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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

VELÓRIO DE DONA MOCINHA EM 10 DE 02 DE 2012


Morre Dona Mocinha, irmã de Lampião

Morreu na tarde da sexta-feira do dia 10 de fevereiro de 2012, Maria Ferreira Queiroz, conhecida como Dona Mocinha, irmã de Lampião. De acordo com funcionários do Museu do Cangaço, ela tinha 104 anos de idade e estava em São Paulo, onde morava com os filhos. O corpo foi velado na capital paulista. 

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JOSUÉ DE CASTRO E AS FERIDAS ABERTAS QUE OS PODEROSOS INSISTEM EM NÃO CURAR – Parte 1

Por José Romero Araújo Cardoso –UERN-Mossoró-RN e Benedito Vasconcelos Mendes - UERN-Mossoró-RN

As paisagens urbanas e rurais, através de sua geografia humana, sobretudo, nas periferias do capitalismo globalizado que marca os dias atuais, vêm sendo caracterizadas pelas manifestações aviltantes cada vez mais agudas do drama da fome, que ‘consagram’ o significado da exclusão de grande parcela dos seres humanos, espalhada pelos quatro cantos do Planeta, e que ainda não foi beneficiada pelas conquistas tecnológicas, bem como pela capacidade de gerar emprego e renda decentes que garantam melhores dias, formulando, de forma efetiva, o real sentido da cidadania.

Os donos dos meios de produção selecionam metodicamente espaços que são e serão beneficiados pela ação do capital em suas múltiplas metamorfoses e interesses, relegando ao esquecimento os que não interessam de imediato à reprodução das estruturas de poder.

São os espaços marginalizados que não servem a curto ou médio prazos, muitas vezes também a longo prazo, aos propósitos definidos em infindáveis reuniões temperadas pelo gosto refinado por dinheiro em quantidade absurdamente estratosférico.

Assim, cotidianamente milhares de pessoas são atiradas no fosso da miséria, da pobreza e da fome, pois sem perspectivas de melhores dias amargam a triste realidade do abandono e do infortúnio, sendo submetidas à escravidão da falta de interesses dos poderosos que as enxergam apenas como frios números das estatísticas que permitem absurda maximização de lucros com interessante minimização de custos para aqueles que são contemplados pelas benesses do sistema.

Citando exemplo clássico presente nas distorções inter-regionais brasileiras, indubitavelmente podemos afirmar que em consonância com o despovoamento do campo no nordeste brasileiro desponta de forma imperiosa o agrobusiness em determinados espaços rurais previamente selecionados, dotado de tecnologia de primeiro mundo. Em contrapartida, a agricultura familiar vem sendo notavelmente prejudicada e desestimulada em razão que percentual significativo dos investimentos garantidos pelas políticas públicas voltadas para o agro, viabilizadas pela ação do Estado, destina-se ao sucesso da produção agrícola concentrada em atender as exigências do mercado externo a fim de gerar divisas para fomentar a política paternalista que caracteriza a atuação do Estado em garantir os privilégios da poderosa classe que detém o poder.

Além do mais, os poucos recursos destinados ao fomento agricultura familiar não vem acompanhado de necessária e eficaz instrução técnica que permita favorecer o sucesso da produção e da comercialização agropecuária, não esquecendo ainda que existem graves denúncias de corrupção envolvendo a destinação dos recursos para este setor produtivo que garante inúmeros benefícios para suprir o mercado interno, ao contrário do primo rico que se dedica a atender as exigências externas cada vez mais sofisticadas. O resultado óbvio é o recrudescimento da situação de penúria dos que sofrem com a intransigência da lógica do capital, avançando de forma desumana as conseqüências trágicas da desnutrição.

Crianças, elos frágeis da teia maléfica montada pelo capitalismo, perdem a visão por falta de alimentos, ficando apenas no couro e no osso devido à ausência de proteínas que possam garantir a sobrevivência e engrossando dia-a-dia as estatísticas referentes à mortalidade infantil, motivada por doenças provocadas pela fome.

