Por Rangel Alves
da Costa
Lampião, o
Capitão Virgulino, nutria pessoal admiração por Poço Redondo. Verdade que ele e
seu bando fizeram algumas atrocidades nos arredores da povoação, mas geralmente
por vingança, como aconteceu após a morte do cangaceiro Pau-Ferro. No todo,
contudo, há de se reconhecer que ele gostava de fazer percurso pela povoação e
visitar alguns bons amigos, como Teotônio Alves China, o China do Poço, pai de
minha mãe Dona Peta.
Tanto
perambulou por Poço Redondo que para o seu bando levou não menos que trinta e
quatro jovens poço-redondenses, entre mocinhas e rapazes. Na casa de China
dividiu mesa com o Padre Arthur Passos e, juntamente com o seu bando, acabou
assistindo missa na igrejinha de Nossa Senhora da Conceição. O armamento pesado
teve que ficar de fora, mas a cangaceirada se ajoelhou perante o altar.
Foi também em
Poço Redondo, na fazenda Maranduba, que o capitão cangaceiro travou sua maior
batalha, mostrando toda a sua argúcia e inteligência para ludibriar e vencer as
volantes de Liberato de Carvalho e Mané Neto, agindo conjuntamente. E foi
também nas distâncias matutas poço-redondenses, lá pelas ribeiras do São
Francisco, que a 28 de julho de 38 o cangaço sofreu seu golpe de morte.
Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros foram emboscados e mortos pela
volante comanda pelo tenente alagoano João Bezerra.
Ainda quanto à
presença do cangaço em Poço Redondo, alguns fatos chamam a atenção. A juventude
sertaneja via no cangaço não só um espelho de luta contra o sistema opressivo
de então como uma oportunidade de dar vazão aos seus inconformismos. Daí tantos
rapazinhos terem se encaminhado para o cangaço. Zé de Julião, por exemplo, viu
na extorsão e atrocidade da volante as feições do próprio sistema de então.
Presenciara,
diversas vezes, seu pai Julião, um rico fazendeiro, ser extorquido e ameaçado
por aqueles que se diziam homens da ordem e da lei. Assim, para ele, a volante
não passava de um mal oficial assolando e violando as liberdades de todo o
sertão. E, como tal, muito pior que o cangaço, que agia, dentre outras
justificativas, exatamente no combate às explorações comandadas pelo Estado
opressor. Então, num ato de bravura e irresignação, foi se juntar ao bando do
Capitão levando sua esposa Enedina. Voltou viúvo depois da tragédia de 38.
Contudo, se os
jovens viam no cangaço uma oportunidade de luta, as famílias e os mais velhos
viam naqueles homens das caatingas apenas o assombro e o medo. Temiam não só
pela ideia de violência como pelo resguardo às suas filhas mocinhas. E não sem
razão. Sabido é que a mocinha sertaneja via um artista em cada cangaceiro,
sentia atração especial por aqueles cabeludos, num misto de suor de muitos dias
e perfume em chuvarada, cheios de anéis e ornamentos dourados por toda a vestimenta.
E doidas para serem levadas. E algumas seguiram assim.
Por isso mesmo
que a maioria das famílias não esperava tempo ruim quando chegavam os anúncios
da aproximação do bando de Lampião. Bastava o zum-zum-zum e grande parte da
população deixava o que estava fazendo e saía em correria. Muita panela
derreteu no fogo, muita gente foi arrastada debaixo da cama, muita gente correu
só com a roupa de baixo, muita gente saiu em disparada de a perna bater na
bunda. Contam que alguém resolveu retornar para buscar uma roupa e deu de cara
com um sorridente cangaceiro. Deu um piripaque na hora.
Dizem que numa
dessas correrias alguém foi bater no Morro Vermelho pensando ter tomado o
caminho do Curralinho. Ao chegar e encontrar apenas um tanque, logo jurou que
Lampião tinha mandado secar o rio. E chorou de quase não mais parar. Aliás, era
Curralinho o destino da maioria do povo em fuga. Lugar estratégico, à beira do
São Francisco, tendo Alagoas no outro lado, aí permanecia até que notícias
chegassem dando conta da partida do Capitão.
Não sabiam,
porém, que Lampião e seu bando estavam em e por todo lugar. Não havia como
fugir do cangaço nem da volante. O sertão era deles. O sertanejo era apenas
aquele que sofria.
Escritor
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