Por Andrea C. T. Wanderley
Com
registros do fotógrafo sírio Benjamin Abrahão Calil Botto (1901 –
1938), a Brasiliana Fotográfica lembra Lampião, Virgolino Ferreira da
Silva (c. 1898 – 1938), o rei do cangaço, e seu bando. A iconografia
produzida por Benjamin – registros fotográficos e filme – não é a única sobre o
cangaço, mas por sua extensão contribuiu enormemente para o conhecimento da
história dos cangaceiros no Brasil.
É uma comprovação visual da
marcante estética dos bandoleiros da caatinga e os trouxe para
os jornais e à imaginação popular. Logo os personagens do cangaço passaram
a protagonizar lendas do sertão, canções e cordéis populares e, apesar de sua
violência, Lampião tornou-se, para muitos, uma espécie de mártir dos
oprimidos. As notícias chamavam atenção ou para a crueldade dos
cangaceiros ou a sua bravura. Seriam bandidos ou heróis?
Outros
fotógrafos registraram os cangaceiros e as volantes – forças especiais criadas
para combater o cangaço. Foram eles Alcides Fraga, Chico
Ribeiro, Eronildes de Carvalho, Lauro Cabral e Pedro Maia, todos na década
de 1920. Há também imagens de autoria desconhecida.
Cerca de um
ano após a morte do Padre Cícero, de quem Benjamin havia sido secretário
particular, ocorrida em 20 de julho de 1934, Benjamin levou a Adhemar Bezerra
de Albuquerque (1892 – 1975) sua ideia de fotografar e filmar Lampião e
seus cangaceiros. Adhemar, pai do fotógrafo Chico Albuquerque (1917 – 2000),
havia fundado, em 1934, a Aba Film, em Fortaleza, para a qual,
trabalhando como cinematografista, Benjamin produziu entre 1936 e 1937
fotografias e um filme sobre o rei do cangaço e seu bando. Adhemar
forneceu a Benjamin equipamentos cinematográficos e fotográficos, além de
filmes. Também passou a Benjamin noções básicas de como utilizá-los.
No primeiro
encontro, Benjamin foi levado pelos cangaceiros Juriti e Marreca
a Lampião, que o recebeu oferecendo comida e conhaque, dizendo: Não
sei como você veio bater aqui com vida, bicho velho. Só mesmo obra de
Marreca que é muito camarada. Benjamin, então, armou a máquina e quando ia
bater as fotografias, foi impedido por Lampião, que examinou o equipamento e ordenou:
Primeiro a gente tira o seu retrato. Depois disso, Benjamin pode fazer seus
registros, até ser interrompido por Lampião. Uma observação: na matéria do Diário
de Pernambuco acima citada, um dos cangaceiros mencionados como
tendo levado Benjamin a Lampião, foi Mergulhão. Em janeiro de 1937,
Benjamin esclareceu que tratava-se de Marreca.
Quatro meses
depois, teve um novo encontro com Lampião e seu bando. Nessa ocasião, passou
três dias com o grupo e pode registrar vários de seus hábitos como a reza da missa
de domingo, celebrada pelo próprio Lampião, o almoço e a maneira de se vestirem
e se comportarem. Revelou também que Maria Bonita, devido a uma promessa não
trabalhava aos sábados, domingos e segundas-feiras.
Ao longo de
1937, várias fotos de Lampião e de seu bando produzidas por Benjamin foram
publicadas pelos Diários Associados.
Tanto as
fotografias como o documentário de Benjamin Abrahão foram considerados uma
afronta ao governo federal. Todo o material foi apreendido após uma exibição do
filme em sessão fechada para autoridades locais no Cine Moderno, em 10 de abril
de 1937, em Fortaleza. Segundo o fotógrafo Chico Albuquerque, quando, em 1941,
os sócios da empresa tentaram reaver o filme apreendido, receberam apenas 20
contos como indenização (Novidades Fotoptica, 1970).
Segundo Angelo
Osmiro Barreto, muitos anos depois, os negativos do filme e das fotos
foram encontrados empoeirados e jogados em um canto qualquer de uma sala de
repartição pública. Foram recuperados por Alexandre Wulfes (1901 – 1974) e Al
Ghiu (1925 – ) e montados em 1955. Posteriormente, a Cinemateca Brasileira recuperou
as imagens e encontrou aproximadamente mais cinco minutos do filme original.
Segundo Ricardo Albuquerque, filho de Chico Albuquerque e neto de Adhemar,
depois o material foi reavaliado e novamente montado seguindo um critério
estritamente documental do filme.
Nas palavras
de Elise Jasmin, Lampião era manipulador, estrategista, dotado de um senso
inato de comunicação – soube como poucos se utilizar do poder da
fotografia, em especial quando estampada nas páginas da imprensa, que ajudavam
a torná-lo onipresente. E mesmo perto do fim de sua “carreira”, quando – depois
de aterrorizar sete estados nordestinos – optou por uma vida sedentária, sua
imagem circulava em grande parte do sertão, como um corpo figurado que vinha
substituir simbolicamente o corpo real do guerreiro que antes percorria a
região (Joaquim Marçal de Andrade in Cangaceiros, 2014).
Segundo o
historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor do livro Guerreiros do
Sol (1985), um clássico sobre a história do cangaço, não há dúvidas
de que Lampião foi derrotado e morto pelas forças policiais em julho de 1938.
Porém sua derrota não teria sido completa: se perdeu militarmente, o rei
do cangaço foi vitorioso esteticamente. Seu chapéu e uniforme cheio de
ouro e detalhes bordados estão entre os principais símbolos do nordeste
brasileiro; e, não por acaso, seja em uma visão romantizada ou através do
repúdio, Lampião continua sendo alvo de fascínio (Jornal do Comércio, 20 de outubro de 2015).
As cenas
filmadas por Benjamin do cotidiano do bando de Lampião, das quais restaram
aproximadamente 15 minutos, inspiraram os filmes O Cangaceiro, de 1953,
dirigido por Victor Lima Barreto (1906 – 1982), e O Baile Perfumado, de
1997, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira.
