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quinta-feira, 5 de julho de 2012

CRISTINA DE PORTUGUÊS


Era considerada uma das mais belas cangaceiras do Bando de Lampião. Companheira de Português, teve um fim trágico por ter cometido adultério, fato imperdoável segundo o Código de Honra do Cangaço e a pena era a morte. Mas ela conseguiu adiar essa pena por três dias, quando foi devolvida à família, e no trajeto, foi surpreendida com facadas do cangaceiro 


Luis Pedro e de outros companheiros não só pela traição, mas também, pela possibilidade de ela delatar os esconderijos e coiteiros do bando. Isso aconteceu em 21 de julho de 1938, uma semana antes do massacre de Angico.

http://www.mulheresdocangaco.com.br/?p=88

A vida do Cel. ARRUDA, Cangaceirismo e Coluna Prestes. (Comentário)

Por: Archimedes Marques
A vida do Cel. ARRUDA, Cangaceirismo e Coluna Prestes. (Comentário)

O bom trabalho literário, de grande importância para a compreensão da história regional da Paraíba, intitulado "A Vida do Coronel Arruda, Cangaceirismo e Coluna Prestes", de autoria do ilustre Promotor de Justiça paraibano, Severino Coelho Viana, sem dúvida, um dos mais brilhantes pombalenses, constitui-se em excelente contribuição para o mundo literário pertinente ao tema.

O texto, de leitura simples e direta, sem subterfúgios ou palavras difíceis, termina por envolver o leitor do inicio ao fim do livro, buscando mostrar todas as importantes passagens da vida publica do militar, do policial, do politico, do homem, do Cel. Arruda, desde a sua compreensão e retransmissão de que aquele cidadão se tratava de um ser humano espetacular, atencioso e formidável, além de ser dotado de memória estupenda, de tudo se lembrando nos mínimos detalhes, apesar da sua idade avançada quando da entrevista prestada ao autor do livro.

No decorrer da leitura, o leitor, por mais leigo que seja, percebe as grandes qualidades que possuía o Cel. Arruda, destarte para a sua coragem, destreza, honradez, honestidade, um grande homem, entretanto, teimoso e afoito por demais, talvez, por vezes agindo mais pela emoção, mas no intuito de acertar e vencer em vitórias não só suas, mas do seu povo, do povo a quem tanto amava, do povo paraibano a quem tanto defendeu. O exemplo maior dessa ousadia e extrema coragem visando defender o povo da tirania do suposto exército revolucionário que buscava novos rumos para o país, mas para tanto não deixou de praticar rosários de arbitrariedades por onde passou, foi o seu enfrentamento a grande e temível Coluna Prestes, quando da passagem daquela Unidade de Guerra pelo município de Piancó na Paraíba, em fevereiro do ano de 1926. Sem sombras de dúvidas, um ato corajoso de um destemido homem, mas ao mesmo tempo temeroso e intempestivo, vez que de tudo, houve final trágico para muitos combatentes com a cidade praticamente arrasada em verdadeiro inferno. Entretanto, o exercito revoltoso de Prestes sentiu a pungência e a força do povo paraibano, apesar de ter realizado verdadeiro e covarde massacre a certos combatentes de Piancó, já rendidos e desarmados como foi o caso do Padre Aristides Ferreira da Cruz e alguns dos seus bravos seguidores.

Tal ato combativo e heroico rendeu ao então sargento Arruda, a importante e dignificante honraria do governo do Presidente do Estado, João Suassuna, por bravura, condecorado com a espada do herói.

Passeando na interessante leitura do livro, para não muito se alongar no presente comentário que de fato merece destaque para muitos atos heroicos do bravo Cel. Arruda, deixamos de tecer dados sobre a sua atuação incansável em busca de criminosos; sobre a prisão que efetuou do temível e sanguinário bandoleiro Chico Pereira; sobre a sua luta contra o poderio dos chamados "coronéis"; sobre a sua trajetória politica de prefeito a deputado estadual; sobre os embates que ravou com o Padre Manoel Otaviano na época em que ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba; sobre a sua inimizade com o famoso coronel Jose Pereira e sobre tantos outros acontecimentos pelos quais passou o Cel. Arruda na sua trajetória de militar e delegado de policia em várias cidades da Paraíba embrenhando-se no matagal, nas caatingas, sob o sol causticante em busca dos cangaceiros de Lampião, deixando de tudo então, para melhor se ater a questão da citada batalha contra a Coluna Prestes, a sua mais arrojada batalha, embora pudesse ter sido evitada se alguém dos combatentes de Piancó não tivesse disparado tiros contra aquele temível e terrível exército revolucionário, como de fato ocorreu, ninguém sabendo quem teria sido o autor de tal audácia que gerou rápida, mas sangrenta guerra naquelas terras da Paraíba.

