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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018 COLOQUEI A CADEIRA. ESPEREI. NINGUÉM CHEGOU

*Rangel Alves da Costa

Coloquei a cadeira. Esperei. Ninguém chegou. A cadeira já estava lá - como sempre está logo adiante da minha -, a espera também. E esperei e esperei, e novamente ninguém chegou.
Os tempos nunca foram assim. Nunca houve tanta solidão, desalento, distância de tudo. É como se o mundo já estivesse completamente vazio e todos os amigos e conhecidos já não existindo mais.
Nas e entardeceres, quando o mormaço do dia começava a dar lugar a uma leve e refrescante aragem, eu sempre ouvia o portão sendo aberto e os passos caminhando na direção deste agora solitário recanto de proseado.
Era como um relógio sempre despertando na hora certa. Não apenas um, mas vários amigos chegando e ficando até perto da boca da noite. E quantas memórias, quantas relembranças, quantos achados perdidos.
Nostalgias e velhos baús reabertos, álbuns amarelados sendo revistados pela memória. Enquanto um relembrava um tempo de cafés em balcão, outro recordava o entregador de leite ao amanhecer. Pomares nos quintais, janelas abertas, ruas para caminhar. Tudo isso a cada reencontro.
Relembrar os cavaleiros de antigamente e seus impecáveis ternos de linho branco. As donzelas prometidas em casamento e compromissadas em noivado. Os namoros na presença dos pais, em cadeiras juntas e sem poder sequer tocar a mão sobre a perna da amada.
Instantes tão vastos e grandiosos, tão nostálgicos e até melancólicos, que muitas vezes as lágrimas brotavam de algum olhar. Depois tudo sumia nas novas imagens surgidas dos tempos idos. E mais tarde dirão que foi o meu tempo.
Mas de repente tudo foi se transformando. Um amigo de vez em quando, depois mais nenhum. O portão passou a não ranger mais ao entardecer, Os passos sumiram. Ficaram somente as cadeiras. E hoje apenas uma além da minha.


Hoje apenas uma cadeira além da minha, mas sempre vazia. Peço que tragam dois copos d’água e duas xícaras de café, depois começo a olhar para a mesinha sem ter quem se sirva. Tudo esfria ou esquenta. Tudo permanece do mesmo jeito.
Olho adiante, além da saleta de repouso e meditação, aonde se estende um velho jardim desbotado, e avisto apenas o vazio de tudo. Os restos das folhagens são como as ausências que agora atormentam tanto. Não queria que fosse assim.
Agora um outono em cor, em ausência, em desolação. É como se chegasse apenas o sopro calado de tudo. A mudez da ventania não traz mais consigo as boas notícias. Ora, ninguém vai chegar. Ninguém vai chegar.
Não nego que gosto de solidão. A solidão é minha amiga, é minha confidente, é minha namorada. A solidão me completa. Mas não em todos os instantes da vida. E passou a doer quando ela deixou de acontecer para se impor.
Faço da solidão um mundo que pode ser ajustado através do pensamento. Trago o que quero, busco o que desejo, transformo o que me for conveniente. Pinto paisagens e faço surgir retratos emoldurados daquilo que desejo. Mas a outra solidão. Não esta de agora.
A solidão de agora, por ser forçada a existir assim tão vazia de tudo, assemelha-se mais ao viver de um ilhéu ao longe avistando os amigos que foram para o continente. Todos se foram. E ele ficou sozinho.
Lembro-me agora daquela velha senhora que sempre esperava suas fiéis amigas para o chá das cinco. Somente ela restando em vida, ainda assim todo entardecer sentava ao redor de uma mesinha e mandava servir chá com bolinhos de chuva.
O tempo passava, a noite chegava e ela ali sentada, relembrando e relembrando, de olhos molhados e coração apertado. A solidão, apenas. Depois ali mesmo adormeceu para o sempre, deixando em cima da mesinha um singelo escrito:

O jardim e as flores já não existem mais
colibris e borboletas voaram para bem longe
talvez em busca de outros doces perfumes
e em mim a solidão que aflora em outono triste
uma estação que a tudo seca e tudo devora
e que agora me chama para também voar
e voando parto nas asas da solidão a esvoaçar.

E assim também noutras vidas, cuja solidão do dia após dia é como um desfolhado outono. E só chega a ventania. E ninguém mais. Ainda há a espera, ainda há o desejo do reencontro, mas depois só chegam as saudades. E tudo vai ficando mais solitariamente triste.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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