Por Doizinho Quental
O coiteiro Mané Félix
O conhecimento mais apurado das
origens dos cangaceiros, coiteiros e volantes do tempo do cangaço se fazem
necessário, para situarmos melhor os nossos contos e curiosidades.
Nada mais plausível do que
recorrermos ao livro "Cangaceiros, coiteiros e volantes" do mestre e
escritor José Anderson Nascimento, com a sua prestimosa autorização, para
situarmos estes integrantes do cangaço no seu tempo e sabermos suas
origens.
“A partir da primeira metade do
século XIX, a dura realidade do sertão nordestino, onde predominava intensa
miséria e injustiça social, criou-se uma manifestação caracterizada pelo
banditismo, com a denominação de cangaço”.
O termo cangaço já era conhecido
desde 1834, e se referia a certos indivíduos que andavam armados, com chapéus
de couro, carabinas, cartucheiras e longas facas enterçadas batendo na coxa.
Levavam as carabinas passadas pelos ombros, tal como um boi no jugo, na canga.
Daí decorreu a significação cangaço e dela derivando o vocábulo cangaceiro,
para identificar aquele bandido do sertão nordestino, que andava sempre fortemente
armado.
A fama de Jesuíno Brilhante,
Antônio Silvino, Lampião e mais alguns cangaceiros que se tornaram lendários,
ofusca os nomes de outros bandidos rurais tão famosos quanto eles em sua época.
Famosos, frios e destemidos, a exemplo de Diogo da Rocha Filgueira, o
Dioguinho, que agia no oeste paulista no final do século passado.
Mais cruel que Dioguinho só mesmo
Lucas da Feira, escravo fugitivo que atacava nas redondezas de Feira de
Santana, na Bahia.
Tanto Lucas da Feira, como
Dioguinho, apesar de agirem em área rural não podem ser considerados
"bandidos sociais". O baiano não passava de um salteador de estrada e
o paulista, de um bandido bem protegido.
O banditismo social nasceu de
forma muito diferente. Teve a sua base em fatos de natureza econômica e social.
Jagunço, cabra, bandoleiro ou
cangaceiro, era o inadaptado à civilização litorânea, o retardatário, o
reacionário contra as normas de uma nova sociedade.
Surgiram, em grupo, ao aceno de
um companheiro mais terrível.
Banditismo grupalista, banditismo
tribal ou familiar, banditismo social, impulsionados todos por fatores de ordem
social ou antropológica.
No quadro do banditismo do
Nordeste houve uma divisão em dois grandes grupos: o primeiro constituído pelo
jagunço ou capanga que sempre figurou como bandido comum, um mercenário ou
guarda-costas, também conhecido como pistoleiro, a serviço do poder econômico
nas lutas em torno de limites de propriedades entre famílias ou políticas; o
segundo formou-se com os cangaceiros que, de certa forma podem ser apresentados
como "bandidos sociais", uma vez que eram apoiados pela comunidade, a
qual legitimava os seus atos e colaborava no fornecimento de alimentos,
esconderijos e informações.
Vingar a honra da família
constituía o portão de entrada do jovem sertanejo para o cangaço. Foi por essa
causa que Jesuíno Alves de Melo Calado, o Jesuíno Brilhante, "caiu"
no cangaço, no Rio Grande do Norte. Ganhou fama ao ajudar os flagelados da seca
de 1877, e morreu lutando com a polícia, na Paraíba.
Na mesma época, afora Brilhante,
surgiram os bandos dos Viriatos, Quirinos e Calangros.
No início da República era famoso
o cangaceiro Antônio Silvino, que só foi preso em 1914. Conduzido à cadeia do
Recife e condenado a 32 anos de prisão, cumpriu 28 e foi indultado pelo
Presidente Getúlio Vargas. Faleceu em 1944, aos 79 anos de idade.
“Outro bandido famoso foi Sinhô
Pereira, que só aderiu à vida cangaceira para vingar a morte do seu irmão Né
Pereira, no sertão pernambucano de Serra Talhada.”
Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião, o mais famoso cangaceiro do Nordeste, segundo alguns
historiadores, nasceu em 7 de julho de 1897, no sitio Passagem de Pedra
município de Vila Bela ( hoje Serra Talhada); estado de Pernambuco.
Outros afirmam categoricamente
que este famigerado cangaceiro nasceu em 6 de junho de 1898.
Dotado de uma inteligência acima
do normal, Virgulino tinha facilidade de trabalhar com qualquer atividade. As
funções de vaqueiro, almocreve, soleiro, pedreiro, tocador de sanfona, poeta e
cangaceiro, executou sempre com a mania de perfeição.
Ainda jovem, juntamente com os
seus dois irmãos mais idosos, Antônio Ferreira e Livino, meteram-se em
encrencas com os vizinhos, Zé Saturnino e João Nogueira, genro e sogro,
considerados homens ambiciosos e maus, terminando por entrarem nas
desgraças do cangaço, fazendo justiça com as próprias mãos, já que as
autoridades da época, foram partidárias, levianas, e coniventes com Zé
Saturnino e João Nogueira, agricultores mais abastados. Alguém declarou que se
não tivesse existido Zé Saturnino, não teria havido Lampião. Entretanto,
escritores célebres asseguram que a sua índole perversa e má terminaria
aflorando, até mesmo se ele tivesse sido educado em seminário de jesuítas: “o
carneiro aprende a dar marrada, nem que seja criado em chiqueiro de
cabras".
