Não tem para onde correr meu amigo, enquanto a juventude estar se divertindo na Festa da Juventude, o frio estar cortando em Santana do Ipanema. Estou no momento, armando esta crônica enrolado com uma camisa, um esquente e dois casacos além de um par de meias, para poder atravessar noites e dias do mês de julho. Isso faz lembrar os grandes invernos do Sertão e a Festa de Senhora Santana em plena frieza bruta. Cada qual se defendia do frio como podia, até que chegou a Santana do Ipanema um tipo de agasalho chamado “japona”. Bastava aquele casacão pesado que ia até as coxas para resolver o problema. Um ex-marinheiro dizia que aquilo era o casacão de frio usado pela marinha do Brasil.
Não é possível deixar de lembrar dessa década de 1960, dos grandes parques armados na cidade, das bandas musicais nas festas, de tantas e tantas diversões profanas, de frio exagerado e de inverno até o dia 15 de agosto, das lagartas que nesse mês atacavam a lavoura que morria de frio e das investidas daquelas pragas. Entretanto, ainda hoje, o povo chega aos pés dos palcos de cantoras e cantores famosos, com chuva ou sem chuva, com frio ou sem frio e os espetáculos prosseguem até as quatro da madrugada com o mundo caindo gelo. Incrível como o globo vive carente de diversão! Mas no caso da “japona”, nunca mais apareceu por aqui esse tipo de agasalho. Há muito sumiu misteriosamente.
Mas se a “japona”, desapareceu, continua a fileira de festas contínua em Santana do Ipanema: São José, Juventude, Senhora Santana e São Cristóvão. Cada uma melhor do que a outra, satisfazendo muito bem os que procuram a fé e os vários tipos de brincadeiras. E quem gosta dessa frieza que vai até os ossos, passa batom nos lábios, escova os cabelos ou calça jeans e camisa colorida e aprumam pela porta da frente. Pular, beber, namorar que o tempo urge. E de hoje para amanhã tem a procissão dos carreiros que abre a festa da padroeira. Pelo menos isso para preencher o vazio deixado pela Festa da Juventude.
Vai chegar junto?
MATRIZ DE SÃO CRISTÓVAO (FOTO; B,CHAGAS/LIVRO 230).
Para não cansar o leitor contarei apenas três passagens engraçadas do saudoso primo Zé Chagas, muito trabalhador e muito espirituoso santanense.
Primeira: Certa feita estávamos na loja de tecidos do meu pai, quando chegou uma cartomante bastante conhecida na cidade, chamada Maria Galega; indagou aos presentes se queriam saber o futuro. E olhando para o “primo véi”, disse, “vou deitar as cartas para você”. Ajeitou o baralho e disse de primeira: “Estou vendo ouro na sua vida”, o primo gaiato respondeu de pronto: “Só se for ourina, Maria”
Segunda: No sertão temos o pássaro anu-branco e anu-preto. Aliás, não sendo fácil atirar de espingarda ou peteca (baladeira, estilingue, assim conhecida em outras regiões) e matar um anu que pula muito quando estar sendo alvo, foi criado o ditado sertanejo: “Quem tem pólvora pouca não atirar em anum”. Pois bem, Zé Chagas, ao passar pelo comércio em hora de não expediente, encontravam-se sentados no batente da loja, dois homens pretos bastante conhecidos: Filemon e Zé Preto.
Zé Chagas, do tirocínio aguçado, assim que os avistou, falou para seu acompanhante, apontando para os dois: “Pia! (espia) onde tem um casal de anum preto!
