Por Benedito
Vasconcelos Mendes
A primeira
casa de taipa que conheci em detalhes foi a do vaqueiro do meu avô, conhecido
por “Sales da Fazenda Aracati”, a qual me causou uma excelente impressão pela
sua simplicidade, limpeza e beleza. Tudo muito limpo e em seu devido lugar. O
interior da casa transmitia um ar de serenidade e paz. Dona Lourdes, mulher de
Sales, era muito trabalhadeira e caprichosa e tinha muito gosto em manter a
casa em ordem. Sua filha mais velha, Ritinha, à época que entrei pela primeira
vez em sua casa, tinha cerca de 12 anos de idade, ajudava a mãe na arrumação da
casa e nos trabalhos da cozinha. Seu filho Totonho tornou-se meu maior amigo
por ocasião das minhas férias escolares, que sempre passava na Fazenda Aracati,
de propriedade do meu avô. Ele tinha, quando o conheci, aproximadamente 14
anos. Tínhamos mais ou menos a mesma idade. Dona Lourdes cuidava, além da casa,
das cabras, das galinhas, dos dois cachorros de pegar gado, do gato e do
papagaio.
A casa era de
taipa, alpendrada, de dois quartos, coberta de palha de carnaubeira, de chão
batido e não tinha luz elétrica. No terreiro, um frondoso e velho Juazeiro,
onde o vaqueiro Sales amarrava seu garboso cavalo “Relâmpago”.
Em frente à
porta, crescia um pé de pinhão roxo, plantado para livrar os habitantes da
casa, do “Mau Olhado”. Para proteger a família contra raios, na porta da frente
tinha uma cruz feita de palha de carnaubeira, benta pelo Padre, por ocasião da
Santa Missa do Domingo de Ramos, durante a Semana Santa. Na parede, ao lado da
porta, estava uma ferradura, para dar sorte. Pendurado na cumeeira, no meio da
sala do oratório, observava-se um rabo de raposa seco, para espantar morcego. O
alpendre cobria as duas laterais e a frente da casa. No alpendre da frente
(copiá), situava-se um banco de pau roliço (estirpe de carnaubeira sobre duas
forquilhas de aroeira), uma rede de malha de fibra de caroá, uma balança de
corda (com pratos de madeira pendurados por longas cordas, apropriada para
pesar sacos de algodão), duas colmeias de abelha jandaíra e algumas latas penduradas
com plantas. O chapéu e o gibão de couro, a cela, os arreios e o chicote de
pimba de boi ficavam suspensos em um torno de armar rede, no alpendre lateral.
Várias gaiolas de talo de carnaúba, com canário-da-terra, cabeça-de-fita,
graúna, sabiá-laranjeira, corrupião, asa branca e outros passarinhos ficavam
penduradas nos caibros do alpendre. A frente da casa era de porta e janela,
feitas de tábuas de imburana, não pintadas. A porta da frente era do tipo
meia-porta, ou seja, porta partida ao meio. Durante o dia, a banda de cima
ficava aberta e a de baixo fechada, com tramela de madeira. No alpendre da
frente da casa, ficavam os banquinhos das mulheres fazerem chapéu de palha de
carnaúba. Eram bancos de pernas curtas, para evitar que as mulheres, usando
vestido, mostrassem as pernas.
A sala da
frente, onde ficava o oratório, exibia na parede as fotografias do Beato Zé
Lourenço e do Padre Ibiapina (foto do quadro “óleo sobre tela”, de autoria do
pintor paraibano Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo) e, dentro do
santuário, as imagens de madeira do Padre Cícero e de São José (o Santo das
chuvas). Na parede via-se também um terço e um quadro de vidro, com a oração
manuscrita do Responso de Santo Antônio (oração rezada para se reaver objetos
perdidos ou roubados).
