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segunda-feira, 22 de junho de 2020

A IRMÃ DULCE E O CANGACEIRO “VOLTA SECA” QUE AINDA ADOLESCENTE TORNOU-SE UM DOS MAIS TEMIDOS MEMBROS DO BANDO DE LAMPIÃO.

Volta Seca com a esposa e filhos

Numa manhã setembrina de 1939 a Irmã Dulce, que de habito prestava assistência espiritual e material aos presos, bateu nas portas do velho presídio da Engenho da Conceição, denominado Coreia, localizado no fundo da Igreja dos Mares, pediu para ver “Volta Seca”, lugar-tenente de Lampião; cumpria pena de 119 anos por supostos crimes cometidos no Cangaço. Era um encontro marcado. Antes, Antônio dos Santos, nome de batismo do cangaceiro, relutara em receber a freira, queria saber quem era. Fazia sete anos que estava preso com precária assistência judiciária e carregava o estigma de ter participado do morticínio de Queimadas, 1929, onde oito soldados foram massacrados pelos homens de Virgulino.

A Irmã Dulce compareceu ao presidio portando uma sanfona, a música os aproximou. O cangaceiro sabia de cor várias músicas, era analfabeto, porém, bom de ouvido. Tinham quase a mesma idade, a religiosa 25, ele 23. Desde então a Irmã Dulce passou a visitar Antônio com frequência, intercedeu junto às autoridades a seu favor, é claro, dentre suas limitações à justiça lhe negava os direitos previstos em Lei, apesar de seu bom comportamento como contou o presidiário ao jornalista Berliet Junior do Diário da Noite do Rio de Janeiro em 17/01/1950.

“Eu por não saber fazer a petição… pedi ao Dr. Tourinho que me fez a caridade, escreveu por mim e até o momento não tive decisão nenhuma. Quatro meses e nada ainda de parte do juiz. Nem que sim, nem que não… Já pedi a todo mundo. Do governo ao secretário… E só me prometem… Nem todos são assim. Há uma figura nobre que tem olhado esse meu caso. É a Irma Dulce, freira do Círculo dos Operários. É a santa criatura que constantemente intercede por nos aqui na penitenciária. Prometem a ela, mas nada cumprem. O senhor vê que nem a figura dos santos consegue ajeitar a boa vontade dos homens”.


Quando da entrevista ao repórter carioca “Volta Seca” já cumprira 18 anos da pena prescrita, 11 deles assistidos pela Irmã Dulce, numa situação de irregularidade que chocava os meios jurídicos, a começar pela sua prisão aos 15 anos, aumentaram a idade do preso no inquérito para ser julgado como adulto. Pela Legislação a pena máxima de 119 anos teria um teto de vinte anos. A Lei determinava que cumprida metade da pena, em condições de boa conduta, o preso poderia requer a liberdade condicional. E assim foi feito e “concedido”. O juiz de execuções criminais, porém, prendeu a guia, dizem que sob pressão de chefes políticos e coronéis da região dos sertões.

De nada valeram os atestados do célebre legista Arthur Ramos e do iminente Dr. Estácio de Lima que não apenas confirmou que o preso estava apto para retornar à sociedade como intercedeu a seu favor e lhe prometeu emprego no Instituto Nina Rodrigues: “Deveria a sociedade se envergonhar de seu comportamento cruel com relação a este presidiário…. O processo foi muito mal orientado…não teve a mínima defesa”, declarou na ocasião. Por quatro vezes o ilustre médico solicitou o indulto, finalmente concedido pelo Presidente Getúlio Vargas em 24/03/52, transcorridos vinte anos atrás das grades. O famoso fotógrafo baiano Gervásio Batista, junto com os cinegrafistas da TV Tupy, documentou a entrega do telegrama do Presidente da República ao ex-cangaceiro.

Antônio dos Santos viveu dias amargos após a sua liberdade. Passou fome, era temido e execrado pela sua biografia. A despeito disso tudo levou a vida adiante, teve e criou seis filhos. Morreu idoso em 1997, exatos 80 anos de uma agitada existência. (Nelson Cadena).


