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segunda-feira, 11 de novembro de 2019

O PRIMEIRO LOCUTOR

Clerisvaldo B. Chagas, 11 de novembro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.213

O locutor mais antigo (não pela idade) que conheci no Sertão alagoano foi o José Pinto. Conhecido como Zé Pinto Preto ou Pinto Preto, distinguia-se do, então, funcionário do IBGE, José Pinto de Araújo, que é branco. Pinto Preto era filho do senhor Elói, conhecido como o grande marcador de quadrilha junina; irmão de Walter Pinto, também marcador e conhecido em Santana do Ipanema como Walter da Geladeira, da qual era técnico em refrigeração. Pinto Preto casou com a filha de Seu Gaia, zelador conhecido da igreja de São Pedro, no mesmo Bairro. Seu Gaia já enfrentara nos primórdios, tiroteio com Virgulino Ferreira, na região do atual Ouro Branco.

SANTANA, ESCOLA CENECISTA. (FOTO: B. CHAGAS).

Ainda não havia as rádios no Sertão e, Pinto Preto era locutor de um programa de divulgação da prefeitura de Santana, “A Voz do Município”, criado na gestão do prefeito Dr. Hélio Cabral de Vasconcelos. O informativo da prefeitura tinha a sede no primeiro andar da CARSIL e ficava no ar por algumas horas, duas vezes por dia. Além de informar sobre os movimentos da prefeitura, dava outras notícias e era recheado com bastante música, como as de Nelson Gonçalves, Ivon Curi e outros famosos da época. Alguns autofalantes ficavam distribuídos em postes nos pontos estratégicos da cidade. Havia um autofalante no Bairro São Pedro, na parte de cima, defronte a fábrica de calçados do senhor Elias; outro na esquina do beco estreito defronte ao antigo Grupo Estadual Ormindo Barros e outro aparelho, não em poste, mas imediatamente abaixo do telhado do “sobrado do meio da rua”, lado oeste do prédio.
Não vêm à lembrança outros pontos de autofalantes. Pinto Preto, mais tarde, resolveu ingressar em política e chegou a exercer mandato de vereador. Seu slogan era: “Não vote em branco, Pinto Preto para vereador”. O filho de seu Elói, salvo engano, mais tarde foi locutor também da primeira rádio sertaneja, “Correio do Sertão”.
Quanto a problema de idade, o mais velho na terrinha deve ter sido Humberto Guerrera, irmão do, então, Bispo Diocesano de Palmeira dos Índios. Não sabemos se é verdade, mas dizem que a “pioneira” Rádio Correio do Sertão” cerrou às suas  portas.


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ZEZÉ PINGO D’ÀGUA: POÇO REDONDO PRECISA CONHECER A HISTÓRIA DESTE GRANDE HOMEM

