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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Recado de um Nazareno - Por: Manoel Severo

Marilourdes Ferraz

Neste último mês de Junho tivemos o prazer de receber o abraço de Fabiano Ferraz, representante de uma das mais tradicionais famílias da famosa e "encardida" Vila de Nazaré, berço daqueles que se notabilizaram como os mais ferrenhos perseguidores de Lampião: Os Nazarenos. Fabiano Ferraz é filho da grande pesquisadora e escritora Marilourdes Ferraz e neto do não menos emblemático Manoel Flor, um dos mais destacados Nazarenos. Fabiano Ferraz com a gentileza própria de sua família nos endereçou a seguinte mensagem...

"Boa Tarde Sr. Manoel Severo.

Sou filho da escritora Marilourdes Ferraz, autora do livro O Canto do Acauã, e gostaria de consultá-lo acerca da possibilidade de inserirmos no blog "Cariri Cangaço" um Cordel que foi produzido recentemente em homenagem ao meu avô, o Cel. Manoel de Souza Ferraz (Manoel Flor) da força volante de Nazaré. O Cordel chama-se "Guerreiro do Bem" e relata toda a sua trajetória de vida desde a infância, permeando pelos anos de luta contra o facínora Lampião, dentre outros momentos de relevância histórica. Face o exposto, peço-lhe a gentileza da autorização para colocarmos o Cordel em seu renomado blog e coloco-me à disposição.

Atenciosamente, Fabiano Ferraz"

Dessa forma gostaríamos de, nas postagens abaixo, reproduzir o cordel em homenagem ao grande Manoel Flor , de autoria do cordelista Junior Vieira, e dizer ao nosso amigo Fabiano Ferraz de nossa grande satisfação em tê-lo como o mais novo membro da família Cariri Cangaço, seja bem vindo companheiro, a casa é sua!

Manoel Severo

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Manoel Flor, o Guerreiro do Bem - Parte I - Por: Junior Vieira

Cel. Manoel Flor


Tem muita coisa que o tempo
Carrega, leva e não trás
Mas algumas sobrevivem,
Ninguém esquece jamais,
Falemos do Coronel
Manoel de Souza Ferraz.


Mil novecentos e hum,
A vinte de fevereiro,
Fazenda Campo da Ema
Nasce o nobre brasileiro
E Floresta perfumando
O berço desse guerreiro!


João de Souza Nogueira,
O seu genitor de fé
Era subdelegado
Da Vila de Nazaré
E Dona Angélica Teodora
Sua estimada mulher.


Para dar sorte ao menino,
Seu João Nogueira botou:
"Manoel de Souza Ferraz",
O mesmo nome do avô,
E Florência Felismina
de Sá, era a vovó "Flor"!

Vamos falar da criança,
Abençoado menino
Que cumprindo a profecia
Ou capricho do destino,
Começa o aprendizado
Onde estudou Virgolino!


Veja só como é a vida,
Como o destino é profano,
Dividiram brincadeiras,
Era um viver mano a mano,
Mesma escola e professor
Mestre Domingos Soriano.


Com certeza essas crianças
Nesses encontros frequentes,
Nem podiam imaginar
Que depois de independentes
Tornariam-se rivais
Por caminhos diferentes.


Manoel segue o caminho
Em defesa da moral,
Da honra do sertanejo;
Lampião compra punhal,
Bala, fuzil, mosquetão
E segue o caminho do mal!


Mas vamos voltar no tempo,
De jegue e de pangaré,
Era o transporte que havia
Pra ninguém andar a pé...
Manoel aos dezesseis anos
Já fundava Nazaré!


Aí Manoel Flor tornou-se,
Pelo seu idealismo,
Respeitado e conhecido
Pelo seu grande heroismo,
Por sua luta incansável
Pra acabar o banditismo.
Júnior Vieira


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LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE ( I )

Por: Clerisvaldo B. Chagas - Crônica nº 809

Alagoas, no geral, sempre foi um estado quase arredio para assunto de cangaço e para cantador repentista. Talvez, pelo gosto mais reservado para esses temas, não tenha havido repercussão por aqui do livro embargado pela Justiça“Lampião, o Mata Sete”, do juiz Pedro de Morais. Grandes repentistas e famosos livros sobre Lampião também não causam impacto nenhum no “Paraíso das Águas”, assim como já antevejo o nosso “Lampião em Alagoas”, cujo esforço está concentrado para o lançamento ainda este mês.