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ALCINO ALVES COSTA: 80 ANOS DE NASCIMENTO DO SAUDOSO SERTANEJO

*Rangel Alves da Costa

Longe se vão aqueles anos 40, quando o sertão passou a acolher em seu solo um filho amado. Filho de Dona Emeliana e Seu Ermerindo, então nascia Alcino Alves Costa, em sua amada Poço Redondo, sertão sergipano. Nesta última quarta-feira 17 de junho, sem eventos comemorativos abertos ao público em virtude da pandemia, ainda assim o povo sertanejo intimamente saudou a data no mais profundo do coração.
Oitenta anos já se passaram desse primeiro encontro do filho com sua terra. E mais de sete anos se vão que o eterno menino sertanejo retornou a casa do Pai, vez que falecido a 1º de novembro de 2012.  Viveu setenta e dois anos entre os seus, pouco perante a esperança de vida do sertanejo, mas de forma tão grandiosa e construtiva que os anos na terra vingaram uma eternidade pelos seus feitos.
Apenas setenta e dois anos vividos, mas quanta imensidão gestada nos seus passos, nos seus escritos, em suas palavras, em suas ações. Foi menino sertanejo traquina, foi rapaz sonhador, foi prefeito antes de ser político, foi político de nomeada em seu Poço Redondo. Mesmo não tendo formação acadêmica – ou quase nenhuma formação educacional -, pois o ensino primário foi o seu limite de sabedoria escolar, Alcino conseguiu ser doutor no que fez. Seu anel de formação, contudo, apenas brilhando no olhar a sua lua e o seu sol. Como era apaixonado pelo sertão!
Uma paixão tão indescritível que além de ser filho da terra e conviver com seu chão, tudo o que na vida fez sempre teve o sertão como mote de arte e criação. Na verdade, em Alcino o sertão corria nas veias, pulsava no coração, guiava o seu passo, era seu sopro de vida e sua guia de viver. Não se sentia bem e nem gostava de estar noutro lugar senão no seu chão sertanejo.
Sempre calçando havaianas, com a ponta da camisa num canto da boca, tantas vezes cabisbaixo e cantarolando baixinho uma velha canção sertaneja, lá ia Alcino pelas ruas e esquinas de sua Poço Redondo. Encontrava um banco de praça e passava a dialogar com o mundo sertanejo, com suas histórias e suas memórias. Seu silêncio meditativo, contudo, apenas ocultando diálogos com as vozes matutas, com os grunhidos dos bichos, com a catingueirama se abrindo em espanto para cangaceiro passar.
Ouvia, no seu mais profundo íntimo, aquelas vozes antigas de um povo que desbravou os sertões, que fez curral e pastagem, que fez a vingar em meio aos hostis carrascais. Ouvia Adília contando suas histórias de ex-cangaceira. Ouvia Mané Félix relatando seus passos de afamado coiteiro e seu convívio com o Capitão Lampião. Em seu silêncio, tudo isso Alcino ouvia.
E ouvia para depois tudo transformar em escritos, em livros, em canções, em prosa cheirando a flor de mandacaru. Aquelas vozes se tornavam muitas, e tudo depois ganhando a moldura do próprio sertão. Pesquisador, escritor, poeta, compositor, radialista, palestrante, apaixonado e divulgador da música caipira de raiz, Alcino deixou um insuperável acervo de conhecimentos, principalmente sobre o sertão e seus feitos históricos, sua geografia, suas tradições, suas riquezas culturais, o seu povo.
Apaixonado pelo tema cangaço, sobrinho do cangaceiro Zabelê e primo de Correnteza, foi amigo de ex-cangaceiros e ex-coiteiros, e daí ter se tornado num dos maiores expoentes das lutas e vinditas cangaceiras sertões adentro. Em letra miúda ou dedilhando em velha máquina de escrever, foi construindo um sertão inteiro! É de sua autoria um dos mais importantes livros e aclamados sobre o cangaço: Lampião Além da Versão: Mentiras e Mistérios de Angico. E também Lampião em Sergipe e O Sertão de Lampião. Mas escreveu muito mais.
O Sertão de Alcino e tão bem descrito por Alcino, é o Sertão dos canoeiros e comboeiros, dos cangaceiros e das volantes, dos coronéis e dos jagunços, dos rezadores e benzedeiras, dos vaqueiros e das boiadas, dos mateiros e caçadores, das beatas e das promessas matutas, da religiosidade e da fé, mas primordialmente de um povo que tira da secura da terra o verdor da digna sobrevivência.
E assim porque meu pai Alcino foi imenso, foi múltiplo, foi diversificado, foi largo e longo demais pelas estradas de seu mundo e mais além. Mesmo sempre fincado no seu chão amado, fez com que o mundo o reconhecesse pela sua obra. Foi esposo, foi pai, foi avô. Alcino foi irmão, foi parente, foi amigo e conhecido. Mas gestou e conviveu com um mundo maior: o mundo sertanejo. O sertão de sagas, de lutas, de sofrimentos e alegrias.
Alcino foi tudo, e mais além do que certamente almejava ser. Mas hoje é também uma imensa saudade. Oitenta anos de nascimento, setenta e dois anos de vida, sete anos de partida, um calendário que alegra e faz doer.
E uma imensa saudade!

Escritor
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DIÁRIO DO CORONEL ANTÔNIO GURGEL - PARTE I.

Por Cangaçologia

Geraldo Júnior

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O CANGACEIRO VOLTA SECA | Verdade ou Mentira? #26


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AS OBRAS DOS HOMENS


Clerisvaldo B. Chagas, 22 de junho de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.329
(FOTO: MINFRA)
Três coisas irritantes na administração pública deixam os contribuintes e eleitores desolados, revoltados e enraivecidos Estamos nos referindo às obras física nas três esferas do Poder Executivo. Primeira, prometer e jamais realizar; segunda, iniciar e deixar pela metade (obras inacabadas); terceira, tempo de espera de obra anunciada prematuramente. Focando no segundo item, temos a obra do viaduto na BR-101 com a BR-316, trecho São Miguel dos Campos – Rio Largo.  O monstrengo viaduto, sem pé nem cabeça, causava espanto a quem trafegasse pelo “trevo da morte”. Difícil é saber quantas unidades do transporte pesado passam por aquele entroncamento diariamente.
Carretas, caminhões não param indo e voltando do Recife e Sul do Brasil. Quem mora e não sai de Maceió, não conhece a loucura da sua movimentação. Mas o viaduto prometido assombrava como esqueleto sem as duas cabeça. Era motivo não só de revolta, mas também de piadas grosseiras dos motoristas clientes do trevo. Vacilou, morreu! Ultimamente, porém as obras recomeçaram vigorosamente, dando um alento aos incrédulos da política brasileira. Saindo de refúgio de mendigos, drogados e malfazejos, a mula sem cabeça parece alcançar sua vitória. Entre o viaduto de Maceió na PRF e o do entroncamento do interior, este chegou primeiro no final  da novela do descaso. Finalmente após muitos suspiros e bananas simbólicas foi inaugurado trecho de duplicação ali perto e visitada a obra em fase conclusiva.
Nessa pandemia não rodamos mais na região, todavia, foto do novo viaduto mostra que a obra já desenganada, ficou bela e parece formar o número oito em seu entorno. Mais segurança para as rodovias brasileiras e a grande importância da BR-316 e BR-101. Como todo grande empreendimento, já estamos imaginando a atração que será exercida para inúmeros investimentos particulares nas suas imediações. Mesmo causando dor de dente antes achamos que a obra merece parabéns aos que lutaram por ela. Caso fossem consertadas todas essas mazelas federais, talvez as obras dos estados e as municipais prometidas também estivessem no espocar e no brilho dos foguetórios.
E as pontes prometidas sobre o rio São Francisco? Rhumm!...rhum... Tosss.... tossss. A duplicação da rodovia Arapiraca até Olho d’Águas das Flores, parece coisa boa. Esperemos sem  apostas.