Em 2013, o
Instituto Moreira Salles adquiriu junto ao Instituto Cultural Chico Albuquerque
o direito de uso dessas imagens para fins culturais.
Um pouco sobre
o cangaço e sobre a morte de Lampião
O cangaço,
segundo Moacir Assunção, é um fenômeno social característico da sociedade
rural brasileira. No nordeste, existiu desde o século XVIII, quando
José Gomes, o Cabeleira aterrorizava populações rurais de Pernambuco. O
movimento atravessou o século XIX, só terminando em 25 de maio 1940, com a
morte de Corisco (1907 – 1940), sucessor de Lampião e seu principal
lugar-tenente, pela volante de Zé Rufino (Diário de
Pernambuco, 1º de junho de 1940, na sexta coluna).
‘Os homens do
cangaço espalhavam fama, violência e aplicavam um conceito muito particular de
justiça em sete estados do Nordeste. Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia sofriam não apenas nas mãos desses grupos
nômades, mas também com a seca, com a fome e com uma sociedade desigual e
injusta, que perpetuava um modelo pérfido de exploração do trabalho.'(Ângelo
Osmiro Barreto in Iconografia do Cangaço, 2012)
Em 28 de
julho de 1938, na grota de Angico, em Sergipe, perto da divisa com o
estado de Alagoas, o bando de Lampião foi cercado por uma força volante
comandada pelo tenente João Bezerra da Silva (1898 – 1970), pelo aspirante
Ferreira Mello e pelo sargento Aniceto da Silva. Além de Lampião, foram
mortos sua mulher, Maria Gomes de Oliveira (c. 1911 – 1938), conhecida
como Maria Bonita, e os cangaceiros Alecrim, Colchete, Elétrico, Enedina, Luiz
Pedro, Macela, Mergulhão, Moeda e Quinta-feira. Foram todos
decapitados. No combate, foi morto o soldado Adrião Pedro de Souza. João
Bezerra e outro militar ficaram feridos (Jornal do
Brasil, 30 de julho de 1938, na primeira coluna, Diário de
Pernambuco, 30 de julho de 1938, com uma fotografia de autoria de Benjamin, Diário de
Pernambuco, 31 de julho de 1938, 3 de
agosto de 1938 e 25
de agosto de 1968). Quando Lampião foi morto o, o fotógrafo Benjamin
Abrahão havia sido assassinado há cerca de dois meses.
No dia
seguinte à morte de Lampião, foi publicada uma entrevista dada por Chico
Albuquerque (1917 – 2000), filho do proprietário da Aba Film, na primeira
página do Diário da Noite, onde contou a história da produção do
filme sobre Lampião produzido por Benjamin (Diário da
Noite, 29 de julho de 1938).
As cabeças
decapitadas dos cangaceiros, após exposição nas escadarias da prefeitura de
Piranhas em Alagoas, seguiram para a capital do estado, Maceió. De lá, seguiram
para Salvador, onde ficaram no Museu Nina Rodrigues, também conhecido como
Museu Antropológico Estácio de Lima. Em 1969, as cabeças de Lampião e
Maria Bonita foram enterradas no cemitério Quinta dos Lázaros, na mesma cidade
(Correio
da Manhã, 13 de fevereiro de 1969, na última coluna).
‘Lampião
é um cabra desconfiado e perverso. O apelido que usa é o seu maior orgulho. Foi
lhe dado num combate no início de sua carreira criminosa quando se filiou ao
cangaço do famoso Luiz Padre. Na peleja, travada ao descambar da tarde,
Virgolino atirava com tanta rapidez que da boca do seu rifle saia verdadeira
faixa de fogo, iluminando o chão.
_ “Nós
não precisa mais de sol porque já temos um lampião!”, gritavam os cangaceiros.
E desde aí
ficou ele com o seu nome de guerra consagrado’.
Pequeno perfil
do fotógrafo Benjamin Abrahão Calil Botto (1901 – 1938)
Anônimo. Benjamin Abrahão subindo em marinete (ônibus), c,
1936. Sertão nordestino, nas proximidades do rio São Francisco / Acervo IMS
Segundo seus
familiares, Benjamin Abrahão Calil Botto nasceu, em 1901, em Zahle, na época
uma cidade da Síria e atualmente do Líbano, e veio para o Brasil, na década de
1910, provavelmente, fugindo da Primeira Guerra Mundial. Segundo o próprio,
havia nascido em Belém, mesma cidade natal de Jesus Cristo. Tinha parentes no
Recife. Trabalhou como mascate na cidade e no interior nordestino. Foi durante
algum tempo secretário particular do venerado padre Cícero Romão
Batista (1844 – 1834), na cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará. O
reverendo havia ficado impressionado pelo fato de Benjamin ter nascido em
Belém.
Foi
em 1926 que Benjamin provavelmente conheceu Lampião, que havia ido fazer
uma visita ao Padre Cícero, organizada por Floro Bartolomeu (1876 – 1926),
deputado federal e coronel poderoso da região do Cariri (Jornal do
Recife,
10 de abril de 1926). Na ocasião, Lampião e seu bando foram
convencidos a entrar para o Batalhão Patriótico, uma milícia para combater a
Coluna Prestes, e Lampião recebeu a patente de capitão, armamentos e
uniformes do Exército. Pouco tempo depois, o acordo foi desfeito.
Cerca de um
ano após a morte do Padre Cícero, ocorrida em 1934, Benjamin levou a Adhemar
Bezerra de Albuquerque (1892 – 1975), proprietário da Aba Fim, em Fortaleza, um
projeto para fotografar e filmar Lampião e seu bando. Adhemar forneceu a
Benjamin equipamentos cinematográficos e fotográficos, além de filmes e, entre
1936 e 1937, Benjamin produziu fotografias e um filme sobre o rei do cangaço.