Esqueléticas e famintas desfilam suas desditas pelos espaços menos privilegiados das favelas, alagados, palafitas, pontes, campos adustos, lócus urbanos sem infra-estruturas e outros locais usados como moradias, pois sinônimos da ausência de compromissos, esses lugares se constituem nos territórios da fome e das privações.

Enquanto isso, os poderosos que mandam e desmandam não demonstram sensibilidade, comoção, atitude alguma concreta, que seja pragmática de fato, que possa reverter o quadro surreal que vem tomando aspecto tétrico, cada dia pintado de forma mais intensa com cores berrantes que revelam o drama da miséria e da fome, da insensibilidade de parcela intransigente da humanidade satisfeita e feliz com o esquema montado sobre privilégios.

Recantos esquecidos espalhados na imensidão nordestina abrigam populações famintas e desvalidas cujas condições de vida são iguais às apresentadas pelos grandes bolsões de carência crônica do continente africano, pois os indicadores sócio-econômicos teimam em se repetir em cada amostragem populacional que busca revelar a situação do povo brasileiro, embora saibamos que muitas foram propositalmente maquiadas para atender determinados interesses.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
CARDOSO, José Romero Araújo; MENDES, Benedito Vasconcelos. “Discutindo a Importância da Atualidade do Pensamento de Josué de Castro em Escolas das Redes Estadual e Municipal de Ensino do Município de Mossoró - Estado do Rio Grande do Norte”.Mossoró/RN, PROEX/UERN, 2008 (Projeto de Extensão)
CASTRO, Anna Maria de (org.). Fome:um tema proibido - últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003
CASTRO, Josué Apolônio de. Geografia da Fome – O dilema brasileiro – Pão ou Aço. 10 ed. Revista. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1984
_____. Geopolítica da Fome – Ensaio sobre os problemas de alimentação e de população no mundo. 4 ed. Revista e aumentada. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957, vol. 1 e 2
____. O livro negro da fome. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957.
_____. Ensaios de Geografia Humana. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957
_____. Ensaios de Biologia Social. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957
_____. Homens e Caranguejos. Porto: Editora. Brasília, 1967
MENEZES, Francisco R. de Sá. Josué de Castro: Por um mundo sem fome. São Paulo: Mercado Cultural, 2004. 120p. il. (Projeto Memória, 8)
CASTRO, Josué de. Disponível em .< http://www.josuedecastro.org.br/jc/jc.html.> . Acesso em 22 de janeiro de 2013
"Geografia da Fome", de Josué de Castro, faz 60 anos. Disponível em <http://www.fomezero.gov.br/noticias/geografia-da-fome-de-josue-de-castro-faz-quarenta-anos.> Acesso em 22 de janeiro de 2013
TENDLER, Sílvio. Josué de Castro - Cidadão do Mundo.[Vídeo–documentário]. Rio de Janeiro: Bárbaras Produções, 1996

JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO
Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Contato: romero.cardoso@gmail.com.

BENEDITO VASCONCELOS MENDES

Graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Ceará (1969), Mestrado em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (1975) e Doutorado em Agronomia (Fitopatologia) pela Universidade de São Paulo (1980). Atualmente é professor adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN), ex-chefe geral da EMBRAPA MEIO NORTE, em Teresina-PI, ex-presidente da Fundação de Pesquisa Guimarães Duque e atual Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Norte. Publicou vários livros sobre o desenvolvimento regional, entre eles: Alternativas tecnológicas para a agropecuária do Semi-Árido (Ed. Nobel, São Paulo), Plantas e animais para o Nordeste (Ed. Globo, Rio de Janeiro) e Biodiversidade e desenvolvimento sustentável do Semiárido (editado pela SEMACE, Fortaleza-CE).

CONTINUA...

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UM MONTE DE SAUDADES DO GONZAGÃO DO BAIÃO!


Meu nome é Luiz Gonzaga, 
Não sei se sou fraco ou forte, 
Só sei que, graças a Deus, 
Té pra nascer tive sorte,
Apois nasci em Pernambuco, 
O famoso Leão do Norte.

Nas terras do novo Exu, 
Da fazenda Caiçara, 
Em novecentos e doze, 
Viu o mundo a minha cara.

No dia de Santa Luzia, 
Por isso é que sou Luiz, 
No mês que Cristo nasceu, 
Por isso é que sou feliz.