*Rangel Alves da Costa

O seu nome de batismo era José Bernardino de Sá. Contudo, pelos sertões sergipanos, principalmente em Poço Redondo e Porto da Folha, apenas Seu Zezé Pingo D’água. E basta esse nome para se referir a um buraqueiro (nascido em Porto da Folha), mas que já pelos dezesseis anos pelos caminhos de Poço Redondo, desde o Poço de Cima ao Poço de Baixo, e que deixou seu nome grafado com letras de eternidade.
E por que tão esquecido, tão pouco lembrado e falado? Algum jovem pode indagar. Simplesmente pelo fato de que a história é injusta com os grandes homens e a educação interiorana não procura resgatar quem verdadeiramente construiu a história municipal. Mas hoje basta estar na presença de um Bernardino ou de um Sá para ter adiante a raiz de Seu Zezé. Pelos netos já se tem uma ideia da marcante presença: Messias dos Correios, Zé de Maristela, Dorinha de Gerino, o saudoso Zé Delino, Marcelo de Carmelita, o professor Fernando Sá, e tantos outros.
Não se sabe bem a origem do termo “Pingo D’água” acrescido ao nome de Seu Zezé, mas certamente por se tratar de homem de baixa estatura, miúdo, um baixinho e franzino, conforme comumente se diz. Então, naquele grande homem um pingo d´água pelo seu tamanho físico. E sempre bem vestido, com seu chapéu panamá e seu paletó escuro, ainda que desgastado de tempo. Amigueiro, calmo, pacífico, com poucas e tão certas e necessárias palavras. O seu nome já dizia tudo.
Como dito, Seu Zezé, nascido José Bernardino de Sá a 29 de dezembro de 1894, na sergipana e sertaneja Porto da Folha, mas migrando ainda rapazote, aos dezesseis anos, para as bandas de Poço Redondo. Casou com Maria da Conceição Dória, tendo o casal oito filhos: Luís de França e Sá, Manoel Rodrigues, Adelino Alves (Delino), João Bernardino (João Pingo D´água), Rosa Soares (Rosinha), Maristela de Sá, Antônia Rosa e Maria Carmelita de Sá (professora Carmelita). Netos e bisnetos em profusão, e todos de importância fundamental na vida de Poço Redondo.
Digno de notar a preocupação de Seu Zezé e de Dona Maria com a educação dos filhos, principalmente as mulheres. Num tempo onde o estudo era uma raridade e a formação de difícil alcance, suas filhas não só enveredaram pelo mundo da aprendizagem como se tornaram professoras, a exemplo de Dona Rosinha, Dona Maristela e Dona Carmelita. Muitos filhos de Poço Redondo devem a abnegação destas o que aprenderam nas antigas salas de aulas.
Mesmo miudinho no tamanho, Seu Zezé era homem de estatura sempre elevada quando se tratava dos grandes assuntos da povoação. Com voz firma, sempre ouvida, interferia em assuntos políticos, agrários, comunitários, primordialmente no que dizia respeito à melhoria da qualidade de vida da população mais carente. Foi dono de muitas terras (as chamadas terras de eréu), mas disto tudo não vingou nenhuma riqueza. Foi também delegado, juiz de paz, comissário de ensino e ocupante de outros cargos outorgados pelo reconhecimento de sua sabedoria e honestidade.
Seu Zezé faleceu, aos 105 anos, pelo idos de 1999. Uma longa duração de vida para um grande que deixou plantadas muitas, firmes e duradouras raízes. E a ele, sua filha Carmelita, a querida professora Carmelita, escreveu o poema intitulado “No Sertão do Morgado”, que abaixo transcrevo:

O velho José Bernardino
que mais de cem anos viveu
deixando sua história
neste Sertão de meu Deus

homem quase analfabeto
estabeleceu no Sertão
servindo nesta cidade
conforme a sua missão

De Delegado, Juiz de Paz
a Comissário de Ensino
neste povoado servia
lutando com as causas pequenas
nesta região assumia

no campo deste Morgado
tudo ele conhecia
os acidentes geográficos
de Porto da Folha a Serra da Guia

com dezesseis anos de idade
neste sertão já vivia
festejando com os amigos
em Poço de Cima servia

com seus terrenos de hereus
ajudou a esta população
dando pequenas moradias
aos pobres deste Sertão

a sua pequena história
mostrou muito a profecia
dos povos ancestrais
exemplos de nossos dias

tinha muita sabedoria
dada por Deus o Criador
conhecia os sinais do tempo
na sua vida de agricultor.

Eis, assim a síntese da vida de um pai escrita por uma filha. Dona Carmelita, nossa eterna professora Carmelita, expressando na inteireza um grande homem: Seu Zezé Pingo D’água.


Escritor
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ZEPELIM




Morto no dia 22 de abril de 1937 pela Força Policial Volante baiana comandada pelo implacável Zé Rufino. Zepelim, após intensa perseguição e lutar bravamente pela manutenção de sua vida tombou varado pelas balas dos soldados volantes nas terras da Fazenda Arara, no município de Porto da Folha,no Estado de Sergipe. 

Observamos que os seus olhos estão abertos com o auxílio de palitos.