Consta da leitura que quando a Coluna Prestes entrava em Piancó, talvez em passagem amistosa, ninguém sabe, com os homens da cidade já devidamente preparados e entrincheirados em diversos piquetes de defesa, tiros certeiros alvejaram cavalos e cavaleiros daquela tropa, até mesmo oficiais. Daí por diante o tempo fechou em barulho e desespero, quando intenso tiroteio transformou a cidade de Piancó em verdadeira praça de guerra.

Havia entre os defensores de Piancó, um cidadão que na verdade era um preso que ali estava por demonstrar ser de bom comportamento e assim viver de certas regalias fora da cadeia. Esse detento que possuía tratamento diferenciado era conhecido por "preá" e que ganhara tal apelido por ser considerado exímio rastreador de animais perdidos, que para prova disso, bastavam lhe dar uma rapadura que ele conseguia trazer do meio da caatinga qualquer caprino que por ventura se desgarrasse do rebanho. Na delegacia, por conta de tais benesses, o referido "preá" era uma espécie de faz-de-tudo que lhe mandassem.

Junto aos defensores da cidade o tenente Antônio Benício, delegado de Piancó, que estava do outro lado da rua, noutro piquete, solicitou por gestos e algumas poucas palavras em meio ao barulho ensurdecedor dos estampidos vindos de todos os lados, que "preá" trouxesse quatro fuzis e munição suficiente para o piquete dele que assim necessitava. Não havendo a mínima possibilidade de "preá" atravessar a rua em meio ao cerrado tiroteio sem ser atingido, principalmente com todo aquele apetrecho pesado, então, o agora protagonista da história ora comentada, sargento Arruda, teve a idéia de instrui-lo para pendurar a camisa branca que vestia em um dos fuzis. A estratégia deu certo, pois quando "preá", mesmo tremendo mais do que vara verde, saiu à rua com o fuzil hasteando a bandeira branca, imediatamente os revoltosos de Prestes, ensarilharam suas armas respeitando a decisão contida no símbolo internacional, ou até quem sabe, pensando que os combatentes pretendiam se entregar.

Em contraponto, talvez por não saber o que de fato acontecia naquele momento de pausa, outro piquete de defesa da cidade ali próximo, o grupo chefiado pelo Padre Aristides, aproveitou o momento de distração da Coluna Prestes para intensificar o tiroteio em sua direção, trazendo como resultado de tal irrazoabilidade, muitos soldados mortos e feridos.

Disso resultou que a tropa revoltosa, em imensa fúria e ódio, comandada pelo próprio Capitão Luiz Carlos Prestes, investiu fortemente contra o piquete do Padre Aristides Ferreira da Cruz, lançando inclusive duas bombas de efeito narcótico dentro da casa do citado reverendo, o que fez com que aquele grupo, fraco, tonto, sufocado e desorientado, se entregasse.

Covardemente, usando tão somente por base, o atroz sentimento de vingança pelos seus mortos em virtude do incidente ocorrido, o comando da Coluna Prestes determinou que todos "os prisioneiros de guerra" que estavam na casa, incluindo o Padre Aristides e o prefeito de Piancó, o Sr. João Lacerda, bem como o filho deste, fossem conduzidos amarrados a um barreiro ali próximo e lá barbaramente sangrados, um a um, com ferimentos perpetrados por longos punhais enfiados nas jugulares, ou em brutais degolas das vitimas que em gritos e desesperos não foram perdoados, fazendo disso, das maiores arbitrariedades, dos maiores e horrendos crimes praticados pelos soldados revoltosos na caminhada histórica da Coluna Prestes. A água do barreiro da morte ficou tão vermelha de sangue quanto vermelha de vergonha ficou essa covarde ação daqueles homens que diziam lutar por um Brasil melhor, que se diziam revolucionários reformistas. Uma ação totalmente injustificada que jamais justificaria a desastrada ação do grupo do Padre Aristides em ter atirado contra os homens que respeitavam a bandeira branca carregada por "preá". Uma triste, desolada, insana e macabra ação de negatividade em extrema falta de hombridade, sensatez e humanidade contra homens indefesos, desarmados e presos, uma execução sumaria em verdadeira chacina, que ficou para sempre guardada nos anais da história de guerra desses valorosos paraibanos contra a poderosa Coluna Prestes.

