre o São Francisco, para recordar, mais adiante, aquela cruz e aquelas flores no matagal da Fazenda Angico. Diziam assim: 

Ninguém no mundo se livra
Do gorpe duma traição. 
Inté Jesus foi traído 
Por um judeu sem ação, 
E morreu crucificado 
Sexta-feira da Paixão.
Lá na grata dos Angico, 
No meio da escuridão, 
Cercado por todos lado, 
Ferido de supetão, 
Foi pegado, foi traído. 
O gigante do sertão. 

Era brabo, era marvado
Virgulino, o Lampião, 
Mais era, pra que negá, 
Nas fibra do coração 
O mais prefeito retrato 
Das catingas do sertão 

A viola tá chorando 
Tá chorando com razão 
Soluçando de sódade, 
Gemendo de compaixão. 
Degolaram Virgulino, 
Acabou-se Lampião.

Havíamos atingido Santana do Ipanema, em Alagoas, para investigar o boato de que o vigário local criara um filho de "Lampião". Padre Bulhões não vivia mais, porém sua família podia esclarecer. O saudoso vigário realmente educara o filho de um cangaceiro. Mas filho de "Corisco", não de "Lampião". Retomamos viagem, para descobrir 12 horas mais tarde em Aracaju, a filha de "Lampião" e Maria Bonita. 

Sim, o rei do cangaço deixara uma filha. Dizia-se que era um filho. Esta própria revista recentemente divulgou declarações que defendiam essa versão. Mas João Ferreira não dá fé. Ele sabe apenas que um dia Virgulino lhe mandou uma menininha, com um bilhete para que ele a educasse. "O nome é Expedita", dizia o bilhete. 

Expedita, hoje, é ainda uma criança. Mas já mãe. Tem 21 anos de idade, um marido da mesma idade, um filhinho de 9 meses, Dejair. 
É uma cabocla forte e bonita, que não apresenta qualquer Sinal de degenerescência, nenhuma tara. Em julho de 1938, quando as cabeças de seus pais estiveram no Serviço Médico Legal de Maceió, o exame não denunciara estigmas que caracterizassem "Lampião" ou Maria Bonita como criminoso nato. Não surpreendia, que a filha fosse também normal. 

— O que tem é gênio forte. Herdou do pai — disse João. Nós a avistamos quando cuidava do filho. Dava-lhe leite em mamadeira, ai pelas 6 horas da tarde. Tinha um semblante tranquilo, os gestos delicados. Parecia feliz. 

A casinha modesta estava que era um mimo. Havia poltrona na sala, berço no quarto, jogo de panelas na cozinha. Tudo arrumado, tudo limpo que fazia gosto. Expedita dava leite ao nenê enquanto esperava o marido, Manuel Messias Nunes, para jantar, Manuel chegou loga. Tão criança quanto a mulher. 

Vê-los caducando com Dejair era ver dois meninotes que brincassem de papai e mamãe com um bebê. Educada por João, Expedita sabe porém de quem é filha. Na mesa da sala descobri O CRUZEIRO com a reportagem de João Martins sobre o livro "Lampião" de Optato Gueiros. 

Sinal de que ela não era indiferente ao assunto. Mas que gosta de falar nele, não gosta. Tive de sondar pessoas de sua intimidade para conhecer-lhe as reações ante o tema "Lampião". Ela jamais falaria a um estranho sobre esse caso. Sempre tem medo de que sua condição de filha de "Lampião" atraia vexames para o marido, mais tarde para o filho. Pude colher que, embora evitando conversar sobre cangaceiros, ela devora toda leitura que se refira ao pal. Algo mais: foi ver o filme 
"O Cangaceiro", de Lima Barreto. Voltou de lá aborrecidíssima" com a deformação do caráter do pai". Pois identificou "Lampião" no personagem central do filme. Expedita, como de resto todo o Nordeste, ligava pouco para o fato de Lima Barreto fazer arte. Queria apenas história. Interpretação honesta dos fatos. E ficou revoltada em ver os cangaceiros só viajando a cavalo, feito "cowboys" americanos, eles que só atravessavam e caatinga andando com os próprios pés. E revoltada em ver que não davam descanso a seu pai nem depois de morto.