Embargado pela Justiça, através da família Ferreira, “Lampião, o Mata Sete”, conseguiu escapar com alguns exemplares, lidos por abnegados pesquisadores do tema cangaço. Alguns ficaram horrorizados com as baboseiras e delírios do autor (um verdadeiro Zé Limeira cantador do absurdo). Confesso que não li o citado livro que, mesmo clandestino, não circulou por essas bandas. Reagindo aos sonhos eróticos do juiz, surgiu na praça um veemente protesto comandado pelo livro antagônico “Lampião contra o Mata Sete”, do delegado de polícia, estreante na Literatura e como novo escritor do cangaço, colunista, “blogueiro” e pesquisador Archimedes Marques, no estado sergipano.


Quando o escritor atinge certa idade, reduz quase a zero a sua leitura livresca em troca das escritas frenéticas como a querer reconquistar o tempo. Pela minha parte, abri exceção para o início da frase acima, ao receber o calhamaço de 552 páginas do homem da lei Archimedes Marques. Há muito, não passando de uma leitura de 50 páginas, mergulhei no “Lampião contra o Mata Sete”, como nos velhos tempos da adolescência, lendo-o em dois dias. Sobre qualquer tipo de assunto, desde a crônica ao romance, tenho atração pelo fraseado simples, acessível, porém, mágico, burilado e criativo que faz a diferença entre o ótimo escrito da pessoa comum e o jogo atrativo de palavras e frases literárias. É assim que Archimedes consegue levar o leitor até o fim do livro como se fosse a sua linguagem a de um veterano escritor de qualquer coisa. Portanto, esse seu estilo, é um dos atrativos das páginas contra o “Mata Sete”.

Lendo o livro de Marques, não preciso mais espiar a safadeza de “Lampião, o Mata Sete”, pois as constantes citações sobre ele − apresentadas e contestadas por Archimedes − provocam náuseas desde os escritores sérios às raparigas mais fuleiras dos becos do Nordeste. O livro “Lampião contra o Mata Sete”, de Archimedes Marques, é um terremoto máximo nas pretensões do juiz aposentado Pedro de Morais.  
(continua amanhã).

Enviado pelo Delegado de Polícia Civil no Estado de Sergipe, Dr. Archimedes Marques, autor do livro: "Lampião Contra o Mata Sete"

LAMPIÃO NO MUNDO DAS CELEBRIDADES

Por: Ancelmo Goes(*)

Octavio Iani ( 1926/2004), considerado um dos fundadores da sociologia no Brasil, tem um belo estudo sobre tipos e mitos do pensamento brasileiro. Para ele, o Brasil pode ser visto ainda como um país, uma sociedade nacional, uma nação ou um Estado-não nação em busca de um conceito. É neste processo de buscar uma cara que florescem as figuras e as figurações, os mitos e as mitificações de "Lampião", "Padre Cícero", "Antonio Conselheiro", "Tiradentes", "Zumbi" e outros, reais e imaginários.

No caso de Tiradentes, nosso herói maior, a propaganda republicana, na ausência de um retrato feito por alguém que realmente o tivesse conhecido pessoalmente, o pintou como Cristo. Aquelas barbas podem ser pura imaginação do retratista, já que naquela época, como em alguns lugares hoje, preso não podia deixar crescer barba ou cabelo por causa dos piolhos.


Com Lampião, o processo de mitificação  é interminável. Afinal, ele é  filho famoso de uma terra de cantadores de feira e de cordelistas, onde a imaginação, e não só talento, também corre solta. Tanto que nas últimas décadas  muitos tentaram promover a transposição da imagem de Lampião de "facínora"  para uma espécie de versão tupiniquim do "Bandido Giuliano", o fora da lei que virou  herói siciliano na primeira metade do  século XX e que foi retrato nas telas no clássico de  Francesco Rosi.