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O GOVERNADOR NÃO ESPEROU PELO BANQUETE COM MEDO DE LAMPIÃO


Do avervo do pesquisador José João Souza

O major Cândido Cavalcanti de Brito, prefeito de Pesqueira, vai inaugurar em Rio Branco (atual Arcoverde) o Grupo Escolar Prof. Sérgio Loreto Filho (depois de 1930, Grupo Escolar Quatro de Outubro) e o “Açougue Público” da cidadezinha, ainda naquela época 7º distrito do município de Pesqueira. O chefe do Estado, cercado de pessoas gradas posa para a Revista de Pernambuco, na plataforma do wagon de luxo em que viajou. Compareceram às solenidades o Dr. Sérgio Loreto, governador do Estado de Pernambuco, o professor Fraga Rocha (deputado estadual) e outros convidados, que viajaram em um trem especial da Great Western.


(Texto: Município de Arcoverde, Luís Wilson, Recife, 1982, pág. 104).

Em Ararobá, Lendária e Eterna, Luís Wilson, Pesqueira, 1980, pág. 216, complementa:

“Notícias de que Lampião passara com um grupo de cangaceiros próximo à “cidadezinha”, fez com que o sr. governador não esperasse pelo banquete preparado para sua Exc. e sua comitiva na residência do cel. Antônio Japiassu. À noite, com dois salões do Grupo Escolar Loreto Filho atapetados de folhas de eucalipto, houve um grande baile."

Foto: Revista de Pernambuco N.13, 01-06-1925.


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LAMARTINE E O TIRO QUE MATOU LAMPIÃO...


 Por Manoel Severo


Lamartine Lima entre os Conselheiros do Cariri Cangaço, Juliana Pereira, 
João de Sousa e Manoel Severo.

Transcrevemos depoimento do pesquisador e médico, Lamartine Lima a cerca da palestra do Conselheiro Cariri Cangaço, Ivanildo Silva por ocasião do Cariri Cangaço 10 Anos na cidade de Juazeiro do Norte no Ceará com o tema:"O tiro que matou Lampião".

"Meu caro Ivanildo, parabenizo-lhe pelo seu muito bem pesquisado trabalho que resultou na cuidadosa, minudente e substancial conferência “O tiro que matou Lampião”, por você proferida no dia 25 de julho de 2019, às vésperas do 81 aniversário da morte daquele chefe cangaceiro. Como você sabe, passei 25 anos vinculado ao meu Mestre Estácio de Lima, que me preparou e nomeou Médico Legista do Instituto Nina Rodrigues, que o fui durante 30 anos, em consequência do que também fui seu Assistente nas suas quatro Cátedras de Medicina Legal - Faculdade de Medicina da Bahia da UFBA, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Faculdade de Direito da UFBA e Escola de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado da Bahia - antes havendo sido universitário voluntário guia do Museu Estácio de Lima daquela instituição. 

Mesmo antes das cabeças dos sete cangaceiros - Lampeão, Maria Bonita, Corisco, Azulão, Zabelê, Canjica e Maria de Azulão - terem sido colocadas no museu, eu as conheci no gabinete vizinho da Sala Oscar Freire, de autópsias do antigo Nina, onde trabalhava o embalsamador de todas elas, o francês Dr. Charles René Pittex, com quem depois eu laboraria durante uma década. Estudei todas aquelas cabeças, antes e depois de sepultadas, no intervalo de trinta anos, e apenas Lampeão e Canjica haviam recebido tiro no crânio, em combates diferentes. 

Eu havia estado acompanhando o Prof. Estácio e sua futura sucessora Profa. Maria Theresa Pacheco em viagem de estudos pela Europa durante três meses do ano de 1973, quando tivemos a oportunidade de conhecer bem, através do Prof. Césare Gerini, o Gabinete do Prof. Césare Lombroso, de quem aquele era o quarto sucessor na Cátedra de Medicina Legal da Universidade de Turim, onde estavam guardadas, junto com a cabeça do próprio Lombroso, outras partes corpóreas dele e muitos cérebros de criminosos por ele estudados, mas sobretudo chamava-me a atenção o crânio do famoso assassino Giuseppe Villela, em que Lombroso identificara a anormal fosseta mediana occipital (regressão anatômica), à qual aquele célebre homem de gênio atribuía o grave desvio comportamental e criminal de Villela. 

