Seguidores

sábado, 11 de julho de 2020

MORENO E A VINGANÇA IMPLACÁVEL DE LAMPIÃO

Por José Romero de Araújo Cardoso

Sebastião Pereira e Silva (Sinhô Pereira) ocupa posição destacada na grande saga do cangaço nordestino, tendo sido um dos seus comandantes. Era neto de Andrelino Pereira, o Barão do Pajeú. Em suas andanças pelo sertão, na vida bandoleira, Sinhô Pereira se comportou como homem honesto e nobre, tendo como meta a vingança de dois parentes, vítimas da violenta luta entre as famílias Pereira e Carvalho, que encharcou de sangue e ódio o vale do Pajeú, desde o ano de 1848.

Sob o comando de Sinhô Pereira, como chefe de cangaço, esteve Joaquim Laurindo de Sousa, cearense nascido m Missão Velha no ano de 1898, que passou a ser conhecido pelo apelido de Moreno, devido a cor da sua pele.  Ele se destacou como cabra de confiança do seu chefe, entre tantos que compunham o bando cangaceiro.

 Antes de ingressar no cangaço, sob as ordens de Sinhô Pereira, Joaquim Laurindo residiu na fazenda Bom Nome, na comarca de Vila Bela (hoje Serra Talhada, Estado de Pernambuco), de propriedade de João (Janjão) Pereira, irmão de Sinhô Pereira, onde conheceu e fez amizade com muitos cangaceiros, mais tarde seus companheiros na vida bandoleira.

 Numa festa no Bom Nome, Joaquim Laurindo conheceu, em meados de 1914, uma moça de nome Luísa Alves Batista, filha do vaqueiro Tomás, misto de agregado e capataz da fazenda Pitombeira, também situada na comarca e Vila Bela, pertencente a Antônio Pereira, filho do Barão do Pajeú e tio de Sinhô Pereira. Havia inimizade entre os dois por causa de divergências corriqueiras.

Desde logo, Joaquim Laurindo começou a namorar a filha do vaqueiro Tomás, contra a vontade do “Coronel” Antônio Pereira, que para ela tinha um outro pretendente ao casamento. Luísa estava decidida a se unir por laço matrimonial ao jovem cearense de Missão Velha, o que de fato aconteceu, acompanhando-o até o fim de sua jornada de infortúnios.

Luísa Alves Batista nasceu no dia 25 de agosto de 1894, na fazenda Pitombeira, onde se criou, possuindo razoável grau de instrução para a época. Como Joaquim Laurindo era analfabeto, ela logo tratou de alfabetizá-lo aos pouco, conseguindo bons resultados.

Apesar da oposição do “Coronel” Antônio Pereira, Luísa e Joaquim Laurindo se casaram em 1916 e foram residir na fazenda de Janjão Pereira, porque nenhum outro proprietário de terras da comarca de Vila Bela ousaria aceitar o casal como seus moradores, para não desagradar o intransigente dono da fazenda Pitombeira.

Logo após o casamento, deu-se o ingresso de Joaquim Laurindo no bando de Sinhô Pereira, pois a fazenda Bom Nome era um dos coitos preferidos pelo grupo.  Um outro local de concentração de cangaceiros na comarca de Vila Bela, era a fazenda Abóboras, pertencente ao “Coronel” Marçal Florentino Diniz, mais tarde propriedade do “Coronel” José (Zé) Pereira Lima, genro e cunhado do antecessor.

Então, já com o apelido de Moreno, Joaquim Laurindo serviu lealmente a Sinhô Pereira em seus propósitos cangaceiros. No bando, Moreno conheceu e conviveu com importantes companheiros, entre os quais Virgulino Ferreira da Silva (Lampião) e seus irmãos.

A primeira retirada de Sinhô Pereira para o Estado de Goiás ocorreu em dezembro de 1918. Por isto, Moreno decidiu abandonar o cangaço, indo se fixar no Barro (Estado do Ceará), onde não chegou a desfrutar da proteção do “Major” José Inácio de Sousa. Em março de 1920, com o retorno de Sinhô Pereira ao sertão do Pajeú, Moreno voltou à vida cangaceira, nela permanecendo na companhia do seu chefe, até que se largou em definitivo o cangaço e regressou a Goiás, o que se deu no dia 8 de agosto de 1922. Em decorrência disto, o bando passou a ser comandado por Lampião.

Moreno, então, recebeu convites entusiásticos, da parte do novo chefe, para permanecer no cangaço, não os tendo levado em consideração. Tal recusa lhe trouxe a aversão de Lampião.

Depois disso, Moreno e sua família passaram a morar na fazenda Saco dos Caçulas, pertencente a Marcolino Pereira Diniz, situada nas proximidades do povoado Patos de Irerê, no município de Princesa (Estado da Paraíba). Ele logo mereceu a confiança de todos que ali viviam, dedicando-se tão-somente à agricultura e ao pastoreio. Por sua vez, Luísa muito se aproximou da senhora Alexandrina Pereira Lima (Dona Xandu), esposa e sobrinha do “Coronel” Zé Pereira Lima, a ponto de se tornar a sua queijeira preferida.

Na fazenda Saco dos Caçulas, Luísa tratou do calcanhar de Lampião, com ervas medicinais recomendadas pelo doutor Severiano Diniz, após o tiro que o bandido recebeu da volante de Teófanes Ferraz Torres.