Em matéria
publicada no Diário de Pernambuco de 27 de dezembro de 1936,
Benjamin foi apresentado como sírio naturalizado brasileiro e como fundador do
periódico Cariri, em Juazeiro do Norte. Segundo a mesma reportagem, em
meados de 1935 ele havia tido a ideia de documentar a vida de Lampião. Meteu-se
numa roupa de brim azulão, sacudiu a tiracolo sua máquina fotográfica e se
internou nas caatingas. Ao longo de 18 meses, viajou pelo sertão de Alagoas,
Bahia, Paraíba, Pernambuco e Sergipe, e encontrou-se duas vezes com
Lampião.
Ao longo de
1937, várias fotos de Lampião e de seu bando produzidas por Benjamin foram
publicadas pelos Diários Associados. Foi também divulgado um bilhete
escrito por Lampião atestando a autenticidade dos registros de Benjamin (Diário de
Pernambuco, 18 de fevereiro de 1937).
Diário de
Pernambuco, 18 de fevereiro de 1937.
‘Illmo Sr.
Bejamim Abrahão
Saudações
Venho lhe afirmar que foi a primeira pessoa que conseguiu filmar eu com todos
os meus pessoal cangaceiros, filmando assim todos os movimentos da nossa vida
nas caatingas dos sertões nordestinos.
Outra pessoa não conseguiu nem conseguirá nem mesmo eu consentirei mais.
Sem mais do amigo
Capm Virgulino Ferreira da Silva
Vulgo Capm Lampião’
Benjamin
Abrahão foi assassinado com 42 facadas, em Águas Belas, hoje Itaíba, no
interior de Pernambuco, em maio de 1938 (Diário da
Noite, 9 de maio de 1938, na quarta coluna, Diário de
Pernambuco, 10 de maio de 1938, na quarta coluna e Diário de
Pernambuco, 19 de maio de 1938, na quinta coluna). Os motivos de sua morte
ainda não estão esclarecidos. As hipóteses vão desde crime passional até
queima de arquivo, já que ele sabia do envolvimento de autoridades com Lampião.
Pequena
cronologia de Benjamin Abrahão Calil Botto (1901 – 1938)
Anônimo. Benjamin Abrahão, uma criança e a matriarca dos
Elihimas, 1938. Recife, Pernambuco / Acervo IMS
1901 –
Segundo sua família, Benjamin Abrahão Calil Botto nasceu em Zahle (na época,
cidade na Síria e, atualmente, do Líbano). Segundo o próprio, havia nascido em
Belém, local de nascimento de Jesus Cristo.
c. 1910 –
Por volta desse ano, todo fim de mês ia para Damasco, na Síria, com um tio
que armava caravanas para a venda de utensílios aos beduínos.
1915 –
Benjamin desembarcou no porto de Recife, fugindo ao alistamento militar
obrigatório devido à Primeira Guerra Mundial. Aqui fez contato com parentes
distantes, os Elihimas, que trabalhavam no comércio da cidade, no ramo de
miudezas por atacado, das ferragens, de equipamentos de caça e da pesca, na Rua
Visconde de Inhaúma, nº 83-91, com filiais em João Pessoa e em Campina Grande,
Paraíba.
c. 1915 –
Fugiu do colégio onde os seus primos Elihimas o matricularam e foi para Rio
Branco, atual Arcoverde. Devolvido aos parentes, passou a trabalhar como
mascate.
1916 – Em
São Bento do Una, ficou amigo do fazendeiro José Ferreira de Morais é foi
acolhido na casa-grande.
1916 / 1917 –
Em Arcoverde, toma conhecimento da existência do Padre Cícero Romão Batista
(1844 – 1834), o Padim Ciço, por romeiros que partiriam para Juazeiro do
Norte, no Ceará, onde morava o sacerdote, considerado virtuoso e místico, que
havia se ordenado no Seminário de Fortaleza, em 1870. O religioso obteve sua
aura de santidade ao transformar a hóstia em sangue na boca da beata Maria de
Araújo, em 6 de março de 1889. O fato teria se repetido diversas vezes durante
cerca de dois anos.
Benjamin,
soube que milhares de nordestinos iam a Juazeiro do Norte para receber a bênção
do padre pelo menos uma vez por ano, o que tornara a cidade um excelente local
para negócios. Decide então ir para Juazeiro do Norte.
Todos os dias,
o Padim Ciço dava uma bênção, de sua casa, a seus fiéis. A mensagem
costumeira era: Meus amiguinhos, quem matou, não mate mais! Quem roubou,
não roube mais! Quem pecou, não peque mais! Os amancebados se casem! Um
dia, Benjamin conseguiu ser avistado pelo sacerdote, que perguntou a ele sua
origem. Benjamin identificou-se como natural de Belém, a terra de Jesus, e
pediu para ficar na cidade, sob a proteção do religioso. O padre então
respondeu: Fique meu filho. Seja bom e pode sentir-se aqui como se fosse a
sua própria casa.
Benjamin foi
morar na casa de Pelúsio Correia de Macedo (1867 – 1955), pessoa da inteira
confiança do Padre Cícero. Pelúsio foi dono da primeira oficina
mecânica da cidade e também fundou a primeira escola de música, onde surgiu a
primeira banda de Juazeiro do Norte, que animava desfiles e festas sob sua
regência. Foi também proprietário do Cine Iracema, primeiro telegrafista da
Estação Telegráfica de Juazeiro do Norte, além de fabricante de quase todos os
relógios públicos da região.
Padre Cícero
mandou matricular Benjamin no Colégio São Miguel, do professor Manuel Pereira
Diniz (1887 – 1949).
Foi incumbido
de fotografar a primeira visita feita por um governador do Ceará, José
Tomé de Sabóia e Silva (1870 – 1945), a Juazeiro do Norte.
Retomou o
ofício de ourives, tentando aprimorar os rudimentos que havia trazido da casa
de seus pais. Estudou no Crato com o mestre Teofisto Abath.
c. 1920 –
Como ourives, viajou por Cajazeiras, Crato, Jardim e Barbalha. Teve a notícia
da morte de sua mãe e recebeu uma herança, enviada por seus primos de Recife.
Abriu um
armazém de artigos religiosos e fixou-se em Juazeiro do Norte, em 1920.
Benjamin
tornou-se secretário particular do Padre Cícero e passou a morar na
casa paroquial. Pouco tempo depois, recebeu as chaves da casa.
