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domingo, 16 de fevereiro de 2025

COMIDA DE COMER COM A MÃO - CLIPE

 Por Netinho Albuquerque

https://www.youtube.com/watch?v=Ol_DhnX8fRM

Clipe da música "Comida de comer com a mão" (...) gravado por André da Mata em seu primeiro CD. Todo terceiro domingo as 14:00 acontece no Quilombo do Grotão (Engenho do mato) em Niterói o projeto Saudação aos tambores com André da Mata e Mingo Silva. Salve o Samba.

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SEU GALDINO CONTA A SEU LEODORO GUSMÃO, QUE QUEM FEZ LAMPIÃO CORRER DE MOSSORÓ, FOI ELE.

  Por José Mendes Pereira


"Não precisa ler. É apenas uma brincadeirinha que escrevi com o meu personagem chamado seu Galdino. É somente como arquivo no nosso blog. Se eu deixar por aí, depois não o encontrarei, e não tem nenhum valor para a literatura lampiônica."

Não adianta duvidar do seu Galdino. Só porque ele conversa um pouquinho a mais? E assim faz com que algumas pessoas não acreditem nele.


Lá na vazante, seu Galdino e seu Leodoro faziam um plantio de milho, feijão..., e entre uma carreira e outra, plantavam Gergelim.


Seu Leodoro não tinha ambição nenhuma pelo o plantio de gergelim. Dizia ele que era muito trabalhoso, desde o plantio até a colheita, mas não contrariava o interesse do seu  compadre. E querendo saber o motivo dele tanto gostar do plantio do gergelim, fez-lhe a seguinte pergunta:

- Compadre Galdino, desde que nasceram as nossas amizades vejo seu interesse pelo o plantio de gergelim. Por que o senhor sempre gostou de plantar gergelim?

- O meu interesse pelo plantio de gergelim compadre Leodoro, é porque, certa vez, consultei um médico ortomolecular que trabalhava com envelhecimento saudável, bem-estar e estética. Ele me reforçou que se deve comer bastante gergelim, porque oferece uma série de benefícios, como por exemplos: Importante para a saúde intestinal; controla bem o colesterol; faz diminuir peso; tem vitaminas que é importante para a saúde dos nossos ossos, olhos e fígado; faz diminuir o açúcar no sangue, e além disso, o médico me garantiu que é uma excelente fonte de proteínas. O gergelim compadre Leodoro, segundo o médico, combinado a uma alimentação saudável, é um grande aliado para quem quer manter a forma com refeições saborosas e que realmente saciam.

- Sim senhor, compadre! – Fez seu Leodoro Gusmão. Muito obrigado pela sua explicação sobre o valor medicinal que tem o gergelim. É por isso que o senhor tem desejo do plantio deste legume. E eu acho que no próximo ano também estarei fazendo plantio de gergelim.

Já eram mais de 9:00 do dia, e no gigantesco infinito, o sol começava liberar fios solares mais quentes. E de pressa, os dois resolveram fazer lanches sob uma antiga quixabeira, possivelmente milenar, e ali, enquanto comiam, falaram sobre o que estava acontecendo sobre possível envolvimento de pessoas fugidas de outros Estados, alojaram-se aqui, e usavam desonestidades nas fazendas e em pequenos municípios.

- O que está acontecendo aqui em Mossoró compadre Galdino, até nos faz lembrar os velhos tempos de Virgolino Ferreira da Silva o bandoleiro Lampião.

E assim que seu Leodoro usou o nome “Lampião” seu Galdino de um pinote só, levantou-se do lugar em que estava sentado, e resolveu falar sobre a tentativa de ataque de Lampião e seu bando na maior cidade do Rio Grande do Norte - Mossoró, na tarde do dia 13 de junho de 1927. Iniciou dizendo:

- Compadre Leodoro, eu até hoje sinto desgosto por ter sido excluído da história que organizaram sobre a tentativa de assalto à Mossoró, feita pelo capitão Lampião e seu honrado grupo.


- Oxente, compadre Galdino! Tenho lhe acompanhado de muitos anos, mas eu não sabia que o senhor entende um pouco da história de Mossoró sobre o falado capitão Lampião.

- E eu não te contei ainda não, compadre Leodoro?

- Não senhor! Até hoje não ouvi nada sobre Lampião contada pelo compadre.

