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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

USOS E COSTUMES DO SERTÃO

Clerisvaldo B. Chagas, 18 de fevereiro de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.264

Entre os antigos e atuais usos e costumes do Sertão, encontramos a Arapuca, a Arataca, a Espera e o Anzol.
A arapuca. Artesanato feito de galhos finos em forma de pirâmide asteca. Gira em torno de dois palmos em cada lado com altura aproximada de palmo e meio. Trata-se de uma armadilha para capturar, principalmente, pássaros e aves. Levanta-se um dos lados e coloca-se um graveto (gatilho) no meio sustentando a arapuca aberta. Tem como isca, grãos de milho ou outro tipo de alimento. O animal, ao entrar no artefato, toca no gatilho, desaba a arapuca e fica preso. A arapuca é pesada, o animal não consegue se libertar. É visto pelas frestas (para evitar surpresa) e retirado pelas pernas.

ARAPUCA. (CRÉDITO: PIAUÍ.COM).

A arataca. É uma armadilha simples para capturar preás e mocós. Consta apenas de uma tábua retangular de cerca de dois palmos, com um pino transversal no meio passando um pouco em ambos os lados. Cava-se um buraco fundo na trilha do animal e tampa-se com a tábua segura pelos pinos laterais. Vira uma gangorra. Quando o cavídeo pisa na tábua de um lado ou do outro, ela cede e despeja o animal no buraco voltando, automaticamente, a tampá-lo. Pode capturar vários animais dentro de pouco tempo.
A espera. E usada no tempo de seca para matar pássaros, aves e animais de porte. Escolhe-se um lugar onde os bichos selvagens vão beber. Com galhos flexíveis se faz uma estrutura baixa para caber uma pessoa deitada. Cobre-se a estrutura com folhas e galhos secos. O caçador fica à espera da presa na hora da bebida. Usa espingarda, bodoque, peteca (estilingue). A espera não captura, mata.
O anzol. Descrevendo como fazíamos. Arranjávamos uma vara de marmeleiro em qualquer beira de estrada (flexível, dobrável). Comprávamos a linha de náilon e o anzol na Casa Imperial (do Sr. Piduca, atual Casa das Tintas). Entre o anzol e a linha colocávamos o que chamávamos de chumbo, isto é, o invólucro dos litros de vinho para o anzol submergir. A isca era de qualquer coisa: minhoca, carne, piaba, miolo de pão.
·        As armadilhas são heranças indígenas. Tudo continua aceso no Sertão das Alagoas.


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SANTANA: O PESO DA AVENIDA

Clerisvaldo B. Chagas, 17 de fevereiro de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.263

A hoje Avenida Coronel Lucena, aos poucos complementava a formação do quadro do Comércio como saída em direção norte. Foi sendo povoada por belas residências de abastados fazendeiros, políticos e comerciantes, formando uma elite e futuro corredor de saída para a capital. Falamos em futura saída porque o movimento Santana – Maceió e vice-versa acontecia pelas Ruas Antônio Tavares (primeira de Santana) São Pedro e os subúrbios Bebedouro e Maniçoba. Com a continuação do progresso, novas residências foram surgindo ladeira acima até a parte plana superior, onde se encontra implantada a Caixa Econômica Federal. Era motivo de orgulho fixar residência por onde circulavam gemedores carros de boi e os primeiros e lustrosos automóveis pretos.

HOJE TUDO É COMÉRCIO (FOTO: LIVRO 230/DOMÍNIO PÚBLICO).

Entretanto, a partir das últimas décadas do século XX, começaram a surgir casas comerciais, na avenida. Muitos troncos de moradores tradição foram desaparecendo, cujas famílias vendiam as residências para fins de comércio ou de prestação de serviços. Quando mais de 50% das transações foram realizadas, acelerou-se a profecia de que não haveria mais casa residencial na Avenida Coronel Lucena. Uma transformação completa aconteceu na principal rua da cidade. Formou-se um corredor continuação do comércio do centro e já emendou com outras avenidas e bairros até o Batalhão de Polícia na Lagoa do Junco. Algumas famílias, contadas nos dedos, ainda resistem à modernidade, porém, por breves dias. São encontradas casas bancárias, escolas, pousadas, hotéis, bares, igreja, sorveteria e os mais variados ramos de negócios.
A Avenida Coronel Lucena, também é chamada popularmente de Rua da Prefeitura. O mesmo fenômeno comercial está acontecendo na Rua Pedro Brandão (Bairro Camoxinga). As últimas residências do lado de baixo, estão desaparecendo; o lado de cima, resistirá mais um pouco pela dificuldade de acesso, mas seguirá a mesma trilha. É outro ramal prolongamento do comercio do centro que se inicia na Ponte Cônego Bulhões, atravessa a Pedro Brandão, (principal), sai no Largo do Maracanã e sobe pela Rua Santa Sofia (lado direito, mas breve será também o esquerdo), entra na rua principal da COHAB Nova e deságua lá em baixo no início da Rua das Pedrinhas. Santana confirma a vocação comercial desde o tempo de vila.
Paralelamente multiplicam-se os condomínios pelos arredores.
O modernismo toma conta de tudo.

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LIVRO “O SERTÃO ANÁRQUICO DE LAMPIÃO”, DE LUIZ SERRA


Sobre o escritor

Licenciado em Letras e Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduado em Linguagem Psicopedagógica na Educação pela Cândido Mendes do Rio de Janeiro, professor do Instituto de Português Aplicado do Distrito Federal e assessor de revisão de textos em órgão da Força Aérea Brasileira (Cenipa), do Ministério da Defesa, Luiz Serra é militar da reserva. Como colaborador, escreveu artigos para o jornal Correio Braziliense.

Serviço – “O Sertão Anárquico de Lampião” de Luiz Serra, Outubro Edições, 385 páginas, Brasil, 2016.

O livro está sendo comercializado em diversos pontos de Brasília, e na Paraíba, com professor Francisco Pereira Lima.

franpelima@bol.com.br

Já os envios para outros Estados, está sendo coordenado por Manoela e Janaína,pelo e-mail: anarquicolampiao@gmail.com.

Coordenação literária: Assessoria de imprensa: Leidiane Silveira – (61) 98212-9563 leidisilveira@gmail.com.

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LAMPIÃO UMA VIDA MARCADA POR MUITAS DECEPÇÕES E GERALMENTE, VINGADAS.