Como assistente pessoal do sacerdote passou a ter muito poder e a exercer
diversas atribuições públicas e privadas. Conheceu personalidades de destaque
nacional, clérigos, políticos, militares e educadores.
Benjamin
começou a prosperar com a venda aos romeiros de objetos supostamente abençoados
pelo Padre Cícero.
Participou
também de jogatinas e do desvio de valores doados à igreja, o que decepcionou
Joana Tertulina de Jesus, a beata Mocinha, que mais prestígio tinha com o Padre
Cícero.
1924 –
Benjamin, que dizia-se jornalista, no periódico O Ideal, envolveu-se na
denúncia feita pelo farmacêutico José Geraldo da Cruz com o auxílio de Manuel
Diniz sobre o fuzilamento sumário de presos tirados da cadeia pública pelo
médico e político baiano Floro Bartolomeu da Costa (1876 – 1926), velho amigo
do Padre Cícero. Foi Floro que, em 1914, liderou o episódio que ficou
conhecido como a Sedição de Juazeiro, um confronto entre as
oligarquias cearenses e o governo federal, quando um exército de jagunços
derrotou as forças do governo federal e Marcos Franco Rabelo (1851 – 1940) foi
deposto do governo do Ceará. Além disso, Floro havia sido importante na ocasião
da emancipação de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o Padre Cícero tornou-se o
primeiro prefeito da cidade.
1925 -
Na festa de descerramento da estátua de bronze do Padre Cícero, em 11 de
janeiro, ocasião em que a cidade atraiu cerca de 40 mil romeiros, no
intervalo dos discursos, Benjamim tentou falar algumas palavras, mas foi
interrompido por Floro Bartolomeu, que abriu seu paletó e gritou Desça
daí! Seguiu-se a fala do Padre Cícero.
O padre Manuel
Correia de Macedo, filho de Pelúsio de Macedo, acusou Floro Bartolomeu de
déspota, de subjugador do Padre Cícero e de corrupto no livro Juazeiro em
foco, publicado em Fortaleza pela Editora de Autores Católicos.
Em junho, José
Landim, compadre de Floro e escrivão da Coletoria, agrediu
Benjamin, durante os festejos de recepção ao padre Macedo, em Juazeiro.
Em agosto,
Floro alegou ter sido alvejado à bala pelo turco Benjamin Abrahão quando
participava de uma reunião na casa de Francisco Alencar. Benjamin foi preso.
Segundo telegrama enviado por Floro ao advogado Raimundo Gomes de Matos, em
Fortaleza: Não podendo ser provado que o turco Benjamin Abrahão realmente
quisesse cometer um atentado, por isso que não chegeui a lançar mão da arma, e
mais ainda porque escreveu carta, para ser publicada, declarando querer morar
aqui e outreas coisas, foi solto completamente encabulado.
1926 -
Nesse ano, Benjamin já vivia com Josefa Araújo Alves, com quem teve dois
filhos: Atallah e Abdallah. O primeiro foi criado como filho por seu amigo,
Gonçalo Mundó.
De 4 a 7
de março, Lampião e seu bando ficaram em Juazeiro do Norte em visita
organizada por Floro Bartolomeu (1876 – 1926), que faleceu em 8 de março, no
Rio de Janeiro. Foi na ocasião dessa visita que Benjamin
provavelmente conheceu Lampião. Foram realizados saraus dançantes em homenagens
a Lampião, que participou de conferências com autoridades públicas. Encontrou-se
com o Padre Cícero e com o coronel Pedro Silvino, comandante do Batalhão
Patriótico, uma milícia para combater a Coluna Prestes. Lampião e seu
bando entraram para o citado batalhão e Lampião recebeu a patente de
capitão honorário das Forças Legais de Combate aos Revoltosos, manuscrita por
Pedro de Albuquerque Uchoa, ajudante de inspetor agrícola federal. Ele e seu
bando receberam armamentos, munição e uniformes do Exército. Pouco tempo
depois, o acordo foi desfeito. Em Juazeiro, os cangaceiros foram fotografados
por Lauro Cabral de Oliveira Leite e por Pedro Maia (Jornal do
Recife,
10 de abril de 1926).
Durante sua
estada em Juazeiro do Norte, quando já estava hospedado no sobrado de João
Mendes de Oliveira, Lampião foi visitado pelos ourives da região, levados
por Benjamin Abrahão.
1927 –
Benjamin prestava serviços a jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Benjamin
despachou para todo o sertão emissários com a notícia, falsa, de que o Padre
Cícero daria uma bênção de despedida aos romeiros. Juazeiro foi invadida
por romeiros e Benjamin, que havia reforçado o estoque de sua loja, lucra
muito.
Benjamim foi
confirmado como colaborador especial do jornal O Globo, no Cariri.
1930 – Em
4 de janeiro, Benjamin fundou o jornal O Cariri, dirigido pelo advogado do
Padre Cícero, Antônio Alencar Araripe, e editado pelos professores Manuel
Diniz e J. Rocha. Teve pelo menos doze edições até março de 1931, quando teve
seu título arrematado por editores do Crato.
1933 –
Após uma viagem a Juazeiro do Norte, Otacílio Alecrim publicou no Diário
de Pernambuco o artigo “O desencanto de Macunaíma”, em que estranhou dois
fatos quando visitou a casa paroquial do Padre Cícero: uma vitrola de corda e a
onipresença de um secretário turco: Francamente, com um turco e uma
vitrola, não há messias que possa ser levado a sério…(Diário de
Pernambuco, 12 de fevereiro de 1933, na penúltima e última colunas).
Benjamin
concluiu ao lado de dezessete rapazes de Juazeiro do Norte e de cidades ao
redor, a primeira turma do Tiro de Guerra 48, implantado no Juazeiro em 1931.
A instrução havia sido suspensa, em 1932, devido ao movimento
constitucionalista de São Paulo. Benjamin tornou-se, assim, reservista do
Exército.