As duas
camarinhas eram interligadas por uma cortina de tecido. Lá dormiam, em redes, o
casal dono da casa e os oito filhos (crianças e adolescentes), cinco do sexo
masculino e três do sexo feminino. Os dois quartos se comunicavam com o
estreito corredor por cortinas de chita colorida, com temas florais. No canto
de cada quarto, no chão, havia um penico de barro, que na manhã do dia seguinte
eram recolhidos e a urina e fezes despejadas na latrina. Em cada quarto havia
também um caritó, para guardar pequenos objetos e utensílios domésticos, como
lamparinas, caixas de fósforos, corrimboque, agulhas e carretéis de linha para
coser, cachimbo, fumo de rolo, espingarda de caça, etc.
Da parede do
corredor, pendiam um uru de palha e uma cesta de cipó. Na cozinha
localizavam-se um fogão a lenha, com trempe para três panelas de barro, e uma
mesa de pau-branco, não envernizada, com seis bancos, com tampos de couro cru.
Ao lado do fogão, sobre um suporte de madeira, tinha uma grande tina de
pau-branco com água para lavar as louças. No chão, um pilão deitado de duas
bocas, feito de miolo de aroeira. Presos a tornos de madeira, via-se o abano, a
urupema, a colher de pau, duas cuias e uma cuité. Do caibro sobre o fogão a
lenha, descia uma corda de tucum com um “gancho de 5 pontas”, para espetar os
alimentos salgados (linguiça, toucinho, tripa de porco, tripa de boi, coalho de
boi e carne do sol). O coalho era usado para coalhar o leite, na preparação do
queijo de coalho. A corda que sustentava o gancho atravessava o centro de uma
cuité com a boca para baixo, que impedia a descida de algum rato, que por
ventura existisse na cobertura da casa. O gancho ficava alto do solo e sobre o
fogão, para evitar que o gato comesse estes alimentos e, ao mesmo tempo
possibilitava, que os mesmos fossem defumados pela fumaça que saía do fogão. Na
cozinha, também ficava a cantareira, com dois pequenos potes de água para
beber. Os potes tinham as bocas cobertas por tecido de algodãozinho com
elástico e por tampas de madeira. Sobre uma forquilha de Angico com três
pontas, repousava a quartinha de água para beber, que era levada à noite para o
alpendre e depois para o quarto. No quintal, confrontando com a janela da
cozinha, situava-se um girau de varas de marmeleiro, para secar as louças de barro
(panelas, travessas, alguidares e cuscuzeira).
Ao todo, a
casa tinha duas portas, a porta da frente e a porta dos fundos, e quatro
janelas, a da frente, a da cozinha e as dos dois quartos. A cerca do quintal
era de varas de marmeleiro. No quintal ficavam a latrina a céu aberto, o
banheiro, o chiqueiro das galinhas e o girau de secar panelas, tudo feito com
varas de marmeleiro. A latrina e o banheiro tinham portas feitas de talos de
folhas de carnaubeira e eram revestidos com palhas, para não se ver quem estava
dentro. A porta da cozinha (porta dos fundos) e as janelas só eram fechadas por
dentro, com trancas e tramelas de madeira, pois somente a porta da frente tinha
fechadura. As portas e janelas da casa não tinham ferrolhos. No banheiro a céu
aberto tinha uma grande jarra de boca larga (pote de barro grande) com água
para o banho do pessoal da casa. A água era trazida em ancoretas, em lombo de
jumento, de uma cacimba feita na areia do leito do Rio dos Patos. As pessoas
tomavam banho de cuia, ao ar livre, sobre uma grande laje de pedra calcária.
Parte do quintal era sombreada por uma frondosa pitombeira. No quintal, no pé
do muro, repousava o caco (grande alguidar de barro, pouco profundo) de torrar
café. O sabão (sabão da terra), usado para o asseio da família e para a lavagem
de roupa e das louças, era feito na fazenda por Dona Lourdes, que utilizava
para a sua fabricação, cinza e óleo de oiticica.
http://www.caldeiraodochico.com.br/a-casinha-do-vaqueiro-sales/
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