Por José Mendes Pereira - (Crônica 76)
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No dia 28 de julho de 2020 completarão 82 anos que o homem mais procurado do Nordeste Brasileiro e conhecido no mundo inteiro, o pernambucano lá da Villa Bella, atualmente denominada de Serra Talhada, o Virgolino Ferreira da Silva alcunhado “Lampião”, deixou o nosso planeta, partindo para outra esfera (suponhamos) depois de tantas crueldades praticadas por ele e seus comparsas que viajaram juntos, num total de 11 delinquentes.  

Lampião repousava na Grota do Angico nas terras de Porto da Folha atualmente pertencem à cidade de Poço Redondo, no Estado de Sergipe, e lá, ele e a sua rainha Maria Bonita estavam protegidos pelos seus operários (marginais), no seu coito, e se sentindo seguro, enfiado em sua "Central Administrativa". 

Os calendários da humanidade indicavam o dia 28 de julho de 1938, e os relógios do mundo inteiro marcavam mais ou menos  5:30 da madrugada desse dia, quando ele, sua rainha Maria Bonita e sua cabroeira num total de 11 foram atacados e abatidos; mais um policial de nome Adrião Pedro de Souza (total de 12 mortos na Grota do Angico), chacinados pelas volantes policiais comandadas pelo tenente João Bezerra da Silva da Polícia Militar do Estado de Alagoas.

Benjamin Abraão Botto, Maria Bonita e o capitão Lampião

Segundo alguns pesquisadores naquele coito o capitão Lampião se sentia seguro, achava muito difícil que os policias chegassem ali, e que somente eles, facínoras, sabiam muito bem chegarem naquele lugar,  porque habitualmente eram conhecedores de todos os terrenos que ofereciam difíceis acessos nas caatingas do nordeste brasileiro. 

O cangaceiro Corisco

Mas o cangaceiro Corisco duvidava que aquele coito tinha segurança, porque ele chegou a dizer que ali era como uma ratoeira, caso fossem atacados, seriam pegos, só existia uma entrada e que ela também seria a saída para que eles se livrassem de um possível ataques de policiais. E se caso as volantes descobrissem que a Grota só tinha uma saída, com certeza, todos os cangaceiros estariam ferrados.

Grota do Angico em Poço Redondo-SE.

Com exceção dos que ganhavam dinheiro do rei do cangaço o nordeste brasileiro vibrou com a sua morte, com o seu fim, porque, muitos que estavam marcados para morrerem, e outros que,  mesmo não estando na lista de morrer,  se livraram de passar pelas mãos vingativas do sanguinário e perverso Lampião e seus comandados.

Enquanto outros não gostaram nem um pouquinho do seu extermínio porque viviam exclusivamente dos favores que faziam ao rei e a rainha do cangaço, como também prestavam os seus serviços à toda sua cabroeira, e a recompensa era valiosa, mesmo arriscando as suas vidas, valia muito mais prestarem serviços a um bando de feras humanas do que ficarem do lado da polícia militar, porque nada ganhavam, ao contrário, (segundo pesquisadores) eram maltratados para que eles entregassem o rei Lampião, a rainha Maria Bonita e a sua cabroeira, indicando o lugar dos seus coitos na caatinga.

EM ALGUM MOMENTO NA VIDA TERIA LAMPIÃO SE ARREPENDIDO DO QUE FEZ E CONTINUAVA FAZENDO?

Eu acho que sim. Lampião ainda continuava no cangaço porque era constantemente perseguido pela polícia, e ele como rancoroso, vingativo, perverso e sanguinário não iria se humilhar à autoridade nenhuma. Suponho eu que se as autoridades tivessem dado-lhe uma oportunidade, perdoando o que ele tinha feito antes, muitas vidas de sertanejos e de alguns pequenos fazendeiros teriam sido poupadas, porque Lampião  se intercalaria à sociedade e cuidaria de construir um lá com a sua compamheira Maria Bonita. 

Assim como os demais que foram cangaceiros e beneficiados com o indulto do presidente da república Getúlio Vargas, nenhum deles voltou ao antigo passado, e assim o rei também mudaria de pensamentos caso tivesse sido beneficiado. 

O que passou, passou, e daquele dia em diante Lampião gozaria de proteção, e assim como fizeram os seus comandados que mostraram que eram capazes de viverem em sociedade. 

Somente Severino Garcia Santos o ex-cangaceiro Relâmpago que era funcionário da Empresa de Cangaceiros Lampiônica E Cia do afamado Lampião, apesar de sua idade, com 83 anos, o Relâmpago fora preso por esfaquear o agente de trânsito do Detran "Jorge de Oliveira Ribas", de 66 anos, após uma discussão sobre o preço de uma cabeça de peixe num bar na Praça Tiradentes. Na época, o ex-cangaceiro se vangloriava dizendo que, quando vivia no sertão, tivera 12 mulheres e matara mais de 20 pessoas com Lampião. (Confira esta informação clicando no link abaixo da foto do ex-cangaceiro Relâmpago).

O cangaceiro Relâmpago
Não sou analista sobre nada, mas acho que Lampião quando se deitava um pouco em sua "Central Administrativa", sozinho no seu “eu”, muitas vezes, pensou que um dia poderia ser um homem da sociedade, e não nômade criminoso e desordeiro como era. Mas o destino foi cruel com Lampião, não lhe deu uma oportunidade na vida.

Penso eu que isto sempre passou no “EU” de Lampião. E quem sabe, tenha pensado isto ou semelhante o que segue:

“Eu não sei porque a vida preparou para mim um mundo tão triste, tão cheio de decepções. Entregou-me uma agenda só com coisas ruins que eu terei que cumprir ou passar por elas. Matar os meus semelhantes, matar gado e criações de proprietários que não querem me aceitar nas suas terras e procuram me eliminar do sertão; roubar, odiar, vingar, depredar, incendiar fazendas e cercados, só horrores terei que fazer. Mas será que eu não sou filho também de Deus? 