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JORNAL "A NOITE" 5 DE AGOSTO DE 1938 A CHACINA DA FAZENDA PATOS


Transcrição de Antonio Correia Sobrinho

Arrastadas pelos cabelos para a degola! Depois da formidável chacina perpetrada com inomináveis requintes de crueldade, Corisco" e seu bando dançam alegremente ao som do realejo - Poupadas à sanha assassina "para contarem história.

PEDRA (Alagoas), 5 (Dos enviados especiais de A NOITE) – Segundo informações aqui recebidas em Piranhas, “Corisco”, à frente de um grupo composto de oito pessoas, inclusive duas mulheres, foi visto ontem na fazenda Bem-Feita, em Mata Grande. A polícia do Estado, através de suas forças volantes, já está no encalço, nesta direção.



Refere-se também que o assalto à fazenda dos Patos, de propriedade do sogro do capitão João Bezerra, foi realizado sem se disparar um tiro sequer. Todas as vítimas foram degoladas vivas pelos bandidos, o vaqueiro Domingos, sua mulher e três filhos cujas cabeças foram mandadas para o capitão João Bezerra, na falta de prefeito de Piranhas, ausente no momento.

PIRANHAS (Alagoas), 5 (Serviço especial de A NOITE) – O assalto do grupo de “Corisco” à fazenda dos Patos foi realizado pela madrugada. Os bandidos puderam assim aproximar-se sem serem pressentidos, atacando de surpresa as vítimas. Seis pessoas, como já informamos, foram então decapitadas, sendo as cabeças enviadas ao capitão João Bezerra. Acompanhava os despojos, que incluíam duas cabeças de mulher, o seguinte recado: “As cabeças destas mulheres pagaram as duas mortas”.

O grupo de Corisco, depois da chacina, conseguiu montada na própria fazenda, batendo em retirada. Comunicado o fato às autoridades, saiu em perseguição do grupo o sargento Aniceto, que, anuncia-se, já conseguiu a pista dos bandidos.

IMPRESSIONANTE! – O FESTIM SINISTRO

PIRANHAS, 5 (Dos enviados especiais de A NOITE) – Urgente – Acabamos de chegar a Piranhas, a cidade do interior alagoano que Corisco escolheu para palco do seu sanguinolento revide pela morte de Lampião. Ainda todos os habitantes da localidade se encontram sob a penosa impressão do monstruoso crime. Ouvimos, a respeito, o Sr. Manoel João da Costa, cunhado do vaqueiro Domingos José Ventura, o infeliz morador da fazenda dos Patos que encontrou morte horrível, juntamente com toda a sua família, nas mãos ávidas de vingança do bandoleiro Corisco e seu bando.

Ainda tomado de profunda emoção, o Sr. Manoel João da Costa, narrou-nos o drama tremendo, verdadeiro festim de sangue e horror.
Demos a palavra ao nosso entrevistado:

- “Corisco” chegou noite fechada já na fazenda dos Patos. Eram mais ou menos oito horas. Ao estrepito dos bandoleiros, que se aproximaram como demônios batendo as coronhas das armas no terreiro, a família do vaqueiro Ventura acordou em pânico. Mas nada mais era possível fazer; nem fugir! “Corisco”, à frente do bando, com os olhos verdes fuzilando de ódio, ordena rispidamente à mulher e à filha do morador:

- Faça café para todo o pessoal!

Em seguida, apontando para o vaqueiro e seu filho Manoel, ordena aos seus “caibras” que os levem para trás do curral, o que é feito imediatamente, sem qualquer gesto de resistência dos prisioneiros.
Os dois homens são amarrados e arrastados para fora.

No local escolhido, “Corisco” então contempla mais uma vez com uma expressão de sinistro sarcasmo as duas vítimas e, em voz ríspida, grita para os seus homens, que já haviam desembainhado os punhais agudíssimos:

- Degolem esses bandidos!

HEDIONDO!

- Uma angustiada expressão de desesperança perpassa pelas fisionomias dos homens que iam ser imolados. Inútil qualquer apelo a quem já perdeu o último resquício de bondade humana.
Os cangaceiros escolhidos para carrascos apressam-te para a tarefa macabra. Fuzilam os punhais na meia luz do luar. Rápidas como raios, as lâminas cortam o espaço e duas cabeças tombam sobre a terra, entre golfadas de sangue. Os troncos decepados oscilam ainda uma última vez e caem pesadamente sobre o solo empapado de sangue.