- Eu não só entendo, como também fui o responsável pela fugida de Lampião com o seu bando daqui...

- Verdade, compadre Galdino? – Fez seu Leodoro em tom de admiração.

- Coompaadree Leeoodooro, quantas vezes o senhor já me viu contando mentiras?!

- Nunca, compadre! Nunca! – Confirmou seu Leodoro, mesmo contra a sua vontade. Mas até hoje o senhor nunca me falou nada sobre Lampião. Sobre onças já me falou muitas vezes, mas a fugida do capitão Lampião de Mossoró...

- Pois bem compadre - atalhou seu Galdino - eu vou contar ao senhor minunciosamente. Quando o coronel Rodolfo Fernandes soube que Lampião estava caminhando em direção à cidade de Mossoró, ele que era prefeito, iniciou uma espécie de alistamento para quem quisesse combater o cangaceiro e seu grupo. Eu que sempre fui corajoso, nunca temi a nada, isto o senhor sabe muito bem...

- Verdade, compadre! Isto eu sei bastante, que o senhor é homem corajoso mesmo! Homem que tem coragem de lutar com onça compadre, imagino...!


- E então, eu ainda era muito jovem, mas com um bom porte físico. Fui tentar entrar nessa lista para combater o cangaceiro com os seus comandados. Mas ao chegar à casa do prefeito, bem lá na Avenida Alberto Maranhão, no centro da cidade de Mossoró, um dos seus empregados me encaminhou até à sua presença, que naquele momento, ele se encontrava em reunião com um amigo lá nos fundos da sua casa. Mas tive o desprazer de ouvir dele a palavra, não. Perguntei o motivo de não me aceitar na lista da empreitada. Ele me falou que eu era ainda muito jovem, adolescente sem experiência na vida para enfrentar bandoleiros...

- E o prefeito disse isso na sua cara, compadre Galdino?

- Sim senhor! Disse. Mas eu não insisti mais. Fiquei calado, e de lá, saí meio triste. E quando foi no dia 13 de junho de 1927, Lampião entrou na cidade com gosto de gás, e desejo de levar tudo que ele achava que tinha direito. Nesse tempo, eu morava sob os olhares dos meus pais. Já bem próxima da sua entrada na cidade, eu me arrumei e fui tentar ver se conseguia falar com ele.

- Ele quem, compadre Galdino? - Interrogou seu Leodoro.

- Falar com o capitão Lampião, compadre Leodoro! Parece que o senhor não está acompanhando o meu raciocínio?

- Estou, compadre Galdino! – Disse seu Leodoro tentando não o contrariar.

- Mais ou menos 4;00 horas da tarde, o tiroteio começou. Os resistentes atiravam e os bandidos respondiam. Haviam homens instalados por todos os lugares. Nas torres das 3 maiores igrejas: Matriz de Santa Luzia, Na Coração de Jesus e na Igreja de São Vicente. Também tinham defensores no Mercado Central, na Empresa Companhia de Luz, No Ginásio Diocesano, na sede dos Correios e Telégrafos, na Estação ferroviária, no Grande Hotel, na casa do prefeito Rodolfo Fernandes e outros locais.

- Mossoró estava muito bem preparada concorda comigo, compadre Galdino?

- E como concordo, compadre! Pois bem, Lampião tinha ajuda de alguns bandidos que conheciam muito bem a região do nosso Estado. Um destes bandidos era um tal de Cecílio Batista o Trovão, que em anos remotos havia  morado em Assu, no Rio Grande do Norte, e fora preso por malandragens e desordens. O José Cesário o Coqueiro, mais um outro bandido de nome Júlio Porto. Estes dois últimos, haviam trabalhado em Mossoró como motorista da empresa Algodoeira Alfredo Fernandes, e outros mais. Esta empresa era uma que muito fez Mossoró crescer, dando empregos aos mossoroenses. No início do tiroteio, as balas voavam pelas ruas da cidade. Tanto saíam das armas dos cangaceiros como das armas dos combatentes. A cidade estava em pânico, mas quase sem ninguém, porque a maior parte da população tinha sido advertida para deixar a cidade o quanto antes possível. Nesse tempo, meus pais e eu, morávamos nos alagadiços, hoje bairro Pereiros, não tão distante do combate. E eu saí devagarinho de casa sem comunicar aos meus pais, que o meu intuito era ver se conseguia falar com o capitão Lampião, para pedir a ele para desistir da empreitada. E assim fiz. Fui me aproximando, sempre me escondendo, e lá mais adiante,  fui me defendendo dos estilhaços de balas, tentando me contactar com Lampião. Ao longe,  em uma rua bem no centro, por trás da igreja do São Vicente avistei um homem magro, alto, que usava óculos..., e percebi que só poderia ser ele, porque eu já havia visto a sua foto no jornal "O Mossoroense". Eu levava aquele meu facão que é do seu conhecimento compadre Leodoro, até hoje ainda o uso quando caço onças nos tabuleiros... 