Às vezes me ponho a imaginar as grandes crueldades que fiz com várias pessoas sertanejas, e muitas delas estavam pagando um preço caro, e nem mereciam passar pelas minhas mãos vingativas ou de meus comandados. Lembro como foi assassinado o Briô na mais triste morte, o cangaceiro Vulcão; os que eu autorizei que os meus cangaceiros os capassem, outros que ficaram sem orelhas, mulheres ferradas, Rosinha do meu amigo da velha guarda Mariano Laurindo Granja. Ordenei que a matasse na mais covarde morte. Cristina do cangaceiro Português só pelo fato dela tê-lo traído. Foi morto também o Sabiá que estuprou uma jovem, mas este era merecedor. Lá no Rio Grande do Norte em São Sebastião eu assassinei um jovem maluco, só porque ele não obedeceu as minhas ordens. E assim eu culpo tudo que fiz à natureza que não teve um tico de dó de mim.

Lembro que o Santo da Fazenda Mandassaia empregado do fazendeiro Manoel do Brejinho foi morto pelo cangaceiro Corisco, e quem causou a sua morte fui eu. O vaqueiro guardava em sua casa uma quantia em dinheiro que o Manoel do Brejinho tinha mandado para o Corisco, cuja, solicitada pelo mesmo. Ao chegar ao meu conhecimento fui até a sua casa e pedi que me entregasse a quantia que eu acertaria com Corisco, porque eu estava precisando daquele valor. E assim ele fez, me entregando toda quantia em dinheiro do Corisco. Mandei pedir outra quantia ao Manoel do Brejinho que seria para devolver ao Corisco que eu havia pego aquela primeira, e foi honrado o meu pedido por ele. Se ele fez cara feia eu não sei, mas enviou a quantia pelo Santo, e com esta em seu poder, aguardava a chegada do Corisco para entregá-la. Mas dois policiais patenteados tomaram conhecimento da quantia em poder do Santo. Foram alta hora da noite e um deles se fez ser o Corisco. Pediu que trouxesse o dinheiro, mas não precisava abrir a janela, bastava entregar por uma fresta, pois tinha pressa. Dias depois Corisco vai à casa do Santo pegar o dinheiro. Santo não tinha mais, porque a quantia já tinha sido entregue a ele, assim pensava o pobre vaqueiro que tinha sido ludibriado pelos policiais desonestos. Corisco enlouqueceu dizendo que ele estava querendo enrolá-lo, e findou assassinando sem merecer o pobre vaqueiro Santo da Fazenda Mandassaia.

Uma das coisas que mais me irrita é ser excluído pelos meus irmãos (de modo geral), que nunca me viram com bons olhos. Eu faço parte da mesma comunidade humana, e por que quase todos os meus irmãos me odeiam? Enquanto eles riem de mim, pelo mundo que recebi da natureza, caladamente eu choro, choro e choro muito, choro, e choro muito forte, por não ter tido a mesma sorte  que tiveram todos os meus irmãos fraternos e que fazem o bem. 

Se me dessem uma oportunidade eu abandonaria o mundo do crime e me intercalava novamente à sociedade dos homens, e iria praticar só o bem. Mas os meus crimes foram maiores do que o coração da sociedade, e ninguém me ver com bons olhos. Por onde eu ando e tento um apoio, pelo menos para o meu cansado corpo repousar e descansar um pouco, mas todos viram as costas para mim, e com medo da minha pessoa, fogem para as matas como se eu fosse o maior animal feroz do mundo. Não tenho culpa, foi a natureza que errou quando me fez, e assim sou um dos erros do mundo. 

Infelizmente, o sol não nasceu para mim. Será que eu sou filho de Deus ou do Diabo? Perseguiram tanto os meus pais que minha mãe não suportando as pressões dos poderosos, infartou e dias depois veio a óbito, e um mês depois os policiais que eram comandados pelo tenente José Lucena invadiram  residência de José Ferreira dos Santos o meu pai e o assassinaram que nada tinha a ver com as nossas brigas. E minhas irmãs sofreram o que o diabo rejeitou. Todo tipo de perseguição elas foram vítimas. 


Quando você quiser desejar o mal a um inimigo seu deseja o mundo que eu herdei da natureza, porque não tem outro mundo pior do que o que eu ganhei".

Há 82 anos findava a carreira criminosa de Virgolino Ferreira da Silva o Lampião, onde foi localizado na Grota do Angico no Estado de Sergipe e executado com mais dez cangaceiros pela volante comandada pelo Tenente João Bezerra da PMAL, no dia 28/07/1938.

Informação ao leitor: 


O que eu escrevi não tem nenhum valor para a literatura lampiônica, e não tem problema se você discordar. Lampião nunca disse isso.
Você leitor, poderá me perguntar: "E se não tem valor para a literatura lampiônica e por que você escreve?" 

Eu escrevo o que penso sem atrapalhar o que já escreveram os escritores e pesquisadores. São apenas as minhas inquietações assim dizia o saudoso escritor Alcindo Alves Costa o caipira de Poço Redondo.  


Eu escrevo para aqueles que gostam de ler e também para  me divirtir com este tema tão polêmico que é “Cangaço”, principalmente quando se trata de Virgolino Ferreira da Silva o Lampião e sua companheira Maria Gomes de Oliveira a Maria Bonita. Os meus escritos não atrapalham os pesquisadores e nem os escritores.

Eu sempre chamo a atenção do leitor para não usá-los na literatura lampiônica. 


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SERTÃO DE CRATHEÚS

Por Raimundo Cândido
Padre Cícero em Cratheús!

Depois que Pe. Cícero Romão Batista celebrou, em 1871, a Missa do Galo em Tabuleiro Grande, uma vilazinha do Crato perdida no oco do mundo, pensou que nunca mais voltaria a ver aquele aglomerado de casinhas de taipa cobertas de palhas e que convergiam para a singela Capelinha de N. S. das Dores. Ele nunca imaginou que seu destino estava sacramentado naquele chão castigado por constantes secas, só para torná-lo um solo sagrado. Tudo graças a um sonho e nele Pe. Cícero estava presente, como na bíblica Jerusalém, na Judeia, quando treze homens de cabelos compridos, vestidos numas túnicas brancas, celebravam a Última Ceia ao redor de uma mesa. Um bando de sertanejos famintos, inesperadamente, invade o recinto e um dos integrantes da Santa Ceia, o de coração em chamas, olha para o recém-formado padre e ordena: - Você, Cícero, tome conta desta gente! Neste exato momento nascia Juazeiro do Padim Ciço.