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LUIZ GONZAGA


Luiz Gonzaga nasceu em Exu, Pernambuco, em 13 de dezembro de 1912. Foi um compositor popular. Aprendeu a ter gosto pela música ouvindo as apresentações de músicos nordestinos em feiras e em festas religiosas. Quando migrou para o sul, fez de tudo um pouco, inclusive tocar em bares de beira de cais. Mas foi exatamente aí que ouviu um cabra lhe dizer para começar a tocar aquelas músicas boas do distante nordeste. Pensando nisso compôs dois chamegos: "Pés de Serra" e "Vira e Mexe". Sabendo que o rádio era o melhor vínculo de divulgação musical daquela época (corria o ano de 1941) resolveu participar do concurso de calouros de Ary Barroso onde solou sua música “ Vira e Mexe” e ganhou o primeiro prêmio. Isso abriu caminho para que pudesse vir a ser contratado pela emissora Nacional.

No decorrer destes vários anos, Luiz Gonzaga foi simbolizando o que melhor se tem da música nordestina. Ele foi o primeiro músico assumir a nordestinidade representada pela a sanfona e pelo chapéu de couro. Cantou as dores e os amores de um povo que ainda não tinha voz.

Nos seus vários anos de carreira nunca perdeu o prestígio, apesar de ter se distanciado do palco várias vezes. Os modismos e os novos ritmos desviaram a atenção do público, mas o velho Lua nunca teve seu brilho diminuído. Quando morreu em 1989 tinha uma carreira consolidada e reconhecida. Ganhou o prêmio Shell de Música Popular em 87 e tocou em Paris em 85. Seu som agreste atravessou barreiras e foi reconhecido e apreciado pelo povo e pela mídia. Mesmo tocando sanfona, instrumento tão pouco ilustre. Mesmo se vestindo como nodestino típico (como alguns o descreviam: roupas de bandido de Lampião). Talvez por isso tudo tenha chegado onde chegou. Era a representação da alma de um povo...era a alma do nordeste cantando sua história... E ele fez isso com simplicidade e dignidade. A música brasileira só tem que agradecer...


Livros:
Luiz Gonzaga e o Rio Grande do Norte

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RECONSTRUIR O AMOR

Por Rangel Alves da Costa*

O amor não é fácil de ser reconstruído. Há quem afirme que jamais terá a mesma sustentação o amor que sofreu grande abalo. Os alicerces já não serão os mesmos, ainda que sejam cimentados com mais pujança.

É que de repente o encanto vira pranto, a felicidade se torna desilusão, e a magia amorosa apenas um sofrimento. As perdas são constantes e sempre dolorosas, mas quando se fala em amor perdido, terminado ou rompido, então a pessoa parece que vai se esvaindo, morrendo também.

E assim porque o verdadeiro amor causa sofrimento ao ser afetado. Quem ama faz do sentimento amoroso uma verdadeira seiva de sobrevivência, faz da sensação amorosa um sentido sempre generoso à vida. Alicerçado no coração, basta que os tremores dos desvãos da vida ameacem e todo parece querer sucumbir.

A verdade é que o verdadeiro amor sempre permanece. Quem ama não apaga o outro do sentimento nem da memória após uma briga, uma separação, um distanciamento, um término, um adeus. O outro parte, se vai, mas o amor permanece como algo muito mais forte que a pessoa ou a situação.

E o sofrimento causado pela separação se torna assim tão doloroso exatamente porque o amor permaneceu. Porque continua no coração, permanece na mente, ainda envolve os sentidos, é que faz agonizar por dentro. Ora, se o amor fosse embora com a partida do outro seria diferente, não restaria sofrimento algum. Mas também não seria amor.

Por isso mesmo que quem ama sofre, lamenta e chora sua perda. Tudo que o coração acostuma se torna de difícil separação. Sempre que a pessoa entrega parte de si, por amar e confiar, acaba sendo a própria pessoa que se doa. E no adeus sempre fica faltando aquela metade tão difícil de ser reconstruída.