O discurso do autor do livro não é um discurso autoritário, ditatorial ou mesmo demagógico, é um discurso livre, democrático, que busca novas discursões, mas que traz a verdade, ou pelo menos dela se aproxima, sem mentiras, invencionices, extravagâncias, baseado na história real até mesmo em certos pontos diferindo da história oficial, mas não em forma contundente, sim em trabalho cuidadosamente organizado, de forma realmente consciente, de tudo para mostrar ao leitor o que foi a trajetória vida do cidadão Manuel Arruda de Assis, um verdadeiro exemplo para todos os seus familiares, um homem imortal para os paraibanos, um exemplo a ser seguido por todos os homens de bem.

De parabéns, portanto está o autor do livro, por resgatar a historia desse homem guerreiro que tanto enobrece o solo desse tão importante Estado da Paraíba que tantos ilustres personagens trás para o cenário brasileiro. Uma leitura que de igual modo espero que todos gostem. Um livro que merece estar em todas as boas bibliotecas.

Foi assim que eu vi e senti do livro de Severino Coelho Viana.

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Polícia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br 
  

DELMIRO GOUVEIA (7)

Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu no dia 05 de junho de 1863, na fazenda Boa Vista (município de Ipu, na serra da Ibiapaba). Filho da paixão e do acaso, pois o coronel Delmiro de Farias (nome de uma rua que se inicia no bairro Jardim América e chega ao Rodolfo Teófilo), casado e pai de cinco filhos, raptou a jovem pernambucana Leonilda Flora da Cruz Gouveia. Apaixonou-se por ela quando viajou a Recife, a negócios. 

Delmiro Gouveia perdeu o pai na Guerra do Paraguai, em 1867. Dele, herdou a personalidade forte, a coragem e os arroubos da juventude. “Em uma das festas que promoveu, ele se apaixonou por uma condessa italiana. Chegou a passar meses na Itália... Em Alagoas, mantinha duas residências: numa, ficava a irmã e os filhos. No chalé, fora do cercado (região onde estava a cidade), teve muitas mulheres e muitas amantes”, conta Edvaldo Nascimento, da Fundação Delmiro Gouveia (Alagoas). 

Após a morte do pai, Delmiro e a mãe escaparam em Pernambuco. Migraram do interior para a capital até o rapaz se estabelecer no ramo de peles. Por essa época, 1883, casou-se com Anunciada Cândida de Melo Falcão (o casal se separou em 1901). O mascate era intermediário entre os produtores do sertão e os comerciantes estrangeiros de Recife. Em 1896, já era proprietário da Casa Delmiro Gouveia & Cia. A sociedade com a L.H. Rossbch, de Nova Iorque, rendeu-lhe o título de Rei das Peles.


O rei Lampião

Nesse período, Virgulino Ferreira (antes de se tornar o cangaceiro Lampião) foi almocreve de Delmiro. Ele carregava as mulas, pra lá e pra cá, fazendo o transporte das peles. Era o início do século XX, e Delmiro seguia a sina do pai: fugiu com a adolescente 


Carmela Eulina do Amaral Gusmão para Vila da Pedra (Alagoas). Um povoado, como situa Edvaldo Nascimento, na margem do Rio São Francisco, a cem quilômetros de Canudos, a 60 de Angicos e a 150 da terra de Graciliano Ramos.


Em Pedra, Delmiro Gouveia continuou a lida com as peles até viajar à Europa e conhecer a revolução industrial. Do outro lado do mar, trouxe a idéia da hidrelétrica (1910).