Naquela época, o município de Princesa era procurado por cangaceiros de todas as procedências, o que explica os freqüentes encontros de Moreno com os seus antigos companheiros.

Antônio Augusto Correia (Bagaço e depois Meia-Noite) foi um dos bandidos que compunham o bando de Sinhô Pereira. Durante algum tempo ele se fixou em Patos de Irerê, trabalhando nas moagens dos engenhos de rapadura e aguardente do “Coronel” Marçal Florentino Diniz. De dia era um simples trabalhador nos canaviais e moendas, voltando a ser bandido à noite, quando roubava propriedades rurais de outros municípios, razão do seu segundo apelido.

Engajado no bando cangaceiro chefiado por Chico Pereira, Chico Lopes e os irmãos de Lampião (Antônio e Levino Ferreira), Meia-Noite se encontrava entre os cabras que atacaram a cidade de Sousa (Estado da Paraíba), no dia 27 de julho de 1924. Juntamente com o cangaceiro Paizinho, ele cometeu os maiores desatinos contra o juiz de Direito daquela comarca sertaneja.

De regresso ao município de Princesa, Meia-Noite se casou com uma mulata, Maria Alexandrina Vieira, filha de um morador do Saco dos Caçulas, o que ocorreu sob os protestos do Padre Floro Florentino Diniz.

Perseguido por forças volantes, Meia-Noite e sua esposa se homiziaram no sítio Tataíra, situado em área fronteiriça dos municípios de Princesa e Triunfo (Estado de Pernambuco). Ali, uma tropa de cachimbos contratada pelo “Coronel”  Zé Pereira lhes deu cerco numa casa-de-farinha, resultando em intenso tiroteio. Meia-Noite e sua mulher resistiram galhardamente, tendo ele abandonado o refúgio somente quando as forças policiais e civis aquarteladas na serra do Pau Ferrado, comandada pelos Tenentes Manuel Benício, Clementino Quelé e Francisco de Oliveira, se deslocaram para o sítio Tataíra, formando um efetivo de 84 homens cercando o cangaceiro. Este fugiu após ter deflagrado 496 cartuchos de fuzil Mauser DWN, modelo 1912. Maria Alexandrina foi presa e escoltada para a cadeia da cidade de Princesa (Almeida, 1926: 65-67).

Com muito esforço, ferido gravemente, Meia-Noite conseguiu chegar ao Saco dos Caçulas, onde Luísa Alves Batista o atendeu compadecida, dando-lhe uma cuida d´água. De imediato, o bandido foi transportado para local ermo e afastado da sede da fazenda, onde foi assassinado por um cabra conhecido por Tocha, ou Antônio Lalau, morte ordenada por Manuel Lopes Diniz. Este era inspetor de quarteirão do povoado de Patos de Irerê, sendo homem da inteira confiança de Marcolino Pereira Lima e chefe da guarda pessoal do “Coronel” Zé Pereira Lima.

Lampião acusou Moreno de ser cúmplice da morte de Meia-Noite, o que não era verdade. Segundo consta, Moreno apenas acompanhou a esposa do cangaceiro até a cadeia de Princesa, como medida de proteção, pois ela estava em mãos de verdadeiras feras humanas.

Com a experiência adquirida na militância no cangaço, Moreno deve ter pressentido a fúria de vingança implacável que poderia se abater sobre ele, pois bem conhecia a personalidade e a periculosidade de Virgulino Ferreira da Silva (Lampião). Por isso, tratou logo de se engajar em forças volantes aquarteladas em Princesa, em campanha de combate ao banditismo, forte e ostensivamente organizada pelo governo do Estado da Paraíba, na presidência de João Suassuna (1924-1928).

Moreno permaneceu como soldado até a eclosão da revolta de Princesa, quando desertou da sua tropa para servir sob o comando dos chefes da sedição.

Comandado por Marcolino Pereira Diniz, ele encontrou na luta armada antigos companheiros do bando de Sinhô Pereira, entre os quais se destacaram os cabras Luís do Triângulo e Chocho. Tornou-se um dos maiores cabos-de-guerra, tendo participado da tomada de Patos de Irerê, pois esta localidade foi invadida por forças legalistas, com o objetivo de transformar em reféns os membros de famílias importantes ali residentes.

Era intenção de tais forças legalistas marchar em direção a Princesa, usando mulheres reféns como escudos humanos. Entre estas se encontrava a senhora Alexandrina (Xandu) Douetts Diniz, esposa de Marcolino Pereira Diniz, acompanhada de outras mulheres de tradicionais famílias de Princesa.

Na luta pela posse de Patos de Irerê, a tropa da Polícia Militar da Paraíba sofreu as maiores baixas, pois foram devastadoras as investidas dos sediciosos, para libertação dos reféns, resultando na derrota dos legalistas, comandados pelo Tenente Raimundo Nonato.

Moreno também participou do cerco ao povoado Tavares, onde se desenrolaram lances trágicos e desumanos. Os revoltosos usaram de todos os artifícios para dizimar a coluna legalista ali aquartelada, ficando oficiais e soldados em condições vexatórias até o final da luta.

Após o assassinato de João Pessoa, ocorrido em 26 de julho de 1930, Moreno perambulou com a família pelos sertões de Pernambuco e Alagoas, indo se fixar no povoado alagoano de Matinha de Água Branca.