Terceira: Zé Chagas tinha uma casa de jogo à rua Tertuliano Nepomuceno, chamada “Bafo da Onça”. Defronte, do outro lado da rua, havia uma funerária. O dono da funerária, então, pediu a Zé Chagas que ficasse tomando conta do estabelecimento enquanto ele iria resolver um problema e logo retornaria. Zé Chagas aceitou a incumbência, mas pediu os preços dos caixões de defuntos, poderia chegar alguém querendo comprar. Ora, logo, logo, chegaram dois homens, pai e filho. Havia morrido uma senhora, mãe de um e esposa do outro. O viúvo olhou o mostruário, escolheu um caixão e indagou quanto custava aquele. Zé Chagas deu o preço. O cidadão perguntou se ele não daria um abatimento. Mas a gaiatice de Zé Chagas, não perdoava nem a morte! Disse para o homem: “Se o senhor levar dois caixões, eu faço menos”. Não levou uma sova de pai e filho por exclusiva sorte.
E assim, havia mais dois na cidade semelhantes no raciocínio rápido e piadas instantâneas; Expedito Sobreira e Costinha.
Amigo Severo, O Cariri Cangaço representa muito para mim. Plagiando as sagradas escrituras dos violeiros; na voz do grande
Zé Ramalho; digo aqui o que é a alma do CARIRI CANGAÇO.
" A defesa é natural. Cada qual pra o que nasce, cada qual com sua classe seus estilos de agradar. Um nasce para o trabalho outro nasce para a briga, outro vive de intriga e outro de negociar. Outro vive de enganar. O mundo só presta assim, é um bom outro ruim e eu não tenho jeito pra dar. Para acabar de completar, que tem o mel dá o mel, quem tem o fel dá o fel, quem nada tem, nada dá"
Parabéns, grande Família Cariri Cangaço
Aderbal Nogueira
NOTA CARIRI CANGAÇO: O talento e a arte deste grande profissional das imagens se agiganta quando nos deparamos com o ser humano; o homem que tem se dignificado pela retidão de carater e por toda a sua própria história de vida. Abaixo trazemos mais uma maravilhosa e impagável faceta do Abraão Benjamim desta grande família do Cariri Cangaço, mais um imperdível trabalho de Aderbal Nogueira e a Cariricatura do Cariri Cangaço 2011, aproveitem !
Aderbal Nogueira Conselheiro Carirti Cangaço Diretor do GECC Socio da SBEC
Quixeramobim, sertão central do meu Ceará, terra berço de Antônio Mendes Maciel; o Conselheiro; terra berço de meus ancestrais, e também, terra berço de Francisco Antônio Rabelo, ou simplesmente Rabelo, ou simplesmente Barão, o Barão que agora tem sua oficina de artes e ofícios, transformada em Museu !!! Museu Orgânico, o primeiro do sertão central cearense. Mas...o que são os Museus Orgânicos ?
Esses maravilhosos equipamentos;uma iniciativa do Sistema Fecomércio-CE, através do Sesc; têm como principal função transformar em lugares de memória afetiva as casas e oficinas de mestres da cultura e artesãos do Ceará. Aqui os visitantes entram em contato com a arte, o talento e toda a essência desses homens e mulheres que se tornaram Mestres naquele que fazem, e assim foi e é com Rabelo.
Museu Oficina Antônio Rabelo, uma iniciativa Fecomércio-SESC
Certa vez em outro texto escrevi: "Costumo dizer que somos movidos por paixão. As paixões acabam transformando-se em combustível precioso para a realização de nossos sonhos, sonhos de todas as naturezas... Assim tem sido com nosso empreendimento que é o Cariri Cangaço, assim tem sido com o senhor Francisco Antônio Rabelo do sertão maravilhoso de Quixeramobim. Mas, quem é o ilustre Francisco Antônio Rabelo, ou simplesmente Rabelo; como é conhecido por toda Quixeramobim e por todo o planeta ? Poderia dizer que Rabelo é o marido da dona Lúcia, ou o pai do David e do Darvin , poderia dizer que Rabelo é aquele "louco" apaixonado por fusquinhas, por skate e exímio piloto de motocross, ou ainda o esforçado cantor de rock romântico dos anos 80...