"O Povo", 21/10/2007:

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 6 (OS DIAS E AS NOITES)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 6 (OS DIAS E AS NOITES)

O sertão cangaceiro era o mesmo tabuleiro onde se espalhavam as peças do jogo acirradamente disputado pelos quatro cantos, desde o alvorecer ao mais fechado negrume da noite. A manhã surgida aos olhos do vivente entrincheirado nas caatingas e tocas era a mesma brotando festiva diante do olhar do velho matuto ao abrir a porta de sua tapera de barro.

Sertão bonito demais, indescritível sertão! Terra e chão, malhada e vastidão, saleta de chão e alpendre sombreado, mataria e garrancho, bicho amigo e indócil, um sopro de tempo chamando à vida, a esperança de sempre chamando a sobreviver. Um horizonte infinito, ainda que azul demais por causa do tempo seco, um entardecer que se alonga e vai tornando cada ser um poeta sem precisar escrever qualquer verso. Apenas olhar ao redor, se encantar, deixar aflorar os sentimentos e versejar os amores e as saudades no vão poético da memória.


Eis o sertão do cangaceiro e do lavrador, do coiteiro e do citadino, da volante e do vaqueiro, do bandoleiro das caatingas e do homem de paz no roçado, da beata e do vigário, do coronel e do jagunço. Sertão de muitos lados, muitas faces e muito mais. Eis que vastidão de véu e cortina, de espelho turbado, em cujo lado de lá mora a dor e o sofrimento, o grito e o lamento, a pobreza e a fome, a injustiça e a perseguição, a morte tragando a vida, o sobreviver fraquejando diante do mundo apocalíptico.

E por que será que o sertão é assim tão contrastante, de um lado a beleza e de outro a feiúra horripilante, numa face o sorriso e na outra o lanho do sofrimento? Desígnio divino, tudo vem na medida do merecer da terra e do homem. Se a grandiosidade paisagística do lugar, com seu luar inigualável, seus caminhos instigantes e as cores que vão se formando por cima da mata durante o entardecer servem para acalentar o vivente, de outro lado faz do sal do sofrimento a balança que há em tudo. Não há nada tão belo que não venha com uma pontinha de amargura.

O sertanejo vive num paraíso sem jardim, vive ao lado do roseiral sem poder cheirar a flor, vive ladeando o que há de mais belo na natureza e caminhando por estradas de pontas de pedras e espinhos pinicantes. O orgulho imenso de ser filho da terra e com ela se confundir em tudo, não afasta o desencanto que também bate à porta. O prazer de repente se transforma em dor e agonia. Porque o homem é instigado ao prazer e ao sofrimento para se conhecer o seu merecimento no mundo.

Contudo, dentro do próprio sertão, perante os seus filhos, há outras diferenças que parecem querer dividir os nativos em muitos. São vidas e jeitos de viver diferentes, pessoas com atitudes e vocações que desafiam os entendimentos. Por cima da mesma terra, gente que nasce para a paz e tantos que buscam a guerra; muitos cheios de contentamento com a vidinha humilde e simples que têm, e outros deixando a porta sossegada de casa e seguindo rumo ao desconhecido, ao perigoso, ao desafiador.


Um dia, num tempo distante, lá pelos idos dos anos desde muito envelhecidos, muitos desses jovens de famílias pobres, trabalhadoras na terra, sobreviventes do suor e do alimento da estação, de repente decidiram que a guerra era melhor que a paz, o perigo era melhor que o viver sossegado nos seus cantos. E não somente os meninos pobres, mas também filhos de famílias mais abastadas, mas que por impulsos e revoltas debandaram pelas veredas esturricadas e de encruzilhadas sangrentas.

Ao escolher a vida cangaceira, fazer valer seu ímpeto sertanejo para se tornar errante nas caatingas, o jovem certamente não tinha o pensamento suficiente claro para imaginar as consequências imediatas desse ato nem as durezas futuras no seu cotidiano debaixo do sol, sob a lua, correndo de costas, enganando a morte, saltando pedras e caindo em espinhos, deixando para trás rastros de sangue. Vida de sangue, de medo, de ataque e de fuga.

A paixão pelo cangaço, como acontece com todas as paixões, trazia a insanável cegueira até que o espinho de quipá furando olho o acordasse para a realidade. E será que estava vivendo, que aquilo era mundo, que era jeito de gente viver e morrer? Somente quando abria os olhos e já não podia voltar atrás é que é se entregava de corpo e alma ao mundo que escolhera. Primeiro o encanto, depois a realidade. E então o espanto. Em tudo a vida ao lado da morte.

Coisa simples, até sem doer, pois forçado a acostumar com toda dor, com o espinho de facheiro, de xiquexique, de mandacaru; a urtiga e cansanção roçando na pele sem ferir, sem queimar, mais parecendo pétala de flor agrestina. E tudo passa a ser visto de modo diferente porque assim tem de ser. A lama é água, o barro é líquido, a chuva é milagre do céu, pingo d’água é coisa que chega a assustar; carne de cobra parecendo com peixe, perna de preá não tem igual. Se não tivesse fogueira ou não houvesse tempo para o assamento que os cantos da boca sangrassem derramando o apetite, a fome.

Amigo do tempo, amigo do mato, amigo do bicho, amigo do matuto do lugar, muitas vezes amigo do inimigo, mas também hostil a quase tudo. Confiar sempre desconfiando, falar meia palavra porque já é demais, não se aproximar muito para não deixar marcas, ser apenas o vulto e a sombra que no instante seguinte já não é mais. Cangaceiro era tudo, quase sem ser nada. E até era melhor ser assim mesmo para ver se tinha uma vida sem tanta perseguição.


Que coisa boa ao encontrar uma casa, um imenso palácio para o merecido descanso. A porta maior do mundo, ladeando o sertão e suas veredas. Palacete de cama macia, adornada por terra cheia de espinhos, pedras como travesseiros, uma lua inteira como cobertor. E sonhar com a linda princesa que vai chegando devagarzinho, subindo pelos lados da serra, cautelosamente caminhando ao encontro do seu amado. E traz na mão alguma coisa bonita, brilhosa, reluzente. Mas não, é a volante de mosquetão. O mesmo pesadelo de todas as noites.

Que vida dura, seu moço, e o menino nem pensou um bocadinho nisso antes de tomar a decisão de ser cabra de Lampião. Mas agora é tarde demais. Está formado na vida, sabe tudo, é doutor. Conhece o remédio do mato, a cobra que é venenosa, cada pegada que encontra, todo barulho que ouve, todo farfalhar de folhagem. Sabe que há inimigo na redondeza, que o silêncio da mata logo se tornará em grito, em disparo, num pega-pá-capá desgraçado.

Correu mil léguas, caminhou mais duas mil e ainda não chegou ao coito. Todo mundo pensa o que seja um coito, porém ninguém nunca soube o que é um coito. Nem cangaceiro sabia. Quando o Capitão dizia que em tal lugar descansariam, então ali poderia ser tido como o refúgio chamado coito. Muitas vezes o lugar mais aberto no meio da mataria, um esconderijo detrás das pedras, uma toca grande moradia de animais, um lugar qualquer que servisse pra descansar. Não tinha número na porta nem ficava em endereço, apenas num local onde os bichos nativos eram espantados para que outros bichos se apossassem.

Bichos não. Nem quase bichos. Apenas seres humanos com seus destinos. E tão seres humanos que se compraziam com qualquer instante de paz que encontrassem, que conseguissem alcançar naquelas vastidões sertanejas. Sagrado era o alimento conseguido, sagrada era a visita do coiteiro que trazia o carregamento que tanto precisavam pra sobreviver, sagrada era a esperança de adormecer e amanhecer com vida, levantar cedinho para seguir adiante. E sagrada a prece da noite, a oração pedindo proteção, pois a mesma mão calejada e acostumada com o mosquetão, segurava mansamente o terço ou o rosário para o ofício da fé.

Assim eram os dias, assim eram as noites cangaceiras. Assim era a vida no sertão de Lampião.      


(*)Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
http://blograngel-sertao.blogspot.com.br/2012/07/as-cronicas-do-cangaco-6-os-dias-e-as.html

LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE (IV)

Por: Clerisvaldo B. Chagas -Crônica Nº 812

Muitas coisas foram ditas sobre José Lucena de Albuquerque Maranhão em nosso livro “O boi, a bota e a batina: história completa de Santana do Ipanema” que ficou para o ano para novas inclusões e por ter cinco outros livros na fila, antes dele. 

Coronel José Lucena Albuquerque Maranhão

Lucena também está amplamente no livro “Lampião em Alagoas” que, pelos preparativos de lançamento, não vai dar para o dia vinte e oito deste mês, como prevíamos, ficando talvez para agosto. Uma crônica só é pouco para nossas observações sobre o Capítulo 8 do livro 



“Lampião contra o Mata Sete”, mas tentaremos pelo menos com reduzidas palavras afirmar posições. Desde 1918 que o sargento Lucena lutava na Zona da Mata Alagoana e no Alto Sertão, época em que a Família Ferreira veio morar em Alagoas. Lutou contra bandos de cangaceiros, inclusive o dos Porcino que foram chefe de Lampião. Aliás, Lampião não foi somente chefiado por Sinhô. Ele teve três chefes, pela ordem: Matilde, os Porcino e depois Sinhô Pereira. No caso da morte de José, está claro em “Lampião em Alagoas”. Lucena estava em busca do criminoso Luís Fragoso, cercou sua casa, sem resistência, morrendo aí, por infelicidade, José Ferreira, durante a invasão, pelo instinto de cão do soldado Caiçara, o assassino. Lucena esbravejou contra Caiçara, mas como comandante da pequena força, assumiu o ato do soldado. Quanto à morte do oficial de que fala o Capítulo 8, de “Lampião contra o Mata Sete”, também está escrito de forma inédita detalhadamente, em “Lampião em Alagoas”. O oficial tentara assassiná-lo na noite de escuro, anterior. Chamado para esclarecimento o tenente Porfírio desafiou o comandante e não quis atender o seu pedido por duas vezes, o que Lucena para não ficar desmoralizado mandou que dois soldados que foram chamar o oficial o trouxessem vivo ou morto. Porfírio preferiu ir morto. (Aguarde “Lampião em Alagoas”).
Em relação à morte do coronel José Rodrigues de Lima, Lucena havia sido emboscado no município de Água Branca quando morreu o capitão Eutíquio Rafhael de Medeiros. Essa emboscada foi atribuída a Zé Rodrigues. Naquele tempo − o companheiro Archimedes sabe que era assim − ou um ou outro. Lucena até demorou com a vingança. (Detalhes no mesmo livro acima).
Em 1936, com a criação do 2º Batalhão de Polícia de Alagoas e sua instalação em Santana do Ipanema, Lucena torna-se o seu primeiro comandante. O batalhão passa a ser a sede de todas as forças volantes distribuídas estrategicamente no semiárido. São frases do conhecido comandante João Bezerra “Como dei cabo de Lampião” (...) “S.S. sempre possuía dados importantes. Trabalhador valoroso, não se descuidava de um só instante de pesquisar por todos os meios ao seu alcance dos paradeiros dos grupos assassinos”.
(...) esse valente militar dava ordens à distância e nunca perdia o contato com os seus comandados, auxiliando-os constantemente por todos os meios, ora com avisos, informações escritas, por portadores e telegramas quando possível, ora fiscalizando as marchas através das caatingas, animando, estimulando e orientando os comandados que surpreendia em toda parte com a sua agradável presença de chefe destemeroso.
Ainda Bezerra (1983, p. 177): O coronel Lucena nunca vacilou para dar ordens enérgicas sempre que o interesse da campanha o exigisse. A confiança que tinha em si mesmo, a sua fé e a sua coragem aliadas à expectativa feliz de êxito nas diligências, se irradiavam sobre os seus comandados, estimulando-os a imitá-lo na esperança da vitória.

Foi Theodoreto quem sugeriu a criação do 2º Batalhão de Polícia com sede em Santana do Ipanema. O comando seria entregue ao major José Lucena de Albuquerque Maranhão, oficial reconhecidamente destemido e experimentado nas lutas cangaceiras. Sobre ele fala o santanense sargento Oscar Silva, seu comandado, depois escritor de conceito, em “Fruta de Palma”:
(...) sob o comando de um homem de cultura limitada, mas de inteligência rara e férreo espírito de disciplina: o major José Lucena de Albuquerque Maranhão (...).
(...) senso de intransigente cumpridor da Lei e da Ordem. Era um amigo incondicional dos comandados, ao mesmo tempo, um intransigente adversário de qualquer deles, conforme a adaptação ou não dos subordinados à sua maneira de comando.

(Continuação e conclusão amanhã, sobre Lucena e Capítulo 8 de “Lampião contra o Mata Sete”).