Pensamos em procurá-la em Lampeão. Acontece que o tiro que o famoso cangaceiro recebera na região fronto-parietal direita e produzira ampla fratura craniana, deformara a sua cabeça e, ainda em Alagoas, o Dr. Lages Filho a recompusera ajustando e suturando os tecidos moles cefálicos, o que foi reforçado depois pelo Dr. Pittex. Assim, o Prof. Estácio, e mais tarde eu também, estudaria através de Raios X o endocrânio do bandido nordestino, sem muitas conclusões. 

 
Conselheiro Cariri Cangaço, Ivanildo Silva por ocasião do Cariri Cangaço 10 Anos

Há muitos anos, quando eu era Secretário Geral do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, estive com o Dr. Jaime de Altavila Filho, Presidente do Instituto Histórico de Alagoas, que me mostrou aqueles objetos, o punhal e a cartucheira de Lampeão, com as evidências dos tiros que receberá no tronco. Depois que Mestre Estácio se aposentou, o seu despeitado sucessor no Nina mandou fechar o museu e sepultar todas as cabeças. Só 30 anos depois disso, no início deste século XXI, quando as descendentes de Lampeão e Maria Bonita me pediram para conseguir a exumação das cabeças, e eu a fiz, pude encontrar sem as partes moles e exposto o crânio fraturado de Virgulino Ferreira da Silva, tendo o osso occipital indene e absolutamente normal. A sua conferência enriquece bastante o décimo ano do Cariri Cangaço e engrandece a academia de estudos cangaceiros." 

Muito agradecido, amplo e firme abraço do velho amigo.


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NAZARÉ REVERENCIA MANOEL NETO !


Por Manoel Severo

Missa de Aniversário dos 40 anos da morte do grande volante e destemido
MANOEL DE SOUZA NETO,
Capela de Nazaré do Pico
Dia 16 de Novembro de 2019
as 10 horas da manhã.


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VEM AI 'LAMPIÃO, O GOVERNADOR DO SERTÃO'

Filmagens do documentário desbravam o Cariri cearense

Por *Antonio Laudenir

Novo filme de Wolney Oliveira investiga a influência do cangaço na cultura brasileira e internacional. Além da Região Sul do Estado, equipe vai percorrer Paulo Afonso (BA), Piranhas (AL), Bezerros (PE) e Recife (PE)

Assis, Alex, Rogério, Wolney, Boni e Léo: artesanato, poesia e som
Rogério Rezende

Encontro Wolney Oliveira no Aeroporto Pinto Martins. Voo rápido rumo a Juazeiro do Norte. Guardo lembranças de ter ido ainda criança. Espiava naqueles monóculos fotos da família no Horto. Gente feliz. Padim Ciço. Parecia um pequeno filme. Tecnicamente é a primeira vez no Cariri.

O intuito é acompanhar, com exclusividade, quatro dias de filmagem do documentário "Lampião, o Governador do Sertão". A empreitada é ambição antiga do cineasta cearense. Explica-se. Por volta de 2006, o filme estava engatilhado e já contava com um bom número de entrevistas gravadas.

A pólvora explodiu no telefonema do amigo e pesquisador João de Sousa Lima. Direto de Paulo Afonso (BA), o contato afirmava que dois remanescentes do famoso bando de Lampião (1898-1938) foram identificados. "Wolney, achei Durvinha e Moreno", alertou a fonte.

Eram as alcunhas de Antônio Ignácio da Silva e Durvalina Gomes de Sá. O trabalho ganhou rumos. "Precisava contar a história de quem estava vivo. Quem estava morto podia esperar um pouco mais", resgata o diretor. O contato com os ex-cangaceiros durou felizes quatro anos. Nascia, assim, "Os últimos Cangaceiros" (2011).

