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sábado, 11 de julho de 2020

CONHECER AS RAÍZES

*Rangel Alves da Costa

Como já dizia o Coronel Tibúrcio Tertuliano nos tempos idos, assim que se aboletava na sua cadeira de balanço de varanda e poder, nada melhor que reinar em meio a um povo esquecido. E ajuntava: Aquele Euclides estava errado. O sertanejo não é antes de tudo um forte, mas antes de tudo um povo esquecido. E quem não tem mente para o passado não pode conhecer o presente, eis que tudo uma boiada num caminho só.
Jamais reconhecerei sua patente, mas não posso deixar de dar razão ao coronel. O sertanejo é um povo esquecido mesmo. Não só esquecido como alheio à sua realidade, até mesmo ausente do chão onde pisa. O viver para o momento o torna, além de alheio perante a realidade passada, também um descompromissado com o presente. Ora, acaso não volte seu olhar às raízes, às promessas, ao que ainda não foi feito por completo, ou sequer terá como reconhecer a si mesmo.
Nascer, crescer e viver num determinado lugar não significa muito se a pessoa não reconhece o seu berço e tanto faz ter nascido ali como noutro lugar. Deve haver um compromisso umbilical entre o sujeito e o seu chão, e ajuste este que envolve o conhecimento não só dos antepassados como da realidade presente. É como se um livro tivesse que estar sempre aberto para que jamais se afaste tanto das lições como dos novos escritos.
Com efeito, o sertão é desconhecido pelo próprio sertanejo. Não na generalidade de seus habitantes, mas grande parte pouco ou quase nada conhece de sua história, sua saga de lutas, sua geografia diferenciada, sua imensa riqueza cultural, as manifestações e tradições próprias de seu povo. Não conhece as raízes, olha para o passado somente até onde vão seus avôs e sequer possui a devida preocupação com o presente e os destinos de sua nação encourada.
Os mais velhos ainda cuidam de sua história, de sua memória, daquilo que lhe fez proveito. Muitas vezes, seus instantes presentes nada significam senão o espelhamento do passado. De seus presentes apenas fazem a devida comparação. Então dizem que antigamente era assim, que tudo era diferente e nada sequer parecido com a realidade de agora. Convive com o novo, mas sem jamais se esquecer daquilo que lhe acompanhou ou foi de serventia na caminhada. Porém nem todos de mais idade são assim, vez que muitos se declaram desapartados do tempo e até se negam a recordar.
Com os mais jovens, então tudo se deslancha mesmo. Para a maioria dos jovens, o ontem já passou e nenhuma valia terá recordar. Para estes, o passado é coisa tão velha que poderá até envelhecer se olhar pra trás. E assim se descompromissam totalmente com a realidade de sua cidade, seu município ou sua comunidade, pois apenas existindo sem ao menos saber de onde veio, quais as profundezas de suas raízes e de onde vem sua história.
Jamais deveria ser assim. Mas também culpa das escolas que não ensinam como deveriam ensinar. E assim porque há o repasse de conteúdos gerais sem haver a mínima preocupação com a história ou geografia local. Datas importantes, percursos de lutas, figuras ilustres, como o povo foi gestando na comunidade, como se deu a formação da povoação, nada disso parece ser importante para ser ensinado como conteúdo escolar. Então os alunos entram e saem da escola sem conhecer a realidade de seu próprio mundo.
Por isso mesmo que o sertão, lugar de tantas lutas, tantas histórias e tantas vultosas memórias, está ficando cada vez mais desconhecido, e para o seu próprio filho, o sertanejo. Não se valoriza mais nada. Manifestações culturais e tradições culturais, ao invés de serem permanências no povo, tornaram-se objeto de pequenos grupos, que pelo viés artístico ainda propagam suas existências. Não interesse sequer em saber como sua povoação foi fundada, como se deu a povoação até chegar ao presente, como tudo se encaminhou para se achegar onde chegou.
Por isso mesmo que não há mais autêntico forró-pé-de serra, não há mais brincadeiras noturnas, não há mais ciranda, cavalo de pau ou boneca de pano. As tecnologias surgidas foram trazendo consigo o dom de apagar o passado. E, como um quadro de giz, o sertão e sua história vão sendo apagados a cada dia. A moda é o modismo, o sertanejo vive segundo os ditames televisivos ou dos grandes centros urbanos. Muitos até renegam suas origens e se transmudam para o mundo que não é seu.
E o preço de tudo isso é sempre cobrado em dobro. Gerações inteiras alheias ao seu mundo e forjando realidades que não são condizentes com sua própria realidade. No intuito de querer inovar demais ou querer ser outro a todo custo, outro futuro não haverá senão o de serem engolidos pelo nada. O abismo do nada que aguarda a todos.
       
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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