Lampião foi considerado, por
muitos entendidos, como um cangaceiro de personalidade múltipla; um
esquizofrênico, mau e vingativo. A história mostra que este celerado praticou
atos vis, desumanos e de um sadismo que revoltou o mundo. No entanto, vários
autores escreveram sobre atos de humanismo,
Em entrevista prestada pelo
ex-cangaceiro Oliveira ou Alagoano, aos autores do livro Lampião e o
Estado Maior do Cangaço, de Hilário Lucetti e Magérbio de Lucena - Edição de
1985, declara: - "Durante o tempo que andei com Lampião, quando a gente
estava no Ceará, ele dizia logo: - Cuidado que este é um Estado que eu
respeito! E ninguém tomava nada de ninguém, não matava ninguém. Lampião não
gostava de dar surras. Para pegar um pobre paisano desarmado e
dar-lhe uma pisa, dizia, não é vantagem para um homem. Vantagem para um
homem é falar alto para outro armado! Não se davam bolos. As moças tinham que
ser respeitadas. O padre Cícero tinha pedido para ele respeitar moças, senhoras
casadas e seus romeiros, dizendo que se fizesse isso, ele morreria de velho em
sua cama."
Portanto, momentos ensandecidos e
rasgos de humanismo, foram perpetrados por essa personalidade controvertida.
Lampião foi proclamado por seus
asseclas, como vimos acima, de justo e defensor das mulheres e donzelas,
todavia, temos relatos de que nem sempre agiu assim, pois chegou a ferrar
senhoras e moças, como se fossem animais. Em outras ocasiões,
investiu contra mulheres de bem e pacatas donzelas,
satisfazendo os seus instintos bestiais de sexo, onde todo o seu bando de
réprobos o acompanhou, numa sevícia e torpeza inigualáveis, deixando as vítimas
em estado de torpor.
Apesar de, em 4 de abril de 1926,
na cidade de Juazeiro do Norte, quando entrevistado pelo repórter Otacílio
Macedo, ter confessado que agia sempre com justiça, os fatos comprovam seus
crimes hediondos, de uma perversidade que extrapolam os limites do irascível.
Com toda a sorte de crimes
hediondos praticados por ele e pela turba de demônios que o acompanhavam, é de
admirar que este celerado ainda seja lembrado como um defensor do sertão
nordestino. A verdade, cremos, é que Lampião, quando defendeu seus interesses,
foi amigo do pobre, do miserável e do rico coronel de barranco, se estes fossem
os seus provedores. Defendia a ferro e fogo os seus coiteiros, e os trucidava
quando era traído pelos mesmos.
Virgulino Ferreira da Silva,
Lampião, foi fruto da sanha perversa e doentia, de um tempo onde o coronel de
barranco era o senhor absoluto de tudo e de todos. Aqueles que "não
honravam os dois maracujás que carregavam na forquilha", eram
vilipendiados, espezinhados e difamados pelos potentes régulos da época do
cangaço. Porém alguns, como o rei do cangaço, não transportavam nas suas veias
o sangue do pacífico homem ou do medroso renegado, que suja as calças na hora
da luta. De uma impetuosidade sem tamanho, partiu inicialmente com seus dois
irmãos, para as vinditas ferrenhas pelas injustiças sofridas.
Como muitos imaginam, ele não
entrou no cangaço porque mataram seu pai, José Ferreira; o seu genitor
foi morto covardemente por José Lucena, em consequência de Lampião e seus
irmãos já terem abraçado o cangaço.
Daí para frente as suas
"vinganças tornaram-se malignas".
Agora você pergunta: - como pode
existir oportunidade para se realizar um trabalho de humor, sobre este ser
cruel e vingativo? Matutamos por bastante tempo sobre esta verdade
incontestável e ficamos espantados com o resultado das pesquisas que
fizemos; mais uma vez comprovamos que "o que dá pra rir dá pra
chorar", como enfatiza a canção.
A nossa intenção
não é contar a história de Lampião, mas relatar, como
já dissemos, fatos, histórias jocosas, curiosidades que grassaram naquela época
de trancos e barrancos, onde o trabuco falava mais alto do que os poderes da
justiça.
Para aqueles que realmente querem
saber sobre a vida de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, no final deste
livro, fazemos recomendação das principais obras que devem ser consultadas.
“Como componentes do cangaço
estão os coiteiros e as volantes”.
Os coiteiros eram os indivíduos
que davam asilo aos bandidos ou os protegiam, em decorrência de parentesco,
simpatia, interesse ou medo.
As volantes eram tropas ligeiras
e contavam com 20 a 60 soldados (macacos) das Forças Públicas dos estados.
apoiados por guias, rastejadores e pombeiros (alcaguetes).
Algumas usavam metralhadoras Hoctkiss
(beijo quente), de 32 tiros. Muitas volantes se notabilizaram na caça aos
bandidos, especialmente as de Teófanes Torres, Manuel Neto, Quelé, Zé Lucena,
Baltazar, Zé Rufino e a de João Bezerra.
A caatinga, tipo de vegetação
característica do Nordeste brasileiro, formada por pequenas árvores, comumente
espinhosas, que perdem as folhas no curso da longa estação seca, era o habitat
natural dos cangaceiros.”
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