Entre outros projetos, como o recente "Os Soldados da Borracha" (2019), Wolney percebeu a necessidade de voltar ao encalço de Lampião. Tudo começou com uma carta. Corria 1926 e a missiva endereçada ao então mandatário de Pernambuco, Júlio de Melo, evocava assunto dos mais urgentes.

"Eu que sou capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão, fico governando esta zona de cá por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco". As linhas de Virgulino continuavam: "E o senhor, do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar no Recife".

Atrevimento ou desejo de paz, de certo, as palavras do Capitão seguem reverberando 90 anos depois. A missão do documentário é decifrar as influências do cangaço na produção cultural brasileira e mundial. No avião, o diretor da Casa Amarela Eusélio Oliveira e do Cine Ceará encara a janela e suspira. "Cara, imagina. Lampião reinou 20 anos e naquela época, andava isso tudo, às vezes carregando 40 quilos em arma, joia, o caramba".

Além das raízes familiares e do apreço pelo caldeirão artístico do Cariri, o território foi palco do primeiro longa de Wolney, "Milagre em Juazeiro" (1999). Nos anos 1990, nas muitas idas, um carro deu o "prego" no caminho. "Levamos 24 horas pra chegar", resgata.

Dos cinco filmes guiados por Wolney, três iluminam a região. "Filmei 11 romarias. Não digo que fiz um filme. Me tornei um devoto", brinca. Em 2018, o "Português" (alcunha dada por Durvinha) voltou à trilha investigativa interrompida anos antes. O intervalo rendeu novos personagens e cenários. Explicar o fenômeno de Virgulino e Maria Bonita (1911-1938) passa pelo mergulho no artesanato, culinária, moda, literatura e obviamente o cinema. Nesse último, a obra "O Cangaceiro" (1953), de Lima Barreto (1906-82), tratou de unir dois continentes.

Após rodar cenas na Grota de Angicos, em Sergipe, durante missa pelos 80 anos da morte do Capitão, em 2018, Wolney foi a Paris colher o depoimento de dois críticos de cinema. Eles assistiram, na infância, ao clássico de Lima Barreto (1906-1982), vencedor do prêmio de "Melhor filme de aventura" e "Melhor trilha sonora" no Festival de Cannes.

Sob os auspícios do Padim, os muitos relatos de uma gente brava e cheia de fé.
Antonio Laudenir

Agora, entre o fim de outubro e novembro, o realizador lidera um grupo comprometido a percorrer estradas que atravessam o Ceará, Bahia, Alagoas e Pernambuco. As primeiras visitas contemplam Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. O time é formado por Alex Meira (assistente de câmera), Assis Ceará (eletricista), Dayane Oliveira (produtora), Evair Moura (motorista), Léo Oliveira (som direto), Raimundo Neto (motorista) e Rogério Rezende (diretor de fotografia).

Inicialmente, a reconstrução do passado exige o entendimento de vozes do presente. Nas rádios locais, Wolney convoca alunos de escolas públicas a escreverem textos que abordem o cangaço. Jovens de 12 a 17 anos podem participar do filme e serão agraciados com um cachê simbólico.

Som, câmera...

À tarde de quinta-feira (31) marcou o encontro com a arte de Lusyennir Lacerda e Demóstenes Fidélis. No bairro Santo Antônio, em Juazeiro, o casal desenvolve delicados tabuleiros de xadrez, nos quais são reproduzidos cenários e expressões populares. As temáticas Canudos, cangaço e reisado são recriadas em massa feita à base de fécula de mandioca. O colorido entrega poesia ao cenário de guerra entre volantes e cangaceiros.

Embate sertanejo na delicada criação de Demóstenes e Lusyennir
Rogério Rezende

A arte da dupla agora divide espaço com fios, lâmpadas, câmeras e toda uma parafernália quase alienígena. Aos poucos, o convívio no set improvisado vai deixando Demóstenes e Lusyennir à vontade. O tempo auxilia a abordagem pretendida. O casal confecciona as peças. O apelo da cena revela a silenciosa cumplicidade envolvida entre os dois artistas.

