Por: Rubens Antonio(*)
10 de agosto
de 1927, no “Diario da Bahia”:
A HORDA SINISTRA
organização do bando de Lampeão
O ataque a Mossoró
Sabendo recentemente chegado do nordeste brasileiro, zona infestada pelos
bandoleiros do famigerado Lampeão, o academico Raul Fernandes, filho do
prefeito da cidade de Mossoró, fomos á sua residência, á Rua do Tijolo 21, no
sentido de obtermos esclarecimentos sobre o recente assalto áquella próspera
cidade pelos bandidos da trinca sinistra Lampeão – Sabino – Massilon, ora
colligados para a consecução funesta do devastamento e inquietação do nordeste
brasileiro.
Apresentados pelo seu collega Aurelino Navarro, recebeu–nos o academico Raul
Fernandes, amavelmente, e para logo se dispos a nos prestar todos os
esclarecimentos precisos, offertando–nos tambem farta documentação
photographica do que foi o assalto a Mossoró.
– Que pode nos dizer do assalto a Mossoró e da organização do bando de
Virgulino?
– Desde que esta hora de vandalos vagueia pelos sertões nordestinos, disse o
nosso entrevistado, é esta uma das coisas que mais desperta o interesse
publico: saber da organização do bando, de como vivem e qual o seu ideal.
Durante a minha recente viajem de Natal para este porto, faziam–me a bordo,
repetidamente estas perguntas.
Acho–me felizmente apparelhado para respondel–as, uma vez que conversei
largamente com um dos bandoleiros, Jararáca, mortalmente ferido no ataqu a
Mossoró.
A organização do bando é a mesma das sociedades primitivas. O chefe, capitão
Virgulino, occupa este lugar porque (declaração de Jararáca), é o mais velho do
grupo, o que tem mais dinheiro, o que melhor atira e o que “tem melhor tino no
combate”.
– Quaes os auxiliares de Lampeão?
– O seu lugar tenente é o Sabino Leite, seguido por Massilon, ambos 1°s
Tenentes no bando. A seguir vêm Jararáca, (hoje morto), Colchete, (tambem
morto), Az de ouro, Chá preto, Candieiro, Pinga–fôgo etc. Alguns destes appellidos
de guerra partem de superstições como o de “Rio preto”, nome de um celebre
negro da Parahyba, malfeitor consummado e que todos acreditam piamente, “bala
não lhe entrar no couro”.
– Que nos diz do physico destes homens e do seu gráo de ferocidade?
– Todos são homens validos, apresentando os caracteres de audacia e menosprezo
pela vida, que a penna fulgurante de Euclydes da Cunha tão bem plasmou na sua
“Troya sertaneja” immortal.
Verdadeiramente selvagens, na sua marcha pelos sertões postam–se como acabados
cannibaes na desvastação pavorosa de tudo que lhes entrave o passo.
– Qual a impressão que faz do bando o povo dos sertões?
– No nordeste a palavra Lampeão causa panico é pronunciada entre demonstrações
de odio e pavor. Durante os assaltos praticam os bandidos toda sorte de
atrocidades. Matam, roubam, saqueiam, devastam: não respeitam as donzellas e
até creanças têm sido sacrificadas.
Os soldados que lhes cáem nas mãos são sangrados impiedosamente.
– Como
procedem para “requisições” de dinheiro?
Só aos chefes assiste o direito fazer taes requisições, e uma particularidade
interessante dos combates é a seguinte.
Toda vez que tomba morto um dos bandidos é destacado um companheiro para
tirar–lhe as armas. Foi assim que foi ferido Jararáca, quando vier, descoberto,
ousadamente tirar as armas do seu camarada Colchete, morto durante o assalto.
– E a disciplina é solida entre os bandidos?
A não ser nos momentos do perigo não obedecem aos seus chefes, fazendo cada
qual por si nas occasiões de saque e de pilhagem, quando praticam, como
afiancei ha pouco, toda sorte de atrocidades.
Ao que nos consta, os bandidos usam um fusil mauser modelo 1908, arma privativa
do exercito!