Há tempos Lampião estava agindo na área fronteiriça dos Estados de Pernambuco e Alagoas, onde quase conseguiu por as mãos no “Coronel” Zé Pereira Lima, quando este palmilhava o sertão, juntamente com o mestre Abílio da Metralhadora, fugindo da fúria vingadora dos liberais, fanatizados com a vitória da Revolução de 1930.

Ao saber que Moreno estava residindo em sua área de atuação, renasceu o ódio que Lampião tinha pelo antigo companheiro de cangaço.

Na fazenda Croatá, situada nas proximidades de Matinha de Água Branca, propriedade de João Marques Sandes, ligado por laços de parentesco à Baronesa de Água Branca, Moreno viveu aparentemente sossegado, co a sua família, até o dia 13 de fevereiro de 1936. Na fatídica noite daquele dia, Lampião com a sua caterva o aprisionou em sua própria casa. Em seguida, foi amarrado e minuciosamente inquirido em frente a uma fogueira acesa pelo bando. Depois, Moreno foi fuzilado, tendo o serviço sido executado pelo cangaceiro Chumbinho.

 Dessa forma, Lampião agia inexoravelmente com os seus desafetos, independentemente de qualquer projeção espacial ou temporal. Como sempre acontecia, sua vingança era implacável e terrível. Para Lampião, apenas a morte pagava uma traição.

Em carta datada de 3 de março de 1978, procedente de Lagoa Grande, distrito de Presidente Olegário (Estado de Minas Gerais), dirigida a Luísa Alves Batista, Sinhô Pereira confessa que já não tinha boa vontade com Lampião, devido aos assassinatos de Zé Nogueira e Moreno. A morte de Zé Nogueira foi um episódio hediondo, protagonizado por Lampião e seu irmão Antônio, tendo ocorrido o crime no dia 23 de fevereiro de 1926, na fazenda Serra Vermelha (Serra Talhada – Estado de Pernambuco).

Agradecimentos: Agradeço as entrevistas que me concederam Madalena de Sousa, Rita Maria de Sousa e José Laurindo de Sousa, filhos de Joaquim Laurindo de Sousa (Moreno) e Luísa Alves de Sousa. Igualmente agradeço a Hermosa Goes Sitônio, Belarmino Medeios e Zacarias Sitônio, testemunhas oculares dos fatos históricos ocorridos em Princesa, referidos neste estudo, pelas entrevistas a mim concedidas.

Bibliografia selecionada.
Entrevistas pessoais:

Medeiros, Belarmino. João Pessoa, 15 de maio de 1993
Sitônio, Hermosa Goes. João Pessoa, 15 de maio de 1993
Sitônio, Zacarias. João Pessoa, 15 de maio de 1993
Sousa, José Laurindo de. João Pessoa, 13 de junho de 1993
Sousa, Madalena de. João Pessoa, 21 de abril de 1993
Sousa, Rita Maria de. João Pessoa, 21 de abril de 1993
Referência bibliográfica
Almeida, E. – 1926 – Lampeão – sua história. Imprensa Official, 130 pp., [6] ests., Parahyba (João Pessoa).
 Publicado no D. O. Leitura – São Paulo, 12 (143) abril de 1994, p. 4.
* José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Professo-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UERN).


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

DOIS CORONÉIS DO CANGAÇO NA BAHIA

Por José Mendes Pereira
Coronel Petronillo de Alcântara Reis de Santo Antônio da Glória. Foto do acervo do professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio. - http://cangaconabahia.blogspot.com

O coronel Petronillo de Alcântara Reis era lá de Santo Antonio da Glória no Estado da Bahia, cidade que segundo o escritor João de Sousa Lima desapareceu do mapa pelas barragens do Rio São Francisco. O coronel Petronillo comprou propriedades e animais em sociedade com o capitão Lampião e findou o traindo, porque o coronel foi esperto, registrou as propriedades somente em seu nome.


Rarissima foto de Santo Antonio da Glória, Bahia. Era a cidade de referência, no alto Sertão. Foto do acervo do escritor João de Sousa Lima 

O capitão Lampião quando tomou conhecimento da safadeza feita pelo coronel Petronillo de Alcântara Reis não gostou nem um pouquinho, e com isso, jurou matá-lo. Mas não conseguiu, porque antes que a desgraça acontecesse o coronel foi mais esperto do que ele. Foi embora para o Estado de Alagoas. Com o passar dos tempos Lampião deixou pra lá, não iria mais fazer vingança  pela covardia do dito coronel.


O rei Lampião

Acho eu que ele imaginou que não valia a pena perder tempo com quem não tinha palavra e responsabilidade. É possível que ele tenha dito: "- Sou bandido, sou cangaceiro, mas sou homem e cumpro com a minha palavra. O homem não é obrigado dar a sua palavra, mas se der, tem que cumprir. Eu cumpro!".

João de Sousa Lima

Mas o escritor e pesquisador do cangaço João de Sousa Lima diz em um dos seus trabalhos que em 1928, quando  Lampião saiu de Pernambuco para o Estado da Bahia, um dos seus primeiros contatos foi com o coronel Petro, que era uma figura importante, sendo o chefe político de Santo Antônio da Glória.