ÓDIO DE BANDIDO

Não satisfeitos em sua insaciável sede de vingança, “Corisco” e seus homens, depois de amaldiçoarem em altos brados as vítimas indefesas, voltam à casa, onde tinham ficado os outros “caibras”, guardando os demais moradores. Um frêmito de horror circula pelo sistema nervoso daquelas pobres criaturas, ao verem de volta o sombrio “Corisco”, cujas pupilas com um ódio inextinguível.

Chegou a vez dos filhos do vaqueiro Ventura: José, solteiro, e Odon, casado. Os facínoras amarram-lhe as mãos para trás, conduzem-nos para o terreiro, e aí, entre imprecauções demoníacas, degolam-nos de um só golpe, com a sua alucinante maestria de sangradores.

AGORA AS MULHERES!

- Agora as mulheres! – grita “Corisco”, enquanto seus homens agarram pelos cabelos a mulher e a filha do vaqueiro, Guilhermina Nascimento Ventura e a jovem Waldomira Ventura.
- Vocês vão pagar a morte de Maria Bonita e Enedina – diz o bandido olhando para as mulheres.
Nenhuma sombra de piedade naquelas fisionomias que só o ódio sabe fazer vibrar. As mulheres são brutalmente arrastadas para fora, e ainda o feroz “Corisco”, com a sua impassibilidade desumana, ordena e assiste ao seu degolamento.

MÚSICA!

- Parece momentaneamente aplacada a cólera do chefe. Seus cabeças jazem sobre o solo, imobilizadas numa última expressão de angústia e sofrimento. Mas nada comove o bandoleiro empedernido. Gritos de satânica satisfação atroam os ares. É a alegria das feras saciadas. Os bandoleiros estão superexcitados. Voltam à casa, no meio de um vozerio infernal. “Corisco” ordena então que se comemore condignamente a vingança.

Manda transformar em salão de baile a sala da casa assaltada. E, estimulados pela cachaça, entregam-se a desenfreadas manifestações de alegria, dançando e gritando. Alguns dos bandidos trazem violas e realejos com que animam a dança. É um festim macabro. Pantomina de horror e sangue. Farândula de demônios alucinados.

O SAQUE – BILHETE AO CAPITÃO BEZERRA

- Quando se dão por satisfeito, “Corisco” ordena o saque geral da fazenda, depois do que dá instruções para a retirada. Dirigem-se todos para a fazenda Pedrinhas, próxima à fazenda dos Patos, pertencente também ao Sr. Antônio José de Brito, vulgo, “coronel Antonio Menino”. Aí então “Corisco” redige uma carta injuriosa e violenta ao capitão Bezerra, endereçando-lhe as cabeças sangrentas. Entrega o bilhete ao portador, que foi o vaqueiro João Crispim Moraes, dizendo:

- Vá entregar isto ao tenente Bezerra. Diga a ele para comer uma, frita. Na falta dele, entregue ao prefeito.

POUPADOS PARA CONTAREM A HISTÓRIA!

- Os bandidos deixaram vivos três outros filhos do vaqueiro Ventura: Antonio, de doze anos, Silvino, de dez e Carmelita, de onze.

Por isso, ao despedir-se do portador da macabra encomenda, “Corisco” acrescentou:

- Os meninos ficaram para contar a história. Mas brevemente voltarei para matá-los, pois faço questão de extinguir toda a raça daquele vaqueiro traidor, que nos denunciou à polícia.
As cabeças foram enterradas no cemitério da cidade, sendo que aos corpos foi dada sepultura cristã na fazenda Patos.

 Os meninos com o jornalista Melchiades da Rocha. - Acervo Robério Santos


O vaqueiro tão tragicamente trucidado tem ainda uma filha que reside em companhia da família do “coronel Menino”. Receia-se aqui nova façanha dos bandidos, que prometeu vingar a morte de Lampião impiedosamente.

Na carta dirigida ao tenente Bezerra enviando as cabeças, diz “Corisco”: “Matei duas mulheres para vingar a morte de Maria Bonita e Enedina.

A esposa de Odon Ventura, que também se encontrava na casa assaltada, foi perdoada pelos bandidos em virtude de ter dado à luz há oito dias. A criancinha também nada sofreu. Os três filhos sobreviventes do vaqueiro que foram mandados por “Corisco” juntamente com as cabeças de seus pais e irmãos, nada quiseram declarar.

Seguimos viagem para Angico

Na mesma edição do dia 05/08/1938, este mesmo jornal, sobre a chacina na fazenda Patos, publicou notícia de uma outra fonte, a Agência Nacional, nos seguintes termos:

MACEIÓ, 4 (Agência Nacional) – A população desta capital continua sob a forte impressão da vindita tomada por Corisco e seu bando, composta todo ele dos fugitivos da fazenda Angicos. Os jornais dão amplo noticiário do fato sangrento. Conhecem-se, agora, os mortos da fazenda de Patos, onde Corisco chegou de surpresa, não tendo sido possível nenhuma resistência.

Chegou e não conversou. Amarrou todas as pessoas encontradas, em número de seis, fuzilou-as, cortando, depois as cabeças e mandando-as num saco para o prefeito de Piranhas, com um bilhete, no qual dizia que as onze cabeças da fazenda de Angicos fariam rolar muitas outras. O saco com o presente macabro foi levado por uns caboclos, que chegaram a Piranhas pela madrugada. Esses caboclos, que vivem nas redondezas onde se deu a chacina, foram obrigados a cumprir a tarefa, sob a ameaça de que se não levassem o saco e não o depositassem no lugar determinado, mais tarde seriam sacrificados e decapitados.