Achei bonito que os Ferreira não se envergonhassem do parentesco com "Lampião". Lembro uma reportagem que fiz no Oriente sobre um australiano que amava uma japona. 

Proibido de casar, pois a Austrália àquele tempo não queria australiano casado com japonesa, o soldado Frank Loyal Weaver, achou que o coração tinha razões mais fortes, e se casou. Foi deportado sete vezes para a Austrália; clandestinamente voltou sete vazes ao Japão. Pois bem: os pais de Weaver, envergonhados, repudiaram o filho, nunca mais quiseram saber dele. 

Quando é que um sertanejo nosso abandonaria o filho por ter casado com quem queria? É como me diziam os primos de João no meio da viagem: "Lampião" é nosso sangue. E sangue é sangue". Achei bonito que os Ferreira reverenciassem o parente morto. Terem a coragem de não negar. A bravura de defender. 

Lá em Serra Talhada uma senhora me disse: — Meu pai é Antônio Matilde. Ouviu falar nele? Era do bando de "Lampião". Pois olhe: tenho orgulho de ser filha de Antônio Matilde. Então vou renegar o homem que me deu a vida só porque o mundo o condena? E com um ar de desprezo pelo juízo dos homens ela rematou: — Ora, moço, só Deus é o dono do mundo. 


NO CURSO de uma das várias palestras mantidos durante a viagem, no própria fazenda "Serra Vermelha'', onde ele nascera, João Ferreira ouviu expressões incômodas sobre "Lampião" e seus feitos. Ficou firme. Ninguém sabia quem era ele. Os novos senhores da terra o trataram bem, sem saber a quem tratavam. Tudo bem. 

OSÉIAS CÂNDIDO contava por que seu irmão Pedro guiara os matadores de "Lampião" ao esconderijo no grota de Angico. Fora forçado por ameaça de morte. João Ferreira ficou espiando, desconfiado, como o não querer misturar-se com o irmão de quem traíra Virgulino e o empurrara para a morte.

Antônio, o irmão mais velho. Nem os outros irmãos mais velhos, Livino, Virgulino e Virtuosa. Ele, João, era o quinto filho do velho José Ferreira e da "cumadre" Maria José. Abaixo vinham Angélica, Maria, Ezequiel e Anália. A família era grande e próspera. Pai e mãe vivos, nove filhos, gado no campo, terra trabalhada, dinheiro nos baús. Agora, tudo diferente. Por que? — Por que não nos deixaram viver em paz? —perguntou ao ar. 

MOCINHA é o única irmã que restou a João Ferreira. Ela aparece aqui tomando café, sentada, em sua casa de Delmiro, cidade alagoana próximo à Cachoeira de Paulo Afonso. De costas, o marido de Mocinha. 

Deixando a fazenda, João foi abraçar a única irmã que lhe restava, Maria. "Chamo-a de Mocinha", explica. Ela mora em Delmiro, Alagoas, é bem casada e mãe de duas moças e um rapaz. João passou uma noite inteira contando-lhe os detalhes da sua viagem. 

Depois ele atingiu as margens do Rio S. Francisco, tomou um barco e foi à Fazenda Angico. Ver o local onde mataram o mano. Manuel e Antonio Ferreira, os dois primos que o acompanhavam na viagem, alguns tripulantes do barco e gente da vizinhança, seguiram João até a grota famosa onde a volante do capitão Bezerra liquidou "Lampião" em 1938. João olhou em volta sem dizer uma palavra. Então tinha sido aquele o palco da cena final... 

Botou a mão na mesma pedra onde o pescoço de Virgulino recebeu o golpe do facão. Depois mandou cortar um galho de árvore, fazer uma cruz. E fixou a cruz entre pedras, no local onde jazera o corpo decapitado do irmão. 

— Enterraram o corpo? — perguntei ao guia. 
— Não a água levou.


Pescado no essencial Caiçara dos Rios dos Ventos 


http://lampiaoaceso.blogspot.com/search/label/Jo%C3%A3o%20Ferreira