Diz ainda o escritor que quando houve na Baixa do Boi em Paulo Afonso a batalha que nela foi assassinado Ezequiel Ferreira da Silva, o irmão mais novo do capitão e último que fez parte do cangaço, Lampião achou em um dos bolsos de um policial que foi morto no combate, um bilhete do coronel Petro endereçado ao comandante da volante, e neste estava escrito  onde eram os esconderijos dos cangaceiros.

Ezequiel Ferreira da Silva irmão de Lampião

Logo Lampião arquitetou sua vingança sem dó, com muito ódio e grandes prejuízos. Iniciou de tal forma perversa, incendiando em torno de 18 fazendas do coronel Petronillo de Alcântara Reis, começando por Glória, em seguida cruzando o Raso da Catarina, além de tocar fogo nas fazendas o capitão Lampião  matava os pobres animais.

Segundo Guilherme Alves o ex-cangaceiro Balão em entrevista à "Revista Realidade" em Novembro de 1973, disse que o povo pensa que o capitão  Lampião matava por qualquer coisa. Mas nunca ele viu Lampião mandar matar alguém a sangue frío. E as fazendas por ele destruídas eram dele mesmo. 

O cangaceiro Balão

Diz Balão que o rei Lampião havia comprado as terras em sociedade com um tal de coronel Petronillo de Alcântara Reis, as quais eram Tronqueira, Cachoeirinha, Formosa..., mas ele as registrou apenas em seu próprio nome, e com este tipo de sabotagem Lampião zangou-se. " - Eu mesmo ajudei a matar muito gado a tiro na Cachoeirinha" - afirmou ele.

Acredita-se que o coronel Petronillo Reis como estava com medo da vingaça do capitão Lampião de imediato fugiu para  o Estado de Alagoas, no nordeste do Brasil, que nesse tempo, o perverso e sanguinário capitão já havia saído das terras alagoanas e estava reinando em outros Estados. 


Conheça o Raso da Catarina clicando neste link abaixo: 


Coronel Antônio de Souza Benta
 Coronel Antonio de Souza Benta - Foto do acervo do professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio. - http://cangaconabahia.blogspot.com

Antônio de Souza Benta era natural de Chapada Velha, município de Brotas de Macaúbas. Ele originalmente veio para o Ventura, onde se estabeleceu em um garimpo que o permitiu ficar rico. Posteriormente mudou-se para Morro do Chapéu.

De sua união com Honestina Virgília Benta, em 1895, nasceu um filho, de nome Flodoaldo de Souza Benta, que morreu em 11.09.1917, aos 21 anos de idade, na fazenda Roça Grande, situada entre o Ventura e Bela Vista (hoje Utinga). O cavalo que montava foi beber água, tropeçou, atolou e caiu por cima do mesmo. O rapaz cursava o segundo ano de engenharia civil em Salvador.

O coronel teve outro filho José de Souza Benta, formado em direito em 1919, com Josepha Maria D’Assumpção. Em 13.01.1925 o jornal A TARDE noticia que o Dr. José Benta suicidou em Mucugê. Era ex-juiz de Remédios e foi injustamente acusado de desvio de 20 contos de réis da uma casa comercial. Após a morte de Flodoaldo o coronel Benta criou um menino de nome Remo. 

Benta era um grande amigo, seguidor politico e braço armado do Coronel Dias Coelho.

Os coronéis da região quando tinham qualquer caso de crime mandavam o jagunço para Dias Coelho abrigar em Morro do Chapéu. Dias Coelho mandava esses criminosos para o coronel Benta, que era seu homem de armas e possuía garimpos na serra de Martim Afonso onde mantinha as despesas de mais de 100 homens, que eram garimpeiros e jagunços. Se um criminoso ia para lá, para trabalhar, e não obedecia as ordens ele mesmo tinha que abrir sua sepultura.

Benta exerceu o cargo de Intendente no periodo de 1904-1906. Com a morte de Dias Coelho, em 1919,  vplta a assumiu, a prefeitura, no período de 19.02 – 10.04.1919, numa fase agitada, em face da existência de uma forte oposição política, que  havia implantado o “Pequeno Jornal”, dirigido por Adelmo Pereira e seu filho Osvaldo Dourado Pereira, para divulgação de suas idéias.

Na eleição de 1923, os partidários do coronel Benta apresentaram como candidato ao cargo de intendente, o coronel José Martins de Araújo, de Canabrava do Miranda (atual Canarana), que concorre com o professor Faustiniano Lopes Ribeiro. A eleição gera um impasse, pois ambos os candidatos se declaram eleitos. O Senado Estadual decide a questão, reconhecendo a eleição do professor Faustiniano. Esse fato gera o início de uma fase politicamente muito agitada, inclusive com a vinda da capital de uma força policial, comandada pelo tenente Macedo, em apoio ao prefeito, correligionário do governador Góes Calmon. Essa crise tem como consequência a criação do municipio de Irecê.

O coronel Benta foi membro da Comissão Pacificadora das Lavras Diamantinas, nos conflitos em torno do coronel Horácio de Matos, em 1920. Em 30.01.1922, o coronel Benta e sua esposa se mudaram para Senhor do Bonfim.

Muritiba et. al. (1997) citam que na época em que apoiou com jagunços o coronel Galdino César de Moraes (1857-1946), na sua luta armada contra o coronel Ernestino Alves Pires, em Jacobina, o Coronel Benta se orgulhava de ser capaz de ter ao seu dispor 450 homens .