O saco foi encontrado pela criada do prefeito, no batente da porta da rua. Alarmada, a empregada saiu correndo e gritando. As pessoas da casa vieram ver o que se passava, e deram com aquela coisa horrível. O prefeito de Piranhas também foi ver e deparou com as cabeças, empapadas em sangue e terra. A notícia espalhou-se com rapidez, e dentro em pouco a residência do chefe do executivo municipal estava cercada por uma multidão de curiosos, que ali ficou comentando a trágica represália, entre indignada e transida de pavor.

BRUTAL!

MACEIÓ, 4 (A. N.) – As pessoas mortas e decapitadas na fazenda de Patos pelo bandoleiro Corisco, em revanche à morte de Lampião, foram o vaqueiro do coronel Antonio Brito, sua mulher e quatro filhos menores. A família do proprietário da Fazenda lá não se encontrava. Mas a vingança foi tirada, somente porque essas pessoas trabalhavam para o coronel Brito, que é, como já mandamos dizer, avô da esposa do atual capitão João Bezerra. Corisco, entretanto, depois de sacrificar seis vidas inocentes, num ato de incrível barbaridade, incendiou a fazenda, que é, agora, por informações de pessoas vindas de lá, um campo ressequido e devastado.

NO COMANDO DAS FORÇAS VOLANTES

MACEIÓ, 4 (A. N.) – O primeiro-tenente Francisco Ferreira de Mello, por determinação do coronel Lucena, assumiu o comando das tropas volantes, que saíram em perseguição do novo bando de cangaceiros, chefiado por “Corisco”.


 Silvino Ventura, filho de Domingos Ventura morreu vitima de um acidente em Piranhas, 
em dia 30 de julho de 1985, aos 54 anos.

Imagens: Acervo Lampião Aceso.


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LAMARTINE LIMA E MARANDUBA !


Por Lamartine Lima
 Lamartine Lima, Elisângela e Manoel Severo

Estimado amigo e brilhante pesquisador e historiador nordestino e curador do Cariri Cangaço Manoel Severo,meus cumprimentos efusivos pelo seu importante artigo sobre o “Fogo da Maranduba”, acontecido em 09/01/1932, (ver em : http://cariricangaco.blogspot.com/2020/04/grandes-artigos-cariri-cangaco-o-fogo.html )  quando as duas forças policiais volantes e emulantes, baiana e pernambucana, comandadas, respectivamente, pelos Oficiais Liberato de Carvalho e Manoel Neto, perfazendo, em conjunto, mais de 90 homens, se confrontaram com os pouco mais de 30 cangaceiros do bando de Lampeão, combate que se tornou célebre pela demonstração de estratégia e tática dada pelos cabras contra a lamentável competição e  desorganização dos soldados (na minha óptica de Oficial Superior com o Curso da Escola de Guerra Naval, onde, entre outras matérias, estudamos Comando, Estratégia e Tática de Batalha), que levou ao desastroso resultado para os defensores da sociedade e a vitória bélica dos bandidos. 

Você teve o cuidado de, amparado em fortes autores de respeitáveis trabalhos, passar em revista os antecedentes daquela luta, desde a geografia regional dali, a situação sócio-política de então sob o domínio do “coronelato” que, através do encadeamento de seus apaniguados, fornecia o apoio logístico a ambos os lados, mantendo-se em equilíbrio para preservar suas propriedades e seu poder pessoal e político, até a audiência dos testemunhos de participantes, descrevendo, com a exatidão possível, o cenário e a sucessão dos acontecimentos, trazendo para o seu leitor a melhor visão daquele fato histórico. Parabéns! 
Abraço, o mais cordial.

Lamartine Lima
Salvador-BA


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ENTREVISTA (REAL) COM VOLTA SECA | O CANGAÇO NA LITERATURA #103



Um raro arquivo nosso canal compartilha com seus membros, um bate papo de 50 minutos com o cangaceiro mais falastrão da história: Volta Seca. Entrevista realizada pelo empresário José Ribeiro Farage "Zé Turquinho" e pelo professor e artista plástico Luiz Raphael Domingues Rosa e levada ao ar pela extinta TV Cidade de Leopoldina-MG.

Música neste vídeo
Música
Artista
Quinteto Violado
Licenciado para o YouTube por
UMG (em nome de Mercury); BMI - Broadcast Music Inc. e 2 associações de direitos musicais.
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A SANTA BAIANA NO TEMPO DE VOLTA SECA: SANFONEIRA, IRMÃ DULCE QUANDO JOVEM VISITAVA PRESÍDIOS E ATENDEU ATÉ CANGACEIRO DE LAMPIÃO


Arquivado em (Artigos) por vitor

UOL/FOLHA

Iniciativa da religiosa de tocar sanfona para detentos a aproximou do ‘cabra’ conhecido como Volta Seca

João Pedro Pitombo
Salvador

Enquanto Irmã Dulce dava os seus primeiros passos em seu trabalho social nos anos 1930, cangaceiros aterrorizavam cidades do sertão baiano. Eis que em 1939 cruzaram-se os caminhos da freira que se tornará santa da Igreja Católica e do jovem que entrou para a história como um dos mais sanguinários “cabras” do bando de Lampião: Antônio dos Santos, o Volta Seca.