Mas vou começar pelo fim: O ilustre Francisco Antônio Rabelo, o Rabelo; é hoje um dos mais respeitados designer de jóias artesanais do Brasil. De sua oficina em Quixeramobim a Ceará Designer de Jóias Artesanais vem ano a ano conquistando a paixão e o respeito de todos que possuem um requintado bom gosto e prezam pela arte a partir das coisas do sertão. Rabelo utiliza todo o seu talento nato transformando pedras rústicas e as mais variadas matérias primas da caatinga em jóias preciosas, de rara beleza e extremo bom gosto. Sua produção tipicamente e preciosamente artesanal; anéis, brincos, colares, braceletes, dentre outros inúmeros acessórios, possuem um marca inconfundível que tomou conta do Brasil e do mundo: A Marca Rabelo de Ser e de Fazer... Por ocasião da construção de nosso Cariri Cangaço em Quixeramobim, que acontece nos próximos dias 24 a 26 de Maio de 2019, tivemos a oportunidade de nos aproximar e de imediato nos apaixonar pelo "jeito Rabelo de Ser".
Heldemar Garcia e Rabelo
Nesta última semana, dia 27 de maio, mais uma vez em visita a querida Quixeramobim; terra de meus ancestrais e da qual recebi com muito orgulho o titulo de cidadão honorário; fui a casa, oficina, museu, enfim... do Rabelo e de Lúcia. Logo para chegar acabei perdido em função de obras na estrada que acabaram por me confundir, dai liguei para Rabelo que veio me resgatar em seu fusquinha maravilhoso, que figura excepcional !
Acompanhado pelo jornalista Heldemar Garcia, adentramos o agora Museu Orgânico Oficina Antônio Rabelo, bem no centro do Planalto Sabonete. Por entre as maravilhosas peças de sua criação, arte pura do sertão que se transforma e joias artesanais, por entre as pedras de todos os tamanhos, texturas e para todos os gostos, espinhos de mandacaru, esculturas e tudo o mais do universo e oficio do Rabelo, encontramos recorte de toda sua vida, são fotografias preciosas, artefatos cheios de memoria e elementos cheios de afeto que contam a história desse ser humano inigualável chamado Rabelo.
Heldemar Garcia, dona Lúcia Araujo e Rabelo
O recém inaugurado Museu do Rabelo, fica bem do lado de sua casa , que fica do lado da pista de motocross que também fica do lado da oficina de seus fusquinhas, que também fica do lado da sua "Mina", que agora faz parte do Museu !!! Como assim? Pois é, Rabelo certo dia acordou com mais uma ideia "maluca" na cabeça: "Vou construir uma mina aqui no meu quintal para que os mais jovens possam ter essa incrível experiência da mineração e conhecer um pouco da beleza que a natureza nos reserva" é assim o extraordinário Rabelo, o "professor Pardal" de Quixeramobim.
Durante toda visita por muitas vezes nos surpreendemos, eu e ele, com lágrimas nos olhos. "Somos movidos por paixão Severo, você e eu", a cada relato, a cada comentário, a cada lembrança, a certeza que jamais podemos abandonar nosso sonhos. Rabelo é uma dessas pessoas que se guarda no coração, não apenas o artesão talentoso, o empresário de sucesso, que hoje compõe o TOP 100 do Sebrae; figurando entre os melhores artesãos do país; mas e principalmente pelo grande esposo, pai, tio, enfim, pelo imenso ser humano que é, ao lado de sua guardiã simplesmente espetacular, seu grande amor, a razão de sua vida, a querida Lúcia.
Museu Orgânico Oficina Francisco Rabelo, 27 de Maio de 2022
Vingt-un Rosado, em foto publicada no O Mossoroense, em 1946, com 26 anos de idade. Foto do acervo da jornalista Lúcia Rocha
Dr. Jerônimo Vingt-un Rosado Maia nasceu em Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte, no dia 25 de Setembro de 1920, e faleceu em Mossoró, no dia 21 de Dezembro de 2005.