Tavares (2001) cita que nos primeiros dias da revolução de 1930, telegramas do presidente Washington Luis, de Pedro Lago, governador eleito, e de outros políticos baianos, convocaram coronéis da Chapada Diamantina, do São Francisco e do Sudoeste a enviarem homens armados para engrossar as forças governistas. Quase todos atenderam ao apelo acreditando ser uma repetição da luta contra a Coluna Prestes.

Cunegundes (1999) cita que após a revolução de 1930, o coronel Benta foi preso em Feira de Santana, por comandar um Batalhão Patriótico para combater as forças revolucionárias que pretendiam, como obtiveram, a deposição do presidente Washington Luiz. Anos depois, durante uma campanha política, o governador Juracy Magalhães, de passagem por Morro do Chapéu, ficou hospedado na sua casa e sempre repetia a pergunta: o que é que o senhor quer do meu governo? Benta então dizia: eu não quero nada. O senhor mandou me prender. Portando considere-se hospede apenas da minha esposa e não meu convidado Por mais que Juracy explicasse que a ordem de prisão não partira dele, Benta não mudou de idéia.

Antônio de Souza  Benta foi o primeiro proprietário de carro em Morro do Chapéu, um caminhão apelidado de Leão do Norte.

Uma reunião realizada em Duas Barras, em dezembro de 1935, deliberou encaminhar aos poderes competentes, o pedido para mudar o nome dessa localidade para Souza Benta.

O coronel Antônio de Souza Benta faleceu em Morro do Chapéu, em 23.02.1946. A sua importância histórica para Morro do Chapéu é muito relevante. Sob sua liderança a cidade viveu a crise politica que resultou na criação do município de Irecê, a passagem da Coluna Prestes, a passagem de Lampião e a Revolução de 1930.

Benta também foi um destacado construtor de estradas, muitas vezes aplicando recursos proprios.



http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

25 DE DEZEMBRO DE 1929, NO “DIARIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA”


Do acervo do professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio

SECRETARIA DA POLICIA
Portaria

O Secretario da Policia e Segurança Publica, no uso de suas attribuições, tendo em vista o art.11 da Lei n.1897, de 2 de agosto de 1926, resolve designar o bacharel em direito João Mendes da Costa Filho, delegado de policia do termo séde da comarca de Maragogipe, para em commissão proceder o inquerito de referencia aos crimes commetidos na Villa de Queimadas, da comarca do Bomfim, por Virgolino Ferreira da Silva, vulgo “Lampeão” e outros, para onde deverá se transportar, afim de apurar as responsabilidades dos seus auctores e bem assim, de quantos prestaram auxilios para a practica desses crimes.

Secretaria da Policia e Segurança Publica, em 24 de Dezembro de 1929
Bernardino Madureira de Pinho


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

SINHÔ PEREIRA: O PROFESSOR DE LAMPIÃO


(João Pernambucano)-Republicação
Sinhô Pereira (sentado) e seu primo Luis Padre.

Embora tenha dito certa vez que Lampião já entrou no cangaço sabendo o que fazer, Sinhô Pereira foi determinante para a fortificação do movimento sob o comando de Virgolino.

Sebastião Pereira e Silva nasceu em Serra Talhada, Sertão pernambucano (mesma cidade de Lampião) no dia 20 de janeiro de 1896. A família Pereira tinha posses e descendia do Barão do Pajeú Andrelino Pereira da Silva, condecorado assim por D Pedro II em 1888.

Os conflitos com a família Carvalho eram intensos e praticamente atravessaram o século 19. No início do século 20, Luis Padre (primo de Sinhô Pereira) tem seu pai assassinado em um dos confrontos. O irmão de Sinhô Pereira, Né Pereira, lidera o grupo da família nos intermináveis conflitos que seguiam sem parecer ter fim.

Certa ocasião, Né Pereira (conhecido como Seu Né) recrutou Zé Grande para eu bando. Zé Grande era ex-jagunço dos Carvalho. Passou um tempo preso e após fugir, foi pedir guarida com os Pereiras. Talvez Né Pereira acreditasse que ganharia um grande trunfo, já que o jagunço conhecia detalhes dos seus antigos patrões. No entanto, a história foi outra: Né Pereira tirava um conchilo, quando Zé Grande, aproveitando a oportunidade, o assassinou.

Conta-se que ainda levou o chapéu e o punhal de Seu Né e levou para mostrar aos Carvalhos, na Fazenda Umburanas.

Foi o estopim. E ocasionou na entrada, de vez, de Sinhô Pereira e Luis Padre no Cangaço. Com fúria e revolta pela impunidade, montaram um bando numeroso e com muita sede de vingança.

Os conflitos ganharam proporções muito mais pesadas. Um dos ataques mais furiosos do bando de Sinhô Pereira foi às Fazendas Piranhas e Umburanas, de propriedade dos Carvalho.

O local foi cercado, iniciou-se um combate que durou quase duas horas.

As baixas com feridos começaram a acontecer dos dois lados, quando Sinhô Pereira resolveu incendiar os roçados das fazendas. Queimou uma pequena vila de 14 casas dos agricultores que trabalham nas terras dos Carvalhos. Em seguida matou algumas criações e destruiu os pequenos açudes para os peixes morrerem sem água.