Chega o novembro

José Bonieck é historiador, artesão e sanfoneiro. A lida envolve o entalhe da imburana. Desde pequeno as cores do cangaço lhe despertavam interesse. Padre Cícero e Lampião foram as primeiras produções. Da manipulação da madeira, cria representações de figuras populares. Cita Mestre Noza (1897-1983) com profunda reverência e brilho nos olhos.

A assinatura Boni também demanda os esforços da companheira Débora Raquel. Se o jovem artista é hábil no processo de moldar peças simpáticas e repletas de cor, a parceira atua na área da divulgação e venda. Além do coração, dividem o afeto pela leitura e música. A oficina se mistura com a pequena casa. Ferramentas dividem espaço com fotografias e outras obras experimentais.

O espaço para os visitantes montarem o equipamento é ainda mais compacto e exige atenção das lentes comandadas por Rogério Rezende e Alex Meira. Por sua vez, Wolney é só alegria com a fala embasada e respeitosa de Boni. É quando o realizador interage com um sinal de positivo nas mãos. Ouvir é o segredo.

Dali o destino é o lar do pesquisador Margébio de Lucena. Cuidadoso nas respostas e firme nos dados apontados, o oftalmologista divide uma verdadeira aula com os presentes. Durante uma tarde inteira, resgata as muitas conversas feitas com ex-cangaceiros e o contato fiel com registros históricos.

Tarde de causos e pesquisas histórias do Cangaço com Margébio de Lucena
Antonio Laudenir

Bandido ou herói, Lampião e seus asseclas deixaram marca indelével. A participação do estudioso contribui para as muitas perspectivas do tema a serem enfrentadas por Wolney. É momento de descansar. O Dia de Finados, no sábado, exigiria ainda mais da equipe.

A colina do Horto é tomada por romeiros de diferentes estados nordestinos. O volume de visitantes inspirou a produção a criar um totem com as imagens de Lampião e Maria Bonita. O traço do cartunista Klévisson Viana amplia o tom idílico da intervenção.A proposta é simples. Quem quiser pode chegar e tirar uma foto. A única exigência é fitar a câmera e falar do cangaço. Naturalmente os participantes se aproximam, e o bom humor invade a filmagem.

Formação do time no Horto: Em pé (Wolney, Assis e Léo). Agachados Kaika Silva (produtor cultural do Crato), Evair, Dayane e Alex. O fotógrafo Rogério Rezende filmava tomadas áreas e não participou do retrato.
Antonio Laudenir

Ao meio-dia o destino é a Missa do Chapéu, no Centro. Cinema é uma rotina exaustiva, braçal e somente possível com ação em equipe. O respeito ao cronograma é fundamental para que o trabalho se desenvolva. A produtora Dayane Oliveira é total atenção ao entorno do set. Sempre atenta a qualquer ruído que atrapalhe a captação das imagens. Cuida da alimentação ao uso do protetor solar.

É perceptível a interação dos envolvidos. Quando uma boa conversa é registrada, todos desfilam um largo sorriso. Pouco importa as condições da locação. "Para trabalhar com cinema, deve fazer porque gosta", observa o motorista Evair.

Nas poucas horas vagas, geralmente no intervalo entre as cidades e nas paradas de alimentação, os assuntos mais puxados envolvem o mercado de cinema. O assunto família é outra manifestação recorrente. Alguns trabalham juntos por mais de 20 anos.

Conhecem muitos palmos de chão cearense e os bastidores do criar cinema no Estado. A política Federal de censura e os cortes no setor cinematográfico preocupam. A proposta de redação do Enem, que fala de democratização do acesso ao cinema no Brasil, movimentou debates.

O domingo trouxe Barbalha e a arte de Wilton Santos. Areia, arame e papelão alicerçam as esculturas. É capaz de recriar episódios violentos, a exemplo da cena das cabeças cortadas de Lampião e seu bando. Em paralelo, é suave na composição de divindades e personagens folclóricos.

Uma das peças desenvolvidas pelo artesão Wilton Silva
Rogério Rezende

A última noite na companhia da equipe faz refletir a experiência. Impossível não questionar o ano de 2019. Período dado ao extermínio e descrença da cultura e ciência. Felizmente, no mesmo gomo temos outros sabores. Bem mais felizes.