Olhando ao meu lado direito, vi uma moita muito bonita, bem enramadinha e arredondada. Cortei-a, coloquei-a sobre mim, isto é, me escondi dentro dela, e fui andando bem abaixadinho. E fui me aproximando do suposto Lampião, suposto, porque eu não tinha certeza que era ele.  E na verdade, era o capitão Lampião.

- O senhor estava dentro da moita, compadre Galdino?

- Sim senhor..., e bem escondidinho. Eu pensei sair logo de dentro dela, mas esperei uma oportunidade...

- Tinha cangaceiros por perto?

- Vi alguns deles com armas em punhos e atirando...

- E o senhor ficou com medo quando os viu?

- De forma alguma, compadre! Eu não sou homem de ter medo de nada..., e quando eu estava bem pertinho dele, de dentro da moita eu disse: 
Capitão Lampião!!! Aí Ele teve medo tão danado, que em gritos, exclamou fortemente, dizendo:

- "Valha-me meu Padim, Padim Ciço, servo de Deus!!" Nunca tinha visto uma moita falar!


- E lá, ficou rodeando a moita com o seu mosquetão em punho e o dedo no gatilho. E eu fui saindo. E ao me ver, quis logo me sangrar com um punhal. Mas eu disse que estava ali à sua presença, somente para dizer que desistisse do ataque, a cidade estava muito bem preparada, com mais de 800 combatentes. Eu aumentei o total de combatentes compadre Leodoro, só para ele desistir e não mexer com a minha cidade.

- E ele, o que fez?

- O que o capitão Lampião fez, foi ir embora. Colocou um apito na boca, ficou chamando os seus cangaceiros para se mandarem de Mossoró. Com pouco tempo, o local em que nós estávamos, ficou coalhado de facínoras. Exceto o Colchete que ficara 
em frente à casa do prefeito estirado ao chão, já pronto para se fazer o enterro. 

O cangaceiro Jararaca

Um de nome Jararaca, que saiu baleado, com a sua ambição, foi desequipar Colchete, o companheiro morto, e uma bala o atingiu. Um dos combatentes acertou bem de cheio o seu peito, e ele se mandou, tendo sido capturado no dia seguinte, e dias depois, foi executado dentro do Cemitério São Sebastião.

Observem que por trás do túmulo do Jararaca, tem uma outra, que é o túmulo do cangaceiro Asa Branca, que faleceu naturalmente em Mossoró, aos 81 anos. - https://www.threads.net/@arte_tumular_br/post/C_9PtqSAiJr/t%C3%BAmulo-de-jararaca-cangaceiro-que-pertenceu-ao-bando-de-lampi%C3%A3o-localizado-em-mo?hl=es

- Já vi, compadre Galdino, que o senhor tem coragem até para lutar com  dragão..., enfrentou até o capitão Lampião que não temia ninguém...

- E eu brinco, compadre! Eu não nasci de 7 meses, não senhor...!

E assim que terminaram este bate papo cada um foi para sua casa. Seu Leodoro nem imaginava acreditar esta conversa contada pelo seu compadre. Mas o que era de fazer?

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A MORTE DO PAI E DA MÃE DE LAMPIÃO

 Por Raul Meneleu

Bico de pena de Lauro Villares com retratos da época

Não querendo faltar com o respeito aos direitos autorais do Padre Maciel, mas solicitando todas as desculpas, transcrevo uma parte da vida e morte desse homem que passei a admirar, que foi José Ferreira e desta mulher que seguiu seu amado esposo, Dona Maria Lopes, em cuidados com seus filhos, e suportarem tantas injustiças, somente e grandiosamente, para proteção deles.