O cenário era de destruição total. A família Carvalho fugiu. Mudou-se. Mas logo em seguida, devido às influências políticas que tinham, passaram a perseguir o bando do Sinhô Pereira com ira.

O bando de Sinhô Pereira não concretizava vingança apenas dos seus líderes. Os integrantes buscavam suas vinganças pessoais e a guerra só aumentava. Como aconteceu no embate na fazenda Santa Rita, que também foi totalmente destruída pelo bando num acerto de contas.

Foi nesse cenário que Sinhô Pereira recebeu a visita de Virgolino e seus irmãos, querendo entrar no bando para vingar a morte do seu pai. Há quem diga que Lampião já integrava grupos de cangaceiros antes do pai morrer. Mas Sinhô Pereira afirmou em uma entrevista no início da década de 1970, que pelo menos em relação a seu grupo, a entrada de Lampião no cangaço só se deu após a morte do pai.

Em 1922, em outro combate intenso e já com Lampião totalmemte adaptado ao bando, aconteceu a morte de Antônio das Umburanas, que tinha forte influência na região. Foi aí que Sinhô Pereira resolveu por fim ao seu legado no Cangaço. Em junho daquele ano, em Serrita (PE), passou o comando a Lampião. Ordenou-lhe, porém, que ninguém da família Pereira seria incomodada pelos cangaceiros.

Virgolino prometeu e cumpriu.

Por acompanhar Sinhô Pereira nas negociações com grandes fazendeiros e outras táticas importantes fora dos combates e tiroteios, Lampião assimilou todo o aprendizado e os aperfeiçoou ainda mais. Sinhô Pereira disse que entregou o comando a Lampião por saber que ele seria o único capaz de levar adiante as lutas do cangaço.

Financiados por Isidoro Conrado e Né da Carnaúba, Sinhô Pereira e Luis Padre viajaram para Goiás, com a chance de recomeçarem a vida. E, sem explicar detalhes, Sinhô Pereira afirmou que não foi nada fácil.

Os anos se passaram e cada um seguiu seu rumo. Luis Padre manteve-se em Goiás. Sinhô Pereira foi para Minas Gerais, onde viveu até cumprir seu ciclo. Morreu em dezembro de 1979. Antes, em 1971, visitou Serra Talhada, cercado de lembranças e emoções. Boas e ruins.


http://blogodmendesemendes.blogspot.com

CONHECER AS RAÍZES

*Rangel Alves da Costa

Como já dizia o Coronel Tibúrcio Tertuliano nos tempos idos, assim que se aboletava na sua cadeira de balanço de varanda e poder, nada melhor que reinar em meio a um povo esquecido. E ajuntava: Aquele Euclides estava errado. O sertanejo não é antes de tudo um forte, mas antes de tudo um povo esquecido. E quem não tem mente para o passado não pode conhecer o presente, eis que tudo uma boiada num caminho só.
Jamais reconhecerei sua patente, mas não posso deixar de dar razão ao coronel. O sertanejo é um povo esquecido mesmo. Não só esquecido como alheio à sua realidade, até mesmo ausente do chão onde pisa. O viver para o momento o torna, além de alheio perante a realidade passada, também um descompromissado com o presente. Ora, acaso não volte seu olhar às raízes, às promessas, ao que ainda não foi feito por completo, ou sequer terá como reconhecer a si mesmo.
Nascer, crescer e viver num determinado lugar não significa muito se a pessoa não reconhece o seu berço e tanto faz ter nascido ali como noutro lugar. Deve haver um compromisso umbilical entre o sujeito e o seu chão, e ajuste este que envolve o conhecimento não só dos antepassados como da realidade presente. É como se um livro tivesse que estar sempre aberto para que jamais se afaste tanto das lições como dos novos escritos.
Com efeito, o sertão é desconhecido pelo próprio sertanejo. Não na generalidade de seus habitantes, mas grande parte pouco ou quase nada conhece de sua história, sua saga de lutas, sua geografia diferenciada, sua imensa riqueza cultural, as manifestações e tradições próprias de seu povo. Não conhece as raízes, olha para o passado somente até onde vão seus avôs e sequer possui a devida preocupação com o presente e os destinos de sua nação encourada.
Os mais velhos ainda cuidam de sua história, de sua memória, daquilo que lhe fez proveito. Muitas vezes, seus instantes presentes nada significam senão o espelhamento do passado. De seus presentes apenas fazem a devida comparação. Então dizem que antigamente era assim, que tudo era diferente e nada sequer parecido com a realidade de agora. Convive com o novo, mas sem jamais se esquecer daquilo que lhe acompanhou ou foi de serventia na caminhada. Porém nem todos de mais idade são assim, vez que muitos se declaram desapartados do tempo e até se negam a recordar.
Com os mais jovens, então tudo se deslancha mesmo. Para a maioria dos jovens, o ontem já passou e nenhuma valia terá recordar. Para estes, o passado é coisa tão velha que poderá até envelhecer se olhar pra trás. E assim se descompromissam totalmente com a realidade de sua cidade, seu município ou sua comunidade, pois apenas existindo sem ao menos saber de onde veio, quais as profundezas de suas raízes e de onde vem sua história.
Jamais deveria ser assim. Mas também culpa das escolas que não ensinam como deveriam ensinar. E assim porque há o repasse de conteúdos gerais sem haver a mínima preocupação com a história ou geografia local. Datas importantes, percursos de lutas, figuras ilustres, como o povo foi gestando na comunidade, como se deu a formação da povoação, nada disso parece ser importante para ser ensinado como conteúdo escolar. Então os alunos entram e saem da escola sem conhecer a realidade de seu próprio mundo.
Por isso mesmo que o sertão, lugar de tantas lutas, tantas histórias e tantas vultosas memórias, está ficando cada vez mais desconhecido, e para o seu próprio filho, o sertanejo. Não se valoriza mais nada. Manifestações culturais e tradições culturais, ao invés de serem permanências no povo, tornaram-se objeto de pequenos grupos, que pelo viés artístico ainda propagam suas existências. Não interesse sequer em saber como sua povoação foi fundada, como se deu a povoação até chegar ao presente, como tudo se encaminhou para se achegar onde chegou.
Por isso mesmo que não há mais autêntico forró-pé-de serra, não há mais brincadeiras noturnas, não há mais ciranda, cavalo de pau ou boneca de pano. As tecnologias surgidas foram trazendo consigo o dom de apagar o passado. E, como um quadro de giz, o sertão e sua história vão sendo apagados a cada dia. A moda é o modismo, o sertanejo vive segundo os ditames televisivos ou dos grandes centros urbanos. Muitos até renegam suas origens e se transmudam para o mundo que não é seu.
E o preço de tudo isso é sempre cobrado em dobro. Gerações inteiras alheias ao seu mundo e forjando realidades que não são condizentes com sua própria realidade. No intuito de querer inovar demais ou querer ser outro a todo custo, outro futuro não haverá senão o de serem engolidos pelo nada. O abismo do nada que aguarda a todos.
       