Acho ainda que Lampião, como ocorre com muitos outros personagens da nossa história, está sendo redescoberto pela ótica do culto da invasão da privacidade, uma das marcas dos tempos atuais. Em suas covas, mesmo enterrados  há 50, 100, 200 anos, eles não conseguiram escapar de um mundo que se transformou numa  Big Brother. Viraram "Celebridades", e portanto sujeitos a bisbilhotices, ou fofocas mesmo, sobre seus afetos, romances e até opção sexual. Talvez seja por isso que surgem agora  questionamentos sobre a sexualidade "Zumbi" e  mais recentemente de "Lampião".


Neste livro, Archimedes Marques procura desmontar, pedra por pedra, o mito do Lampião gay. Vale a pena conferir.
Ancelmo Gois (Colunista do Jornal O GLOBO)

Extraído deste site:


do Dr. Archimedes Marques

Um cruel cangaceiro

Por: Juarez Conrado - Jornalista

As pessoas que sangrava
Gato antes torturava
Por ser perverso e ruim
Foram seis os caçadores
Que sofrendo horríveis dores
Também morreram assi 

No Raso da Catarina
Foi grande a carnificina
Das muitas feitas por Gato
O sangue deles jorrava
O bandido graça achava 
Naquele horrível  ato 

Corisco, Engrácia, Mariano
Sereno, Coqueiro, Baiano
Em nada ficavam atrás
De Gato, feroz matador
Que implantando o terror 
Parecia satanás  

Do autor

Não será difícil apontar-se os cangaceiros de Virgulino que mais se destacaram pelo seu alto índice de crueldade, homens que se compraziam, cada qual a seu modo, em torturar as vítimas antes de matá-las. 
 Vários foram os sanguinários indivíduos que se integraram à horda de bandidos, todos eles frios e impiedosos, verdadeiras feras com formas humanas e que se tornaram, pelo sertão afora, respeitados e temidos pelas atrocidades que praticavam. 


O cangaceiro Gato

Era o caso, por exemplo, do tenebroso Gato, descendente dos índios pankarerés, do Raso da Catarina, como eram igualmente, Mourão, Inacinha, Antonia, Mormaço, Catarina, Criança, Balão, Ana, Julinha, Luiz e Juana. Duas irmãs de Gato também ingressaram no cangaço. Julinha, mulher de Mourão (por sinal, seu primo), e Rosalina Maria da Conceição. 


Raso da Catarina

Gato, já com alguns crimes a ele creditados, logo após ligar-se ao grupo de cangaceiros tentou praticar um ato realmente inominável, cortar a língua de sua própria mãe por ter chegado ao seu conhecimento a insatisfação da mesma em vê-lo integrado ao cangaço. Por isso, sempre denunciava a passagem de Lampião pelas redondezas da localidade onde morava.


O crime não se consumou porque a pobre senhora, ciente da ameaça que lhe fazia o filho, fugiu para a roça de uma irmã, onde permaneceu escondida.
De uma só vez Gato matou seis pessoas de uma família porque, com o desaparecimento de algumas criações (bodes) teriam lhe acusado da prática do roubo, fato ocorrido antes de ser cangaceiro. Sempre prometendo vingar-se dos seus denunciantes, pois, na verdade, como ficou compreendido, não foi ele realmente quem levou os animais, matou Calixto Rufino Barbosa e seu vaqueiro de nome Brás e invadido, logo em seguida, a casa do senhor Valério onde sangrou Luiz Major e seus filhos Silvino e Antonio, além do sobrinho Inocêncio. 
Em meio a uma festa à qual Lampião se fez presente com alguns dos seus “minino”, Mourão e Mormaço, bastante embriagados, passaram a disparar vários tiros para o alto. Virgulino, muito irritado, determinou que o seu subordinado tomasse providências contra ambos. 
Gato de pronto, com sua canina fidelidade e muita obediência ao chefe, matou os companheiros, não se preocupando com os apelos de Mourão, lembrando-lhe que eram seus primos. 


A cangaceira Antonia Pereira da Silva 

Casado com a jovem Antonia Pereira Silva, que morava em companhia de uma senhora conhecida como D. Sinhá, lá das Caraíbas, amada assim sequestrou a índia Inacinha, prima de sua própria mulher. 