Também fica registrado aqui nesse blog sem pretensão, a não ser no interesse em mostrar as perseguições sofridas por esta duas almas (que Deus as tenha), fatos acontecidos e testemunhados por pessoas que o autor entrevistou.

Quando li esses dois relatos escrito por esse autor, que pesquisou por 30 anos e somente por insistência de amigos, produziu essa preciosa obra, dividida em 6 livros, atinei em registar e incentivar os amigos a lerem essa obra.

Faço isso para aqueles que não tiveram a oportunidade que estou tendo em conhecer a história desde o princípio da saga guerreira de lampião e de seus irmão, Livino, Antônio e depois Ezequiel (quando se deu a morte da mãe e do pai, ele era menininho), que o acompanharam nessa aventura.

Fica também registrado o meu repúdio, aos perseguidores e destruidores de uma família humilde do sertão nordestino. 

Vamos à história, pelas mesmas letras, do livro 'LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU REINADO' de Frederico Bezerra Maciel.

MORTE DE D. MARIA LOPES

21 de maio de 1920.

Ainda escuro, entre o primeiro e segundo canto dos galos, reuniu José Ferreira a família e seus haveres — tão pouco: uma pequena trouxa para cada um! — e partiu, de mudança pela terceira vez* — “os Proscritos!”  Conduzia sua esposa enrolada em desgastado cobertor, de algodão e montada no velho e serviçal Condave. Os seis filhos atrás, olhos arregalados de pavor a que já estavam afeitos, pés no chão para não acabar com as apragatas muito gastas e remendadas, tiritando de frio apesar do exercício do caminhar.

No arrasto da vida e do destino escuros, quiném aquela noite impenetrável, arrastava José Ferreira a família e a miséria. Seguia ele na frente, trôpego, puxando o animal; na outra mão, levantada para alumiar o caminho, o butirão aceso, feito de garrafa de meio litro, com gás e grossa torcida de molambo fumacento.

Caminhava devagar como vagaroso era o seu maginar e raciocinar diante da prepotência do destino nos enigmas das ditriminações divinas. Já perto de chegar, voltou-se, consolador, para sua esposa e disse com resignação e fé:

 — "Maria, é preciso aceitar a vontade de Deus!"

Ela, desde a chegada, continuava sempre amurrinhada. Não se sabe se do cansaço da viagem, embora curta, ou porque sorrateiramente se aproximava a sua hora derradeira. O certo é que, não fossem as tramas ocultas dos perversos, atiçando perseguições e injustiças, não estaria ela assim desacabando a saúde e a vida.

* A primeira mudança da fazenda Ingazeira (Vila- Bela) para a fazenda Poço Negro (Floresta), a quatro léguas de distância; — a segunda, do Poço do Negro para a fazenda Olho d'Agua de Fora (Água Branca, Alagoas), vinte e duas léguas; — a terceira, de Olho d'Água dê Fora para a fazenda Engenho (Mata Grande, Alagoas), quatro léguas; — total: trinta léguas ou sejam cento e oitenta quilómetros! Perseguiram assim José Ferreira ponto por ponto até matá-lo! Dal em diante a família Ferreira não teria mais descanso, tornar-se-ia como Ahasvero, o judeu errante. A perseguição em cima, sem parar. Que se perseguissem os três — Virgulino, Antônio e Livino — que se lançaram no cangaço, compreende-se. Mas a familia que nada tinha a ver com isso? Perseguição inominável! A familia vagueou por Águas Belas, Bom Conselho, Juazeiro do Padre Cícero, Picos no Piauí E com Eurico de Sousa Leão caiu na diáspora!

Não se adornava a natureza sua a uma vida assim acuada por toda parte. Sentia-se desinfeliz, sem poder viver. Inda bem ali não chegara e já as perseguições recomeçaram. Não tinha vindo para ali fugida delas? E ei-las de novo! Sempre injustas, e agora grumitadas pela autoridade. Foi mesmo muito pior ter vindo para Alagoas. O arreliado e vendido comissário de Matinha de Água Branca, o famigerado Amarílio, querendo desarmar seus filhos dela para desmoralizar, corregendo as casas e desassossegando as famílias, prendendo sem motivo e torturando um inocente, botando emboscada, atacando à bala, doido para ganhar mais dinheiro matando... Nessas aflições todas, teve durante o dia dois passamentos. Botaram-lhe até vela na mão, maldando estivesse nas últimas e não resistisse mais.