Isaura Rosado Maia mãe da família numerada de Mossoró
Nascido numa família de políticos, e era filho de Isaura Rosado e do farmacêutico e político paraibano Jerônimo Rosado.
Jerônimo Rosado Maia pai da família numerada de Mossoró
Teve como irmãos importantes, o ex-governador do Rio Grande do Norte Jerônimo Dix-Sept Rosado Maia, o ex-deputado federal Jerônimo Vingt Rosado Maia, e o ex-prefeito Jerônimo Dix-Huit Rosado Maia. Era historiador, agrônomo, e durante muitos anos foi diretor da ESAM – Escola Superior de Agricultura de Mossoró, atualmente (UFERSA).
Os irmão de Vingt-un Rosado eram:
Jerônimo Rosado Filho
Laurentino Rosado Maia
Tércio Rosado Maia
Izaura Rosado
Laurentino Rosado Maia
Isaura Sexta Rosado de Sá
Jerônima Sétima Rosado Fernandes
Maria Oitava Rosado Cantídio
Isauro Nono Rosado Maia
Vicência Décima Rosado Maia
Laurentina Onzième Rosado Fernandes
Laurentino Duodécimo Rosado Maia
Isaura Trezième Rosado Maia
Isaura Quatorzième Rosado de Magalhães
Jerônimo Quinzième Rosado Maia
Isaura Seize Rosado Coelho
Jerônimo Dix-sept Rosado Maia
Jerônimo Dix-huit Rosado Maia
Jerônimo Dix-neuf Rosado Maia
Jerônimo Vingt Rosado Maia
Jerônimo Vingt-un Rosado Maia - este era o mais novo da família, e o último a falecer.
Dos filhos, noras e neta do farmacêutico Jerônimo Rosado Maia, conheci pessoalmente os seguintes:
Naide esposa de Dix-huit Rosado e Trezième Rosado
Laurita (39), Trezième Rosado (56) sua mãe, em Aparecida do Norte - São Paulo em 1972 - http://www.azougue.org/conteudo/dobumba32.htm
- Isaura Trezième Rosado Maia mãe de Laurita Rosado Miranda.
Jerônimo Dix-huit Rosado Maia
- Jerônimo Dix-huit Rosado Maia pai do empresário Mário Rosado, e foi prefeito de Mossoró em três gestões.
Dona Odete e Dix-neuf Rosado Maia
- Jerônimo Dix-neuf Rosado Maia pai da ex-prefeita de Mossoró Maria de Fátima Rosado. Este era empresário.
Jerônimo Vingt Rosado Maia
- Jerônimo Vingt Rosado Maia pai da ex-deputada Federal Sandra Rosado. Foi prefeito de Mossoró e deputado federal durante muitos anos.
Jerônimo Vingt-un Rosado Maia
- Jerônimo Vingt-un Rosado Maia pai de Maria Lúcia, Dix-sept Rosado Sobrinho, Lúcia Helena, Leila Rosado e Vingt-un Júnior, que morreu em 1950, uma semana após o nascimento.
Vingt-un foi o criador da Coleção Mossoroense que possui uma quantidade enorme de livros escritos por pessoas da região, administrada pela Fundação Vingt-un Rosado.
Estátua de Jerônimo Dix-sept Rosado Maia, ex-governador do Rio Grande do Norte.
Politicamente, muitos mossoroenses não têm simpatia pela família Rosado, mas se não fosse ela, nós ainda estaríamos nas margens do Rio Mossoró, comendo somente peixes, e ainda dizem que, uma rua, outra não, tem o nome de um Rosado ou de um Escócia escrito.
Tem, mas sabe o porquê? Porque trabalhou por Mossoró, e ninguém fez mais do que ela.