A índia e cangaceira Iacinha 

Antonia, justamente revoltada, não aceitou a proposta do cangaceiro de manter um triângulo amoroso com ela e a parenta. Queixou-se a Lampião, e não esperando qualquer decisão do mesmo fugiu pela madrugada para a casa de  um tio, onde permaneceu até a extinção do bando. Ao deixar o cangaceiro, Antonia estava grávida e Gato, embora sempre se mostrasse muito feliz com isso, não teve oportunidade de ver o filho, uma vez que, além de estar separado da mulher, no mesmo dia em o garoto  nasceu travava combate com a volante do tenente Bezerra, em Piranhas, onde morreu baleado.

Nota: A cangaceira Antonia Pereira da Silva faleceu a poucos anos, com mais de 100 anos vividos.

Extraído do livro: 
"Lampião assaltos e morte em Sergipe".
Autor:Juarez Conrado
Jornalista e escritor
Páginas: 38 e 39
Aracaju - Sergipe
Ano de publicação: 
2010 

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LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE

Por: Sabino Bassetti(*)

 LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE

Quando no ano passado saiu o livro Lampião, o Mata Sete, houve um verdadeiro alvoroço entre os pesquisadores e historiadores do cangaço. Todos aqueles que entendem pouco ou bastante sobre a história de Lampião ficaram escandalizados. Eu disse aos meus amigos pesquisadores que me recusava a comprar ou ler o citado livro. Depois, pensando bem no assunto resolvi comprar o livro. Como eu iria poder contestar o livro sem conhecer seu conteúdo? Comprei o livro e o li com bastante atenção. Desde a minha mocidade que leio sobre cangaço, li quase tudo aquilo que foi escrito sobre o tema. Confesso que nunca na minha vida havia lido tanta besteira juntas. A primeira coisa que notei, foi que o autor nada entende sobre o cangaço e nem sobre Lampião.


O autor diz claramente no livro, que Lampião era um covarde, além de corno e viado. Só que o autor faz essas acusações, baseado-se em fatos sem nenhum fundamento. A argumentação que ele usa são fraquíssimas. Só que dizendo isso, o autor jogou na lata de lixo o trabalho de tantos anos de todos aqueles que pesquisam o cangaço. Francamente, eu achei que aqueles pesquisadores tidos como os  mais famosos, aqueles que tem acesso a imprensa seja ela escrita, falada ou televisada, iriam estrilar, iriam responder a altura, isto é, iriam peitar o autor do tal livro, porém, isso não aconteceu. Sem citar nomes para não cometer injustiça, eu e vários outros pesquisadores postamos algumas matérias contrárias ao tal livro em diversos blogs que tratam do assunto cangaço, mas a coisa parou por aí.

Dr. Archimedes Marques

A pouco tempo atrás, soubemos que o delegado de polícia Dr. Archimedes Marques, também lá da bela Aracaju, estava escrevendo um livro contestando tudo o que está escrito no livro Lampião, o Mata Sete. Para minha alegria, recebi a título de cortesia um exemplar do livro Lampião CONTRA o Mata Sete enviado pelo autor.



No livro, o autor além dos seus conhecimentos, utiliza trechos de diversos livros e depoimentos de diversas pessoas, para devagar, porém com muito critério ir apontando a avalanche de erros cometidos pelo autor do tal livro. Felizmente, agora já podemos dizer que a afronta cometida contra a história de Lampião, teve a resposta merecida. Todos nós que pesquisamos, escrevemos, ou apenas gostamos da história do cangaço, devemos agradecer a atitude e a coragem do Dr. Archimedes Marques.

Abraço a todos

Sabino Bassetti

(*)Escritor, pesquisador do cangaço e sócio da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.

Enviado pelo autor

O cantor João Mossoró fará Show no "Mercadão Cadegue"


O cantor João Mossoró fará show no Rio de Janeiro, no bairro Benfica, no dia 7 de Julho no "Mercadão Cadegue". 
Uma festa portuguesa, aonde o cantor  apresentará no "Cantinho das Concertinas", a partir das 12;00 horas.