O sacerdote de estatura baixa, pele alva, olhos azuis e penetrantes, cabelos louros, de cajado sempre à mão e auxiliado por uma equipe de beatas, imediatamente, acaba com as constantes festas regadas à cachaça e obriga as prostitutas a confessarem seus atos pecaminosos que denegriam o povoado de Tabuleiro Grande. Nos anos de seca braba as procissões, com a imagem da  Mater Dolorosa, percorriam os vilarejos da região em busca do milagre das chuvas. A fama de Padim Ciço do Juazeiro crescia e já lembrava até o velho missionário Pe. Ibiapina.

Os sertanejos, retirantes das estradas poeirentas na busca de saciar a fome, a sede e achar a salvação eterna, se dirigiam para Juazeiro. Um dia um romeiro dormiu debaixo de um pé de juá, na beira da estrada, mas antes retirou a faca do cós da calça e colocou ao lado. Ao acordar a faca de estimação tinha sumido. Outro caminhante, em arrependimento, confessa ao Padim Ciço que tinha roubado uma peixeira, de um descuidado dorminhoco, pelo caminho. Recebeu a incumbência de rezar pela expiação do pecado, para se livrar do fogo das trevas e a dura ordem de colocar a faca no mesmo local. Quando o sertanejo roubado relata o ocorrido ao padre, este lhe pede que tenha fé e lhe manda buscar a faca, que a mesma iria aparecer onde tinha sumido. De outra feita um funileiro que passava necessidades, junto à mulher e aos filhos, se recorre ao sacerdote que o manda fabricar muitas lamparinas e que não se preocupasse. Era o Mês das Almas e clérigo pede para que os fiéis tragam lamparinas para a procissão. Estava resolvido o problema do latoeiro.

A grande fama se consuma com o prodígio da beata Maria de Araújo, o milagre da hóstia. Numa sexta-feira da quaresma de 1889, quando a hóstia tocou na língua de Maria ela entrou em transe e o Pão Sagrado mudou de cor, transformando em sangue que lhe escorria pelos lábios. Estava consagrado o ato que levaria Padim Ciço ao calvário da sua vida, pois D. Joaquim José, bispo de Fortaleza, o suspendeu das faculdades de confessar, pregar, administrar sacramentos e que deixasse Juazeiro até resolverem se ele era mesmo um santo ou um mero embusteiro. O Padre do Juazeiro estava excomungado!

Enquanto a Igreja não resolvia o seu caso, o Padre andava pelo sertão, participava das festas religiosas e até aceitava alguns convites para ser padrinho nos batizados.

Aceitou o convite do crateuense José Coriolano Correia Lima, um parente do poeta José Coriolano, para apadrinhar a sua filha Zulmira, pois os Correia Lima eram descendentes direto de um dos colonizadores do Cariri, o português Bento Correia Lima, como também em gratidão ao médico Idelfonso Correia Lima, por atestar o milagre da hóstia se transformando em sangue vivo.

A viagem foi penosa por compridas léguas distantes. Dias e dias cavalgando em lombo de animais que precisavam descansar e repor as energias. Às vezes o Padim Ciço dormia cavalgando, arriando a cabeça sobre o peito, um velho habita seu. E pensava em seu destino, desejoso de ir à Roma explicar todo o mal entendido e ser reabilitado.

A Vila Príncipe Imperial já era conhecida por Cratheús quando Padim Ciço por aqui chegou, em agosto de 1893. A igreja Senhor do Bonfim, um templo precisando de reformas, tinha como sacerdote o Pe. Antônio Cavalcante de Macedo e Albuquerque. O Batizado ocorreu na igreja paroquial da vila, a criança teve como padrinhos o Pe. Cícero Romão Batista e o tio Manoel Correia Lima. O Pe. Macedo começa o rito, em latim: - Zulmira Coriolano, Quid petis ab Ecclesia Dei? E o padrinho, Cícero Batista responde, pela afilhada: - Fidem! O ministro oficial continua: -Fides, quid tibi praestat? E o Padim Ciço replica: - Vitam aeternam. Cerimonia assim registrada no batistério dos anos de 1891 a 1899, na pág 43, na Diocese de Cratheús.

Depois do batizado e da grande festa na casa de José Coriolano onde Pe. Cícero se hospedara, descansa e retorna levando palpáveis donativos para difícil empreitada em Roma, na luta pela sua absolvição. E, na longa cavalgada de volta, nem imagina o levita do Juazeiro que outras difíceis batalhas terá que enfrentar, além da que o espera no Santo Oficio: A posse como primeiro prefeito do Juazeiro, nomeado pelo governador Nogueira Acioli, tornando-se um forte coronel na política do Cariri, o confronto da Sedição de Juazeiro onde Pe. Cícero, com um exército de jagunços, derrotou as forças do Governo Federal, depondo Franco Rabelo e a visita do famigerado cangaceiro Lampião que saiu de Juazeiro muito bem armado e com o título de “capitão” pronto para matar mais “macacos”. Tornar Juazeiro do Norte uma megalópoles tem sido uma tarefa fácil, difícil será concretizar sua última missão, a de satisfazer os romeiros que já o canonizaram e que vivem cantando uma implorante ladainha: - “Olha lá, no alto do horto, ele tá vivo, padre não tá morto!” Volta, meu Padim Ciço! Volta!!!


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VENENO, INCÊNDIO, TRAIÇÃO E FUGA.


Por João Filho de Paula Pessoa

Na reta final da passagem pelo Ceará durante sua fuga de Mossoró/RN em 1927, Lampião foi traído por um fazendeiro que julgava seu amigo e que tinha participado dos planos ao ataque à Mossoró, o Cel. Isaias Arruda. 

O Bando de Lampião já tinha passado por vários combates de perseguição e provações durante esta fuga, muita fome, sede, exaustão, perdas, mortes e deserções, sencontrando-se seu bando reduzido, em frangalhos e extremamente debilitado. Lampião esperava encontrar guarida na fazenda do amigo para se recompor e prosseguir sua viagem de volta à sua terra. 

Cel. Isaías o recebeu e o encaminhou à uma outra fazenda vizinha para hospedá-los na casa grande. Ao se aproximar da casa grande Lampião seguindo seus instintos, resolveu não entrar e acampar numa várzia próxima, debaixo de algumas árvores. No outro dia, Cel. Isaías convidou o bando para um almoço na mesma casa grande, onde seria mais confortável, mas, ao se aproximar o horário do almoço, Lampião instintivamente e novamente não entrou na casa, e pediu para o almoço ser servido no pátio da fazenda, ao ar livre. 