Na metade do século XX, o ator norte-americano Henry Fonda (1905-1982) era um dos maiores astros de cidema dos Estados Unidos, intérprete de heróis inesquecíveis. E no auge dessa carreira estrelada em Hollywood, ele resolveu aliviar o clima de estresse que aumentava de acordo com a tensão que rondava a China e a Europa, com o seu país sempre em alerta. Decidiu, então, desembarcar em um local interessante e calmo, algo como o exótico Brasil. E foi nesse percurso que Natal, capital do Rio Grande do Norte, entrou no seu roteiro.
Esse texto foi originalmente publicado na Revista BZZZ, número 107, edição de nov. 2023 a jan. de 2024.
Esse momento passa pelo período de janeiro a abril de 1939, quando o ator tinha concluído três filmes e estava bastante cansado, somado aos conflitos que cobravam um alto preço em sangue na China, nuvens negras da guerra se aproximavam cada vez mais da Europa e ameaçavam englobar o Velho Mundo em um grande entrevero.
Aderbal de França e a Melhor Notícia
A sede do jornal natalense “A República” estava bastante agitada na manhã do do dia 13 de maio de 1939, devido à inauguração das obras de saneamento de Natal, que iriam acontecer às oito horas na Praça 7 de Setembro, em frente ao Palácio do Governo. Para o interventor federal Rafael Fernandes Gurjão aquela era uma das principais obras da sua gestão e custou a fortuna de quase cinco milhões e meio de contos de réis.
Aderbal de França.
A movimentação entre autoridades e políticos foi muito intensa e todo mundo que “era gente” em Natal se fez presente. Veio até o interventor da Paraíba, Argemiro de Figueiredo, e entre os que estavam lá, encontrava-se o muito satisfeito Francisco Saturnino de Britto Filho, cujo Escritório de Engenharia Civil e Sanitária Francisco Saturnino de Britto, com sede no Rio de Janeiro, foi o responsável pelo planejamento e execução da obra.
Entretanto, um dos mais importantes jornalistas de “A República” parece que pouco se importou com toda aquela movimentação política e tudo indica que ele nem sequer esteve naquele evento, pois não escreveu uma só linha sobre a festa. Mas isso não era problema, pois Aderbal de França, depois de quase onze anos publicando a mais importante e lida coluna social do principal jornal do Rio Grande do Norte, tinha cacife e prestígio suficientes para faltar ao evento na Praça 7 de Setembro.
O Sikorsky S-43 Baby Clipper.
E tudo indica que Aderbal estava naquele sábado com sua atenção voltada para o terminal de passageiros da empresa aérea Panair, uma subsidiária no Brasil da empresa de aviação norte-americana Pan American World Airways, uma das maiores do mundo naqueles tempos.
No dia anterior, Aderbal havia recebido um telefonema de Arlindo Moura, o agente da Panair em Natal, cujo escritório ficava no primeiro andar de um edifício na ladeira da Rua Sachet, 79, na Ribeira. Arlindo lhe informou que no dia seguinte, por volta das duas da tarde, chegaria uma aeronave do tipo “Baby Clipper” procedente dos Estados Unidos, trazendo a bordo o ator de cinema Henry Fonda e ele desembarcaria em Natal.
Realmente aquela notícia era bem mais interessante que a inauguração das obras de saneamento.
Em Natal
Aderbal de França, que assinava sua coluna com o pseudônimo de Danilo, escreveu que foi para o terminal de passageiros da Panair e ficou “com os olhos pregados no horizonte” esperando a aeronave. Essa havia partido de Miami, Flórida, tinha atravessado o Mar do Caribe, parou em Belém do Pará para pernoite e seguiu sem escalas para Natal. Essa ideia de pernoite era porque o bimotor “Baby Clipper” nem chegava a 300km/h de velocidade máxima.
Enfim, a aeronave anfíbia prateada surgiu no horizonte. Sobrevoou os sítios e fazendas onde atualmente existem os bairros da Zona Norte de Natal e passou sobre a ponte metálica de Igapó, que ainda estava completa. Fez uma volta sobre as poucas residências na região das Quintas, depois sobre o proletário bairro do Alecrim, e começou a diminuir de altitude. Voou sobre a igreja de São Pedro, o velho Cemitério do Alecrim, e logo amerissou no calmo Rio Potengi. De forma lenta e tranquila, o piloto se dirigiu até o flutuante da Panair, onde os hidroaviões dessa empresa atracavam.
Em 1939 Natal recebia uma média de três voos semanais de empresas aéreas alemãs, italianas, francesas e norte-americanas, que utilizavam ou o campo de pouso em Parnamirim, ou as águas do Potengi, mas mesmo esse terminal da Panair estando às margens do rio ele era chamado de “aeroporto”. E lá já se concentrava um certo número de fãs para olhar o astro de Hollywood e tentar conseguir um autógrafo.
Fonda desceu da aeronave por último, acompanhado de sua segunda esposa, a loiríssima Frances Ford Seymour, uma socialite canadense, oriunda de uma família de classe média alta e mãe do casal Jane e Peter Fonda, futuros astros de Hollywood. Eles caminharam com calma e tranquilos pela passarela de acesso ao terminal de passageiros e pareciam cansados. Fonda acendeu um cigarro para sua esposa, comentou alguma coisa sobre a paisagem e o fotógrafo João Alves de Melo começou a clicar o casal.
Após algum tempo, Aderbal começou um diálogo com Fonda e sua esposa, sendo traduzido por Franklin Willian Knabb, de 18 anos, um natalense filho de um casal de americanos que há anos viviam na cidade. Ao jornalista de “A República”, o casal comentou que a viagem estava sendo “Magnífica”, principalmente naquele sábado, onde tudo seguia corretamente. Disseram que “Gostaram imensamente desse aeroporto”, com seu calmo rio e a pequena cidade de casinhas claras.
Houve um momento de descontração quando Aderbal informou que no Cinema Royal, na Cidade Alta, estava reprisando naquele dia o filme “Idílio Cigano”, que Fonda havia rodado na Inglaterra no final de 1936 e atuou com a atriz francesa Annabella. Vale ressaltar que naquele mês de maio de 1939, acabava de estrear no Brasil o faroeste “Jesse James”, que demoraria um tempo para chegar nos cinemas da capital potiguar. Nesse filme Henry Fonda contracenou ao lado de Tyrone Power, que anos depois também passaria por Natal.
Apesar de Aderbal de França não comentar em sua coluna, os fãs e jornalistas de Belém, Recife e Rio de Janeiro se impressionaram com a altura do ator, o fato dele estar com cabelos considerados grandes, desalinhados e a barba por fazer. O que eles não sabiam era que Fonda estava se preparando para seu próximo filme – “O Jovem Abraham Lincoln” – e até penteava o cabelo da mesma maneira como fazia o antigo presidente dos Estados Unidos.
Foto da época que Henry Fonda veio ao Brasil.
Todos observaram a forma displicente do ator hollywoodiano se vestir. Numa época onde as roupas masculinas eram basicamente monocromáticas, ele andava “com excesso de cores”. Ao ponto de um jornal do Rio de Janeiro comentar que ele desembarcou no Brasil “Colorido e descabelado, com paletó cor de palha, gravata cinzenta, calça marrom, mulher loira…”
Ao final, Aderbal de França perguntou a Frances Seymour se ela era também atriz em Hollywood. Espontaneamente e com um sorriso no rosto de satisfação, ela respondeu:
– Apenas Mrs. Fonda.
Grandes Mudanças
O casal Fonda pernoitou naquele mesmo dia em Recife e logo pela manhã seguiu para o Rio de Janeiro.
Na então Capital Federal, o ator Henry Fonda chamou atenção pelo jeito sincero, desleixado e tranquilo. Nem parecia os outros artistas de Hollywood que haviam passado pela cidade e deixado uma péssima recordação com suas afetações e chiliques.
Foto autografada de Henry Fonda, entregue para uma sortuda fã no Rio de Janeiro.
Passeou pela cidade, deu autógrafos, falou no programa radiofônico “A Voz do Brasil” em cadeia nacional e até arriscou enviar uma mensagem aos ouvintes em português. Depois passou alguns dias na bela e então pouco habitada Ilha de Paquetá, na Baía da Guanabara, a convite do empresário Darke Bhering de Oliveira Mattos, e depois partiu para Buenos Aires.
A história de Henry
Nascido em 16 de maio de 1905, na pequena cidade de Grand Island, estado norte-americano de Nebraska, Henry Fonda era filho do impressor William Brace Fonda e Henryne Jaynes. Os biógrafos apontam que a sua família era muito unida e que o apoiou muito durante sua vida.
Na escola, Henry se mostrou um menino tímido, reservado, que tendia a evitar as meninas, exceto suas irmãs. Mas era tido como um bom patinador, nadador e corredor. Tempos depois, o jovem passou a trabalhar meio período na gráfica de seu pai e desde cedo manifestou o interesse em ser jornalista. Anos depois conseguiu até frequentar o curso de jornalismo na Universidade de Minnesota, mas por razões financeiras desistiu. Em 1925, conseguiu um emprego temporário em um teatro comunitário chamado “Omaha Community Playhouse”.
Henry Fonda, um dos maiores astros da História de Hollywood – Fonte – Wikipédia.
Trabalhava como assistente de direção e pintor de palco, mas Dorothy Brando, diretora do teatro e mãe do futuro ator Marlon Brando, reconheceu imediatamente o seu talento e trouxe Henry Fonda para o palco. O jovem percebeu a beleza de atuar nessa profissão e pelos três anos seguintes desempenhou pequenos papéis e tudo mudou em sua vida. Em 1928, Fonda decidiu ir para o leste dos Estados Unidos em busca de fortuna.
Acabou em Nova York, onde conseguiu seus primeiros papéis na Broadway e dividiu um quarto barato com seu colega James Stewart, onde formaram uma amizade para toda a vida. Henry se juntou aos “University Players”, um grupo de jovens atores que incluía Margaret Sullivan, sua primeira esposa de um casamento de curta duração.
Durante os anos na Broadway ele se manteve à tona com pequenos papéis e como cenógrafo, antes de ser descoberto e conseguir em 1935 a sua primeira chance em Hollywood. Foi protagonista de uma comédia romântica intitulada no Brasil de “Amor Singelo”, uma adaptação cinematográfica da 20th Century Fox para a peça de teatro “The Farmer Takes a Wife”, onde atuou ao lado da atriz Janet Gaynor.
Fonda impressionou imediatamente a crítica e o público. De repente estava convivendo com as grandes estrelas de Hollywood, atuando com diretores renomados, ganhando cerca de 12.000 dólares por mês e nos anos seguintes seria guindado ao patamar de estrela global.
Nenhum outro ator personificava o tipo de americano honesto, tão direto e carismático quanto Henry Fonda. Isso se devia ao seu físico especial: 1,85 m de altura e olhos azuis. Mas havia também o andar ligeiramente cambaleante e o leve cansaço. Parece que, mesmo no início dos seus filmes, seus personagens estão exaustos pelas justas lutas que os aguardam.
Henry Fonda interpretando o pistoleiro Frank James, no filme “Jesse James”, de 1939
Da sua estreia até os primeiros meses de 1939, Henry Fonda protagonizou dezoito filmes, entre eles “Eu Sonho Demais” (1935), onde fez par romântico com Carole Lombard. Esteve no faroeste “A Trilha do Pinheiro Solitário” (1936), trabalhando com o ator Fredy MacMurray. Depois veio “Você Só Vive Uma Vez” (1937), cuja direção ficou a cargo do alemão Fritz Lang. Houve também o clássico “Jezebel” (1938), onde contracenou ao lado da grande atriz Bette Davis. Fonda considerou esse filme um dos mais importantes que até então ele tinha realizado e Davis a sua companheira de atuação mais profissional e preparada.
Em 1940, Henry Fonda conseguiu o papel no filme “As Vinhas da Ira”, de John Ford, sendo considerado por muitos como seu melhor papel, que fez dele um dos grandes atores de sua geração e lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Mas logo a Segunda Guerra Mundial fez tudo mudar.
Fonda se alistou aos 37 anos na Marinha dos Estados Unidos e entre 1942 e 45 interrompeu sua proeminente carreira como ator de cinema para servir ao seu país. Inicialmente esteve a bordo do destróier USS Satterlee como um simples marujo intendente de 3ª classe, cuidando do estoque de materiais do navio.
Tenente Henry Fonda– Foto US Navy.
Mais tarde foi comissionado como tenente na Inteligência de Combate Aéreo no Pacífico Central, a bordo do navio de apoio de hidroaviões USS Curttis, na área do Atol de Kwajalein. As funções de Fonda centravam-se nas operações aéreas, especificamente na interpretação e avaliação de grande quantidade de material fotográfico e outros materiais de inteligência necessários para levar adiante a invasão do Arquipélago das Marianas e mais tarde da Ilha de Iwo Jima.
Em dezembro de 1944, o USS Curttis estava na Ilha de Saipan, quando a rádio japonesa transmitiu abertamente que sabia onde estava o navio, que o ator de cinema Henry Fonda estava a bordo e que a Marinha Japonesa iria afundá-lo. Por essa razão a nave foi retirada da área.
USS Curttis – Foto – US Navy
Por seu trabalho, Fonda recebeu a Medalha Estrela de Bronze e a Menção de Unidade Presidencial da Marinha.
Oscar no Último Filme
Com sua aura de compostura e incorruptibilidade, ele também interpretou advogados, senadores, governadores – e um total de cinco personagens presidenciais. Fonda também realizou quase vinte faroestes e foi em um filme com essa temática que sua personalidade na tela foi quebrada pela primeira vez.
Os filmes de faroeste produzidos nos Estados Unidos já haviam ultrapassado o seu apogeu na década de 1960, quando a Europa foi inundada pelos chamados “Westerns Spaghetti”, a maioria produzidos por italianos, a baixo custo e quase todos rodados na ensolarada região de Almeria, sul da Espanha. Apenas alguns se destacaram na produção em massa e “Era Uma Vez no Oeste” se tornou um clássico do gênero. A questão é que nesse filme Fonda interpreta um frio assassino e ele lembraria mais tarde – “Na minha primeira cena eu e meus comparsas assassinamos toda uma família de fazendeiros a sangue frio, mas a câmara só mostrou meu rosto e meus olhos azuis de bebê depois do massacre. O diretor Sergio Leone queria que as pessoas dissessem: Meu Deus, esse é Henry Fonda!”
Henry Fonda na película de Sergio Leone “Era Uma Vez no Oeste”.
O único prêmio Oscar que recebeu por atuação em toda a sua longa carreira foi pelo seu último filme – “Num Lago Dourado”. Lançado no final de 1981, ele atuou ao lado de Katharine Hepburn e de sua filha Jane Fonda, sendo um sucesso. O filme recebeu outros dois Oscars, sendo um para Hepburn como melhor atriz e outro para melhor roteiro adaptado.
Enfermo e com insuficiência cardíaca, Henry Fonda não pôde receber a honraria mais que merecida e poucos meses depois, em 12 de agosto de 1982, faleceu aos 77 anos, em um hospital de Los Angeles.