Será uma festa linda e bastante animada, quando o artista cantará: “O Meu Pé de Serra”, do Gonzagão, e “O Meu Verde Vinho”, com um tok nordestino.

Prestigie o artista, participando desta grande festa.
 

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AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 3 (O CÓDIGO DE CONDUTA DOS CANGACEIROS DE LAMPIÃO)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

Rangel Alves da Costa

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 3 (O CÓDIGO DE CONDUTA DOS CANGACEIROS DE LAMPIÃO)

Como é do conhecimento de muitos, Virgulino Lampião não era pessoa completamente analfabeta, um iletrado errante pelas caatingas nordestinas. Pelo contrário. Mesmo não tendo levado adiante com mais afinco seus estudos de meninice na pernambucana Vila Bela, verdade é que havia aprendido a ler e escrever o suficiente.
Muitas de suas cartas e bilhetes, missivas enviadas aos comandantes da polícia e aos coronéis sertanejos, bem como aos amigos com quem mantinha vínculo de proximidade, são por demais conhecidas. Museus e colecionadores guardam tais correspondências como verdadeiras relíquias. E certamente assim podem ser consideradas, verdadeiras preciosidades daquele que foi o maior combatente, o mais estrategista e o melhor comandante de todo o sertão nordestino.


Do mesmo modo, muitas fotografias amareladas mostram Virgulino, sozinho ou ao lado de sua Maria, folheando revistas ou lendo jornais. Numa dessas fotos lê um livro parecendo encadernado; noutra, tendo o seu cachorro de estimação entre Maria e ele, posa com uma revista na mão, até mesmo mostrando um retrato de mulher que estava apreciando; e ainda noutra, também feita por Benjamim Abraão, vê-se dois ou três cangaceiros de olhos voltados para alguns escritos.
Além desse rudimentar conhecimento da escrita e da leitura, certamente o Capitão enriquecimento o seu conhecimento com a própria vivência, no trato com os poderosos, com a experiência dos matutos, e principalmente daqueles que procurava quando precisava tomar uma decisão que fosse mais a respeito da realidade exterior do que do cotidiano cangaceiro. Neste último aspecto, era verdadeiro doutor.
Numa besta comparação, e até desnecessária, se poderia dizer que o conhecimento exterior adquirido pelo Capitão aparentava com a de um certo ex-presidente brasileiro. Rude, com pouco estudo, só possuindo exímia habilidade na estratégia de perseguição política, de maquiavelismos e de querer menosprezar os adversários a todo custo. Só que Lampião não vivia nem falando nem fazendo besteira quanto este, pois o comedimento era uma de suas características mais conhecidas.


Desse modo, Lampião não só sabia ler e escrever como foi adquirindo ao longo de sua caminhada um grande cabedal de conhecimentos. Além de ser mestre em tudo que dissesse respeito a sertão, seus labirintos, perigos, armadilhas, também era perito no conhecimento comportamental das pessoas. Conhecia o inimigo só no ouvir dizer; se lançava o olhar sobre um já sentia se o cabra prestava ou era falso; bastava ouvir alguém dizer alguma coisa para ter certeza do quanto de verdade havia ali.
Mas não ficava apenas nesse conhecimento próprio perante o outro, pois apreciava e muito ouvir as pessoas que confiava e gostava. Muitos se tornaram seus verdadeiros amigos e confidentes, aos quais o Capitão fazia confidências sem parcimônia. E um dos que mais gostava de prosear era o fotógrafo sírio-libanês, radicado nas terras agrestinas, Benjamim Abraão, que passou algum tempo acompanhando as andanças do bando e registrando tudo em fotografia.
Após conhecer Lampião em 1926, no Juazeiro do Norte, pelas bandas do Ceará, na casa paroquial onde estava reservado o famoso encontro entre o rei dos cangaceiros e o poderosíssimo Padre Cícero – homem da igreja, da política e do mosquetão -, Benjamim Abraão, então servindo como secretário do religioso, logo se mostrou interessado em imortalizar iconograficamente os passos do bando mais famoso de cangaceiros.
Nesse encontro com o Padre Cícero - ocasião em que Lampião recebeu a patente de Capitão num acordo firmado para combater a Coluna Prestes, e que não vingou porque os outros líderes nordestinos se negaram a apoiar o negociado entre o deputado Floro Bartolomeu e o presidente Artur Bernardes -, ao ser fotografado por Benjamim, e vaidoso como era, Lampião chamou-o num canto e perguntou-lhe se não estava disposto a tirar uns retratos de sua cangaceirada, principalmente dele e Maria Bonita.


