Por Rangel Alves
da Costa*
Para o povo
sertanejo, a esperança sempre renasce na trovoada. Depois de tanto tempo de
seca, de pastagens carcomidas de sol e calor, horizontes acinzentados e animais
já no couro e no osso, só mesmo as chuvaradas para o retorno das alegrias. Tudo
como um verdadeiro milagre: aqueles olhos cansados de tanto sofrer com os céus
sem sinais, agora brilhosos e cheios de promessas após as nuvens prenhes se
derramarem sobre sua porta, sua roçado, seu corpo em festa.
Os mais velhos
já sabiam que não demoraria muito para a trovoada chegar. Um cágado apareceu na
mataria e um velho sertanejo logo brilhou o olho. Quando um compadre disse que
tinha avistado outro cágado saindo de uma loca, então não havia mais do que
duvidar. Cairia chuva na certa, e trovoada. Somente o cágado sertanejo anuncia
com precisão a chuvarada que vem.
É sabedoria
antiga tida como certa. O cágado permanece escondido por meses ou anos a fio,
mas se repentinamente sai da loca e começa a andar sem destino, a aparecer onde
normalmente ninguém espera, então é porque sente que trovoada se aproxima. Quem
quiser pode tirar a prova: quando o trovão ribomba o cágado já pode ser
facilmente encontrado no meio do mato ou arredores. Muito caçador vai atrás de
sua presa debaixo da trovoada.
Após
encontrarem os cágados, os dois velhos sertanejos começaram a orar agradecidos
pela chuvarada que logo cairia. Dito e certo. Não demorou muito e o horizonte
escureceu totalmente, as nuvens prenhes e sombreadas tomaram conta do céu, os
trovões barulharam, relâmpagos chisparam faiscantes. E a torrente começou a
cair lá de cima e a se espalhar sertão adentro. E não faz muito tempo isso não.
Assim
aconteceu nos últimos dias no sertão sergipano. Depois do calor sufocando a
alma, as nuvens avançando tomadas de água, e prontas para despejar suas bênçãos
sobre a vida tão necessitada de pingo d’água. Os horizontes foram escurecendo,
a ventania açoitando as folhagens, os tufos secos se lançando de lado a outro,
até que o dia tomou a feição da noite para os relâmpagos surgirem, os trovões
estrondearem nos espaços, até os pingos grossos se derramarem sobre a terra adormecida.
E que despertar feliz, contente, alvissareiro!
Em Poço
Redondo, uma das localidades sertanejas mais devastadas pela estiagem,
aconteceu algo verdadeiramente inesperado após as trovoadas da última
quinta-feira. O riacho Jacaré, que nasce na Serra da Guia e passa entrecortando
a cidade, e cujo leito degradado desde muito não sentia água correr, de repente
reapareceu pedindo passagem numa força danada. As chuvas na cabeceira
desaguaram riacho acima e o que se viu depois foram correntezas onde antes só
havia pedra, empoçamento e devastação.
Há notícias de
chuvaradas por todo o sertão, desde a Boca da Mata a Canindé do São Francisco.
Não se sabe ainda se terão continuidade ou resolveram apenas minimizar a secura
da terra. O sonho maior do sertanejo é que após as trovoadas outras chuvas de
menor intensidade continuem caindo. Conhece muito bem que rompante de trovoada,
ao encontro da terra tão seca, acaba em enxurrada e na destruição do que ainda
reste vivo, pois as águas, ao invés de descer além das raízes e embeber todo o
chão, apenas seguem adiante.
Mas desde
muito que o sertanejo espera o relampejar e o trovejar. Mas bastou o surgimento
dos cágados para tudo se confirmar. Tais sinais da natureza são como cortinas
que se abrem para um encantamento, para uma festa, para a salvação. Os
horizontes ainda continuam fechados, as nuvens gordas ainda passeiam pelas
alturas, mas muito já foi conseguido ante o nada ter: água juntada no tanque,
barreiro transbordado, o verde voltando a tomar conta das paisagens mortas e
acinzentadas.
Muitos já
fazem planos para a terra, para a semente, para o milho e o feijão. Ao menos
por enquanto o animal sedento vai ter onde molhar sua língua. Não demora muito
e os brotos já estarão sobre a terra e a fome restará expurgada. A enxada, a
foice e o arado, logo sairão dos escondidos para se deitarem sobre o chão
molhado. As velhas sementes, desde muito guardadas em cumbucas, ganharão a
destinação da terra. E através delas o homem poderá sobreviver com dignidade.
E certamente
algum sertanejo de pouca palavra estará gritando em pensamento: Grandioso é o
Deus que levanta o homem antes que se deite aos pés do político, da política,
da autoridade, do governante, do poderoso. É no pingo d’água que cai e na
porção que é juntada na fonte que o sertanejo se livra da submissão, da
vergonha de ter de se humilhar em busca de uma carrada de água para matar a
sede do homem e do bicho. Todo aquele que faz do sofrimento do pobre um meio de
politicagem, agora terá de perguntar a Deus por que manda chuva a quem tem de
viver na eterna penúria, e assim alimentar sua fome de poder.
Seja como for,
a verdade é que a partir de agora muitas promessas serão cumpridas. Não pelo
político, mas pelo homem da terra. Tantas vezes se humilhou, se submeteu, mas
jamais perdeu sua fé na força maior. Rezas, promessas e orações, eis a palavra
do sertanejo. E agora, aos poucos, a resposta dos céus. E por isso mesmo que o
primeiro grão colhido será colocado aos pés do altar do Senhor.
Poeta e
cronista
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