1934 -
Falecimento do Padre Cícero, em 20 de julho. Segundo o escritor Otacílio
Anselmo, em meio às dezenas de repórteres , um deles chama a atenção de
todos, tanto pela mobilidade como pelo modo de manejar sua máquina, provida de
pequena manivela…o tal cinegrafista era o sírio Benjamin Abrahão, antigo leão
de chácara do sacerdote, aproveitando o acontecimento para concluir um filme
sobre a vida do famoso líder sertanejo.
Benjamin
fotografou o morto de diversos modos e cortou uma mecha de seu cabelo, que
vendeu a diversos devotos até que um deles se seu conta que o padre não tinha
tanto cabelo…
Fundação da
Aba Film por Adhemar Bezerra de Albuquerque (1892 – 1975), funcionário do
Bank of London & South America Limited em Fortaleza. A empresa era de
material fotográfico e de produção de imagens, inclusive cinematográficas.
Adhemar era pai do fotógrafo Chico Albuquerque (1917 – 2000) e de Antônio
Albuquerque.
Adhemar foi
para Juazeiro do Norte realizar o documentário Funerais de Padre
Cícero. Provavelmente, nessa ocasião, conheceu Benjamin Abrahão.
1935 –
Abrahão apresentou seu projeto de fotografar e filmar Lampião e seu bando à Aba
Film. Adhemar forneceu a Benjamin equipamentos cinematográficos e fotográficos,
além de filmes. Também passou a Benjamin noções básicas de como utilizá-los.
Benjamin meteu-se
numa roupa de brim azulão, sacudiu a tiracolo sua máquina fotográfica e se
internou nas caatingas. Ao longo de 18 meses, viajou pelo sertão de Alagoas,
Bahia, Paraíba, Pernambuco e Sergipe, e encontrou-se mais duas vezes com
Lampião (Diário de Pernambuco de 27 de dezembro de 1936).
Segundo
anotações em sua caderneta de campo, esse foi o início de seu trajeto:
10 de maio –
partiu de Fortaleza para a missão/ 12 de maio – está em Missão Velha / 13
de maio – Brejo Santo / 14 de maio – Jati / 15 de maio – Belmonte, e Fazenda
Boqueirão, em Pernambuco / 16 a 21 de maio – Vila Bela, atual Serra Talhada /
22 e 23 de maio – Custódia e Rio Branco, atual Arcoverde / 24 de maio – Pedra
de Buíque / dian25 de maio – de Negras a Jaburu, quando deixa Pernambuco e
chega a Alagoas / dia 26 de maio – de Caititu a Mata Grande / 27 de maio – de
Manuel Gomes ao Capiá / 28 de maio – Olho d´Água do Chicão/ 3 de junho –
Maravilha.
Benjamin radicou-se
na vila do Pau Ferro, município de Águas Belas, em Pernambuco, tomando o lugar
como sua base de operações. Inaugurou a parte terrestre de sua busca em
Maravilha, no estado de Alagoas. Assim começava a aventura de Benjamin em busca
de Lampião e seu bando.
No segundo
semestre, perambulou pelos sertões de Alagoas e de Pernambuco. Em Pau Ferro,
hospedava-se na casa de Antônio Paranhos, motorista de Audálio Tenório de
Albuquerque , chefe do lugar, e protetor de Lampião.
1936 - Em
20 de janeiro, Benjamin autorretratou-se contra uma cerca com seu equipamento
trançado em xis sobre os ombros. Naquela altura, ainda não havia encontrado os
cangaceiros.
Ao longo do
ano, encontrou-se duas vezes com Lampião e seu bando.
O historiador
Frederico Pernambucano de Mello estima que o primeiro encontro tenha
acontecido em fins de março, nas caatingas alagoanas da ribeira do
Capiá, soltas bravias do Canapi, então do município de Mata Grande, no limite
entre as fazendas Lajeiro Alto e Poço do Boi. A localização do encontro
foi revelada em entrevista por Aristeia, mulher do cangaceiro Catingueira, em
depoimento de 2004. Benjamin foi levado até Lampião pelos cangaceiros
Juriti e Marreca. Almoçaram bode assado com farinha de mandioca e beberam
conhaque Macieira. Segundo matéria publicada no jornal O Povo, de 12 de
janeiro de 1937, Benjamin ficou com o grupo central, o de Lampião, por cinco
dias.
Benjamin
viajou para Fortaleza, em 17 de maio para, na Aba Film, situada na rua Major
Fecundo, iniciar a revelação dos negativos realizados de Lampião e seu bando.
Em meados de
julho, voltou a encontrar Lampião, com quem passou três dias.
‘…Lampião
estava pronto para confirmar sua presença na História através da linguagem
moderna do cinema. Benjamin passava de solicitante a solicitado, revalando para
a garupa do projeto, a ser tocado doravante pelo próprio cangaceiro. Pior seria
ficar a pé…
Somente a
ocorrência dessa troca de postos, soprada pelo sírio a Antônio Paranhos no
segundo regresso ao Pau Ferro, explica o número de cenas que se irá obter nos
cerca de quinze minutos de película e cerca de noventa fotografias que se
salvaram para a história, a variedade das revelações desveladas a cada segundo
– algumas pungentes, como a do bando a rezar, todos descobertos,
momentaneamente desarmados, joelhos fincados na poeira – e a docilidade dos
“atores”, a tudo se prestando diante das câmeras. Não somente da Ica,
cinematográfica, mas da Universal, de fotografia, uma “caixão” de objetiva
dupla, também da Zeiss, negativos de 6 x 6 cm’ (Frederico Pernambucano de
Mello in Benjamin Abrahão – entre anjos e cangaceiros).