Por mais que as relações modernas tornem volúveis e inconstantes os namoros e os relacionamentos, ainda existem aqueles que são verdadeiramente amorosos. E falar em amor verdadeiro implica muito mais no convívio de um para o outro que um tirando proveito sexual ou meramente prazeroso do outro.


O amor verdadeiro possui características fáceis de serem reconhecidas, ainda que muitos jamais tenham sequer se aproximado de suas feições. Coisas simples: o amor não é sexo, o amor não é estar nem ficar, o amor não é qualquer coisa que se encontra, usufrui e depois relega ao esquecimento. Nada disso é amor.

Olha a singeleza do amor: O amor é saudade. Sim, pois somente quem ama sente saudade. O amor é sensação de prazer íntimo, de encantamento no coração. O amor é o desejo do reencontro, é sentir na distância a proximidade do lábio e o brilho do olhar. O amor é ternura, é palavra singela que contente o outro, é toque de mão e promessa não revelada.

O amor é bilhete, é verso rimando amor com sabor, é aquela sensação pulsante diante do outro. Uma carícia, um abraço apertado, uma tal satisfação que a pessoa já não possa mais negar a si mesma: está amando. O amor é construção, não tem sede de sexo, não vai tirando a roupa nem procurando camisinha. Não. O amor sabe esperar, e espera cheio de contentamento, pois sabe que aquela grandeza não se vive em instantes.

Mas eis o problema: O que fazer quando alguém que ama assim se vê, pelas forças do destino, sem aquele de tanto amor? O que fazer quando a perda ou a separação são inevitáveis, quando já não há mais esperança de reencontro e refazimento? Reconstruir o amor, apenas isso.

Reconstruir o amor, apenas isso. Impossível que a pessoa retorne, que retome seu lugar junto aos braços e aos lábios. O sofrimento, a angústia, a saudade, tudo persistirá por muito tempo. E talvez nunca se dissipe de vez. Mas o amor, por ser tão belo, possui, ele próprio, seus instrumentos de reconstrução.

E a pessoa continuará amando sem sofrer. Como? A pessoa que partiu, por não poder voltar se transformou na cor mais bela do entardecer, na lua imensa, numa flor, no silêncio espiritual do alto da montanha, no pássaro que segue a revoada, na borboleta que pousa no umbral da janela.

Haverá coisa mais bela que isso? Tão belo quanto o amor. Assim, reconstruir o amor de uma pessoa a partir do amor por coisas singelas da vida é a forma mais eficiente de conservação e preservação dos sentimentos. Então a pessoa olha a nuvem que passa e vê quanta poesia pode escrever naquela folha em branco, mira a grandeza da lua cheia e percebe o quanto de belo a vida tem a oferecer.

E assim vai reconstruindo seu amor. A partir do amor a outros amores que nem sempre são perceptíveis aos nossos sentidos: a chuva caindo, o nascer do sol, os encantos da vida.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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FEIRA DE CABEÇAS -- (A CHEGADA DAS CABEÇAS EM SANTANA DO IPANEMA-AL)

Por Aurélio Buarque de Holanda(*)... SÉRIE ( Grandes artigos)

De latas de querosene mãos negras de um soldado retiram cabeças humanas. O espetáculo é de arrepiar. Mas a multidão, inquieta, sôfrega, num delírio paredes-meias com a inconsciência, procura apenas alimento à curiosidade. O indivíduo se anula. Um desejo único, um único pensamento, impulsa o bando autômato. Não há lugar para a reflexão. Naquele meio deve de haver almas sensíveis, espíritos profundamente religiosos, que a ânsia de contemplar a cena macabra leva, entretanto, a esquecer que essas cabeças de gente repousam, deformadas e fétidas, nos degraus da calçada de uma igreja.


Cinco e meia da tarde. Baixa um crepúsculo temporão sobre Santana do Ipanema, e a lua crescente, acompanhada da primeira estrela, surge, como espectador das torrinhas, para testemunhar o episódio: a ruidosa agitação de massas que se comprimem, se espremem, quase se trituram, ofegando, suando, praguejando, para obter localidade cômica, próximo do palco.