Os instintos, as precauções e a sagacidade de Lampião lhes salvaram a vida, pois seu suposto amigo tinha tramado um plano cruel e “infalível” para sua morte. Mandou envenenar a comida que lhe seria servida, para quando estivessem envenenados dentro da casa, fosse tocado fogo em todo o canavial que a rodeava por todo o pasto e ainda posicionou sua tropa de jagunços de tocaia fora da casa, em posição de combate, para abater a tiros todos os que, por ventura, se salvassem do veneno, das chamas do fogo e da intoxicação da fumaça e assim aniquilar Lampião e todo o bando de uma vez só. 

Iniciou-se o almoço e logo alguns cangaceiros começaram a passar mal e o fogaréu se alastrou rapidamente por toda a fazenda, e a fumaça tomou conta do pátio e da roça, formando uma imensa e tóxica nuvem negra de fumaça, que aumentou ainda mais o mal estar dos envenenados. Lampião estranhou tudo aquilo e imediatamente ordenou a retirada, e iniciou o combate com os jagunços, empreendendo fuga. 

Os cangaceiros envenenados correram aos tropeços, combateram, tombaram e fugiram aos vômitos e dores, recorrendo ao que restavam de suas últimas forças, e sumindo na negritude da nuvem de fumaça e na vermelhidão das chamas do fogo, alguns caíram e ficaram pelo caminho, mas, heroicamente e inimaginavelmente, Lampião chegou à terras pernambucanas em condições totalmente precárias, com seu bando quase moribundo, mas vivos e em “casa”. 

João Filho de Paula Pessoa, Fortaleza/CE. 14/02/2020.


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SILA PERFIL

Por Geraldo Júnior


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LOCALIZADA E IDENTIFICADA A SUPOSTA COVA DO CANGACEIRO SABINO DAS ABÓBORAS.


Por Geraldo Antônio De Souza Júnior

Embora não existam provas concretas, existem fortes indícios de que no local apontado e apresentado no vídeo pelo pesquisador cearense Luis Bento (Luis Carolino) esteja realmente enterrado o famoso cangaceiro Sabino das Abóboras "Sabino Gomes de Góis" ou "Sabino Gore", que foi um afamado chefe cangaceiro que juntou-se ao bando de Lampião e esteve presente em alguns importantes eventos da primeira fase do cangaço lampiônico, tais como; a ida de Lampião ao Juazeiro do Norte no estado do Ceará (Março de 1926), onde os cangaceiros se incorporaram aos Batalhões patrióticos formados para combater a Coluna Prestes-Miguel Costa, que naquele período marchava pelo Nordeste e foi um dos lideres durante a tentativa de invasão à cidade de Mossoró no estado do Rio Grande do Norte em junho de 1927. Entre outros.

Lampião e seu bando estavam acoitados nas terras da fazenda Piçarra (Porteiras/CE) de Antônio da Piçarra, no mês de março de 1928, quando foram atacados de surpresa por uma Volante pernambucana comandada pelo Tenente Arlindo Rocha, auxiliado pelo Nazareno Mané Neto e seu grupo, ocasião em que Sabino foi ferido gravemente por um tiro disparado, tendo que ser executado pelo cangaceiro Mergulhão I (Antônio Juvenal), dias depois. Execução que teve o consentimento de Lampião, devido a grave situação em que o filho bastardo do coronel Marçal Florentino Diniz, se encontrava. Em relação a data do ocorrido há discordância entre estudiosos, sabe-se que o episódio aconteceu no mês de março de 1928, quanto ao dia não há unanimidade.

O renomado escritor e pesquisador Napoleão Tavares Neves em seu livro CARIRI - CANGAÇO, COITEIROS E ADJACÊNCIAS na página 51 diz que embora o local da cova de Sabino das Abóboras seja desconhecido o coronel Né da Carnaúba (Manoel Pereira Lins) dono da fazenda Carnaúba no Pajeú pernambucano, desconfiava que o cangaceiro havia sido enterrado nas terras entre Macapá (Atual Jati) e o sítio Baião, possivelmente por possuir alguma informação privilégiada a respeito do assunto. Outro fato que desperta a desconfiança de que no local esteja enterrado o cangaceiro é o apontamento da cova por populares locais, cuja história que tem sido passada de geração em geração.

Breve estarei publicando o vídeo no canal CANGAÇOLOGIA (YouTube).

Espero que assistam e tirem suas conclusões.

Filmagem / entrevista: José Francisco Gomes de Lima.