Em 28 de
setembro, os cangaceiros atacaram a cidade de Piranhas, em Alagoas, para
libertar Inhacinha, a mulher do cangaceiro Gato, que havia sido baleada e
presa pela volante do tenente João Bezerra da Silva (1898 – 1970). Porém, ela
estava presa na cadeia da Pedra de Delmiro Gouveia. Foram recebidos por uma
resistência feita apenas por civis, homens e mulheres. Uma das mulheres era
dona Cira de Brito Bezerra, mulher do tenente João Bezerra. Os cangaceiros
espalharam que a prenderiam caso Inhacinha não fosse encontrada ou morresse
durante a ação. Sobre o ocorrido, Benjamin comentou:
‘Atravessava o
rio quando se travou o combate. Encontrava-me a uma distância de meia légua da
cidade. Corrio ansioso para lá. Era uma oportunidade que não devia deixar
escapar. Infelizmente, cheguei tarde. Os bandidos já se retiravam. Bem junto a
mim, em um sofá, ferido, passou Gato, chefe do grupo. Quando entrava na cidade,
tomaram-me por bandido e, por um triz, não me bateram‘.
Até outubro,
Benjamin fez diversas incursões a cada um dos chefes de subgrupos de Lampião.
Produziu mais fotografias e um filme.
No Recife, deu
uma entrevista, publicada no Diário de
Pernambuco de 27 de dezembro de 1936, quando anunciou a realização de
um filme e a produção de diversas fotografias de Lampião e seu bando. Foi
apresentado como sírio naturalizado brasileiro e como fundador do
periódico Cariri, em Juazeiro.
Benjamin
apresentou-se na Aba Film, em Fortaleza, no dia 28 de dezembro, mesma data
em que João Jacques publicou no jornal O Povo, matéria intitulada Carta
ao Leota, na qual questionava o fato de Lampião e seu bando ter sido
filmado e fotografado e continuar solto. Leota é Leonardo Mota, autor
do livro No tempo de Lampião, de 1930.
‘Que acha
desse furo? Que me diz sobre o caso? Será possível, meu amigo, que se possa
ainda, por esses tempos tão mudados, filmar um bandoleiro, um gangster, um
assassino mil vezes assassino e não se tenha meios de apanhá-lo?‘
No dia seguinte,
dia 29, foi publicada na primeira página do jornal O Povo a matéria
intitulada Sensacional vitória da Aba Film: uma das mais importantes
reportagens fotográficas dos últimos tempos, Lampião, sua mulher e seus
sequazes filmados em pleno sertão, ilustrada por fotografias de Benjamin
ao lado de Lampião, de Maria Bonita, e da guarda pessoal do cangaceiro. A
tiragem do jornal foi duplicada e totalmente esgotada.
No dia 31 de
dezembro, o jornal O Povo publicou uma fotografia inédita de Maria
Bonita sentada com os cachorros Ligeiro e Guarani.
1937 – No
dia 10 de janeiro, Benjamin, que havia estado no sertão, retornou a Fortaleza.
No
jornal O Povo, de 12 de janeiro de 1937, Benjamin revelou que Maria Bonita
escolheu ser mulher de Lampião por livre e espontânea vontade, contrariando a
versão de que ela havia sido raptada e estuprada pelo cangaceiro.
Foi publicada
pelos Diários Associados, uma fotografia onde Benjamin aparecia ao lado do
casal Lampião e Maria Bonita (Diário de
Pernambuco, 16 de janeiro de 1937). Dias antes, o Diário da Noite,
havia publicado uma notícia sobre o encontro de Benjamin com Lampião. Benjamin
revelou que havia trazido também, além de imagens, a primeira entrevista
escrita e assinada pelo bandido (Diário da
Noite, 8 de janeiro de 1938, na última coluna). Outras fotografias de
Lampião foram publicadas, uma delas mostrando o cangaceiro lendo um
romance policial. Segundo Benjamin, Lampião gostava muito dos livros do belga
Georges Simenon (1903 – 1989) e do inglês Edgard Wallace (1875 – 1932) (Diário
de Pernambuco, 20 de janeiro de 1937, 12 de
fevereiro de 1937, 14 de
fevereiro de 1937, 17 de
fevereiro, 19 de fevereiro, 20 de
fevereiro de 1937, 21 de
fevereiro, 30 de julho de 1938; Diário da Noite, 8 de
fevereiro de 1937, 29 de
julho de 1938 e 30
de julho de 1938). Foram também publicadas fotografias das volantes (Diário de
Pernambuco, 27 de abril de 1937).
Segundo o
comerciante Farid Aon, amigo de Benjamin, dias depois do carnaval, terminado em
10 de fevereiro, Benjamin foi ao quartel da Sétima Região Militar, no Recife,
para tentar obter uma licença do general para exibir o filme sobre Lampião em
cinemas públicos. A oficialidade exigiu o exame do filme e, ao assistir à
projeção, achou que o documentário era vergonhoso para o Brasil, ficou
irritada, rebentou o filme e o projetor, e Benjamin foi maltratado e detido por
uma semana.
Na
revista O Cruzeiro, de 6 de março de 1937, publicação de uma página
com cinco fotografias de Lampião, de autoria de Benjamin, com o título Filmando Lampeão! Na
matéria, mais uma vez, foi questionado o fato do bando de cangaceiros ainda
estar solto.
As fotografias
dos cangaceiros em poses que transmitiam orgulho e segurança irritaram o
presidente Getúlio Vargas, fato que impulsionou o definitivo esforço de
repressão que exterminaria os bandoleiros do sertão. Além disso, o
documentário sobre Lampião foi apreendido.
Não poderá ser
exibido o filme de Lampião! Com essa manchete na primeira página do
jornal O Povo, de 3 de abril de 1937, ilustrada com uma fotografia de
Benjamin ladeando Lampião e Maria Bonita, era informado que o documentário
sobre o cangaceiro deveria ser apreendido, por ordem do dr. Lourival
Fontes (1899 – 1967), diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda,
durante o governo de Getúlio Vargas (1882 – 1954). O filme não poderia ser
exibido nos cinemas do país, por atentar contra os créditos da nacionalidade.
Foi publicada
no Correio do Ceará, 7 de abril de 1937, a transcrição da ordem
dada por Lourival Fontes, que por telegrama determinou a apreensão do
filme Lampião, que se exibia em Fortaleza:
‘Secretário
Segurança Pública Estado do Ceará – Fortaleza.
