Por Rangel Alves
da Costa*
“Num posso nem
dizer que num mato. Vivo disso, ganho pra isso...”.
“Num sei nem
quanta tocaia já fiz, quanta emboscada já preparei. E já derrubei mais de dez,
disso eu tenho certeza...”.
“Vida
desgraçada essa minha. O coroné meu patrão me paga pra derrubar inimigo, pra
entregar aos urubu seus desafeto...”.
“Nem sei se
todo mundo que matei merecia morrer. Tarvez nenhum. Num tenho nada com briga de
gente grande, com encrenca dos outro, mai...”.
“Sei que meus
óio já miraro muita gente inocente, muito pobe coitado que nem eu. Tomem sei
que meu dedo já puxou gatio pa gente que num devia morrer...”.
“Nunca me
esqueço quano o coroné mandou derrubar Véio Crimero. Mandou matar o pobe
coitado só pruque o homi num quis vender seu pedacinho de terra pru doi
vintém...”.
“Adespoi,
achano pouco, enxotou a famia toda do defunto. Eu mermo fui duns que foi até a
casinha véia ameaçar a coitada da viúva. Ou arribava dali ou todo mundo ia pa
debaixo do chão...”.
“Marvadeza
demais do coroné, bem sei. Mai o pior é que o poderoso num faz nada, só manda,
só ordena. E quem acaba fazeno o seuviço de ameaça e morte é a jagunçada...”.
“Deus sabe o
quanto me arrependo de ter entrado nessa vida. Juro pru Deus que num nasci pra
essa vida não. Mai fazê o que nesse sertão que entrega ao home a mai triste
sina?...”.
“Entrei nessa
vida aina novo, e num faz munto tempo. Mai hoje já me sinto enveiecido demai,
uma pessoa com o dobro da idade da que trago agora...”.
“Pru que
assim? Munto faci de arresponder. A curpa cumeno o juízo, o arrependimento
varejano pru dento, o remorso da peste num deixano nem dormir nem viver...”.
“Que ninguém
diga que num sente assim pru que tá mentino. Já vi jagunço arrancar os própio
miolo adespoi de endoidar de tanta mardade feita. O home parecia uma coisa do
outo mundo...”.
“Quixabera, um
dos maió jagunço que já pisou por aqui se acordou no meio da noite berrano.
Adespoi deu pa andar de quato pé e desse jeito se meteu na mataria até
sumir...”.
“Tarvez seja
essa a sina de nóis todo, de todo que mata de mando, de tocaia, de emboscada.
Tem gente que se acha valente demai, mai adespoi o esprito parece que fica
cracomido e acaba na maió tristeza do mundo...”.
“Quem sou eu,
meu Deus? Um nada, um zé-ninguém, um desgraçada de um matador de uma figa. Que
home sou sem a arma na mão, sem a cartucheira empinhada pa mostrar valentia?”.
“Um covarde
que sou, um desumano que sou, num sou mermo é nada. Triste daquele que pensar
que tá fazeno bom negoço viver ganhano vintém pa fazer o sangue de gente de
famia jorrar pelas estrada, nos caminhos desse mundão...”.
“Inté hoje,
mermo já tenho feito tanta mardade, num tenho nada que seja meu. Num tenho
casa, num tenho um pedaço de chão, nada. Nem famia eu tenho, só esse mundo que
num é meu...”.
“Queria mermo
era arribar daqui. Mai sei que é munto difici. Dessa vida só se sai fugino do
mardito patrão. Se o coroné suber que quero deixar de ser jagunço entonce quem
vai ser tocaiado sou eu. Sei disso. Assim já aconteceu com Vadão e
Porqueirinha...”.
“Uma vez
entrado nessa vida, o destino é viver com as mão suja de sangue inté o fim. Tem
gente que eneveiece jagunço e adespoi é abandonado como cachorro sarnento.
Jagunço sem serventia num interessa a coroné argum...”.
“Num sei
quantos ano tenho agora. Mai sei que já me sinto enveiecido pru dento. No dia
que eu faiá a pontaria quem vai servir de comida de urubu sou eu...”.
“Mai num sei o
que fazer não. Tarvez arribe daqui no escondido. Tarvez eu me junte aos home de
outo coroné, o coroné Espaciano. Mai tudo a merma coisa. Tudo a merma vida de
jagunço, de morte e sem futuro...”.
“Que Deus
escute o que digo, se é que aina mereço ser ouvido. Mai se minha mão de sangue
pudesse ser lavada em troca de sarvação, entonce agorinha mermo eu dava cabo de
minha pórpia vida. Mai se que vou ter que morrer pa sofrer aina mai...”.
“E sofrimento
aina pior dos que tanto já fiz calar o gemido com mai uma bala no meio da
testa. Mai isso num é vida. Num sei o que é, mai isso num é vida...”.
Poeta e
cronista
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