Geraldo Antônio De Souza Júnior


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POÇO REDONDO, SEU POVO E SEUS ANTIGOS COSTUMES

*Rangel Alves da Costa

Atualmente, ante a reconstrução da Praça da Matriz de Poço Redondo, no sertão sergipano, e o impedimento de encontros dentro de seus limites, senhores poço-redondenses se reúnem na calçada do outro lado, na esquina da Travessa Maria Marques. Depois do anoitecer, vão chegando um e outro, e de repente mais de dez estão por ali falando sobre política, sobre seca e sol, sobre esperanças de chuvas e quaisquer outros acontecimentos que seja de relevância, ou não.
Nos tempos idos, outros sertanejos se reuniam com a mesma finalidade, só que na calçada de Mané Azedinho, na atual Rua Prefeito João Rodrigues, onde hoje funciona um comércio. Encontro certeiro em todas as noites, os que chegavam logo iam procurando seu cantinho na calçada de cimento. Mané Azedinho (o dono da casa), seu irmão Joãozinho de Neuza, Né Cirilo, Zé de Iaiá, Meron, Lourenço, Manezinho França e tantos outros. Todas as novidades políticas apareciam primeiro por lá. Todos os destinos de Poço Redondo ali eram discutidos.
E assim ficavam até tarde da noite, com alguns de repente já cochilando, e outros aproveitando o frescor antes de retornarem a suas casas. No outro dia, ainda com pouca claridade, muitos seguiam para os seus terrenos logo ao lado da cidade, principalmente para tirar leite das vaquinhas que possuíam. Até os anos oitenta, grande parte daqueles senhores poço-redondenses possuía uma propriedade, ainda que coisa de poucas tarefas, muitas vezes. Alguns com pequenos rebanhos e outros com duas ou três vaquinhas, apenas. Mas suficiente para garantir o leite de toda manhã. A melancia, o feijão, o milho, o maxixe, quase sempre era trazido do próprio terreno.
Ao longo do dia, os afazeres eram divididos segundo as posses e o modo de sobrevivência de cada um. Delino, além de comerciante de bananas e outros produtos adquiridos na Boca da Mata (Nossa Senhora da Glória), também possuía bar. Joãozinho de Neuza era do dono de caminhonete para transportar feirantes e também vendedor de farinha, bem como seu irmão Mané Azedinho. Comerciantes de farinha também eram Zé de Iaiá e Ireno Cirilo. Quem vendia farinha geralmente vendia também feijão. E alguns também o açúcar. Aos fundos de onde ainda hoje reside sua esposa Loló, no local onde funciona a venda de doces de seu filho Almiro, Seu Wilson (que também era Oficial de Justiça) possuía uma pequena mercearia.
Bem próximo dali, na esquina, Dom possuía venda de aguardente e produtos básicos na cozinha sertaneja. Outro que possuía vendinha de cachaça e miudezas era Zé de Lola, primeiro nos arredores da atual Praça Lourival Batista (Praça do Banese) e depois na vizinhança do antigo posto telefônico, ao lado da Câmara de Vereadores. Também na Praça Lourival Batista ficava o famoso Bar de Noélia. Noélia, aliás, de inesquecível memória em Poço Redondo, pois mulher guerreira, alegre e amiga de todo o sertão. A mãe de Teinha, Gizélia e Chiquinho, dentre outros, e esposa do famoso vaqueiro Chico de Celina, possuía bar sempre cheiroso a comida boa, pois cozinheira de mão cheia, doceira de cocada e doce de leite com bola, e sempre alegre em seu comércio.
Daí que seu bar era tomado de vaqueiros em dias de feira. Também bar preferido de afamados fazendeiros como Zé Ferreira, Ademor e Expedito Pereira. No Bar de Noélia, a dupla Vavá Machado e Marcolino, trazida pelos fazendeiros alagoanos e pernambucanos fincados nas terras de cá, já entoou cantorias famosas como “A chuva chove, molhando a face da terra, a neve cobrindo a serra, vai ter outra trovoada”. Ou “Eu vi Bela chorando, fui lhe dar consolação, findei chorando mais Bela na noite de São João. A minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora...”. Eu também choro de saudade daquele Poço Redondo antigo, onde as pessoas eram mais humanas, mais preocupadas com os destinos da povoação.
Pessoas como Mariano, Manezinho França e Amarílio, que carregavam baldes de água para regar os canteiros das praças, que cuidavam de cada flor como se estivessem cuidando de seus jardins. Um Poço Redondo doce pelos pirulitos de Dona Luisinha, da cocada de frade de Cecília de Duié, da cocada branca de Dona Quininha, do arroz-doce de Baíta, das balas de mel de Tonho Bioto. Um sertão de cheiros e sabores inesquecíveis. Ainda hoje, ao entardecer, eu sinto o cheiro bom, forte e oloroso, do café de Dona Lídia subindo pela Praça da Matriz e tomando todos os espaços. O cheiro bom e cheio de gulodices do bife acebolado e das paneladas de Dona Jarde de Mané Lameu, em sua venda de comidas em dias de feira, ali no canto do Mercado da Carne (onde hoje Luiz Carlos possui um barzinho).
De vez em quando, Maria do Piau aparecia com balde do peixinho na cabeça, e já salgado, no ponto. Piaba com cuscuz é coisa do outro mundo de gostosura. Mas muita gente preferia experimentar a carne de bode vendida na praça por Pedro Bola. Tudo assim até que a Festa de Agosto fosse aproximando e logo a chegada de Seu João Retratista, do engraxate Manezinho Tem-Tem, dos vendedores de colchas e roupas de porta em porta, mas principalmente do parque. Saudade daqueles tempos de parque.
Pontualmente, às cinco da tarde, e a música “O Milionário” (Os Incríveis), anunciava o começo das brincadeiras. Não demorava muito e o baile no mercado. Música para dançar agarradinho. E de repente uma voz ecoava My Mistake (Pholhas). Era Boca Rica, um cantor de Monte Alegre. Hoje mais conhecido como Pastor Heleno.

Escritor
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A MORTE DO CANGACEIRO - UMA CRUZ A BEIRA DO CAMINHO

Por Honório de Medeiros

A cruz de aroeira, carcomida pelo tempo – teria quase oitenta anos, repousa sob uma plataforma de tijolos grosseiros que alguma alma caridosa houve por bem construir à margem da muito antiga estrada do cajueiro, que liga Limoeiro a Mossoró. Originariamente, percebe-se facilmente, a cruz estava plantada diretamente no solo calcário. Hoje, inclusive, existe uma pequena cavidade por trás da cruz, construída com tijolos, talvez para receber velas.

Um pouco à esquerda, uma oiticica centenária zomba da fragilidade humana derramando sua sombra testemunha daquele dia fatídico. Mais além, um denso mar de algarobas, marmeleiros, juremas, mufumos, todos acinzentados pelo pó que o vento quente revolve, dá uma precisa noção do tipo de homem que é capaz de enfrentá-lo: o sertanejo!

Ali estava sepultado um tipo de sertanejo que já não existia mais. Pelo menos como nos moldes de antigamente. Um cangaceiro. Menino de Ouro? Alagoano? Dois de Ouro? Az de Ouro? Não é provável que sejam os dois primeiros, por que há relatos de fontes primárias quanto à presença deles em episódios posteriores envolvendo o cangaço. A dúvida é: qual dos dois restantes? Dois de Ouro ou Az de Ouro? Se obedecermos à ciência, que nos manda respeitar o testemunho de quem presenciou os fatos, a tendência é que tenha sido Dois de Ouro.


Honório de Medeiros, Manoel Severo e Ivanildo Silveira

Naquele dia fatídico, fugindo a passo acelerado de Mossoró, onde perdera Colchete e Jararaca, Lampião carregava consigo, tomado por dores cruciantes, esse cangaceiro que teria sido atingido por uma bala que lhe destruíra o nariz. Bala essa disparada por quem guardava os fundos da casa do Coronel Rodolpho Fernandes, respondendo ao ataque desferido sorrateiramente por comandados de Massilon, enquanto Jararaca, Colchete, e outros, ensandecidos por cachaça e adrenalina, distraiam os defensores postados à frente do casarão do Prefeito.

