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segunda-feira, 15 de abril de 2019

JESUÍNO ALVES DE MELO CALADO



Jesuíno Alves de Melo Calado (Patu1844 - Belém do Brejo do Cruzdezembro de 1879) foi um cangaceiro brasileiro. É considerado um dos precursores do cangaço no nordeste brasileiro[1].


Também chamado de "Jesuíno Brilhante" ou "O Cangaceiro Romântico", nasceu de uma família da aristocracia rural sertaneja, no sítio Tuiuiú, região da cidade de Patu, e virou bandoleiro em 1871 pelo fato de seu irmão ter apanhado no meio da rua de sua cidade natal e pelo roubo de uma cabra que lhe pertencia[2].

Diferente da filosofia dos cangaceiros do século XX, que roubavam e pilhavam, Jesuíno Brilhante foi considerado um cangaceiro gentil-homem, um tipo de Robin Hood, pois adorava e era adorado pela população pobre e sempre os ajudavam em questões financeiras e sociais, como subtrair dos coronéis o que era dos nordestinos, quando saqueava os comboios de alimentos que eram enviados pelo governo, para as vítimas das secas, mas que ficavam nas mãos dos poderosos e nunca chegavam à população. Além disto, também era defensor dos fracos, das crianças agredidas, dos velhos e das moças ultrajadas. Entre 1871 e 1879, o cangaceiro romântico implantou um “Estado Paralelo” nos sertões brasileiros[3][4].


O desfecho final de Jesuíno de Melo Calado foi numa emboscada na região das Águas do Riacho de Porcos, na cidade de Belém do Brejo do Cruz, na Paraíba, quando levou dois tiros e morreu pouco depois no local denominado de "Palha".

Seus restos mortais estão desaparecidos, pois, após a sua morte, seu corpo foi levado pelo médico Francisco Pinheiro de Almeida para exposição no Colégio Diocesano de Mossoró por longos anos e, na sequência, fez parte do acervo museológico do alienista Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, que por fim, removeu do acervo sem dar paradeiro do destino final.

Referências
 A história de Jesuíno Brilhante Jornal Diário do Nordeste
 Biografia Jesuíno Brilhante Enciclopédia O Nordeste
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
JASMIN, Élise, Cangaceiros, Ed. Terceiro Nome, São Paulo, 2006
MELLO, Frederico Pernambucano de., Guerreiros do Sol - O banditismo no nordeste brasileiro, Ed. Massangana, Recife, 1985
NONATO, Raimundo, Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico, Fund. Vingt-un Rosado, Mossoró, 2000


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A LENDÁRIA FAZENDA ABÓBORA PARTE 1

Por Rostand Medeiros
Sede da Fazenda Aboboras

Desde que comecei a ler temas relacionados ao ciclo do cangaço, a sua figura maior, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e a história do Nordeste no início do século XX, um local em especial me chamava atenção pelas repetidas referências existentes em inúmeros livros. Comento sobre uma antiga propriedade denominada Abóbora, localizada na zona rural do município de Serra Talhada, próximo a fronteira com a Paraíba e não muito distante das cidades pernambucanas de Santa Cruz da Baixa Verde e Triunfo.

Vamos conhecer um pouco de sua história e da visita que realizei a este local.Uma Rica Propriedade. Quem segue pela sinuosa rodovia estadual PE-365, que liga as cidades de Serra Talhada a Triunfo, antes de subir em direção a povoação de Jatiúca e as sedes dos municípios de Santa Cruz da Baixa Verde e Triunfo, percebe que está em um vale cercado de altas serras, que dão uma beleza singular a região. Atrás de uma destas elevações se encontra a Fazenda Abóbora.

Até hoje esta fazenda chama atenção pelas suas dimensões. Segundo relatos na região, suas terras fazem parte das áreas territoriais de três municípios pernambucanos. Aparentemente no passado a área era muito maior. Ali eram criados grandes quantidades de cabeças de gado, havia vastas plantações de algodão, engenho de rapadura e se produziam muitas outras coisas que geravam recursos. No lugar existem dois riachos, denominados Abóbora e da Lage, que abastecem de forma positiva a gleba.[1] Com tais dimensões, circulação de riquezas, no passado o lugar era ponto de parada de muitos que faziam negócios na região e transportavam mercadorias em lombo de animais, os antigos almocreves. No lugar estes transportadores do passado eram recebidos pelo “coroné” Marçal Florentino Diniz, que junto com irmão Manoel, dividiam o mando na propriedade.

Manoel Severo e Rostand Medeiros

Informações apontam que Virgulino Ferreira da Silva, quando ainda trabalhava como almocreve, realizou junto com seu pai e os irmãos vários transportes de mercadorias entre as regiões de Vila Bela (sua cidade natal, atual Serra Talhada) e Triunfo.[2] Certamente em alguma ocasião, o jovem almocreve teve a oportunidade de conhecer a fazenda do “coroné” Marçal e de seu irmão Manoel. Além destes o almocreve da família Ferreira conheceu o impetuoso filho do fazendeiro Marçal, Marcolino Pereira Diniz.[3]

Chefe de bando inteligente e perspicaz, Lampião buscava antes do confronto, o apoio e as parcerias com os antigos proprietários rurais e assim agiu junto aos donos da Fazenda Abóbora. Após assumir a chefia efetiva de seu bando, depois da partida do seu antigo chefe, o mítico cangaceiro Sinhô Pereira, Lampião frequentou em várias ocasiões as terras da Abóbora, onde o respeito do chefe e dos seus cangaceiros pelo lugar estava em primeiro lugar.

Rodrigues de Carvalho, autor do livro “Serrote Preto” (1974), informa nas páginas 252 a 254 que ocorreu uma intensa e positiva relação de amizade entre Lampião e a família Diniz principalmente com o “jovem e pretensioso doutor” Marcolino Diniz, que chegou há cursar durante algum tempo a Faculdade de Direito em Recife, mas não concluiu. Esta relação ambígua de amizade entre estes ricos membros da elite agrária da região e o facínora Lampião foi posta a prova em duas ocasiões.


Marcolino Diniz, sentado, filho do poderoso Cel. Marçal Florentino Diniz

A primeira no dia 30 de dezembro de 1923, quando Marcolino Diniz é preso pelo assassinato do juiz de Direito Ulisses Wanderley em um clube de Triunfo. Marçal solicita apoio de Lampião para tirar Marcolino da cadeia, se necessário a força. Juntos vão acompanhados de um grupo que gira em torno de 80 a 100 cangaceiros armados. Não Houve reação dos carcereiros. A segunda ocorreu no mês de março do ano seguinte. Após o episódio do ferimento do pé de Lampião na Lagoa Vieira e o posterior ataque policial na Serra das Panelas, onde o ferimento de Lampião voltou a abrir e quase gangrenar, é a família Diniz que parte em socorro do cangaceiro. Marçal e Marcolino cederam apoio logístico para a sua proteção, transporte, medicamentos e plena recuperação com o acompanhamento dos médicos José Lúcio Cordeiro de Lima, de Triunfo e Severino Diniz, da cidade paraibana de Princesa. Sem este decisivo apoio, certamente seria o fim do “Rei do Cangaço”.[5]
Lagoa Vieira-Foto-Alex Gomes

Foi igualmente na propriedade Abóbora que Lampião conheceu Sabino Gomes de Gois, também conhecido como “Sabino das Abóboras”.[6] Frederico Pernambucano de Mello, autor do livro “Guerreiros do Sol-Violência e banditismo no Nordeste do Brasil” (2004), nas páginas 243 a 246, informa que Sabino efetivamente nasceu na Fazenda Abóbora, sendo filho da união não oficial entre Marçal e uma cozinheira da propriedade. Consta que ele trabalhou primeiramente como tangedor de gado, o que certamente lhe valeu um bom conhecimento geográfico da região.