Desenrola-se o drama. O trágico de confunde com o grotesco. Quase nos espanta que não haja palmas. Em todo caso, a satisfação da assistência traduz-se por alguns risos mal abafados e comentários algo picantes, em face do grotesco. O trágico, porém não arranca lágrimas. Os lenços são levados ao nariz: nenhum aos olhos. A multidão agita-se, freme, sofre, goza, delira. E as cabeças vão saindo, fétidas, deformadas, das latas de querosene - as urnas funerárias -, onde o álcool e o sal as conservam, e conservam mal. Saem suspensas pelos cabelos, que, de enormes, nem sempre permitem, ao primeiro relance, distinguir bem os sexos. Lampião, Maria Bonita, Enedina, Luiz Pedro, Quinta-Feira, (Cajarana, Diferente, Caixa-de-Fósforo), Elétrico Mergulhão...

- As cabeças!

- Quero ver as cabeças!

Há uma desnorteante espontaneidade nessas manifestações.

- As cabeças. Não falam de outra coisa. Nada mais interessa. As cabeças.

- Quem é Lampião?

Virgulino ocupa um degrau, ao lado de Maria Bonita. Sempre juntos, os dois.

- Aquela é que é Maria Bonita? Não vejo beleza...

O soldado exibe as cabeças, todas, apresenta-as ao público insaciável, por vezes uma em cada mão. Incrível expressão de indiferença nessa fisionomia parada. Os heróis de tantas sinistras façanhas agora desempenham, sem protesto, o papel de S. João Batista...

Sujeitos mais afastados reclamam:

- Suspende mais! Não estou vendo, não!

- Tire esse chapéu, meu senhor! - grita irritada uma mulher.

O homem atende.

- Agora, sim.

A pálpebra direita de Lampião é levantada, e o olho cego aparece, como elemento de prova.

Velhos conhecidos do cangaceiro fitam-lhe na cabeça olhos arregalados, num esforço de comprovação de quem quer ver para crer.

- É ele mesmo. Só acredito porque estou vendo.

Houve-se de vez em quando:

- Mataram Lampião... Parece mentira!

Virgulino Ferreira, o rei do cangaço, o "interventor do sertão", o chefe supremo dos fora-da-lei, o cabra invencível, de corpo fechado, conhecedor de orações fortes, vitorioso em tantos recontros, - Virgulino Ferreira, o Capitão Lampião, não pode morrer.

E irrompe de várias bocas:

- Parece Mentira!

No entanto é Lampião que se acha ali, ao lado de Maria Bonita, junto de companheiros seus, unidos todos, numa solidariedade que ultrapassou as fronteiras da vida. É Lampião, microcéfalo, barba rala, e semblante quase doce, que parece haver se transformado para uma reconciliação póstuma com as populações que vivo flagelara.

Fragmentos de ramos, caídos pelas estradas, durante a viagem, a caminhão, entre Piranhas e Santana do Ipanema, enfeitam melancolicamente os cabelos de alguns desses atores mudos. Modestas coroas mortuárias oferecidas pela natureza àqueles cuja existência decorreu quase toda em contato com os vegetais - escondendo-se nas moitas, varando caatingas, repousando à sombra dos juazeiros, matando a sede nos frutos rubros dos mandacarus.

Fotógrafos - profissionais e amadores - batem chapas, apressados, do povo, e dos pedaços humanos expostos na feira horrenda. Feira que , por sinal, começou ao terminar a outra, onde havia a carne-de-sol, o requeijão de três mil-reis o quilo, com o leite revendo, a boa manteiga de quatro mil reis, as pinhas doces, abrindo-se de maduras, a dois mil-reis o cento, e as alpercatas sertanejas, de vários tipos e vários preços.

Ao olho frio das codaques interessa menos a multidão viva do que os restos mortais em exposição. E, entre estes, os do casal Lampião e Maria Bonita são os mais insistentemente forçados. Sobretudo o primeiro.

O espetáculo é inédito: cumpre eternizá-lo, em flagrantes expressivos. Um dos repórteres posa espetacularmente para o retratista, segurando pelas melenas desgrenhadas os restos de Lampião. Original. Um furo para "A Noite Ilustrada".

Lembro-me então do comentário que ouço desde as primeiras horas deste sábado festivo: -"Agora todo o mundo quer ver Lampião, quer tirar retrato dele, quer pegar na cabeça...Agora..."