Lampião já parara em uma casa humilde – esse episódio é por demais conhecido – e obtivera água e sal para lavar o ferimento. Coberto de sangue, com a cabeça envolvida por um lenço sujo, o cangaceiro, entretanto, não conseguia continuar. E, à sombra da oiticica, decidiu morrer. Pediu que lhe matassem – não queria continuar. Fera tinha sido, fera era, morreria como fera. Nisso se assemelhava a qualquer samurai, que vivia para morrer, órfão do culto à batalha, às armas, e à violência.

Após muita discussão um tiro reboou no silêncio pesado da caatinga. Um seu companheiro o executou e o sepultaram em cova rasa.

No entorno da sepultura há muitas pedras – calcário. São pedras milenares. Testemunharam tudo. Pudessem relatar o que viram e ouviram contariam a nós acerca daquele momento tenebroso. Saberíamos, talvez, quem de fato teria sido o cangaceiro executado a pedidos. Diriam a nós um pouco mais acerca desses homens-feras que não temiam a morte, a sede, a fome, caminhadas sem fim por sobre um chão inóspito, debaixo do sol inclemente, fendendo a braçadas a caatinga áspera.


Bando de Lampião em Limoeiro do Norte logo após o ataque a Mossoró

Não temiam os inimigos naturais – as volantes, os “macacos”, a resistência, quando havia, dos habitantes do Sertão a quem atacavam. Não temiam a traição permanente dos coiteiros e coronéis com os quais constituíam essa página da história do Brasil recém saído da monarquia. Não temiam a morte. Não temiam nada.


Para esse cangaceiro desconhecido deixamos nossa perplexidade, algumas orações, muitas perguntas não respondidas e uma vela acesa, solitária, com a chama a teimar, trêmula, em sobreviver lutando contra o vento quente do Sertão.

Passados todos esses anos, quase um século, sua lembrança sobrevive na curiosidade de alguns apaixonados pela história do cangaço, coronéis, cantadores de viola, repentistas, místicos, jagunços, fanáticos, almocreves, todos que construíram a saga dos antepassados fundadores da cultura sertaneja nordestina, na terra sagrada por onde perambulou Lampião, Padre Cícero, o Coronel Zé Pereira e o grande, talvez o maior de todos, Zé Limeira, o poeta do absurdo...

Honório de Medeiros
Pesquisador, Escritor, Conselheiro Cariri Cangaço 

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CANGACEIRO VOLTA SECA






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UMA OUTRA ENTREVISTA DE "LAMPIÃO"



EM 1926, NO JUAZEIRO DO PADRE CÍCERO, LAMPIÃO CONCEDE ENTREVISTA AO JORNAL “A NOITE”, DO RIO DE JANEIRO, QUE TORNA PÚBLICA NA EDIÇÃO DE 19 DE ABRIL DE 1926. A SEGUIR.

UM BANDIDO QUE SE JULGA UM HERÓI
AS PROEZAS DE “LAMPIÃO” DESCRITAS POR ELE PRÓPRIO
FEITIO E CONCEPÇÕES DO CANGACEIRO.


Ainda há pouco dias, a NOITE publicava interessante correspondência da cidade cearense de Juazeiro, noticiando que a população local estava aterrorizada com o fato de ali se haver aboletado, com o seu bando, o famigerado cangaceiro “Lampião”, bandoleiro cujo nome já se tornou conhecido de norte a sul do país, através a narrativa das tropelias de toda a sorte com que em flagelando o Nordeste. Temos, agora, ensejo de estampar uma entrevista obtida do célebre bandido pelo nosso correspondente naquela cidade do Estado do Ceará, bem como várias fotografias do mesmo, umas e outras igualmente interessantes.


Eis a entrevista:

O QUE ELE PENSA DOS JORNALISTAS...

Sabedores de que Lampião se encontrava nas cercanias da cidade de Juazeiro, resolvemos ir entrevista-lo para a NOITE.

Encontramo-lo num velho sobrado, nos arredores da cidade. Estava com todo o seu grupo, que se compunha de 49 homens. Anunciada a nossa qualidade de jornalista e o desejo que tínhamos de ouvi-lo, Lampião solicitamente se prontificou em atendermos, não obstante estar certo, disse, de que os jornalistas costumam por vezes mentir.

O CANGACEIRO... POR FORA

Lampião é um homem ainda moço, e forte, aparentando 27 anos. Caboclo, de estatura regular, é franzino, dando impressão, porém, de grande agilidade de movimentos. Os olhos perscrutadores, tem, contudo, a vista sempre baixa, sobre esta pendendo os seus cabelos negros e estirados. Dir-se-ia tratar-se de um beduíno, pelo todo de sua fisionomia. Na face direita tem um sinal e uma de suas vistas, perdida, está coberta por uma crosta azulada, que lhe toma todo globo ocular.

Quando conversa, Lampião a todo momento cruza as pernas, sobrepondo-as e movendo-se de modo a chamar a atenção.

Usa óculos pretos com aros de ouro, trajando calça e paletó de brim, um uniforme muito talhado. Traz um grande lenço de seda ao pescoço, preso por grosso e largo anel de ouro, relógio e corrente também de ouro com uma libra esterlina pendente, e, ainda, dois anéis, um dos quais de brilhante.

OUVINDO LAMPIÃO

Feita a nossa apresentação, foi-nos posta uma cadeira à cabeceira de uma mesa de jantar, numa sala quase escura. Lampião colocou-se, de pé, ao nosso lado, cercando-nos os seus companheiros.

Entrando, então, a dirigir perguntas ao célebre facínora, ele foi respondendo com o maior desembaraço.

SEU VERDADEIRO NOME E FAMÍLIA A QUE PERTENCE – PORQUE SE TORNOU CANGACEIRO

Assim se expressou Lampião:

- Chamo-me Virgílio Ferreira da Silva e pertenço à humilde família Ferreira, do riacho de São Domingos, município de Vila Bela.

Meu pai, sendo constantemente perseguido pela família Nogueira e por José Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas.

Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública, por isto que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor.

Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar: consegui dizimá-las convenientemente.

UM “GRUPO” A QUE JÁ PERTENCEU

Já pertenci ao “grupo” de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois anos.

Muito me afeiçoei a este meu ex-chefe, porque é um leal e valente batalhador; tanto que se ele ainda voltasse ao cangaço, iria ser de muito boa vontade seu comandado.

POR ONDE TEM ANDADO – CONCEITOS SOBRE AS POLÍCIAS DOS ESTADOS

Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas e uma pequena parte do Ceará.