Valente, Sabino foi designado comissário (uma espécie de representante da lei) na região da propriedade Abóbora, certamente com a anuência e apoio do pai. Organizava bailes e em um destes envolveu-se em um conflito, tendo de seguir para o município paraibano de Princesa. [7]

Depois, entre 1921 e 1922, acompanhou seu meio irmão Marcolino para Cajazeiras, no extremo oeste da Paraíba. Marcolino Diniz desfrutava nesta cidade de muito prestígio. Era presidente de clube social, dono de casa comercial, de jornal e tinha franca convivência com a elite local. Sabino por sua vez era guarda costas de Marcolino e andava ostensivamente armado. Nesta época Sabino passou a realizar nas horas vagas, com um pequeno grupo de homens, pilhagens nas propriedades da região. O autor de “Guerreiros do Sol” informa que teria sido Sabino que coordenou a vinda do debilitado Lampião para ser tratado pelos médicos José Lúcio Cordeiro de Lima e Severino Diniz. A amizade entre o “Rei do Cangaço” e o filho bastardo de Maçal Diniz, nascida na Fazenda Abóbora, teria então se consolidado a ponto deste último se juntar a Lampião e seu bando, em uma posição de destaque, no famoso ataque de cinco dias ao Rio Grande do Norte, ocorrido em junho de 1927.

Continua...

NOTAS
[1] Relatos transmitidos em entrevista gravada junto ao Sr. Antônio Antas, da cidade paraibana de Manaíra, em dezembro de 2008. O Sr. Antônio, parente de Marcolino Diniz, conviveu com o filho de Maçal quando este estava idoso e vivendo na Comunidade de Patos do Irerê. Vale ressaltar que é relativamente pequena a distancia da sede da Fazenda Abóbora para a cidade de Manaíra.
[2] Relato transmitido ao autor em entrevista gravada junto ao Sr. Antônio Ramos Moura, em agosto de 2006, em Santa Cruz da Baixa Verde.
[3] Para Frederico Pernambucano de Mello, autor do livro “Guerreiros do Sol-Violência e banditismo no Nordeste do Brasil” (2004), na página 244, afirma que Maçal Diniz conheceu Lampião e seus irmãos quando os mesmo já eram membros do bando de Sinhô Pereira, cangaceiro que igualmente recebeu proteção e apoio deste fazendeiro em 1919.
[4] Entrevista gravada com Antônio Antas, dezembro 2008.
[5] Sobre o combate de Lampião na Lagoa Vieira ver – tokdehistoria.wordpress.com/2011/02/10/quando-lampiao-quase-foi-aniquilado
[6] Segundo Frederico Pernambucano de Mello, Sabino também era conhecido como Sabino Gomes de Melo, Sabino Barbosa de Melo, ou ainda com os denominativos Gore, Gório ou Goa. Ver “Guerreiros do Sol-Violência e banditismo no Nordeste do Brasil” (2004), pág. 243.
[7] Rodrigues de Carvalho (pág. 164) afirma que Sabino nasceu na Paraíba, no lugar denominado Pedra do Fumo, então município de Misericórdia, atual Itaporanga. Pela lei estadual nº 3152, de 30 e março de 1964, o antigo distrito de Pedra de Fumo foi desmembrado do município de Itaporanga e elevado à categoria de município com a denominação de Pedra Branca, localizado a cerca de 20 quilômetros de Itaporanga. Pelo que escutamos durante nossas visitas a região, acreditamos que a versão do autor de “Guerreiros do Sol” é mais correta.

Rostand Medeiros, pesquisador e escritor
Natal, Rio Grande do Norte
Fonte: tokdehistoria.com


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JORNAL O ESTADO DE S. PAULO 19 de Dezembro de 2010.

Guerra contra Lampião

Especial ● Guerras desconhecidas do Brasil
Repórteres Leonencio Nossa e Celso Júnior

Os nomes de Lampião, Maria Bonita e Corisco estão nas placas dos cybercafés, pizzarias e serviços de moto táxi abertos no atual momento de euforia no comércio popular do Nordeste.

Setenta anos depois de erguerem bacamartes e punhais, os sobreviventes do Cangaço, no limite do esgotamento físico, travam agora, juntamente com pesquisadores e artistas conhecidos ou desconhecidos, uma luta para manter na história as marcas da barbárie. É na luta para se manter em pé que os cangaceiros e mesmo seus algozes se assemelham a outros mortais.

Em uma casa coberta de telha, em Delmiro Gouveia, sertão alagoano, vive a agricultora Aristéia Soares de Lima. Com vestido longo roxo, usado sempre durante as visitas, a mulher miúda e esforça para conversar. Ela se recupera de um problema nas articulações, que a levou ficar internada por uma semana.


A ex-cangaceira busca uma posição na cama em que consiga conversar sem sofrer. Numa trégua do corpo, começa a falar da prisão, em Delmiro Gouveia. Foi pouco antes da volante (tropa) do tenente João Bezerra chegar à cidade carregando a cabeça de Lampião, morto no massacre de Angicos, em 1938. Conta que a qualquer movimento na rua tentava enxergar o que passava do lado de fora por uma pequena abertura na parede. Mas, naquele dia, preferiu ficar agachada na cela, em silêncio.

“Eu não quis ver”, diz Aristéia, com dificuldades. Só viu, depois, a euforia dos “macacos” – como eram chamados as volantes – e a surpresa dos moradores com o feito do tenente João Bezerra. Aristéia intercala uma frase com um movimento de mãos ou de rosto expressando dor. Ela demonstra vontade de falar sobre o Cangaço. Sobreviveu porque se entregou à polícia. Foi logo depois do fuzilamento do marido, Catingueira.

Antes de morrer, ele pediu a Moreno, chefe do grupo, que tirasse a mulher do Cangaço. Pelas leis dos bandos liderados por Lampião, mulher não podia sair ou ficar solteira. Era morta para não contar à polícia detalhes das estratégias do grupo. Moreno cumpriu a promessa e levou Aristéia para a cidade, onde ela procurou a polícia. Quando estava presa, soube da decapitação da irmã, Eleonora, também cangaceira. “Só arrancavam a cabeça para provar que mataram cangaceiro e ganhar comenda”, diz Aristéia.

O filho e a nora de Aristéia, Pedro Soares e Damaris, exibem orgulhosos um brinco que ela recebeu de Cruzeiro, um temido cangaceiro. Aristéia não aceitou ficar com Cruzeiro, mesmo depois da morte de Catingueira. Ela lembra do dia em que o marido morreu. “Corremos quando começou o tiroteio. Na hora, a gente estava lavando os panos dos meninos. Saímos baleados”, diz. “Enterraram Catingueira na caatinga.” Ela estava grávida de oito meses. O filho, José, morreu tempos depois, em 1964, num assalto.

Temor. Um dia, conta, ouviu um policial dizer que nunca teve medo de Lampião. “Não tinha medo. Só corria à légua”, ironiza.

Aristéia discorda que Maria Bonita tenha sido a mulher mais bonita do cangaço. “A mulher mais bonita era a Durvinha”, diz – e fecha e abre os olhos como se tivesse sentido uma fisgada. Dos homens, ela afirma que Virgínio, cunhado de Lampião,“ ganhava a parada”. “Ele era provado mesmo”, conta. Ela assegura que a “peste” da polícia matou o cangaceiro Português já detido. O Português tinha se rendido em Mata Grande. “Foi só chegar e descer do carro para ser morto”, lembra.“Como ele matou o pai de um soldado, o soldado matou Português.”
A bela "Durvinha" aponta para Benjamim Abrahão.

Em suas lembranças, ela reclama que “a cangaceira Quitéria era o capeta” e fazia intriga contra Cristina, mulher de Português. “Dizem eles que Cristina ‘sartava’ a cerca com Jitirana. Dizem eles, eu não vi. Só pode ter sido a Quitéria quem falou. Quitéria era danada por Português. O marido de Quitéria era Pedra Roxa. Pedra Roxa vivia doente, se entregou e pronto. Em pouco tempo também morreu.”

Após a prisão, Aristéia teve mais sete filhos. A carteira de trabalho, expedida em 1972, nunca recebeu um carimbo. Teve problemas até mesmo para se alistar nos mutirões formados nas secas por causa da artrite. O problema tem impedido Aristéia de assistir ao Jornal Nacional e às missas, seus programas preferidos na TV.