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

FLOR DO CANGAÇO


Por Hamilton Santos
Esta foto de Maria Bonita pertence ao acervo do escritort João de Sousa Lima

Morena bonita e cheirosa
Andar enfeitiçado, dengosa.
Até o mais descrente dos ateus,
Diante do teu corpo formoso
Das coxas roliças e dos olhos fogosos,
Acredita: És obra de Deus.

Deixa a chuva lavar o teu corpo
Deixa o orvalho dá viço a teu rosto
Te enche de amor de fêmea no cio,
Que o inverno vai chegar de repente,
E vem com teus beijos ardentes
Preencher o meu rancho vazio.



http://blogodmendesemendes.blogspot.com

RÉQUIEM PARA LAMPIÃO BASTIDORES DE UM DOS MELHORES DOCUMENTÁRIOS SOBRE O REI DO CANGAÇO

Cineasta Maurice Capovilla

Uma medida da liberdade que tínhamos no Globo Repórter foi a experiência de mistura de linguagens proposta, em 1975, por O último dia de Lampião. O projeto, que considero um dos meus melhores trabalhos para a TV, partiu de uma vasta, mas dispersiva pesquisa de Amaury Araújo sobre o fenômeno do cangaço.
O que mais me interessou foi a indicação de testemunhas ainda vivas dos dias finais de Lampião no esconderijo de Angicos, em Sergipe, onde parte do bando foi dizimado. Não se tratava de ouvir dizer, mas de encontrar remanescentes capazes de falar diretamente para a câmera.

Escolhido o episódio da morte do mito, ocorreu-me a ideia de não apenas fazer um documentário baseado na pesquisa e nos depoimentos, mas usar tudo isso como base para uma dramatização dos conflitos daquele dia fatídico. Ainda em São Paulo, encontrei Zé Sereno e sua mulher, Sila. Zé Sereno era o segundo ou terceiro homem na hierarquia do bando, detentor da inteira confiança de Lampião. Entrevistei-o no leito de um hospital. Sila, que era a costureira do bando e havia convivido intimamente com Maria Bonita, não só deu testemunho como também foi contratada para fazer os figurinos do filme. Sila mandou um bilhete para Dadá, a companheira de Corisco, na Bahia, pedindo que ela nos ajudasse com os chapéus, alpercatas e apetrechos de couro, sua especialidade.

Sila
Zé Sereno
A reconstituição deveria ser o mais fiel possível aos acontecimentos. Cruzamos depoimentos para confirmar cada informação. Não apenas entre os cangaceiros, mas até do lado da volante. O único dado assumidamente imaginário é a hesitação do Tenente João Bezerra da Silva, chefe da volante, em matar Lampião.

Eu não tinha depoimento direto a respeito disso, apesar de a pesquisa do Amaury apontá-lo como o coiteiro-mor, vendedor de armas para o próprio Lampião. E ainda havia uma estranha coincidência: ambos teriam nascido no mesmo dia e na mesma hora. Aquela perseguição tinha algo de romanesco – parecia escrita, em vez de acontecida. Com Fernando Peixoto, fui criando o roteiro da reconstituição segundo um cronograma, hora a hora, dos dados reais que apurávamos nas entrevistas.

"Mané" Felix
Procuramos nossos personagens em Salvador (BA), Piranhas, Delmiro Gouveia (sudoeste de Alagoas) e finalmente na região de Angicos, onde concentraríamos as filmagens. Encontramos diversos ex-cangaceiros que foram testemunhas oculares, assim como coiteiros que ajudaram Lampião. Falamos com o telegrafista responsável pela mensagem decisiva da caçada final, com o comerciante que desconfiou da emboscada, com os dois barqueiros transportadores da volante até Piranhas, com o soldado que desfechou o primeiro tiro em Angicos e o que atirou em Maria Bonita. Localizamos o vaqueiro Joca Bernardo, responsável pela denúncia do paradeiro do bando. Ele confessou pela primeira vez a traição, diante da câmera de Walter Carvalho.