Há, com efeito, indivíduos que desejam tocar, que quase cheiram a cabeça, como ansiosos de confirmação, por outros sentidos, da realidade oferecida pela vista.

Desce a noite, imperceptível. A afluência é cada vez maior. Pessoas do interior do município e de vários municípios próximos, de Alagoas e Pernambuco, esperavam desde sexta-feira esses momentos de vibração. Os dois hoteis da cidade, literalmente entupidos Cheias as residências particulares - do juiz de direito, do prefeito, do promotor, de amigos dessas autoridades. Para muitos, o meio da rua.

Entre a massa rumorosa e densa não consigo descobrir uma só fisionomia que se contraia de horror, boca donde saía uma expressão, ainda que vaga, de espanto. Nada. Mocinhas franzinas, romanescas, acostumadas talvez a ensopar lenços com as desgraças dos romances cor-de-rosas, assistem à cena com uma calma de cirurgião calejado no ofício. Crianças erguidas nos braços maternos espicham o pescoço buscando romper a onda de cabeças vivas e deliciar os olhos castos na contemplação das cabeças mortas. E as mães apontam:

- É ali, meu filho. Está vendo?

Alguns trocam impressões;

- Eu pensava que ficasse nervoso. Mas é tolice. Não tem que ver uma porção de máscaras.

- É isso mesmo.

Os últimos foguetes estrugem nos ares. Há discursos. Falam militares, inclusive o chefe da tropa vitoriosa em Angico. Evoca-se a dura vida das caatingas, em rápidas e rudes pinceladas. O deserto. As noites ermas, escuras, que os soldados às vezes iluminam e povoam com as histórias de amor por eles sonhadas - apenas sonhadas... Os passos cautelosos, mal seguros sobre os garranchos, para evitar denunciadores estalidos, quando há perigo iminente. Marchas batidas sob o sol de estio, em meio da caatinga enfezada e resseca, e da outra vegetação, mais escassa, que não raro brota da pedra e forma ilhotas verdes no pardo reinante: o mandacaru, a coroa-de-frade, a macambira, a palma, o rabo-de-bugio, facheiro, com o seu estranho feitio de candelabro. A contínua expectativa de ataque tirando o sono, aguçando os sentidos.

O sino toca a ave-maria. Dilui-se-lhe a voz no sussurro espesso da multidão curiosa, nos acentos fortes do orador, que, terminando, refere a vitória contra Lampião, irrecusavelmente comprovada pelas cabeças ali expostas.

Os braços da cruz da igrejinha recortam-se, negros, na claridade tíbia do luar; e na aragem que difunde as últimas vibrações morrediças do sino vem um cheiro mais ativo da decomposição dos restos humanos.

Todos vivem agora, como desde o começo do dia, para o prazer do espetáculo. As cabeças!

A noite fecha-se. Em horas assim, seriam menos ferozes os pensamentos de Lampião. O seu olhar se voltaria enternecido para Maria Bonita.

Que será feito dos corpos dissociados dessas cabeças? O rosto de Maria Bonita, esbranquiçado a trechos por lhe haver caído a epiderme, está sinistro.

Onde andará o corpo da amada de Lampião? A cara arrepiadora, que mal entrevejo à luz pobre do crescente, não me responde nada.

E Lampião? Sereno, grave, trágico. O olho cego, velado pela pálpebra, fita-me. (1938).

(*) Autor do mais importante dicionário da língua portuguesa publicado no Brasil neste século. Texto do livro esgotado "O chapéu de meu pai, editora Brasília, 1974.
Fonte original:
Diário Oficial
Estado de Pernambuco
Ano IX
Julho de 1995
Fonte que divulgou a matéria: Blogs Lampião Aceso, e Blog do Mendes e Mendes.
Foto das cabeças: FOTOS DAS CABEÇAS DOS CANGACEIROS EXPOSTAS EM SANTANA DO IPANEMA / AL
Fonte: Livro " Lampião e as Cabeças Cortadas, pg 204, dos autores Antonio Amaury e Luiz Rubens".

Fonte: facebook
Página: Voltaseca Volta


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