Ele tinha 21 anos, e a freira, 23, quando se encontraram pela primeira vez no presídio Engenho da Conceição, prédio que, nos anos de 1950, ficaria conhecido como a Penitenciária da Coreia. O apelido foi dado pelas condições do presídio, que refletiam o cenário da guerra que assolava o país asiático.

Foi naquela época que, enquanto se dedicava ao Círculo Operário da Bahia, Irmã Dulce decidiu fazer visitas semanais ao presídio para levar conforto espiritual, alimentos e remédios aos detentos.

Ela será canonizada neste domingo (13), em cerimônia chefiada pelo papa Francisco, no Vaticano, após ter dois milagres reconhecidos pela Igreja Católica. Irmã Dulce (1914-1992) será a primeira santa brasileira.

Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, aos 18 anos, mais conhecida como Irmã Dulce – Acervo Memorial Irmã Dulce.

“Irmã Dulce caminhava em meio a um hiato social que existia naquela época. Ela atuou em prol das pessoas mais desprotegidas da sociedade”, afirma o jornalista Valber Carvalho, que pesquisa a vida da freira desde 2013 e prepara uma biografia sobre ela.

Para cumprir sua missão de evangelização, a freira ia para a penitenciária com a sua sanfona, instrumento que aprendeu a manejar na juventude, e tocava para os detentos no pátio.

“Ela usava o lúdico como instrumento de regeneração. Buscava resgatar a dignidade dos presos com a música”, diz Osvaldo Gouveia, chefe da Assessoria de Memória e Cultura das Obras Sociais Irmã Dulce.

As modinhas aproximaram Irmã Dulce e Volta Seca, que também gostava de música e chegou a gravar um disco com canções ligadas ao cangaço depois de deixar a cadeia. O LP incluía canções como “Mulher Rendeira” e “Acorda Maria Bonita”.

Nascido em Sergipe em 1918, Volta Seca passou a integrar o bando de Lampião quando tinha apenas 11 anos. Começou lavando e escovando os cavalos dos cangaceiros e ganhou notoriedade ao fazer parte do grupo que participou da chacina de Queimadas, cidade do norte da Bahia.

O massacre aconteceu às vésperas do Natal de 1929, quando Lampião e 15 de seus homens mataram sete policiais que faziam a guarda da cidade e roubaram 22 contos de réis (algo como R$ 550 mil, em valores estimados). Ao fim do saque, Lampião ordenou que fizessem um baile em sua homenagem.

Volta Seca foi capturado e preso em 1932, aos 15 anos, e levado para Salvador. Já era um cangaceiro famoso e foi recebido por cerca 2.000 pessoas na estação ferroviária de Periperi antes de seguir para a penitenciária.

Volta Seca, cangaceiro integrante do bando de Lampião, fotografado em entrevista na penitenciária de Salvador; imagem publicada na revista O Cruzeiro, de 1944 –Reprodução – José Brito/Revista O Cruzeiro.

Em 1944, chegou a fugir da prisão após serrar as grades da cadeia e escapulir por uma fresta entre fios elétricos no muro do presídio. “Em pouco mais de 20 dias, fui a pé da Bahia até Sergipe”, narraria o cangaceiro em entrevista ao jornalista Joel Silveira. 

Condenado a 145 anos de prisão, teve pena posteriormente reduzida para 20 anos. Em 1952, recebeu o indulto do presidente Getúlio Vargas. Nas tentativas de reduzir a pena, Volta Seca diz ter apelado para Irmã Dulce, que teria intercedido por ele junto às autoridades, conforme narrou em entrevista ao Diário da Noite, do Rio de Janeiro.

“Há uma figura nobre que tem olhado esse meu caso. É a Irmã Dulce, freira do Círculo dos Operários. É a santa criatura que constantemente intercede por nós aqui na penitenciária. Prometem a ela, mas nada cumprem. O senhor vê que nem a figura dos santos consegue ajeitar a boa vontade dos homens”, disse.

 Irmã Dulce continuaria sua rotina missionária nos presídios até 1954, quando foi proibida de frequentar a penitenciária da Coreia. O episódio foi registrado pelo jornal “A Tarde”, que criticou a decisão.

“Não seriam por demais fortes os quadros de horror ali desenrolados para que pudessem ser vistos pela jovem e estimada sóror baiana, já acostumada com eles em suas caminhadas dias e noites pelos locais mais desoladores da capital? A razão na proibição não se conhece, mas parece incrível que se prive os presos do conforto da caridade”.

Cinco anos depois, a freira fundaria as Obras Sociais Irmã Dulce, projeto ao qual se dedicou até morrer em 1992.

Já Volta Seca, que morreu em 1997, casou-se, teve filhos, enfrentou dificuldades para conseguir trabalho até conquistar um emprego na estrada de ferro Leopoldina, em Minas Gerais. Deu inúmeras entrevistas sobre sua vida e até atuou como crítico do filme “O Cangaceiro”, de Lima Barreto.

Em seus 20 anos na cadeia, conseguiu juntar oito contos de réis trabalhando na prisão. Ao ser solto, conta o escritor Oleone Coelho Fontes no livro “Lampião na Bahia”, Volta Seca recolheu o dinheiro e fez tal qual faria Irmã Dulce: doou tudo aos pobres.