Joca Bernardo

Esse Walter Carvalho não é o mesmo fotógrafo dos filmes de Walter Salles e co-diretor de Cazuza – o tempo não pára, mas Walter Carvalho Corrêa, sócio da Blimp e cria de Chick Fowle, o mago das luzes da Vera Cruz. Walter não fez muitos longas, ficou mais na publicidade e nos documentários, mas é um dos grandes fotógrafos brasileiros. Seu trabalho com a câmera na mão pelo terreno pedregoso de Angicos é de excelente qualidade. Angicos é um pedaço de riacho seco que deságua no São Francisco. Lugar inóspito, situado a três horas de caminhada da margem do rio, por dentro da mata. Levamos para lá alguns personagens reais, com o propósito de que indicassem os locais onde tudo aconteceu. Em seguida, rodamos as cenas com os atores.

O telegrafista que comunicou a presença de Lampião.
Os mesmos figurantes faziam cangaceiros e soldados. Para reconstituir o tiroteio, filmávamos o ponto de vista da volante às cinco horas da manhã e o contracampo dos cangaceiros ao cair da tarde. Durante uma semana, dormíamos não mais que três horas por noite, depois de desmontar o equipamento e retornar até nossa base em Piranhas.

Para o elenco, privilegiamos a semelhança física. Emanuel Cavalcanti era o ator perfeito para o papel de Zé Sereno. Bezerra foi interpretado com convicção por um capitão da PM que era primo do personagem real. Heládio Brito, meu ator-talismã nessa época, fez o sargento Aniceto. Lampião, o próprio, não recebeu maior destaque por ser um mito difícil de representar.

Tive receio de pôr em sua boca palavras que comprometessem a plausibilidade. Preferi mostrá-lo sempre de longe, de costas ou de banda, deixando um distanciamento proposital. Achei que isso ajudava na proposta documental do filme. A reunião de relatos e confissões permitiu-nos compreender e mostrar algumas motivações ocultas da opção pelo cangaço. Havia casos de vingança pessoal, ressentimentos e interesses diversos alimentando tanto o grupo de Lampião, como os macacos. Um dos soldados, por exemplo,era parente de sangue de José de Neném, o primeiro marido de Maria Bonita, e certamente estava na volante não somente por mero profissionalismo, mas até em busca de vendeta.

Durval Rosa
A estrutura de narrativas convergentes (cangaceiros X volante) é ainda bem clássica. A narração hoje me parece excessiva, embora então julgássemos necessária para garantir a atenção do telespectador. Mas a combinação de documentário e ficção era bastante nova para a televisão da época. No Globo Repórter, que eu saiba, nenhum programa havia incorporado performance de atores naquela extensão. O tratamento sonoro tampouco era dos mais convencionais.

Ex soldado Abdon

A sequência do clímax, por exemplo, foi filmada a 40 quadros por segundo, para dar maior dramaticidade, e deixamos o som direto distorcido na mesma medida, criando um efeito perturbador. A reza matinal dos cangaceiros, que acaba atuando como elemento de suspense, não foi invenção nossa, correspondia, no entanto, a um hábito diário do bando de Lampião.

Ancorar a reconstituição histórica em dados comprovados não deve ser uma limitação para o cineasta.

Muito pelo contrário, é o que lhe garante a liberdade de experimentar sem o risco de trair seu objeto. Reconstituir, por exemplo, o momento da morte solitária de Getúlio Vargas seria um despropósito. Ninguém sabe sequer como ele empunhou o revólver. Nesses casos, é melhor partir para a dramatização livre, sem qualquer apoio documental. Não aconselho ninguém a reconstituir a devoração do Bispo Sardinha pelos índios caetés...

• O último dia de Lampião (16 mm, Cor, 48 min)

Direção: Maurice Capovilla - Produção: Blimp Film para o Globo Repórter - Supervisão: Carlos Augusto de Oliveira - Roteiro e texto: Capovilla, Fernando Peixoto - Fotografia: Walter Carvalho Corrêa - Montagem: Laércio Silva - Som: Mario Masetti - Produção executiva: Quindó - Pesquisa: Amaury C. Araújo, C. Alberto R. Salles - Guarda roupa: Sila e Dadá - Música: Zé Ferreira, Oliveira Francisco - Narração: Sergio Chapelin - Elenco: Emmanuel Cavalcanti (Sereno), Salma Buzzar (Sila), Eduardo Montagnari (Lampião), Edileuza Conceição (Maria Bonita), Heládio Brito (Aniceto), Luiz Bezerra (Bezerra), Otávio Salles

1ª Fotografia - Acervo pessoal de Maurice Capovilla
Demais imagens do documentário foram inseridas por nós, para ilustrar o artigo.

Capítulo do livro Maurice Capovilla, A imagem crítica.
Autor Carlos Alberto Mattos.
São Paulo, 2006.
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Coleção Aplauso Cinema Brasil

Pescado eAplauso









http://blogdomendesemendes.blogspot.com