José Ferreira também agoniado, com as mãos apertando a cabeça e sem encontrar canto para aquietar o juízo, exclamava: "Não! Não é possível viver aqui! Não passo mais um dia nessa terra. Vou falar com o delegado de Mata Grande, que é meu amigo, para poder ficar por lá". Diante da melhora, súbita e surpreendente, da esposa, andando embora devagarinho e pegada, comendo e conversando alegre — não sabia ninguém que era a "visita da saúde" precedendo a morte! — resolveu José Ferreira, de madrugada, selar dois burros e com seu filho João ir logo à Mata Grande trazer remédios e falar com o delegado, seu amigo. Os três filhos mais velhos, tendo espalhado antes que iriam ao brejo de Triunfo, na verdade continuavam ocultos no mato por causa da policia.

Aproveitando a manhã, alegre e de esperança, daquele dia 22 de maio de 1920, conduziram as filhas a mãe para fora, no terreiro de frente da casa, a modo de ela despairecer, tomar um arzinho e uns esquentes do sol brando. Ficou ela sentada numa cadeira, distraindo-se feliz com Ezequiel e Anália, os dois caçulinhas, a brincarem de pega no terreiro. Não demorou muito tempo, deu-lhe nela inexplicável cansaço seguido de sonolência. As três filhas, cada qual com um pote de barro na cabeça, tinham ido vexadas ver água na cacimba. Naquele momento instante, voltando, notaram que sua mãe, de repente, pendia a cabeça de lado e virava os olhos para cima, enquanto o queixo afrouxava entreabrindo a boca.

Compreenderam a evidência do desenlace...

Num sufragante, Virtuosa segurou a mãe pelas costas, levantando-a um pouco para Angélica retirar a cadeira. Ali mesmo foi ela deitada, a cabeça no colo de Virtuosa que se Sentara no chão. Posição essa mais favorável para ajudar a doente a desafogar o peito e a respiração, fazendo passar a agonia. Pela terceira vez — não sabendo que era a derradeira, Mocinha vigiou a vela benta e lhe colocou acesa na mão.

Ezequiel e Anália agarraram-se ao regaço da mãe, chorando e chamando:

— "Mamãe! Querida mamãe!"

Talvez para sua consolação, nesse instante derradeiro, tenha ela ouvido dos lábios infantis de seus caçulas essa doce palavra que traduzia inteiramente tudo o que ela fora na vida — mãe!

O semblante sereno, o olhar fugindo para a eternidade, tendo diante de si a imagem do Senhor Crucificado apresentado por Angélica, que a custo repetia entre soluços:

— "Meu Jesus, misericórdia”, entregou sua alma ao Criador.

— "Sem o mínimo estremeço o modo de um passarim!"

Mocinha apagou a vela. Soprava uma aragem macia e refrescante aliviando aquelas almas transidas de dor... Uma poeira de luz emoldurava aquele quadro de tragédia em terra estranha e de exílio... Lá para o meio-dia chegaram José Ferreira e João, simultaneamente com os três chamados de seus esconderijos. Encontraram a morta deitada numa cama de vento, amortalhada, com os lábios sorrindo para a morte, de vez que há muito deixara de sorrir para a vida!... Na dor e na lágrima lamentaram todos a desdita. Os três filhos perseguidos, às pressas colheram cravos amarelos e bugaris, enfeitaram o leito da mãe defunta e se esconderam de novo. Não podiam ficar velando.

Somente à noite, assim mesmo cismados e precavidos, voltariam para o velório. A família e vizinhos entre lágrimas e soluços de todos, inteiraram a noite fazendo a sentinela com os cânticos lúgubres das incelenças e o ofício das almas.

No dia seguinte domingo, pela manhã, conduzida numa rede pelos filhos, que se revezavam, foi feito o enterro, estrada a fora rezando, e sepultada numa cova do cemitério do povoado de Santa Cruz do Deserto*, após lhe terem o esposo e filhos beijado o rosto frio. Três coroas, lembranças do esposo, dos filhos e dos parentes, além de muitos buquês levados pelos acompanhantes, floriam a sepultura, que mais parecia um canteiro de festa, e de vida.**

* Povoado de Santa Cruz do Deserto no município de Mata Grande (cfr. cap. 24).