Diante da pergunta do Capitão, o fotógrafo, num misto de medo e exultação, conseguiu forças para responder que por enquanto não podia abandonar os serviços que prestava ao religioso, mas assim que fosse possível nem pensaria duas vezes. E assim fez quando do falecimento do coronel milagreiro.
Mas ao chegar e ser cordialmente recebido por Lampião, Benjamim Abraão não ficou apenas incumbido de fazer os registros fotográficos, pois pesquisadores asseveram que o mesmo também servia, muitas vezes, como redator daquilo que lhe era mandado também registrar na escrita. Tudo no papel para não ser esquecido. Assim gostava de fazer o Capitão quando o assunto lhe interessava.


E numa bela tarde de sol sertanejo, enquanto o Capitão passava lenço na testa para afastar o suor encardido, olhou em direção ao fotógrafo que organizava seus equipamentos, mandou que pegasse um caderninho e o acompanhasse até uma pedra mais afastada, lajedo grande de onde se avistava uma paisagem seca e crepitante. E foi a partir desse momento que Lampião começou a registrar no papel aquilo que mais tarde passaria a ser conhecido como o Código de Conduta dos Cangaceiros de Lampião.
“Ninguém do bando deve se espelhar num mal para o mal cometer; ninguém se servirá de uma injustiça cometida para trilhar no caminho injusto. Para se cometer um mal ou uma injustiça, o cangaceiro não seguirá outro exemplo senão aquele que o momento de luta permitir”.
“Qualquer arma que se carregue por cima do corpo não deverá ser usada para amedrontar ou para atirar em qualquer um. O assovio da morte ou da defesa só deve ser dado no momento preciso que o inimigo deseje assoviar o mesmo assovio”.
“Ninguém do sertão é inimigo de cangaceiro; nenhum sertanejo trai a confiança do bando; de lado a outro, o sertão é da mesma família dos que vivem em bando. Por isso mesmo todos devem ser respeitados, defendidos, sempre vistos como família de sangue que corre nas veias”.
“Nem todo som da mata é de bicho, nem todo bicho faz barulho para ser ouvido. No meio da mata não se deve confiar em som algum, muito menos imaginar que um cancão está piando. Qualquer barulho ouvido é bom se preparar para matar passarinho”.
“Que o sono seja pesado para o corpo ficar descansado, mas não tão carregado que não posso ouvir barulho estranho. E ao despertar ligeiro, nem pensar em primeiro olhar para agir, mas buscar proteção já de arma na mão”.
“Quando receber ordem do Capitão, somente ao Capitão deverá obedecer. Quem desconfia no que ouve e procura outra ordem para seguir é porque não é obediente ao comando e precisa dizer a quem deve respeitar”.
“Quem optou seguir pela vida cangaceira deve ter o mato como casa e os companheiros como irmãos. Seus pais são a própria vida, e o seu futuro o destemor. E tudo o que ficou para trás só deve ser olhado de frente, e quando fizer a volta para reencontrar”.
“Com tanto inimigo no encalço, com tanta gente que verdadeiramente deve ser perseguido, jamais um cangaceiro que se honra deverá apontar sua arma ou desferir seu rancor contra um inocente, um desvalido, uma criança ou um idoso. Não se diz que um homem é valente pela maldade que faz, mas pelo mal que evita praticar”.
E por aí vão outras inúmeras lições, regras de conduta e de comportamento cangaceiro. Uns dizem que nada do tal código jamais foi praticado, enquanto outros juram de pé junto que se não fosse o coração justo e bondoso de Lampião o cangaço teria sido uma guerra de um bando contra todo o sertão, indistintamente.


(*)Poeta e cronista
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