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VOLTA SECA O MAIS JOVEM E O MAIS TEMIDO CANGACEIRO


Por Milton Parron

Antonio dos Santos vulgo Volta Seca, sergipano de Itabaiana, ingressou no bando de Lampeão quase menino para escapar às surras diárias que sua madrasta lhe aplicava. Pode se dizer que pulou da frigideira e caiu no braseiro porque começou a ser surrado por Lampeão e pelos demais por causa de suas peraltices, próprias da idade. Suas funções se limitavam a dar banho nos cavalos, lavar louça e roupa suja e também espionar nas cidades se havia muitos policiais em ronda. Tanto apanhou que acabou se tornando um dos cangaceiros mais violentos de todo o bando. Astuto, corajoso e agressivo, em contraste com uma grande sensibilidade artística. Apesar de semi alfabetizado, escrevia com grande facilidade versos e também compunha músicas que o bando inteiro conhecia e entoava com entusiasmo quando estava acampado em alguma fazenda sob proteção do próprio dono. Ouçam, clicando abaixo, Volta Seca cantando dele próprio uma das músicas que os cangaceiros mais gostavam, chamada Acorda Maria Bonita:

Volta Seca foi preso 3 vezes, tendo fugido nas duas primeiras. Foi sentenciado a 145 anos, mais tarde a pena foi reduzida para 30 e finalmente para 20, não a tendo cumprido integralmente porque o presidente Getúlio Vargas lhe concedeu o perdão, em 1954. O cangaceiro Volta Seca morreu em 1997 em Leopoldina, Minas Gerais, onde estava morando. Ele é um dos personagens do programa Memória onde está sendo apresentada uma série especial sobre o cangaço no Brasil. Memória vai ao ar pela rádio Bandeirantes em 840 AM, e em FM 90,9, aos sábados às 23hs00 com reprise aos domingos às 05hs00.

Milton Parron

Milton Parron começou a carreira em 1960 e testemunhou os grandes acontecimentos policiais, esportivos, políticos e culturais em São Paulo e no Brasil. É um dos maiores repórteres da história do rádio brasileiro.


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RAPTADA PELO BANDO DE LAMPIÃO, MULHER DE 96 ANOS PASSOU JUVENTUDE NO CANGAÇO

Por Estadão Conteúdo
Dulce Menezes dos Santos é a última sobrevivente do grupo de Lampião

É o trauma de uma violência sofrida há mais de oito décadas por uma mulher que torna bem vivo o tempo do cangaço numa pequena casa do Jardim Márcia, na periferia de Campinas (SP). Na cidade muito longe do sertão - pelo menos na geografia - mora Dulce Menezes dos Santos, de 96 anos, violentada na adolescência por um integrante do grupo de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, arrancada da família e levada para a vida nômade na caatinga.

O começo de tarde paulista é frio para a senhora de corpo franzino e cabelos compridos, que acordou da rápida sesta. Ela chega à sala para a conversa com a equipe de reportagem. Antes mesmo de sentar no sofá, comenta: "O sonho da gente não esquenta mais, não". O lamento vem junto com um leve sorriso. A filha caçula, Martha, diz: "Tá faltando carne entre esses ossinhos, mãe".

Dulce se ajeita no sofá, com ajuda da filha. Martha conta que a mãe sempre evitou visitas e não esconde incômodo com janelas e portas abertas - por onde entram o frio e também a violência. Antes de toda pergunta, solta uma frase que repetirá a cada resposta dada e a cada interrupção na longa conversa. "Infelizmente aconteceu isso contra minha vontade. Não fui porque quis ir."

Era filha de trabalhadores de uma fazenda de algodão em Porto da Folha, Sergipe. Tinha quatro anos quando um besouro mordeu a mãe, Maria, que não resistiu. O pai, Mané João, dizem, morreu de saudade seis anos depois. A menina foi morar com a irmã Mocinha, em Piranhas, Alagoas, depois na fazenda de outra irmã, Julia, e do marido dela, João Felix.

O lugar servia de rancho de cangaceiros que adentravam o sertão. Ela estranhou os homens de roupas de tecido grosso, cor de folha seca, cintos pregados de moedas, chapéus de couro de aba para trás e com estrelas bordadas e bornais floridos. E bem armados. Um dos que frequentavam a fazenda era o cangaceiro João Alves da Silva, o Criança. Ao ver aquela menina num canto, acabrunhada, negociou a compra dela com João Felix por um bornal de joias.

Criança avisou a João Felix que levaria Dulce numa festa que seria organizada pelo amigo cangaceiro Zé Sereno, numa fazenda vizinha. João Felix levou a mulher, Julia, e a cunhada. Criança não esperou para se aproximar da menina, que estava na casa da fazenda. Dulce já se assustou quando o cangaceiro entrou. "Tu vai ali comigo, Dulce."

Ele a puxou pelo braço, arrastando para fora. "Cala a boca, se não te sangro agorinha mesmo." Do lado de fora, a jogou no chão. Entre pedregulhos e espinhos, Dulce foi violentada e os convidados assistiram em silêncio. O cangaceiro passou a noite vigiando a "mercadoria". A música continuava e o som da sanfona e do triângulo sufocava os soluços de Dulce. Arrependido, João Felix temia que Criança, ao fim da festa, levasse Dulce embora. "Num vou desperdiçar bala em tu não, homem", disse o cangaceiro, com desprezo, segundo Dulce. "Esse cara me carregou."