Foi ano de "Pacarrete". Allan, Marcélia e Gramado. Rosemberg e "Notícias do Fim do Mundo". "Greta", de Armando Praça. "Clube dos Canibais" assinado por Guto Parente. "Bate Coração". "Soldados da Borracha". "Marie" produzido por Arthur Leite. Cannes. Karim. "A Vida Invisível". "Bacurau" com Fabíola Liper, Uirá dos Reis e o "Velho Menino" Rodger Rogério. Lembro de Fernanda Montenegro lendo a carta na abertura do Cine Ceará.

Quem enxergava aquela terra apenas pela recordação do monóculo, agora guarda outras leituras. Encarei beleza. Inocência. Contradições. Bondade. Empatia. Desejo por dias melhores. Testemunhos das muitas crenças. Injustiças, violência e resignação.

Vi trabalhadores dedicados ao ofício. O fazer cinema é sinônimo de sobrevivência para inúmeras famílias. Todos ganham quando um filme é produzido. O grupo seguirá as pegadas do cangaço por Nova Olinda (CE), Paulo Afonso (BA), Piranhas (AL), Bezerros (PE) e Recife (PE). Isso, se novas descobertas não mudarem os destinos da saga.

ENTREVISTA: Garimpeiro de histórias

Para o longa, Wolney e equipe registraram os encantos do Raso da Catarina (BA)
Léo Oliveira

Verso: Quais as suas motivações pessoais para contar a história de "Lampião, Governador do Sertão"?

Wolney Oliveira: Lampião sempre foi um assunto que me apaixonou. Meu pai, Eusélio Oliveira me influenciou no tema. Era um apaixonado pela história e o primeiro livro que li sobre cangaço foi presente dele. Escrito por Paulo Gil Soares, sobre cangaço, provavelmente tinha a ver com o filme "Memória do Cangaço" que é um clássico do Cinema Novo guiado por Soares. Quando li "Milagre em Joaseiro", de Ralph Della Cava, um dos livros mais importantes sobre o Padre Cícero ao lado da obra de Lira Neto. Existem mais de 220 livros sobre Cícero e mais de 300 sobre Lampião.

O texto de Ralph Della Cava fala da passagem de Lampião em 1926 por Juazeiro e isso ficou na minha memória. É uma coisa que está impregnada na cultura do Sertão e do Nordeste. Eu tenho essa mania, defeito ou vantagem que eu prefiro que sobre do que falte material. Eu filmei 180 horas entre 2006 e praticamente 2011, ano da estreia de "Os Últimos Cangaceiros". Entrevistei vários cangaceiros que não entraram no filme, volantes e ex-coiteiros. Por meio do tema, conheci muitos estados do Nordeste. Vários pontos belíssimos como Piranhas e o Raso da Catarina. Nosso País é muito grande e não conhecemos parte dele.

V: Como você explica a paixão pelo documentário?

W:Tive grandes influências. Eusélio Oliveira, meu pai e primeiro professor de cinema, era apaixonado pelo documentário. A outra grande motivação foi a escola de cinema de Cuba. Lá conheci grandes realizadores do gênero como Santiago Álvarez, Fernando Pérez, Gerardo Tirrona. Os dois últimos foram meus professores. Outra força é o meu querido mestre Eduardo Coutinho, que Deus ilumine e proteja. Vi praticamente tudo dele.

Em 1981, fui fazer um curso de cinema direto em Paris, fiquei três meses tendo aulas com discípulos de Jean Rouch. Entre as técnicas dele, envolve se aproximar do personagem, ficar amigo. Claro, nem sempre você pode fazer isso. É uma maneira de conseguir tirar o máximo de informação e sentimento dessas pessoas.

V: Seus trabalhos abordam vivências marginalizadas. Nesse sentido, qual é o compromisso do documentário?