** Enviado, cor urgência, de Engenho para Vila Bela, um pombeiro, a fim de avisar aos Ferreiras das ribeiras do Pajeú e do São Domingos esta morte. Dona Mariquinha Ferreira, filha do Cândido Ferreira e prima de Virgulino, ao receber a dolorosa notícia — e ela bem se recorda que ainda na penúltima semana de maio de 1920 — exclamou, os olhos rasos de lágrimas: — "Tá! Maria Lopes morreu..." E ela mesma afirma que José Ferreira foi morto trinta e oito dias depois.

MORTE DE JOSÉ FERREIRA (29 de junho de 1920)

Penúria...

O pobre do José Ferreira, com tanta coisa amarga e trágica sem trégua se sucedendo, ficou desatinado, abatido, sem gosto pra nada na vida, curtindo os penares da dor e da saudade e os sobressaltos de uma desgraça ameaçadora e iminente. Chamou os três filhos que continuavam ocultos, e lhes disse: — "Vocês aqui não podem mais ficar. Vão para Pernambuco que depois eu tomo o mesmo caminho". Não podia, de súbito, se afastar de perto da sepultura da finada esposa. Seguiram os três filhos para Espírito Santo do Moxotó, onde ficaram; trabalhando na propriedade de seu Terto. José Ferreira vendeu os dois burros para comprar roupa de luto para todos de casa.

A diligência do diabo...

Cartas do delegado de Água Branca — comprado por Zé Saturnino — ao Chefe de Polícia de Alagoas, carregando em cores os assucedidos mais recentes: a revolta dos Porcinos; a invasão de "perigosos bandidos" vindos de Pernambuco, onde cometeram "muitos crimes"; o caso do soldado Jagunço em Mata Grande; a desfeita à polícia em Água Branca quando ela, "com bons modos", procurou desarmar aqueles "criminosos bandidos", os quais ao depois desfeitearam o comissário de Paricônia;. um "bandido, ainda jovem, comprando armas"; "a ameaça e o terror ganhando as populações"... Alarmado diante de tudo isso, resolveu o Governo cortar pela raiz todos esses males. Para tal, determinou ao delegado de Viçosa, 2° Tenente José Lucena, famoso por excessos de severidade, fazer uma diligência por aquelas bandas conflitadas. Ao chegar em Água Branca, foi Lucena inteirado de tudo o que ocorrera. Inclusive por carta de Zé Saturnino tivera conhecimento do nome dos "três perigosos bandidos e criminosos": os irmãos Virgulino, Antônio e Livino, além de Antônio Matilde, que, armados, haviam descido do Navio para aquele município alagoano. De primeiro, dirigiu-se Lucena à fazenda Chupete, para perguntar ao Capitão Sinhô pelos irmãos Ferreiras. — "Despachei eles para o Coronel José Abílio, de Bom Conselho; não costumo ter bandido comigo" — descartou-se o capitão. Carecia não se inocentar. Lucena não ofendia coronel e protegido da política de cima. Mas somente cabra solto, isolado ou de grupo. Seguiu, então, Lucena, na pista deles, em direção de Santa Cruz do Deserto.

* Da fazenda Chupete seguiu Lucena no sucaro dos Ferreiras guiado por Zé Batista Quirino e outros mais da mesma família. Zé Batista sabia exatamente paro onde se havia mudado o velho José Ferreira. Tinham os Quirinos transações com os Ferreiras em razão do carguejamento de mercadorias. A aproximação dos Ferreiras com os Marcos, inimigos dos Quirinos, levou estes à denúncia de traição. Além de seus soldados, compunham a tropa de Lucena alguns cachimbos, juntamente com Amarílio e os Quirinos.

O assassínio...

Na casa de José Ferreira, só tristeza. Tinha ele ido ao cemitério e não compreendia por que desta vez chorara muito mais do que das outras. Revelara aos filhos o que dissera à falecida, já na cova enterrada, que não havia mais sentido para ele continuar a viver. Queria ir pra de junto dela. Repassou, de minúcia e fagueiro, os bons tempos de antanho, de paz e ternura. Recordou particularmente a última festa; do Senhor São João, há dois anos atrás, em que a finada, tão bonita e saudável, tão vistosa e alegre, dançara com ele... Hoje, era ele mais morto do que ela morta! No dia seguinte, 29 de junho, terça-feira, precisamente 38 dias depois da morte de D. Maria Lopes, de manhãzinha, o tempo chuviscoso, ele com mais João e as três meninas fora adjutorar, como alugados, os trabalhos de um roçado vizinho, a modo de trazer para casa alguma coisa de ganho para o de-comer carecente. Voltara logo para casa José Ferreira, cansado e escanchado em Condave, trazendo dependurados, de cada lado das ancas do velho burro, dois sacos contendo quatro mãos de milho plantado em São José e colhido agora para o São João.*

* A mão de milho em Alagoas: 25 espigas não debulhadas; em Pernambuco: 50.