– Perfeitamente; usam deste typo de fusil, punhal longo, bornaes, e
cartucheiras com capacidade para 100 balas. A roupa em geral é kaki; chapeu
vistoso e alpercatas. São muito vaidosos dos seus trajes e quasi que o luxo das
vestes é uma caracteristica da posição elevada que cada bandido occupa no
grupo.
Jararáca
quando foi preso trazia ricas alpercatas e meias de seda. Contou que fôra
reservista do exercito e telegraphista por muitos annos.
– Sabe se os bandidos têm signaes que os orientem nos combates?
Sim, têm um corneteiro e usam uma especie de codigo, combinação de tiros
repetidos ou espaçados que lhes indicam posição, proximidade do inimigo, etc.
Quando em desncanço costumam contar suas façanhas e tambem dançar e canta o
ccôco “Mulher rendeira”, ao som de um realejo cujo côro é o seguinte:
“Ê mulhé rendeira
Ê mulhé rendá,
A volta de Lampeão
Crua é p’ra se daná...”
– A propósito, é verdade que padre Cicero protege Lampeão?
– É sabido e notorio isso e Jararáca, em seu depoimento, disse que quando o
grupo opera no Ceará, abriga–se nas fazendas dos coroneis Souto e Ferraz e quando
está no Pagehú seu refugio é a caatinga.
– Mas afinal qual o objectivo de Lampeão, qual o seu “ideal”?
– Narrou Jararáca que Lampeão declarava sempre que o dinheiro que adquiria era
para comprar os officiaes das policias que o eprseguem e tambem pretende fazer
a sua independencia, indo residir em Goyas.
Alguns dos bandidos adheriram ao
grupo por satisfazerem vinganças, outros por decidida propensão para o crime.
– E agora, quanto ao ataque a Mossoró?
– Minha cidade natal soffreu dias terriveis de angustiosa inquietação desde que
recebeu o prefeito as cartas ameaçadoras do bandido exigindo 400 contos e
avisando do proximo assalto. A cidade preparou–se como poude para a defesa,
armando–se a população civil, retirando–se as familias e levantando–se trincheiras,
como documentam as photogrphias que apresento. Chegou o dia do assalto e o
rezultado foi a fuga dos bandoleiros abandonando um morto e um ferido, ficando
varios delles perdidos no matto como soubemos depois.
– Soubemos que foi energica e efficaz, heroica mesmo a acção do Cel. Rodolpho
Fernandes?!
– Sou suspeito para falar da acção de meu pae, ma so povo de Mossoró é
testemunha de que elle soube cumprir o seu dever.
Estavamos satisfeitissimos com as declarações do jovem Raul Fernandes e demos
por terminada a nossa entrevista, agradecendo–lhe a bôa vontade com que nos
ouviu.
.
A titulo de curiosidade reproduzimos aqui o “ultimatum” de Lampeão ao prefeito
de Mossoró, e a resposta deste:
.
“Cel. Rodolpho
Estando eu até aqui pretendo é dinheiro. Já foi um aviso ahi para o senhor, se
por acauzo resolver mi a mandar me a importancia que nós pede Eu envito de
Entrada ahí, porem não viado, esta importancia eu entrarei até ahi penso que
Adeus querer eu entro e vai aver muito estrago, po isto se vir o dinheiro eu não
entro ahi mais mande resposta logo.
Capm. Lampeão.
Virgolino Lampeão
Recebi o seu bilhete e respondo–lhe dizendo que não tenho a importancia que
pede e nem tambem o Commercio O Banco está fechado tendo os funccionarios se
retirado daqui. Estamos dispostos acarretar com tudo o que o Sr. queira fazer
contra nós. A cidade acha se firmemente inabalavel na sua defesa confiando na
mesma.
Rodolpho Fernandes
Prefeito
(*) Mestre em
Geologia, cursou Geologia, Artes Plásticas e História, entende-se como um Historiador
Natural, com aspectos também de Filósofo Natural. Ministrou aulas, na
Universidade Estadual da Bahia - UNEB de: - Antropologia - Epistemologia -
Metodologia do Trabalho Científico - Ensino de História - Elementos de Geologia
- Paleontologia - Sedimentologia - História da Ciência * email:
historiageologica@gmail.com
Enviado pelo
Rubens Antonio