Tendo chegado
ao conhecimento do Departamento Nacional de Propaganda, estar sendo annunciado
ou exhibido na capital ou cidades desse Estado, um filme sobre Lampeão, de
propriedade de “Aba Film”, com sede á rua Major Facundo, solicito vos digneis
providenciar no sentido de ser apprehendido immediatamente o referido filme,
com todas suas copias, e respectivo negativo, e remettel-os a esta repartição,
devendo ser evitado seja o mesmo negociado com terceiros e enviado para fora do
paiz.
Attenciosos
cumprimentos. Lourival Fontes, director do Departamento Nacional de Propaganda
do Ministério da Justiça.’
Em 10 de
abril, houve uma exibição especial do filme, às 17h, no Cinema Moderno, em
Fortaleza, para o chefe de Polícia, o capitão Manuel Cordeiro Neto (1901 –
1992), assistido também pelo secretário do Interior do Ceará,
pelo juiz federal de Fortaleza,pelos delegados de polícia da capital,
pelos comandantes do 23º Batalhão de Caçadores do Exército e da Força Pública
do Estado, por representantes de jornais e de empresas telegráficas. Em 22 de
junho de 1979, o então já reformado general do Exército
Brasileiro, Cordeiro Guerra, declarou sobre o filme apreendido: Se
nada do conteúdo do filme ficou na minha lembrança de maneira viva, é porque as
cenas a que assisti, em exibição especial que solicitei, ao lado de um conjunto
de autoridades, eram triviais, coisas domésticas.
Foi publicado
o artigo O reduto do “Caldeirão” do beato José Lourenço, de autoria de
Benjamin Abrahão (Diário de Pernambuco, 2 de junho de 1937). Fiel seguidor do
Padre Cícero, José Lourenço (1872 – 1946) foi o líder da comunidade Caldeirão
de Santa Cruz do Deserto, localizada na zona rural do Crato, extinta em 9
de maio de 1937. Segundo revelou a seu sobrinho Aziz, escreveu o artigo para
sobreviver publicamente e regressar à imprensa.
Na edição
de 7 de agosto do Diário de Pernambuco, o poeta e folclorista Ascenso
Ferreira (1895 – 1965) convidava para a vaquejada de Surubim, em
Pernambuco, evento de maior destaque dos esportes regionais do estado.
Benjamin, que estava hospedado, no Recife, na casa de dona Wadia, matriarca da
família Elihimas, viu na convocação para as vaquejadas uma oportunidade de
trabalho. Como uma das vaquejadas mais tradicionais acontecia na fazenda Barra
Formosa, no Pau Ferro de Águas Belas, Benjamin foi para lá a tempo de se
engajar nos preparativos da festa, que aconteceria em novembro. A fazenda era
de propriedade do coronel Audálio Tenório de Albuquerque (1906 – ?), grande
amigo de Lampião. O coronel Audálio deixou que Benjamin explorasse a jogatina
durante o evento, além de instalar tendas de bebidas e aperitivos.
Chegou em Pau
Ferro um carregamento da Aba Film, de Fortaleza, para Benjamin: centenas de
fotografias em diferentes tamanhos, com predominância do formato de
cartão-postal, de cangaceiros dos vários grupos de Lampião. Começaria,
então, a distribuir seu produto, barato e muitíssimo vendável, pelas feiras
livres e pelo comércio fixo de Pernambuco. Começaria, assim, a tentar recuperar
parte do prejuízo causado pela apreensão do filme que repercutiu sobre o
patrimônio da Aba Film e da Benjamin & Cia, do Juazeiro.
Em meados de
outubro, as fotografias estavam espalhadas por todo o sertão. O major Lucena
Maranhão, comandante da unidade sertaneja da polícia de Alagoas, homem temido
em todo o nordeste e perseguidor ferrenho de Lampião, mandou recolher as
imagens. Benjamin, então, tocou fogo nas fotografias estocadas. Benjamin
foi a Recife obter do Diário de Pernambuco uma declaração de que
está em Pau Ferro como colaborador do jornal.
Em 5 de
novembro, foi aberta a vaquejada do Pau Ferro, com a presença do major Lucena
Maranhão. Benjamin fotografou o evento e quatro imagens produzidas por ele
foram publicadas no Diário de Pernambuco de 13 de novembro de 1937.
Também realizou um filme documental do acontecimento, fazendo com que a
vaquejada do Pau Ferro se tornasse a primeira a ser filmada em Pernambuco.
Fotografou uma cena inédita: o coronel Audálio Tenório, maior amigo de
Lampião em Pernambuco passeando de braços dados com Lucena Maranhão, maior
inimigo do cangaceiro em Alagoas, ladeados pelos coronéis Gerson Maranhão e
João Nunes.
Em 10 de
novembro, foi estabelecido o Estado Novo, regime político fundado pelo
presidente Getúlio Vargas (1882 – 1954). Vigorou até 31 de
janeiro de 1946.
Em 23 de
novembro, Benjamin filmou a vaquejada da fazenda Lagoa Queimada e, em 25 de
novembro, a da fazenda Riachão, ambas no município de Quebrangulo, em Alagoas.
O tenente Luís
Mariano da Cruz, sertanejo de São José de Belmonte, oficial a serviço da
volante de Pernambuco revelou em entrevista dada ao Diário
de Pernambuco, de 24 de novembro de 1937, que Lampião fazia uso de seus
retratos com salvo-condutos autenticados com suas assinaturas. Esse retratos
foram confeccionados pela Aba Film, em operação intermediada por Benjamin. Na
entrevista, o tenente traçou os roteiros de Lampião, descreve o poderio bélico
de seu bando e acusa alguns militares de omissão ou cumplicidade. Sobre a
confecção dos cartões para Lampião, foi feito um relato por Chico Albuquerque,
na Gazeta de Alagoas, de 2 de agosto de 1938.
1938 - O
lucro das bancas de vaquejada foi desastroso. Benjamin discutiu com um de
seus auxiliares, tendo chamado um deles de ladrão.
O coronel
Audálio Tenório, com quem Benjamin tinha negócios, cobrou o que havia sido
previsto na comercialização de tudo o que fornecera a Benjamin, que prometeu
levantar a quantia com seus familiares no Recife. Emitiu promissórias que
venceriam em 18 de fevereiro.