Ao chegar no terreiro de frente da casa, bem perto do lugar em que a esposa falecera, apeiou-se. Correram pressurosos e choramingando de fome os dois menores e lhe tomaram a bênção. Abraçou-os o pai, afetuosa e longamente, acarinhando e beijando. Em seguida tirou os sacos e derramou as espigas num balaio. De cócoras, apanhava as espigas, tirava a palha, que avoava para Condave comer. Debulhava o milho numa gamela para depois fazer xerém no pilão, facilitando assim o trabalho das meninas que, ao regressarem, era só preparar o angu. O qual dessa vez não seria comido puro. Tinha ele comprado um bom taco de carne de bode e um litro de farinha. O "café" (almoço) seria sustancioso.

Estava José Ferreira dessa maneira entretido quando, escornetando a concha da mão na orelha, ouviu um tropel. Com mais, estava sua casa cercada de soldados. A uma distância de três braças gritou Lucena para o velho José Ferreira: — "Cadê os seus três filhos bandidos?" Ferido em seus brios e honra, José Ferreira retrucou, com todo o desassombro e altivez, alto, firme e pausadamente: — "Não, sinhô! Bandidos, não! Meus filhos não são bandidos. Querem forçar eles a ser. Mas eles são é home!..." — "É assim que responde a um oficial, velho malcriado, cachorro da mulesta" revidou furioso Lucena.

E, sem mais, descarregou ele próprio a pistola no peito daquele pobre velho, pacifico e indefeso, que caiu, por estranha coincidência, ali, no mesmo chão onde falecera sua esposa. Na queda, de chofre e de bruços, por cima do balaio, o corpo esparramado, o braço direito estirado segurando na mão um cabucé, torceu o rosto de lado e balbuciou:

— "Coma... coma..."

Pareceu, nessa única palavra, que a derradeira preocupaçao de seu coração paterno era desafaimar 'as crianças. Elas, as crianças, apavoradas, dispararam, aos berros, por dentro do mato. Um soldado para agradar ao comandante deu na direção delas um tiro de fazer medo, provocando gargalhadas nos seus companheiros de selvageria. Lucena vasculhou a casa de Zé. Ferreira, encontrando de arma apenas um quicé!

Ao retirar-se notou dois homens ,vindo, desconfiados e irriquietos, na sua direção. Sem saber nem perguntar quem eram, ordenou uma descarga de fuzil, matando um e ferindo o outro, que correu. Uma senhora e u'a moça que vinham a certa distância ficaram levemente feridas. Não era ele o senhor absoluto da vida e da morte?!

Os dois eram o velho Fragoso e seu irmão Zequinha. Aquele, viúvo e dono da fazenda Engenho, onde, por caridade, cedera uma humilde casa de morador para José Ferreira ficar até que resolvesse seu destino. A senhora era a dona da casa e a moça sua filha. Atentando nos disparos, tinham ido ver, desarmados, o que acontecia, sendo seguidos pelas duas mulheres.*

* É absolutamente autêntica, _ com todos os seus pormenores, a descrição. 'assassínio doi. pobre; manso e indefeso velho José Ferreira., assim como das outras circunstâncias. Em vez de debulhando milho, alguém fantasiou José Ferreira tirando leite de uma vaca ...

Vezo da polícia, para justificar seus crimes: alegar que houve "resistência". Assim fez Lucena: O cúmulo do grotesco: o alquebrado velho José Ferreira enfrentando sozinho uma formidável volante e "tiroteiando" com uma quicé, isto é, com um toco do facas Quando João Ferreira, filho da vítima, em entrevista, usou a palavra "tiroteio", entendeu dizer que houve tiros de um lado, o da volante.