Sentada na cama, busca uma posição em que possa sentir menos dor. Põe as duas mãos no rosto. Depois, leva a mão direita para baixo do braço esquerdo. Quase não há mais carne para conter o atrito dos ossos. Puxa algo da memória para desmentir alguma afirmação do filho Pedro. “Ôxe!” Solta uma piada, faz uma brincadeira. Não tem mais movimento nas faces para rir das histórias dos cangaceiros que “sartavam a cerca”, dos casos de amor e traição. “Frouxos”, diz, com voz firme, referindo- se aos policiais.
Português e Catingueira. ABAFILM

Do outro lado do município mora Antônio Vieira, 97 anos, sargento da reserva da Polícia Militar de Alagoas. A farda está impecável, como se tivesse de ser usada a qualquer hora. Na roupa está o registro do tipo sanguíneo: A+. Antes de começar a entrevista, Vieira demonstra incômodo, como se sentisse falta de algo. A filha Edileuza vai até o quarto do pai e volta com um revólver 38.
Ela explica que o pai só dorme e conversa com a arma ao lado. Agora, sim, com a arma na mão, ele fala do combate do extermínio de Lampião, em 28 de julho de1938. Segurando firme a arma, Vieira olha compenetrado para a câmera. Parece mirar um inimigo que agora não passa de uma criatura apenas de sua memória. “Lampião recebeu um tiro no peito e caiu. Maria Bonita caiu pertinho dele”, conta. “Não posso dizer que matei Lampião. Ninguém pode dize. Não dava para saber, era muita gente atirando.”
Antonio Vieira, de 97 anos, mostra sua companheira

Carteira do PM Antonio Vieira

Do Cangaço ao seringal.  
Ex-aliado de Lampião diz que Maria Bonita tinha ciúme e fazia intriga

Um dos homens de Lampião que escaparam do cerco de Angicos foi Manoel Dantas Loiola, o Candeeiro. Aos 94 anos, ele vive em Buíque, sertão pernambucano. Vestindo camisa comprida, conta sua história, sentado num sofá da sala de uma casa simples. Reclama de Maria Bonita. “Ela não gostava da minha aproximação de Lampião”, relata. “Só vivia fazendo intriga. Mas o chefe confiava em mim.”

Seu "Nezim"Foto NE10 UOL

Após o cangaço, Candeeiro foi para a Amazônia trabalhar em seringais e só voltou mais tarde para o sertão. “Nunca esqueci aquele dia em Angicos. Passei muito tempo sem contar essa história”, diz. “Lampião foi alerta do que a volante estava na região, mas não deu importância.” A fuga de Candeeiro do acampamento de Angicos foi uma das maiores proezas da região. Faz calor no sertão.

Um dos filhos do ex-cangaceiro diz, baixo, que o pai jamais tira a camisa comprida. Ela esconde a marca de bala de Angicos no braço esquerdo.

*As fotos 2, 3 e 6 não fazem parte da matéria original.

Adendo 
Aristéia e Candeeiro ainda são viventes. O Sargento Antonio Vieira faleceu dia 20 de dezembro de 2010 um dia após a publicação desta matéria no Estadão. 


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ENCONTROS COM JOÃO DE SOUSA LIMA

No capítulo de hoje: O caderno e o soldado! 

Confesso imensa curiosidade que tinha para ver a imagem do encontro que aconteceu - pela metade - entre João de Sousa Lima e Maria de Juriti. Olha ai o primo em dois momentos que complementam a ilustração da sua entrevista.
João e Maria de Juriti

Uma revelação feita por João que acompanha a postagem em seu blog.

Maria de Juriti foi uma das cangaceiras que escaparam do combate na Grota do Angico, porém decidiu levar sua vida sem falar nada com ninguém, morreu sem dar entrevistas.
Lampião e Juriti

Poucos meses antes de sua morte estive em sua residência, acompanhado pelo cineasta Wolney Oliveira e por maior que fosse nossa insistência para colher alguma informação, mas o silêncio dominava o ambiente e por último ela reclamou dizendo que poderia ter uma "parada do coração" e aí tivemos que nos contentar com apenas algumas fotografias...

Recentemente recebi em minha casa a visita de um dos filhos da ex cangaceira, trazendo um caderno com riquíssimos depoimentos da mãe, colhidos por ele mesmo. O material me foi presenteado e o conteúdo deste vai virar um capítulo interessante, em um futuro bem próximo.

Um velho amigo

 Teófilo Pires do Nascimento

O soldado Teófilo Pires do Nascimento, o homem que matou o cangaceiro Calais, teve uma pequena parte de sua vida apresentada no documentário "Um combatente da época do cangaçocom direção de João e Antonio Galdino, tem meia hora de duração. Este vídeo apresenta inclusive uma parente de uma famosa cangaceira que faz uma revelação sobre "a origem" desta. 

Participação do irreverente músico e pesquisador Jadilson "Bin Laden" Ferraz.
 

O vídeo foi lançado pela TV Mandacaru de Paulo Afonso/BA e já se encontra disponível para quem acessar o site, que é vinculado ao Jornal Folha Sertaneja. Chega de tchi tchi tchi  

 


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CANHOBA EM SERGIPE É ROTA DO CANGAÇO.

Os Carvalhos, Lampião e o Estado “menor”.

Por Kiko Monteiro
Há precisos dois anos, recebemos uma mensagem de um velho amigo nos pedindo um apoio para sua pesquisa. Com a finalidade de colher informações sobre a situação atual, enfim, sobre a preservação de um dos ranchos seguros frequentados por Lampião em território Sergipano.
A este amigo que nos inspirou e tanto suporte técnico nos prestou dedico o presente texto. Do qual nos esforçamos pra trazer pelo menos “uma novidade” a ser acrescentada na pesquisa dos senhores rastejadores e confrades que nos dispensam suas atenções. 
Alerto que vai haver anacronismo, conjectura etc. inevitável. Lembre-se que estamos lidando com mais um capítulo do cangaço, não é mesmo?
 Meu "aglomerado" só quer colaborar.

Fugindo do "gabinete"

Estamos falando da Fazenda Borda da Mata, uma das propriedades do coronel Antônio Ferreira de Carvalho, o lendário “Antônio Caixeiro” no município de Canhoba, Sergipe.

Lancei a questão numa das comunidades desta cidade no Orkut. Passados mais de um ano eu já nem lembrava de conferir respostas. O interesse do pesquisador, independente deste resultado já havia se desfeito. Quando a professora Dayana Ferreira, uma das memorialistas da história local nos procura com notícias precisas e surpreendentes.

Nem só de pescas, no conforto do escritório vive um blogueiro... pé na estrada, no mato, na lama...

82 depois, lá estava eu, a procura de remanescentes da era “lampionica”, com suas preciosas lembranças. Histórias do Coronel, do “Dr” e principalmente sobre a “amizade” destes com o Rei do cangaço.

Aspecto atual do velho casario dos Carvalhos, 
hoje dividido em quatro casebres.
Foto: Kiko Monteiro

A Borda da Mata agora é um distrito. A velha sede ainda está parcialmente preservada. Ao seu lado as casas foram "se emendando" lado a lado com vista para o Velho Chico. Sobrou pouco da vastidão de Mata Atlântica que predominava em toda região. Sim, apesar da proximidade com o Alto Sertão a Caatinga neste pedaço de Sergipe não compõe a paisagem. Chove regularmente, às vezes tanto, que o alagamento é inevitável.

Não é açude nem lagoa! É resultado das chuvas

Realizamos duas visitas técnicas.
Comecemos pela cidade que tão bem nos acolheu.


Canhoba, que já foi um povoado de Propriá, fica a 124 quilômetros de Aracaju. As suas terras se situam à margem direita do Rio São Francisco. Possui 4.000 habitantes.

Os primeiros foram os índios da tribo Cataioba. Segundo pesquisadores, Canhoba quer dizer em língua portuguesa “folhas escondidas”, uma planta medicinal usada largamente pelos indígenas. Uma espécie de planta que produz milagre. A palavra “Canhoba” é a junção de duas outras. Segundo o tupinólogo, Theodoro Sampaio, em seu Dicionário da Língua Tupi, “Can” quer dizer cânhamo, e “oba” é o senhor da terra.

Cataioba e Curral de Barro foram duas denominações que esta terra recebeu.

Entre as festas religiosas, a principal é do Santo Cruzeiro. A partir de 7 de junho de 1910, quando a Santa Cruz foi edificada pelos freis Rocha e Anatanael, ao concluírem uma Santa Missão no lugar de todos os anos. A partir do ano seguinte passou-se a comemorar o Santo Cruzeiro, como um testemunho de fé e religiosidade.

Capela de Nossa Senhora da Conceição, 
1ª Matriz da Cidade
 Foto: Kiko Monteiro

 Filho ilustríssimo

O ex-governador/interventor de Sergipe, Eronides Ferreira de Carvalho é um dos filhos mais ilustres de Canhoba. Nasceu na Borda da Mata em 25 de abril de 1897. Formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 20 de Dezembro de 1917...



Foto oficial do Governo Eronides.
Acervo de Luís Rubens

...Trataremos já já, desta ilustre personagem.

Vamos prosseguir com a história de seu pai.

Nascido em São Braz, município de Alagoas, em 24 de março de 1873. Comerciante de primeira extirpe, vocacionado para o ramo, iniciou sua carreira como caixeiro viajante. Daí o porquê do apelido.

Resolveu se estabelecer em Canhoba. Inicialmente tomou conta de uma loja na “Rua da Bambá” hoje praça da matriz, estabelecimento que pertencia ao major “Bilé” de São Braz, seu patrão. Mais tarde de mero empregado aos poucos passou a ser um concorrente.

Enriqueceu como agiota, e como um comerciante incentivador da produção do algodão. E aí o simples caixeiro passou a Industrial, pecuarista, plantador e colhedor de arroz, milho, feijão e mandioca e é claro, um influente senhor das terras não só de Canhoba como também de Gararu, Porto da Folha e outros locais do Sertão do São Francisco.

Casou com Balbina Mendonça de Carvalho, sergipana de Capela, e com ela teve nove filhos. Da mãe do interventor pouco colhemos. Vejamos o depoimento de Antonio Norberto da Silva98 anos. 

Antonio Norberto da Silva
Natural do Pernambuco chegou a Borda da Mata com quinze anos de idade atravessando o velho Chico, fugindo da ira de um patrão que queria matá-lo por ele ter deixado escapar parte de um rebanho rio abaixo.


Disse-nos que “Dona Branca” apelido da Senhora Balbina era malvada com os empregados. Comportamento assinalado em todas as conversas que mantivemos. Seu Norberto conta que a patroa apesar de muito religiosa fazia uso de bebida alcoólica.


- "A cachaça piorava a brabeza da mulher". 


Certa vez numa dessas crises, quando ele estava com as mãos erguidas pilando massa de milho, por pouco a patroa não lhe fura a barriga com um pequeno punhal, tudo por causa de uma resposta inadequada.
- Dona Branca geralmente deitava-se numa rede e pedia a uma das serviçais que fizesse massagem em seus pés. Era prontamente atendida, mas se a coitada cochilasse... Era ferida no rosto com um “pé de peru”. Isto mesmo, o membro da ave que ele a costumava por no sol para secar e enrijecer garantindo mais dor aos lerdos e desobedientes. 
A vizinha e velha amiga, Maria Chaves foi vítima do tal "pé de Peru". Ela está viva, aos 104 anos de idade, muitas histórias teria pra nos contar por ter trabalhado diretamente na cozinha dos Carvalhos, porém na ocasião de nossas duas visitas encontrava-se enferma na capital.

Mancomunados com o Rei do Cangaço 
"- Entre meu filho! – respondeu Dona Branca. E virando-se para o marido, que assomava a sala, explicou: Antonio é o capitão Virgulino que chega perseguido pelos soldados de Alagoas e pede pousada. Já mandei ele entrar."
É assim que o escritor Nertan Macedo, que entrevistou Eronides, descreve a chegada de Lampião na Borda da Mata numa madrugada escura de agosto de 1929.

Não há registro de uma pousada anterior, o capitulo na obra "Lampião, Capitão Virgulino Ferreira" de Nertan é detalhado, descreve uma enorme hospitalidade para acomodar mais ou menos 20 cangaceiros que dormiam e se revezavam de sentinelas espalhados pela casa em companhia do casal.

Lampião conhecia “os Carvalho” desde a sua juventude. Quando percorreu a maioria dos caminhos que viria a fazer mais tarde como bandoleiro. Revendendo nas fronteiras de Alagoas e Sergipe, como simples almocreve conheceu a família. E agora já como poderoso chefe cangaceiro, aproveitou para visitar o Coronel.

Sabendo do poder do grande comerciante Lampião pediu abrigo e comida, sendo prontamente atendido, onde lhe foi autorizado o abate de rezes etc, mas que seus moradores e contratados não fossem molestados por seus homens.

Esta improvisada reportagem não pretende, e nem se quisesse, iria conseguir elucidar esse grande mistério do cangaço. Se o chefe do executivo sergipano foi realmente o principal "Paiol do poderio bélico de Virgulino" é assunto secundário. Eu quero tratar é da amizade e tolerância.

Os capitães se reconhecem

Eronides foi apresentado a Lampião em agosto de 1929, durante os dias em que se restabelecia de uma enfermidade na fazenda Jaramataia, propriedade de seu pai no município vizinho de Gararu.

Algumas biografias dão conta de que esse encontro se deu “antes” de ele estar com Caixeiro. Outras, que foi numa visita do interventor até a Borda da Mata.

A ordem dos fatores 

Em ambas há um mesmo parágrafo: Trocam cumprimentos e o Dr. faz a Lampião uma indagação que entrou para galeria das “máximas cangaceiras”.
- "Então, como devo chamá-lo, capitão ou coronel? Porque eu também sou capitão e deve haver aqui uma hierarquia – como oficial do exército não posso ser comandado pelo senhor".
Lampião compreendeu a malícia e replicou:

- "Pois desde já o senhor está promovido a coronel".
Após o café, Eronides presenteou Lampião com uma garrafa térmica e uma caixa de queijos importados. Naquele instante nascia uma estreita amizade. Lampião passou a tratar de negócios, queria munição especialmente para sua pistola Luger (Parabellum) cujas balas eram difíceis de encontrar.


Brinquedo preferido de Virgulino
Imagem meramente ilustrativa  

Lampião e seus cabras passaram quase todo o ano de 1929 em Sergipe, onde na mais perfeita  tranquilidade circulavam da Borda para a Jaramataia.

Foram longas conversas, documentadas pela câmera fotográfica de Eronides. Em 27 de novembro de 1929 foram registrados os momentos em que o cangaceiro posa de perneiras que compunham o uniforme do capitão Eronides. [Lampeão e seu grupo sentados], [Lampeão e seu grupo montados em cavalos], [Ponto Fino e Arvoredo], [Zé Baiano], [Moderno, Mariano, Arvoredo, Calais. E outros. Se Lampião e Eronides posaram juntos, esse arquivo comprometedor foi muito bem escondido ou destruído.


Lampião


De pé: Ezequiel, Calais, Revoltoso, Mourão e o menino Volta Seca.  
Sentados : Lampião, Moderno, Zé Baiano e Arvoredo.
*Mariano foi omitido. Na original ele aparece esq. de Ezequiel. 
Até o momento não conseguimos scanear em boa resolução.





Zé Baiano 

*As imagens acima pertenciam ao acervo de Luis Antonio Barreto

Por favor, um médico! 

Foi através de Eronides que os cangaceiros conheceram as propriedades analgésicas do ácido-acetil-salicílico. Em dado momento perceberam que um dos cabras apresentava o rosto inchado e queixou-se de dor de dente. O Dr. trouxe-lhe o comprimido o qual inicialmente não ingeriu. Olhou para Lampião, que fez um sinal de consentimento com a cabeça, o cabra então tomou a pílula e em algumas horas tinha sua dor aliviada pelo medicamento de fábrica. Precisamente uma aspirina.

De acordo com a literatura, outras duas propriedade dos Carvalho que era pouso seguro para os cangaceiros em terras sergipanas eram as fazenda São Domingos em Porto da Folha e Paus Pretos em Poço Redondo.

E o relacionamento foi esquentando.
Billy Chandler, conclui: “Muitos acreditavam que Eronides e sua família não se limitavam somente a permitir que Lampião acampasse em suas terras, ou a mandar-lhe presentes de balas, ou mesmo usar sua influência para impedir que a polícia o perseguisse. Suspeitava também que eram seus principais fornecedores de Munição.” 
Em 1935, no Estado Novo de Vargas, Eronides elegeu-se governador do Estado. Desde logo, tornou-se entusiasta da emancipação de Canhoba.

A ideia pela emancipação iniciou-se antes de tornar-se interventor. Existia uma oposição em Propriá e na Assembleia Legislativa. Luiz Garcia era a principal figura pela não emancipação.

Se não tivesse ocorrido a implantação do Estado Novo, o projeto seria reprovado. Ele nem chegou a ser votado, pois Getúlio, no Rio de Janeiro, deu o golpe de Estado e os legisladores sergipanos foram cassados.

Eronides, já confirmado como Interventor Federal, aos 23 de Dezembro de 1937, dissolveu a Assembleia e criou o município de Canhoba.

Em 23 de Janeiro de 1938, Eronides, que tomou posse como governador em 1935, com o Golpe de 1937 foi nomeado interventor federal por Getúlio Vargas. O seu governo durou de 1935 a 1941.
"No governo de Eronides de Carvalho voltam à cena política as oligarquias ligadas ao setor açucareiro. O governo de Eronides de Carvalho torna-se altamente repressivo. A sua administração coincide com período do levante comunista ocorrido em 1935, conhecido como Intentona Comunista. A partir desse momento amparado pela de Segurança Nacional o governo de Eronides de Carvalho reprime toda e qualquer organização de trabalhadores, bem como, inibe através da coação a organização de uma oposição ao seu governo. Além disso, manda fechar jornais e entidades representativas e governa praticamente sem oposição. Nesse período sua administração implementa um governo de apoio às facções dominantes, sucateando a máquina do estado, trazendo como consequência a sua destituição do cargo". [ Ibarê Dantas]
Por que "Os Carvalho" não evitaram essa infeliz notoriedade?

Às mãos de Lampião, com ou sem proibição, durante todo o tempo armas e munições continuaram a chegar regularmente, por intermédio de políticos e militares corruptos, tomadas a força, através de contrabando ou “herdadas” dos soldados que tombavam em combates.
É claro que as fontes abastecedoras de Lampião eram mantidas debaixo de sete chaves. Todas as transações eram realizadas de modo confidencial, as entregas feitas por intermediários de alta confiança e efetuadas muitas vezes nas caladas das noites. Poucos entre os homens de Lampião, exceto os mais chegados, sabiam quais eram estes fornecedores.
A ex-cangaceira Dadá, disse que a identidade dos que forneciam armas ao capitão era segredo que ela sabia e que levaria consigo para a cova. Evidentemente ela, por ter sido mulher de Corisco e comadre de Lampião, muito devia saber. Após 50 anos do começo do esfacelamento do cangaço, no entanto ela recusara fornecer nomes argumentando que não ia delatar “quem lhes sustentava”.
Quando os carregamentos com armas e munições eram entregues a Lampião, ele em pessoa fazia a distribuição entre seus homens e as revendia para os subgrupos. O restante era armazenado para futuro suprimento, guardado em garrafas e metidas nos ocos dos troncos das árvores, ou enterradas nas áreas por onde os bandidos costumavam transitar.

FONTES, Oleone Coelho, págs 322, 323.
A suspeita foi levantada a partir de indícios contundentes.

Oficiais como Zé Rufino, recolhiam as cápsulas dos cangaceiros após as lutas e constatava que estas eram sempre novas, fabricadas a dois no máximo cinco, anos anteriores enquanto que as balas disponíveis para as Volantes eram dez ou até vinte anos mais velhas.

Em comunhão com a pesquisa de Cesar Megale e Sabino Bassetti no seu livro "Lampião, sua morte passada a limpo" pág 127, também acreditamos que estas balas não chegavam a passar pelos depósitos da policia. Iam fresquinhas, diretamente para as mãos do Rei.

Balas do último tipo não eram fáceis de ser adquiridas no nordeste, sobretudo em vilas, povoados e lugarejos isolados nas caatingas. As de uso militar, clandestinamente, só eram encontradas no Sul do país.
Para tê-las, pois em grande quantidade, só por intermédio de alguém de influência. Os Brittos e os Carvalhos de Sergipe, certamente eram os mais prováveis.
O cangaceiro Volta Seca, sergipano de Itabaiana, preso em 1932, iniciando sua carreira de falastrão se encarregou de apontar Francisco Porfírio e seu filho Hercilio de Britto. E do lado baiano o coronel João Sá de Jeremoabo. FONTES, Oleone Coelho, 322,323.

  
 1ª página Correio de Aracaju, 5 de Novembro de 1929.

Voltamos a 1935 

Criticado e perseguido pelos seus opositores que eram maioria na Assembleia Legislativa, ele aparece na imprensa oficial do Estado condenando o cangaço e os seus colaboradores, e cobrando um fim para esse flagelo.

Apresentava estratégias para combater o banditismo. Mas sempre protestando por conta da verba destinada pelo Governo Federal para esta campanha. E tentava amenizar os críticos lembrando que naquele período os crimes de Lampião e seus asseclas se resumiram em “sacrificar animais”.

Jornal Folha da Noite (atual Folha de São Paulo) 17 de fevereiro de 1936. Pág. 43.

No dia 2 de julho deste mesmo ano o interventor chegou a assinar um pacto de cooperação e ação com os outros Estados que conheciam a fúria do Rei do cangaço.


Eronides a direita. Entrevista para a Folha da Manhã, São Paulo. 

Em 7 de Setembro de 1936 na mesma tribuna ele comunica com euforia a eliminação de Zé Baiano no povoado Alagadiço – Frei Paulo, SE.
Para os bandidos diminuiu evidentemente o crédito do coiteiro sergipano em virtude das circunstâncias e dos elementos participantes da eliminação de José Baiano”.
Após a morte de Lampião em Angico, novas notas foram veiculadas pela imprensa destacando este acontecimento em Alagadiço, como prova de que a Força do Estado comandada por Eronides atuou severamente contra o cangaceirismo. Travando uma guerra constante matando diversos entre eles.

Quem já leu este episódio sabe que Zé Baiano foi morto por “coiteiros civis” que o traíram. As autoridades só tomaram conhecimento vários dias depois.

Até o dia 28 de Julho de 1938 quando se dá o extermínio de Lampião, a policia sergipana não registrou a morte de “nenhum de seus cangaceiros”. As cabeças que aqui rolaram foram troféus dos Nazarenos e outros oficiais de Pernambuco, dos alagoanos e baianos.

Com Eronides na capital cabia a seu Antonio cuidar das feras no sertão.

Era 1938. As autoridades alagoanas sabiam que os últimos três anos de Lampião foram de idas e vindas às fazendas dos Carvalhos. O Jornal de Noticias da Bahia espalhou pelo nordeste inteiro de que ele havia morrido em janeiro, acometido de tuberculose.

Não localizando o governador, jornalistas cobravam explicações de seu Antonio Caixeiro. Este procurando defender a integridade do seu filho bradava que "A partir do momento em que Eronides assumira o governo, Lampião não pisara no Estado, quiçá em nossas terras". Ora negava, ora assumia em afirmativas inconsequentes.

Eloy Mauricio, um comerciante de Girau do Ponciano, AL. que teve seus armazéns saqueados por cabras de Lampião em abril daquele ano. Procurou o velho amigo e conterrâneo Antonio Caixeiro para que este intercedesse ao grande chefe. Caixeiro respondeu que sua influencia sobre Lampião... se estendia somente a Sergipe.

Que espécie de influência era esta, que permitiu inúmeros crimes e perversidades nos povoados e cidades vizinhas? A amizade de Lampião com os Carvalhos não garantia trégua dos sequazes na região. Certamente não havia recomendações.

Existem relatos de terras tomadas pelos bandoleiros e doadas para o fazendeiro e outras histórias apócrifas que não podemos dar vazão.

O que é fato amplamente registrado na literatura é o desrespeito com as famílias do Sertão, baixo e Alto São Francisco. Contanto que não fossem moradores da Borda ou da cidade, clientes ou funcionários em potencial. Isso sem falar de Frei Paulo, Pinhão, Simão Dias, Capela, Dores etc.

 Proximidade entre os municípios citados nesta matéria

Vejamos os depoimentos de quem estava lá, naqueles dias

Acompanhado do amigo Magno Ferreira, visitamos alguns ex-empregados de Seu Antonio, testemunhas vivas desta época, a fim de colher possíveis relatos de abusos, ou quem sabe até da conivência do patrão em castigos impetrados pelos cangaceiros.

Entre os remanescentes a opinião foi unânime,  
- Sei que o coroné Antonio foi “Um santo”. Deu abrigo, emprego, comida, e foi o padrinho de batismo de centenas de pessoas.
Nos relatou Gedalva Nunes de Oliveira, A dona "Dalva" 97 anos, natural de Craibas dos Nunes Alagoas. (berço do meu avô materno). Mais uma das muitas afilhadas de Antonio Caixeiro.
Foto: Kiko Monteiro
 - Meu padrinho socorria a pobreza, mas com interesse né? (Risos), tudo na base do juro viu?. Ele emprestava digamos oito alqueires de arroz pra o cabra cultivar, mas o sujeito tinha que lhe devolver nove (Risos). 
E o Dr. ?  
- Ah! era um homem bonitão, charmoso, gentil demais. Tratava de todos os conterrâneos. Ele me curou de uma pneumonia... e narra toda a ocasião. 
De repente Dona Dalva lembra vagamente da passagem de Lampião a caminho da Borda da Mata pelo povoado Sítios Novos onde ela morava. Uma mocinha junto com sua irmã correram para se esconder nos matos. 
- Mas Lampião respeitava a cidade  sabe?. Não passava por dentro “do” Canhoba. Só que uma vez ele mandou um recado pra uma senhora do qual não recordo o nome, sei que ela era costureira e varava a noite a costurar sob a luz de um candeeiro. E ele mandou um jagunço de seu Antonio dizer que ela procura-se dormir mais cedo, pois era a única que estava sempre acordada. Podia ver assombração. Se ele via ela trabalhando, então o bicho passeava por aqui né ?(Risos).
Contou sobre a sua amiga Isaura que foi uma das vítimas de Zé Baiano em Aquidabã:
- A pobrezinha foi deflorada e ferrada na face e nas nádegas pelo bicho, muitos anos depois ela com a família vieram morar na cidade, já morreu faz anos, hoje não existe nenhum parente vivo.

Terror na vizinhança

Foi também em Aquidabã, Outubro de 1930 que “José do Papel” 22 anos, morador do povoado Cajueiro foi pego, surrado e teve uma das orelhas cortada pelos cabras.

José Custódio de Oliveira "Zé do Papel"

No centro comercial, em frente ao Armazém de Maximiano Calango, o grupo matou a com um tiro Souza de Manoel do Norte, um deficiente mental que protestou contra as depredações e ousou sacar de um canivete representando "uma ameaça" para dezenas de fuzis e revólveres. Segundo a literatura Souza de Manoel teve o abdômen aberto a punhaladas e as vísceras expostas.

Nesta mesma incursão o lavrador Eduardo Melo, apanhou, teve uma orelha decepada e veio a óbito um mês após por conta dos ferimentos.

Em Amparo do São Francisco, na época também um povoado de Propriá bem próximo a Canhoba, o armazém dos bisavós da nossa anfitriã Dayana, foi saqueado por quatro cabras. Tomaram não só a mercadoria como todas as joias que dona Maria da Conceição, tentou em vão, esconder entre os próprios seios.

A bela Maria da Conceição Evangelista da Cruz
Cortesia de Dayana Ferreira,  para o nosso acervo.

O produto deste roubo foi deixado sob a guarda de um coiteiro, que diante da demora em retorno destes cangaceiros, numa atitude justa, mas logicamente insana resolveu devolver toda a mercadoria a seus respectivos donos. Inclusive um punhal que estes deixaram entre os pacotes. E os cabras realmente nunca voltaram para resgatar o apurado.


O punhal

Cruzar caminho de cangaceiro... era problema de cada um 

Lembram-se da cláusula de não bulir com os vaqueiros de seu Antonio? Conheçam o caso do cabra 'Novo Tempo', sergipano de Poço Redondo, irmão da cangaceira Sila. Em fins de 1937, no último grande combate, da fazenda Crauá ou Fogo da lagoa de Domingos João em Canindé (a época território de Porto da Folha), onde o grupo de Zé Sereno enfrentou as volantes de Zé Rufino e do Cabo Besouro.

Zé Rufino em 1938. 
Acervo de Rubens Antonio

Ferido no braço este cangaceiro foi inicialmente socorrido pelo jovem Leônidas, filho da coiteira Delfina da fazenda Pedra D’água. Pensando estar em condições de seguir viagem pediu um cavalo ao colaborador. 

Leônidas em foto de 2006.  
Acervo de Leandro Cardoso Fernandes

Sendo atendido rumou dois dias sem rumo até bater em uma outra propriedade de... Antonio Caixeiro. A fazenda Pau Preto.

La ele procurou a casa do vaqueiro António José ou António “dos pau preto” um velho conhecido da cabroeira que recebera ordens do patrão para servir as ordens do capitão e sua gente. E ali estava uma emergência: 'Novo Tempo', sozinho, ferido, ensanguentado, faminto, mas com os bolsos abarrotados de réis.

Ao invés de levá-lo imediatamente para dentro da casa ele arrastou o cangaceiro para uma clareira próxima, notou os valores em dinheiro, sacou seu revolver 32 e atirou na altura do ouvido do moribundo.

Quando pensava iniciar a rapinagem ouviu um tropel que se aproximava e correu da cena. Para seu espanto eram os cabras 'Juriti', 'Balão' e outro que estavam à procura do companheiro.

Perguntaram que disparo havia sido aquele, António desconversou disse que tinha sido numa cobra apontando exatamente para o local onde estava Novo Tempo. Desconfiados os cangaceiros foram checar esta informação. Neste meio tempo o vaqueiro traidor montou no seu cavalo e desembestou rumo ao encontro do patrão que estava em outra fazenda, a Santa Filomena, perto dali.

Os cangaceiros ao chegarem à clareira encontraram somente um filete de sangue que marcava a trilha de alguém que se arrastou. Seguiram e encontraram 'Novo Tempo' saciando a sede num charco onde os animais bebiam água.

Pegaram o companheiro, antes retornaram a fazenda e perceberam que o vaqueiro não estava, mas nem por isto tiveram a suspeita. Chegando a fazenda Mandassaia foram recebidos por Zé Sereno cunhado do ferido, que imediatamente prestou socorro ao colega, a esta altura mais debilitado que nunca.

Este foi tratado com os recursos do mato e experiência de Zé Sereno na troca periódica de curativos.

Recuperado. Novo Tempo contou o sucedido aos companheiros. Contou que o buraco no braço foi no Crauá. Já o do pescoço...

Aí a ordem era exterminar o vaqueiro do coronel. Que aquela altura já tinha revelado o fato a seu Antonio Caixeiro que o preparou dizendo:

- Você que se meteu nessa enrascada que sai dela. Sua família eu ajudo, mas você não, não dou um tostão por sua vida. 

O caso é que António não fugiu, retornou a lida na fazenda, naturalmente desconfiado, mas certo de que 'Novo Tempo' não havia sobrevivido a um tiro a queima roupa na “broca dos ouvidos”. E além do mais, por que Juriti e os outros não iriam lhe atribuir a culpa. Eram tantos os ferimentos do combate do Crauá que ninguém daria conta que aquele foi um acréscimo de sua parte. E tocou a vidinha pra frente.

Até que uma certa manhã foi até o curral ordenhar as vacas e de repente se viu cercado e aprisionado pelos meninos do Capitão.

Amarrado de ponta cabeça na mesma clareira que pensou ter matado 'Novo Tempo', os cabras lhe fizeram de “pendulo humano” e balançado de um lado para o outro cada cangaceiro lhe recebia com uma estocada de punhal. Sangrou até morrer, servindo de exemplo pra os que ousassem trair os cabras de Lampião.

Passado algum tempo Zé Sereno contou a Antonio Caixeiro sobre a sentença de seu vaqueiro, este repetiu o que havia falo para o mesmo.

– Eu não levantaria um dedo para defendê-lo.

Muito tempo depois logo após as entregas Sereno pergunta ao cunhado:
- Cunhado você não está estranhando este caroço no seu pescoço?
- Estou sim...

Zé Sereno então diz que é a bala de "António dos Pau Preto" e pergunta se 'Novo Tempo' quer que ele extraia a bala. Com o consentimento, Zé pega uma faca bem afiada, derrama cachaça e extrai a bala que entrou pelo ouvido cujo projétil o corpo estava finalmente rejeitando. 

'Novo Tempo' 
Morreu de velho em Minas Gerais.

Clamor por Justiça

Os desmandos e truculências não se restringiam aos mais humildes. No município de Itabi o senhor “Niro da vassoura”, importante usineiro de cana-de-açúcar, recebeu intimação para que providenciasse dinheiro para um dos subgrupos. Sem condições de atender a quantia ele fugiu antes da chegada dos bandidos, que não encontrando o proprietário e sem respostas mataram todas as rezes e atearam fogo na casa.

A revolta de seu Niro diante da negligência da justiça se fez ecoar na Capital Federal. E nosso interventor começava ser pressionado pela imprensa carioca.

Corria nos “diários” do Brasil afora que “As forças sergipanas faziam vista grossa. Evitavam os bandidos fazendo com que Lampião ficasse inteiramente à vontade pra organizar sua rede de coiteiros”. 

Nota veiculada na primeira página do Correio de Aracaju, em 26 de Junho de 1937...






Enquanto isto no agreste... 




Mais depoimentos

Por eterno respeito e gratidão ao patrão, dois dos nossos entrevistados pouco ou nada mencionaram sobre Lampião, nem sobre desmandos. Um destes que não nos autorizou divulgação de seu nome, não negou que o coronel realmente gozava da amizade com o grande bandoleiro, e tinha seu “exército pessoal de jagunços”. Natural para qualquer Coronel que se preze.

Depoimento de Mauro Valentim dos Santos, 77 anos, morador da Borda da Mata: 

Foto: Kiko Monteiro
 - Pra inicio de conversa: Seu Antonio mesmo nunca matou ninguém, viu? Apadrinhou muitos assassinos que procuravam abrigos em suas terras. Era uma 'jagunçada' da peste... Eles estavam aqui pra pastorar os arrozais, era pra mais de cem caboclos, às vezes havia rixa e morte entre eles mesmos. Faziam o serviço e enterravam por aí, pela mata.

Perguntei a ele se estas vítimas jaziam no “Apertado da hora”. (Um leito de riacho seco, cortado pela estrada de acesso à fazenda na época pelo meio da mata fechada. Que foi desova de cadáveres julgados e sentenciados da Borda da Mata podemos considerar que é um cemitério, sem covas nem sequer cruzes). O "Apertado da hora" por muitos anos foi um trecho temido pelos moradores que precisavam passar altas horas da noite. São muitas as estórias de assombrações a beira da estrada.
 - O povo fala... não é do meu tempo, devia ser ali mesmo. Mas lhe digo que era briga entre jagunços, rapaz, era muita intriga entre eles, geralmente arrastavam inimigos de outras cidades, ou daqui da redondeza pra matar aqui. 
 Seu Mauro conta o que ouviu dos mais antigos:
- Nestes últimos anos, só frequentava a Borda da Mata o capitão. Os demais ficavam acoitados na “Gruta do morador” (um coito que fica a dois quilômetros da sede da fazenda). A polícia de Alagoas uma vez chegou pelo rio com indícios de que seu Antonio estaria protegendo cangaceiros... Depois da negativa os soldados foram convidados pra janta, depois foram embora sem insistir na busca. E Lampião, estava deitado num quarto ao lado ouvindo toda a conversa.

A seta indica a localização da gruta do morador.
Foto: Kiko Monteiro
Abre sua defesa pelo médico:
- Ói sobre esta conversa de munição. As balas que Eronides mandava tanto pra Borda ou pra Jaramataia era para o pai, seu Antonio, que era para a jagunçada dele, mas só que o Coronel desviava metade para Lampião sem ele (Eronides) saber. Era assim: O Coronel é quem enchia os cartuchos do capitão, nunca o doutor. Compreende?. ..
E finaliza jogando a "batata quente" para o velho Caixeiro.
- E tem mais: Lampião recebia muita munição. Mas não era de graça, Lampião pagava, ora emprestava ou simplesmente deixava seu próprio dinheiro sob a guarda dele, assim como de outros coronéis como João Maria de Serra Negra. Esses coronéis eram os bancos né? 
Depoimento de Leôncio Rocha86 anos.

O criador da “Junça de Canhoba” uma cachaça artesanal até aí nada de anormal, mas a embalagem das garrafas pet são adornadas por notícias de jornais e filosofias populares.
Foto: Kiko Monteiro
 - Nunca fui empregado de seu Antonio. Com 13 anos de idade eu estudava, era encarregado de recolher o pagamento semanal de minha professora que era feito por seu Antonio. Eu ia até Borda da Mata só pra buscar o ordenado dela. Levava um bilhete explicando o valor e ele prontamente me atendia colocando os $2 mil réis num envelope, depois num bolso da minha camisa e prendia com um grampo para que as notas não voassem. 

Eu conversei com Seu Mauro e ele me disse que a 'jagunçada' de Antonio Caixeiro era só pra pastorar plantação de arroz?

–Antonio Caixeiro não brincava com cabra safado, tinha seus desafetos (Risos). Se soubesse de algum empregado mal intencionado que estava ali pra lhe prejudicar, dava as ordens e seus meninos 'resolviam o problema'. Era pra matar, longe da Borda e da cidade. 

Curiosamente, "o Apertado" fica ao meio a distância das duas localidades.


E sobre as balas? Eram repassadas escondidas do filho?
- O Dr. dava de bom grado, não podia recusar, devia obediência ao velho pai. Benção e obediência é duas palavras sagradas pro sertanejo, seu moço.

Um morador da cidade, a pedido de nosso guia, nos conta que conheceu pessoalmente o senhor Manoel "Macola", já falecido. Nunca escondeu dos mais chegados que serviu como pistoleiro do Coronel e um de seus serviços mais constantes era de enterrar vivo o sujeito.

Por pouco não virou cangaceira

Na nossa segunda visita, acompanhados pelo Dr. Archimedes Marques e sua esposa, Dra. Elane, tivemos a oportunidade de conversar com uma importante testemunha das ocorrências cangaceiras.

Foto: Kiko Monteiro
Laudicéia Gomes de Matos, 86 anos. Ela nos recebeu em sua casa, mas a principio, não quis mexer no passado. Trata-se de uma passagem desagradável daquelas que permanecem indeléveis na memória.

Em 1937 ela era uma adolescente de 12 anos, menina moça, cabelos compridos, gordinha, aparentava ter mais idade. Morava nos Sítios Novos, (mesmo povoado citado anteriormente por dona Gedalva).

Recorda que eram 13 horas da tarde, cuidava sozinha da bodega de seu tio. De repente do balcão ela percebe a inquietação dos moradores, viu a aproximação de um grupo de homens fardados, chapéu, armas etc. pensou que se tratava de uma força, mas eram cangaceiros.

Nada demais, a menina sabia que os cabras de Lampião não fazem mal a ninguém das terras de seu Antonio?!

Eis que um deles fitou a mocinha e foi em direção ao estabelecimento com um sorriso sarcástico.

Um senhor, que bebia percebendo o perigo que a donzela corria deu um sinal com a cabeça para que ela corresse, demorou pra perceber a instrução, mas assim que notou "fez carreira". Perseguida pelo assecla (um negro, cujo nome ela nunca soube qual era) correu e se abrigou nos fundos do cemitério despistando-o.

Depois que percebeu que estava segura rumou para casa. Lembrando que os pais estavam ausentes trabalhando na roça foi se abrigar na casa de uma tia.

Estes mesmos cangaceiros, após cometerem saques, partiram para o povoado Poçãozinho, onde houve pequena refrega com uma força. Segundo Dona Laudicéia houve uma baixa do lado dos cangaceiros, o que não pode ser confirmado.

Dias depois soube ela que o “cabra solteiro” a queria como companheira, e havia confessado a um morador da vila. Se esta era a real intenção do bandido, não se sabe. Graças a sua astúcia ela não foi mais uma vítima de estupro.

Dona Laudicéia não teve sossego, ainda passou muitos dias escondida com familiares, hora nas matas, ou nos fundos da casa. Até ter a certeza de que Canhoba estava livre, pelo menos dos cabras de Lampião.

Esta certeza só veio muito tempo depois de Angico

No histórico 28 de Julho de 1938 Eronides se encontrava no Rio de Janeiro. O jornal Correio de Aracaju de 05 de Agosto de 1938 faz a reprodução da seguinte matéria:
Procurado às 22 horas do dia 28 no apartamento 105 do Palace Hotel por um repórter dos Diários associados, para responder sobre a morte do grande bandoleiro o governador do estado simplesmente "desconhecia o fato”. 
O governo dispunha de uma estação de rádio em Monte Alegre, cidade situada a 19 km de Poço Redondo, que deve ter feito o comunicado oficial para o palácio em Aracaju. 
Em seguida Eronides teria recorrido a policia civil do Distrito Federal para passar a seguinte mensagem via rádio: - Mande notícias urgentes e detalhadas sobre a morte de Lampião no nosso território... 

A mensagem foi transmitida pouco depois da 22h30min. Porem até às 24 horas a resposta ainda não havia chegado.

Sobre o 'feliz acontecimento' ele ainda não poderia responder. Mas lembrou aos cidadãos do sudeste que:
"Sergipe nunca se descuidou do problema da perseguição ao grupo de Lampião. 
Para tal, mantinha seis turmas volantes de 16 homens, cada uma no encalço do bandido, cerca de 500 homens da força publica espalhados pelo interior, colaboravam na perseguição. 
 Caso seja confirmada a noticia, é motivo de jubilo para as populações nordestinas. Ressurgirá a tranquilidade da família sertaneja". 
Apresentou orçamentos que apontavam gastos de $200 contos de réis para manutenção das Volantes que perseguiam o Rei do Cangaço. 

30 de julho, dois dias depois do massacre, o jornal Folha da Manhã ainda apresentava dúvida quanto ao fato, todavia na coluna ao lado estavam impressos telegramas de Maceió que davam como certa a tragédia.

Em 1° de agosto finalmente o Sergipe Jornal publicava um telegrama de Eronides que ainda se encontrava no Rio de Janeiro.
RIO, 30/08/38 INTERVENTOR FEDERAL Sergipe Aracaju – Congratulo-me com o povo sergipano pela volta, nossos sertões, da tranquilidade, tão desejada para nosso crescente desenvolvimento. Abraços. 

Não localizamos alguma possível declaração do velho Antonio Caixeiro sobre a morte de seu mais ilustre hóspede. O Sr. Zé Rosendo, disse que o Coronel foi ver as cabeças e como muitos outros não acreditou se tratar de Lampião.

Vale lembrar que a força alagoana resolveu agir em solo sergipano sem comunicar qualquer manobra às autoridades locais.

Fatos posteriores
 O Nordeste 4 de agosto de 1938. 1ª página

Então, mãos a obra.


Nota na 1ª página

Após a renúncia em 1941, Eronides fixou residência no Rio de Janeiro. Foi nomeado para Juiz do Tribunal de Segurança Nacional e, em 1944, é nomeado Tabelião do 14º Ofício de Notas situado até hoje no bairro de Copacabana, administrado por seus herdeiros.

O coronel Antônio Caixeiro tomou posse como primeiro prefeito de Canhoba, exercendo o mandato até 1941. Nesse primeiro mandato, ele inaugurou o Mercado, a Prefeitura, as Escolas Reunidas “Hermes Fontes”, (Hoje Escola Estadual Dr. Eronides de Carvalho) a Matriz paroquial de “Senhor Bom Jesus dos Pobres”, a Exatoria Estadual, os açudes municipais, a agência dos Correios e Telégrafos.

Com a redemocratização do país, o coronel Antonio Ferreira de Carvalho, fora novamente eleito Prefeito Municipal, pelo voto direto e universal, para o quadriênio 1947 a 1951. Porém, em 1948, faleceu acometido de doença grave.
 O seu mausoléu no Cemitério de Canhoba. 
Onde também fora sepultada em 1946 a inesquecível D. Branca 
e também alguns dos seus filhos.
 Foto: Kiko Monteiro

E a possível novidade? 

Uma imagem inédita na literatura. Foto artística de Antonio Caixeiro quando prefeito. A original não existe, pois fora consumida por um incêndio na década de 70.  
(Cortesia de Lauro Rocha para o Lampião Aceso).

"Em 1960" Eronides construiu na Borda da Mata uma mansão a beira do velho Chico. Depois passou a ser casa de veraneio de sua filha Martha, quando vinha a terra de seus avós.

Está abandonada a pelo menos quinze anos. Soubemos que agora pertence à paróquia que pretende instalar um serviço de apoio aos assentados. A estrutura imponente e Arquitetura exuberante hoje serve apenas de morada para vespas, cupins e morcegos.



As ruínas da mansão
 Foto: Kiko Monteiro

Eronides morreu aos 73 anos em 18 de Março de 1969 no Rio de Janeiro, onde está sepultado.
Eduardo Ferreira de Carvalho o “Eduardinho” 
Foi o ultimo dos filhos de Antonio Caixeiro a falecer em 19 de Novembro de 2010 aos 98 anos.

Do rico patrimônio dos Carvalhos só restam mesmo as lembranças dos seus contemporâneos. Foi tudo vendido ou desapropriado ao longo das últimas décadas. A Borda da Mata mesmo, hoje é propriedade do MST. Outra extensão da fazenda pertence a um pecuarista da cidade. O antigo casarão de seu Antonio, no centro de Canhoba, deu lugar a uma agência Banco do Estado de Sergipe.

Quanto a Jaramataia, aí é outra história.

O autor, diante da verdadeira casa de Antonio Caixeiro
na Borda da Mata.


*Kiko Monteiro é... um botador de gás, nada mais.

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FONTES CONSULTADAS

Bibliografia:

MACEDO, Nertan. 
Lampião - Capitão Virgulino Ferreira
Editora: Renes Ano: 1975

CHANDLER, Billy Jaynes 
Lampião - O Rei dos Cangaceiros.
1ª edição, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1980.

FERNANDES, Leandro Cardoso - ARAÚJO, Antonio Amaury Correia. 
Lampião a medicina e o cangaço.
Traço Editora, São Paulo/2005

FONTES, Oleone Coelho.
Lampião na Bahia
3ª Edição. Editora Vozes, Petrópolis/RJ, 1999

BONFIMLuiz Ruben F. de A. 
Lampião e os interventores
Graf Tech, 2007.

DANTAS, Sérgio Augusto de Souza 
Lampião - Entre a Espada e a Lei
Edição do autor, 2008.

SOBRINHO, Antônio Corrêa
O Fim de Virgulino Lampião
Edição do autor, 2008

BASSETIJosé Sabino / MEGALE, Carlos César. 
Lampião - Sua morte passada a limpo. 
Editora Nova Consciência, São Paulo, 2011.

MELLO, Frederico P. de. 
Estrelas de Couro - A estética do cangaço
Escrituras 2010
 
Textos, jornais e websites

Sertão Sangrento: Luta e ResistênciaJovenildo Pinheiro de Souza. 

Blog Outra Versão página de Marcelo Domingos de Souza

Antônio Ferreira de Carvalho por Lauro Rocha de Lima, Advogado aposentado, filho de Canhoba. Escritor filiado ao Movimento de Apoio Cultural da Academia Sergipana de Letras.

Centenário de Eronides de Carvalho. Excelente resumo da sua trajetória política, pesquisa do Prof. Milton Barboza da Silva, disponível no Blog do autor

Lampião em Sergipe II. Luis Antônio Barreto in Infonet

Jornais locais - Acervo digitalizado do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Jornais Folha da noite e Folha da Manhã Acervo Folha

Dicionário Biográfico de Médicos de Sergipe 

Gazeta de Propriá


Agradecimentos e créditos especiais

Pelo empenho, atenção e amizade dos nossos anfitriões a Família Ferreira, Dayana, Sr. Magno (nosso guia local), Sra. Erivania e Magno Filho.

Simão, então secretário de Cultura de Canhoba.
  
Aritana Divino (Neta de Dona Laudicéia)

Ao pesquisador e confrade Dr Archimedes Marques, no afã de obtermos esta fotografia do célebre Antonio Caixeiro, junto ao pesquisador Lauro Rocha. E a sua esposa, nossa amiga Dra. Elane Marques pela companhia em nossa segunda incursão.

E ao monsieur Rostand Medeiros pelo olho clínico e revisão.