Com as polícias desses Estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é uma polícia valente, que muitos cuidados me têm dado. A da Paraíba, porém, não me merece igual conceito...

PROTETORES

- Não tenho tido, propriamente, protetores. A família Pereira, entretanto, é quem me tem protegido mais ou menos. Todavia, conto por toda parte com bons amigos, que me facilitar tudo e me escondem eficazmente quando me acho muito perseguido pelos governos. Se não tivesse necessidade de procurar meios para a manutenção dos meus companheiros poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguem.

Dos meus protetores só um me traiu: foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa, a quem, entretanto, prestei, durante anos, os mais vantajosos serviços da minha profissão.

COMO OBTÉM RECURSOS PARA MANTER O SEU PESSOAL

Neste ponto Lampião faz uma pausa. Mas, a uma pergunta nossa, logo prossegue:

- Consigo o necessário para as grandes despesas do meu batalhão pedindo aos ricos e tomando daqueles que, podendo, recusam-se a fornecer-me.

NÃO CONSEGUIU FAZER FORTUNA...

Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem chegado para as despesas com a manutenção do meu pessoal – aquisição de armas e munições, convindo notar que muito tenho despendido também com a distribuição de esmolas aos necessitados.

COMBATES E VÍTIMAS

E continuando:

- Não posso dizer, ao certo, o número de combates em que já estive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso informar o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira do meu rifle. Entretanto, lembro-me perfeitamente de que, além dos civis, já matei três oficiais de polícia, sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargento, cabos e soldados, ser-me-ia impossível guardar na memória o número dos que foram mandados para o outro mundo.

COMO TEM LOGRADO ESCAPAR À PERSEGUIÇÃO DOS GOVERNOS

Tenho conseguido escapar à tremenda perseguição que me movem os governos, brigando e correndo, quando vejo que não posso resistir ao ataque. Além disto, sou muito vigilante e confio sempre desconfiando, de modo que, dificilmente me pegarão de corpo aberto. Ainda é de notar que tenho fieis amigos e estou sempre avisado do movimento das forças. Tenho também um excelente serviço de espionagem, dispendioso, mas utilíssimo.

DEPREDAÇÕES

Já tenho cometido violências, é verdade. Isto, porém, em represália a inimigos e alguns incêndios que tenho feito têm sido em propriedades de inimigos que me perseguem.

CRIMES CONTRA A HONRA DAS FAMÍLIAS

Costumo respeitar e acatar as famílias, por mais humildes que sejam. E, se algumas vezes, companheiros meus praticam abusos com famílias, reprovo o ato e até já tenho castigado os que mais se excedem...

NÃO QUER DEIXAR O CANGAÇO...

Outra pausa. Em resposta, porém, a nossa interpelação, o famoso bandoleiro assim fala:

- Até agora não desejei abandonar a vida das armas, com a qual já me acostumei e me sinto bem. Mesmo que assim não sucedesse, não poderia deixá-la, porque os inimigos não se esquecem de mim. E, por isso, eu não posso e nem devo deixá-los tranquilos. Poderia retirar-me para um lugar longínquo, mas julgo que seria uma covardia e não quero nunca passar por covarde.

AMIGO DOS TELEGRAFISTAS, INIMIGO DOS SOLDADOS...

É ainda Lampião quem fala:

- Gosto geralmente de todas as classes. Aprecio, porém, de preferência, as classes conservadoras – agricultores, fazendeiros, comerciantes, etc., por serem os homens do trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, porque sou católico. Sou amigo dos telegrafistas, porque alguns já me têm tirado de grandes perigos. Acato aos juízes porque são os homens da lei e não atiram em ninguém. Só uma classe eu detesto: é a dos soldados, que são os meus constantes perseguidores.
Reconheço, todavia, que muitas vezes eles me perseguem porque são mandados, e é justamente por isso que ainda poupo alguns, quando os encontro fora da luta.

VALENTIA DE COMPANHEIRO

As demais palavras de Lampião foram estas:

- A meu ver, o cangaceiro mais valente do Nordeste foi Sinhô Pereira. Depois dele Luiz Padre.

Penso que Antonio Silvino foi um covarde, porque se entregou às forças do governo, em consequência de um pequeno ferimento. Eu já recebi ferimentos gravíssimos, e nem por isso me entregarei.

Conheci muito José Ignácio do “Barro”. Era um grande protetor de cangaceiro.

LAMPIÃO... LEGALISTA!

Tive um combate com os revoltosos, entre São Miguel e Alto de Areias. Informado de que eles por ali passavam, e sendo legalista, fui ataca-los, havendo forte tiroteio.

Depois de grande luta e estando apenas com 18 companheiros, vi-me forçado a recuar, deixando diversos dos inimigos feridos.

POR QUE NÃO COMPROMETE O SEU PESSOAL

Desejaria andar sempre acompanhado de numeroso grupo. Se não o organizo, conforme o meu desejo, é porque me faltam recursos materiais para a compra de armamentos e para a manutenção do pessoal. Este que me acompanha atualmente é de 49 homens, bem armados e municiados.

O meu grupo nunca foi, todavia, muito reduzido – tem variado sempre de 15 a 50 homens.

FERIMENTOS E FERIDAS

Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre estes um na cabeça e do qual só por milagre escapei. Os meus companheiros também várias vezes têm sido feridos. Possuímos, porém, no nosso grupo pessoal habilitado para tratar dos feridos, de modo que sempre, somos convenientemente tratados.

Por isto, como o senhor vê, estou forte e perfeitamente sadio, sofrendo apenas raras vezes ataques reumáticos.

RESPEITA O CEARÁ

Sempre respeitei e continuo a respeitar o estado do Ceará, porque aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e ainda porque é o Estado do Padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por este sacerdote, porque é o protetor dos humildes e dos infelizes e, sobretudo, porque há muitos anos protege as minhas irmãs que moram nesta cidade. Tem sido para com elas um verdadeiro pai.

Convém dizer que eu ainda não conhecia pessoalmente o Padre Cícero, pois é esta a primeira vez que venho ao Juazeiro.

CADA VEZ MAIS LEGALISTA

Vim agora do Cariri a ver se me incorporo a algum batalhão legalista, para cooperar no combate aos revoltosos...

A NOITE, segunda-feira, 19.04.1926

Imagens:

Virgulino Ferreira da Silva (Lampião), Padre Cícero Romão Batista e fac-símile do jornal "A Noite", com a entrevista.


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