Quase profético o Padre Epifânio Moura, vigário de Água Branca: — "Esse crime vai trazer muita desgraça para o sertão". O povo: — "Mataram dois cidadãos de bem só pru gosto de matar!" — "É do esperar que não fique nisso, não". E, de fato, o povo não se enganou. Tão revoltante crime lançou Virgulino e seus irmãos no cangaço. Criou Lampião! A situação piorou. Diante do ressurgimento do cangaceirismo, agora em forma diferente, recrudescido e desafiador. Chamou o Governador alagoano aquele homem de sua confiança, o único, a seu ver, que enfeixando poderes absolutos e indiscriminados, poderia liquidar, de um golpe, todo aquele mal, muito embora enegrecendo o seu nome e o da História. Este homem: — Segundo Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão. Esteve confabulando no Palácio do Governo, em Maceió, no dia 4 maio de 1921. Depois destituído da delegacia policial de Viçosa, iria com carta branca, acabar com o banditismo em todo o estado. E assim e vexado com uma poderosa volante de vinte e quatro homens, deixaria no dia 10 de maio, a cidade de Palmeira dos Índios “na direção do sertão.” A ação repressiva de Lucena chegou a ser "desumana", conforme ele próprio reconheceu. (Cfr. Adendo ao capítulo 45.)

A desolação da abominação! *

Alarmados pelos tiros, João Ferreira e as três irmãs abalaram para casa.

No maior desespero reviraram o cadáver, fecharam-lhe os olhos e o conduziram para dentro de casa. — "Mas, cadê Ezequiel e Anália?" — "Onde estavam escondidos?" — "Ou será que foram roubados?" — perguntavam-se angustiados uns aos outros, noutro desespero somado. . Feito loucos, saíram João e Angélica às procura deles, chamando-os repetidamente com toda a força dos gritos. Encontraram, enfim, os coitadinhos, com bem cem braças, num estado horrível, assombrados e atordoados, rasgados dos espinhos e tocos de pau, sujos de terra, quase sem mais falar de tão roucos, caídos no chão, semimortos de fome e pavor! Tragédia de rara concepção ou de difícil visualização nesse quadro desumano de miséria e barbaridade! — "Pareciam (as crianças) dois filhotes de ema perdidos no mato, piando de fome!..." Atirados os irmãos aos ombros, retornaram às pressas. No entanto, o grave da situação era que ninguém cia vizinhança, com medo de Lucena, queria se aproximar, para amortalhar e sepultar as vítimas. João Ferreira mandou comunicar o triste acontecido ao delegado de Mata Grande, Maurício de Barros** que atendeu prontamente e pessoalmente veio ao local, providenciando, por sua conta e risco, o enterro, mas de um modo tão atabalhoado, dadas as circunstâncias de terror, que João Ferreira nem viu quando os corpos, altas horas da noite, candeeiro aceso na frente, foram levados! - "José Ferreira também era filho de Deus e não bicho para os urubus..." — dissera Maurício, essa destemida autoridade e mais tarde integrante da polícia pernambucana. Sem que, ninguém da família assistisse, José Ferreira foi sepultado numa cova do cemitério de Mata Grande, na manhãzinha do dia 30 de junho de 1920, a última quinta-feira do mês.***

Unidos à mesma gleba do Pajeú, que os viu nascer, unidos numa vida de vinte e seis anos de amor conjugal; unidos ao mesmo chão do Moxotó em que expiraram o último alento, deveriam seguir o mesmo destino de continuar diante de Deus.

* Naquela época, culto sacerdote-vigário, corajosamente vergastou do púlpito e censurou severamente, condenando esses abomináveis fatos, tomando por tema de confronto as Sagradas Escrituras no famoso texto, cap. 9, v. 27, do profeta Daniel": — "O maldito Coronelismo, simbolizado no deus pagão-político, prepotente, cruel e desumano foi erigido sobre o altar da Justiça — divina por natureza — sob à qual procuravam se abrigar os humildes e ofendidos, os pobres e fracos, cuja vida é um perpétuo holocausto de seus direitos sagrados! Profanação, na linguagem bíblica chamada de "abominação da desolação" ou desoladora e horrorosa abominação".

**. Maurício Vieira de Barros. Lampião, a 29 de novembro de 1930, o prendeu juntamente com um soldado, nas Negras (Aguas Belas), quando ainda estavam deitados e dormindo. