Por Raimundo Cândido
Padre Cícero em Cratheús!
Depois que Pe.
Cícero Romão Batista celebrou, em 1871, a Missa do Galo em Tabuleiro Grande,
uma vilazinha do Crato perdida no oco do mundo, pensou que nunca mais
voltaria a ver aquele aglomerado de casinhas de taipa cobertas de palhas e que
convergiam para a singela Capelinha de N. S. das Dores. Ele nunca imaginou que
seu destino estava sacramentado naquele chão castigado por constantes secas, só
para torná-lo um solo sagrado. Tudo graças a um sonho e nele Pe. Cícero estava
presente, como na bíblica Jerusalém, na Judeia, quando treze homens de cabelos
compridos, vestidos numas túnicas brancas, celebravam a Última Ceia ao redor de
uma mesa. Um bando de sertanejos famintos, inesperadamente, invade o recinto e
um dos integrantes da Santa Ceia, o de coração em chamas, olha para o
recém-formado padre e ordena: - Você, Cícero, tome conta desta gente! Neste
exato momento nascia Juazeiro do Padim Ciço.
O sacerdote de estatura baixa, pele alva, olhos azuis e penetrantes, cabelos louros, de cajado sempre à mão e auxiliado por uma equipe de beatas, imediatamente, acaba com as constantes festas regadas à cachaça e obriga as prostitutas a confessarem seus atos pecaminosos que denegriam o povoado de Tabuleiro Grande. Nos anos de seca braba as procissões, com a imagem da Mater Dolorosa, percorriam os vilarejos da região em busca do milagre das chuvas. A fama de Padim Ciço do Juazeiro crescia e já lembrava até o velho missionário Pe. Ibiapina.
Os sertanejos, retirantes das estradas poeirentas na busca de saciar a fome, a sede e achar a salvação eterna, se dirigiam para Juazeiro. Um dia um romeiro dormiu debaixo de um pé de juá, na beira da estrada, mas antes retirou a faca do cós da calça e colocou ao lado. Ao acordar a faca de estimação tinha sumido. Outro caminhante, em arrependimento, confessa ao Padim Ciço que tinha roubado uma peixeira, de um descuidado dorminhoco, pelo caminho. Recebeu a incumbência de rezar pela expiação do pecado, para se livrar do fogo das trevas e a dura ordem de colocar a faca no mesmo local. Quando o sertanejo roubado relata o ocorrido ao padre, este lhe pede que tenha fé e lhe manda buscar a faca, que a mesma iria aparecer onde tinha sumido. De outra feita um funileiro que passava necessidades, junto à mulher e aos filhos, se recorre ao sacerdote que o manda fabricar muitas lamparinas e que não se preocupasse. Era o Mês das Almas e clérigo pede para que os fiéis tragam lamparinas para a procissão. Estava resolvido o problema do latoeiro.
A grande fama se consuma com o prodígio da beata Maria de Araújo, o milagre da hóstia. Numa sexta-feira da quaresma de 1889, quando a hóstia tocou na língua de Maria ela entrou em transe e o Pão Sagrado mudou de cor, transformando em sangue que lhe escorria pelos lábios. Estava consagrado o ato que levaria Padim Ciço ao calvário da sua vida, pois D. Joaquim José, bispo de Fortaleza, o suspendeu das faculdades de confessar, pregar, administrar sacramentos e que deixasse Juazeiro até resolverem se ele era mesmo um santo ou um mero embusteiro. O Padre do Juazeiro estava excomungado!
Enquanto a Igreja não resolvia o seu caso, o Padre andava pelo sertão, participava das festas religiosas e até aceitava alguns convites para ser padrinho nos batizados.
Aceitou o convite do crateuense José Coriolano Correia Lima, um parente do poeta José Coriolano, para apadrinhar a sua filha Zulmira, pois os Correia Lima eram descendentes direto de um dos colonizadores do Cariri, o português Bento Correia Lima, como também em gratidão ao médico Idelfonso Correia Lima, por atestar o milagre da hóstia se transformando em sangue vivo.
A viagem foi penosa por compridas léguas distantes. Dias e dias cavalgando em lombo de animais que precisavam descansar e repor as energias. Às vezes o Padim Ciço dormia cavalgando, arriando a cabeça sobre o peito, um velho habita seu. E pensava em seu destino, desejoso de ir à Roma explicar todo o mal entendido e ser reabilitado.
A Vila Príncipe Imperial já era conhecida por Cratheús quando Padim Ciço por aqui chegou, em agosto de 1893. A igreja Senhor do Bonfim, um templo precisando de reformas, tinha como sacerdote o Pe. Antônio Cavalcante de Macedo e Albuquerque. O Batizado ocorreu na igreja paroquial da vila, a criança teve como padrinhos o Pe. Cícero Romão Batista e o tio Manoel Correia Lima. O Pe. Macedo começa o rito, em latim: - Zulmira Coriolano, Quid petis ab Ecclesia Dei? E o padrinho, Cícero Batista responde, pela afilhada: - Fidem! O ministro oficial continua: -Fides, quid tibi praestat? E o Padim Ciço replica: - Vitam aeternam. Cerimonia assim registrada no batistério dos anos de 1891 a 1899, na pág 43, na Diocese de Cratheús.
Depois do batizado e da grande festa na casa de José Coriolano onde Pe. Cícero se hospedara, descansa e retorna levando palpáveis donativos para difícil empreitada em Roma, na luta pela sua absolvição. E, na longa cavalgada de volta, nem imagina o levita do Juazeiro que outras difíceis batalhas terá que enfrentar, além da que o espera no Santo Oficio: A posse como primeiro prefeito do Juazeiro, nomeado pelo governador Nogueira Acioli, tornando-se um forte coronel na política do Cariri, o confronto da Sedição de Juazeiro onde Pe. Cícero, com um exército de jagunços, derrotou as forças do Governo Federal, depondo Franco Rabelo e a visita do famigerado cangaceiro Lampião que saiu de Juazeiro muito bem armado e com o título de “capitão” pronto para matar mais “macacos”. Tornar Juazeiro do Norte uma megalópoles tem sido uma tarefa fácil, difícil será concretizar sua última missão, a de satisfazer os romeiros que já o canonizaram e que vivem cantando uma implorante ladainha: - “Olha lá, no alto do horto, ele tá vivo, padre não tá morto!” Volta, meu Padim Ciço! Volta!!!
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