W: Quem tem mais a ver com isso é o 'Soldados da Borracha'. Até hoje é um tema desconhecido por muita gente. Eu mesmo só fui saber quando tinha 40 anos. Inclusive, o maior acervo dos soldados está no Mauc da UFC. É uma história de pessoas marginalizadas, esquecidas, soterradas e menosprezadas. São histórias que o Brasil não quer ver, contar e sentir. Isso é um motivo a mais para fazer cinema documentário.

No "Milagre em Juazeiro", parto da beata que foi torturada e perseguida pela Igreja. Imagina um milagre acontecer na boca de uma negra 'pobre', 'feia', 'analfabeta', segundo os depoimentos de padres da época; e no interior do Ceará? Juazeiro do Norte? Se fosse em Paris a Igreja teria acatado. Como foi aqui não aceitou e até hoje não oficializou ainda. Não beatificou Padre Cícero.

Cercado da arte de Boni, trilha do cineasta mostra cangaço unindo continentes, causos e vivências
Rogério Rezende

V: O Cine Ceará chega a 30 edições em 2020 e o que você projeta para o próximo ano?

W: Superar a 29ª edição é a mesma tarefa de tentar ir além de "Os Últimos Cangaceiros". É um dos meus filmes prediletos. É o mais maduro. Já estamos trabalhando no festival. Vamos lançar um livro sobre os 30 anos do Cine Ceará. Vamos fazer em setembro de 2020. Ninguém sabe como vai estar a situação política e econômica do País. Posso dizer que das 29 edições das quais produzi e dirigi, 27 não teve nenhuma fácil. 2019 foi a mais difícil, mas também a de maior sucesso em relação a todas as outras. A 30ª edição também é um desafio.

V: Já pensou na aposentadoria ou é algo que não passa por sua cabeça? Quais trabalhos você imagina se dedicar nos próximos anos?

W: Nunca pensei em me aposentar. Óbvio, penso em relação à Casa Amarela é à Universidade. Parar enquanto cineasta, não. Meu espelho e objetivo é Luiz Carlos Barreto, um dos grandes nomes do cinema brasileiro e nordestino. Barretão é de Sobral e no auge dos seus 91 aninhos estava numa audiência pública no Supremo. Enquanto eu tiver forças, vou continuar filmando. A projeção é que em quatro anos, eu me aposente da UFC e da Casa. Daí vou fazer meus filmes que é o maior prazer da minha sina cinematográfica.

Além do "Lampião, o Governador do Sertão", estamos finalizando "Vozão, Coração do meu Povão", sobre o time do Ceará. Dirijo com o Joe Pimentel e deve sair em 2020. Estou filmando "Memórias da Chuva", longa documentário sobre Jaguaribara, que foi coberta pela água do Castanhão, maior açude da América Latina. Tem a cidade de Guassussê que foi coberta pelas águas do Orós. Outro filme sobre futebol é "Clássico Rei", que além do Joe inclui o Valdo Siqueira. Vai contar os 100 anos do confronto entre os rivais.

V: Se não fosse o cinema, o que existiria para você?

W: Quando eu tinha por volta de 20 anos, minha avó, por parte de mãe, colocou na minha cabeça que eu tinha que ser bancário. Até embarquei na onda dela, mas vi que não tinha nada a ver. Minha paixão era cinema. Nessa época eu era fotógrafo de still. Comecei fotografando casamento, batizado, aniversário e depois mais na área do fotojornalismo e vídeo. Não me imagino em nenhuma outra ocupação que não seja o cinema. Acho que minha vida não seria essa aventura que é fazer cinema.

*O repórter viajou a convite da produção do filme "Lampião, o Governador do Sertão"

Publicado originalmente no Diário do Nordeste


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FILMAGENS DO DOCUMENTÁRIO 'LAMPIÃO, O GOVERNADOR DO SERTÃO' DESBRAVAM O CARIRI CEARENSE

Novo filme de Wolney Oliveira investiga a influência do cangaço na cultura brasileira e internacional. Além da Região Sul do Estado, equipe vai percorrer Paulo Afonso (BA), Piranhas (AL), Bezerros (PE) e Recife (PE)