Beira do rio

Naquele tempo, Dulce flertava com Pedro Vaqueiro, garoto de Piranhas. Eles brincavam na beira do São Francisco. "Eu era novinha, de 13 para 14 anos, uma criança", lembra. A violência vai e volta no relato de Dulce. "Fui a pulso, arrastada, se não morria. O apelido dele era Criança (o nome do agressor sai mais forte na voz dela). Deus queria que eu estivesse aqui agora, conversando com vocês", conta. "Com parabellum (pistola) na mão. E com medo de morrer, acompanhei."

A notícia do rapto chegou a Piranhas. Pedro Vaqueiro se desesperou. Dizem que ficou desnorteado, sem rumo. Saiu de casa, desapareceu, relata Martha. A história daqueles dias está num livro escrito pelo professor baiano Sebastião Pereira Ruas, que foi casado com Martha. Dulce, a boneca cangaceira de Deus foi escrito na forma de novela típica dos velhos contadores. O texto simples traz luz ao debate sobre a violência contra a mulher no cangaço. A venda é para ajudar Dulce.

Massacre

Em 27 de julho de 1938, Dulce estava num acampamento na Grota do Angico, Sergipe. Ali, Lampião reuniu diversos subgrupos que agiam sob seu controle na caatinga, em roubos, saques, achaques e agiotagens. Foi quando Dulce, adolescente, esteve mais perto de Maria Gomes de Oliveira, de 27 anos, a mulher de Lampião, que ficou conhecida por Maria Bonita. "Era boa pessoa a Maria. Ficamos poucos dias juntas. Lampião tinha uma turma, Criança tinha outra, Balão tinha outra. Se vivesse tudo junto, a polícia descobria pelo rastro. Agora, nesse dia estava todo mundo junto. Tinha de acontecer, graças a Deus."

À noite, Maria chamou Sila e Dulce para conversar. Na conversa, elas viram, na caatinga escura, uma luzinha amarela, que piscava longe. Chegaram a pensar que era vaga-lume. Foram dormir sem falar para os homens sobre a luminosidade.

Bando de Criança. Ao centro a Dulce Menezes

Pela manhã, Dulce levantou com os gritos de Criança. Uma volante - grupos de policiais formados para combater cangaceiros - tinha cercado o grupo. Em meio a tiros, ela ouviu a voz de Maria Bonita, baleada, diante do corpo de Lampião. Dulce, Sila e Enedina correram. Um tiro de fuzil acertou a cabeça de Enedina, miolos respingaram em Dulce, que conseguiu escapar juntamente com Criança e outros 21 cangaceiros.

Cabeças dos cangaceiros mortos em Angico-SE.

"No combate em que mataram Lampião e Maria Bonita, eu estava. Nenhuma bala pegou em mim. Morreu um bocado. Já esqueci quantos morreram", conta - 11 cangaceiros e um soldado morreram. "Era tiro demais. Gente caindo, entrando pelas pernas, passando em cima de cabeças. Escapou quem tinha de escapar, porque nunca vi tanto tiro na vida, meu filho." A notícia da emboscada chegou rápido a Piranhas. Parentes de Dulce foram ver se a cabeça da menina estava em exposição na escadaria da prefeitura.

Escritor João de Sousa Lima

O historiador João de Sousa Lima, de Paulo Afonso, na Bahia, desenvolve um trabalho para localizar sobreviventes do cangaço, em especial mulheres. Os relatos delas mostram que a história de crueldade do bando de Lampião ou das volantes encobriu a da violência contra mulheres do grupo. Uma semana antes do massacre de Angicos, Cristina foi assassinada por querer trocar de companheiro. Também foram mortas de forma trágica pelo próprio grupo Lídia, Lili e Rosinha.

2º esposo da ex-cangaceira dona Dulce Menezes o João Anastácio Filho - Foto que me foi gentilmente enviada pela filha da Dilce Menezes Martha Menezes.

Mulher de prefeito

Embrenhado na caatinga, o grupo sobrevivente de Angico decidiu se entregar à polícia. "Aí acabou", diz Dulce. O ditador Getúlio Vargas concedeu anistia aos cangaceiros. Criança e Dulce, nesse tempo, tiveram dois filhos. Foram trabalhar na fazenda de João Anastácio Filho, o Jacó, na região de Jordânia, Vale do Jequitinhonha, em Minas.

O livro destaca que Jacó era influente. Casado, decidiu se aproximar de Dulce. Pôs Criança para atuar como tropeiro e, assim, começou a afastá-lo da fazenda. Depois de uma longa viagem, Criança foi alertado por companheiros que era melhor ir embora. Ele levou os dois filhos. Do casamento com Jacó, Dulce teve outros 18 filhos. Anos depois, ele foi eleito prefeito de Jordânia, hoje com 10 mil habitantes. "Foi o tempo que fui feliz. Por enquanto estou aqui, até a hora que Deus me levar. Graças a Deus nunca maltratei ninguém", diz. "Agora essa turma do Lampião, meu Deus do céu, quando queria pegar mulher, se não fosse, eles matavam."

Dona Dulce Menezes e seu João Anastácio Filho

Com a morte de Jacó Dulce foi morar com a filha Martha em Campinas. A cidade grande também seria de privações. Viu filho e netos serem assassinados. Ela volta a falar do sertão e do cangaço. "Acabou. O Norte está sossegado, não está?"

Serviço:

DULCE, A BONECA CANGACEIRA DE DEUS
Autor: Sebastião Pereira Ruas
Editora: Lexia, 227 páginas
Preço: R$ 45
O livro é vendido por Martha Menezes pelo telefone 019-988726588.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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