No Recife,
hospedou-se com dona Wadia, a matriarca dos Elihimas, e com o primo
Francisco, na casa nº 579, da avenida Rui Barbosa, no bairro das Graças.
Solicitou a Francisco três contos de réis e teve seu pedido negado.
De 5 a 9 de
fevereiro, brincou o carnaval e foi todas as noites aos bailes do Clube
Internacional. Na Quarta-Feira de Cinzas, embriagado, quase foi atropelado por
um bonde da rua Nova.
Em 18 de
fevereiro, Benjamin nem resgatou as promissórias nem deu satisfações. Seguiu
tentando conseguir empréstimos entre Recife e Juazeiro.
No início de
maio, Benjamin voltou a Pau Ferro, município de Águas Belas, dizendo que
pagaria tudo o que devia. Alguns atribuíram a ousadia de seu retorno ao fato de
estar apaixonado por Alaíde Rodrigues de Siqueira. Ao amigo Antônio
Paranhos, confessou não ter nem a metade do que devia e que estava pensando em
vender seu silêncio, já que com seu convívio com Lampião e seu bando em 1936
teria tido acesso a várias informações que seriam incômodas para a elite
sertaneja.
Segundo o
ex-cangaceiro Manuel Dantas Loiola, conhecido como Candeeiro, em 6 de
maio, véspera do assassinato de Benjamin, Lampião e seu bando estavam acampados
perto do riacho do Mel, a menos de duas léguas do Pau Ferro.
Benjamin
Abrahão foi assassinado com 42 facadas, em Águas Belas, hoje Itaíba, no
interior de Pernambuco, em 7 de maio de 1938. Saiu do bar rumo à pensão onde se
hospedava quando as ruas principais da cidade ficaram às escuras. Foi atacado,
gritou por socorro e seu amigo Antônio Paranhos foi ao seu encontro, mas
foi detido pela voz de um desconhecido que o avisou Arreda, cabra, que é
encrenca. (Diário da Noite, 9 de maio de 1938, na quarta coluna,
Diário
de Pernambuco, 10 de maio de 1938, na quarta coluna e Diário de
Pernambuco, 19 de maio de 1938, na quinta coluna). Seu assassino confesso
foi Zé da Rita, marido de Alaíde Rodrigues de Siqueira, por quem Benjamin
estaria apaixonado. Mas o fato dele ser franzino e paralisado da cintura
para baixo gerou dúvidas quanto a sua capacidade de dominar Benjamin, que era
um homem corpulento. Sendo assim, os motivos de sua morte ainda são
misteriosos. As hipóteses vão desde a possibilidade de um crime passional até a
de queima de arquivo, já que ele sabia do envolvimento de autoridades com
Lampião. Em sua missa de sétimo dia, só estava presente o padre celebrante,
Nelson de Barros Carvalho.
Em 28 de
julho, na grota de Angico, em Sergipe, o bando de Lampião foi cercado por
uma força volante comandada pelo tenente João Bezerra da Silva (1898 –
1970), pelo aspirante Ferreira Mello e pelo sargento Aniceto da
Silva. Além de Lampião, foram mortos sua mulher, Maria Gomes de
Oliveira (c. 1911 – 1938), conhecida como Maria Bonita, e os cangaceiros
Alecrim, Colchete, Elétrico, Enedina, Luiz Pedro, Macela, Mergulhão, Moeda e
Quinta-feira. Foram todos decapitados (Jornal do
Brasil, 30 de julho de 1938, na primeira coluna, Diário de
Pernambuco, 30 de julho de 1938, com uma fotografia de autoria de Benjamin, Diário de
Pernambuco, 31 de julho de 1938, 3 de
agosto de 1938 ).
Benjamin Abrahão. Os bandos de Lampião, Juriti e Luis Pedro,
com Nenê, 1936. Sertão nordestino, nas proximidades do rio São Francisco /
Acervo IMS
Para a
elaboração dessa cronologia, a pesquisa da Brasiliana Fotográfica valeu-se,
principalmente, dos livros Iconografia do Cangaço, organizado por
Ricardo Albuquerque, e Benjamin Abrahão – Entre anjos e cangaceiros, de
Frederico Pernambucano de Mello, além de inúmeras consultas à Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional.
Andrea C.
T. Wanderley
Editora-assistente
e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica
Links para
outras publicações da Brasiliana Fotográfica sobre conflitos:
Fontes:
AON,
Farid. Do cedro ao mandacaru. Recife, 1979.
ALBUQUERQUE,
Ricardo (org). Iconografia do Cangaço. São Paulo: Editora Terceiro
Nome, 2012.
ANDRADE,
Joaquim Marçal de. Os cangaceiros in Revista de História da
Biblioteca Naciona, 6 de abril de 2014.
CASCUDO, Luiz
da Câmara. Vaqueiros e cantadores para jovens. Minas Gerais: Editora
Itatiaia, 1984.
JASMIN,
Élise. Cangaceiros. Apresentação de Frederico Pernambucano de Mello. São
Paulo : Editora Terceiro Nome, 2006.
LUSTOSA,
Isabel. De olho em Lampião: violência e esperteza. São Paulo: Claro
Enigma, 2011.
MELLO,
Frederico Pernambucano de. Benjamin Abrahão: entre anjos e
cangaceiros. São Paulo: Escrituras, 2012.
MELLO,
Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol. São Paulo: Girafa,
2003.
MELLO,
Frederico Pernambucano de. Estrelas de couro: a estética do cangaço. São
Paulo: Escrituras, 2010.
MELLO,
Frederico Pernambucano de. Quem foi Lampião. Recife: Stahli, 1993.
Análise de documento, Biografia, Cronologia, Efemérides assassinato, Benjamin
Abrahão, cangaceiro,cangaço, Ceará, Chico
Albuquerque, conflito, Corisco, crime, Dadá, estética do
cangaço, Floro
Bartolomeu,fotografia, história do
Brasil, indumentária
http://brasilianafotografica.bn.br/?p=9527
http://blogdomendesemendes.blogspot.com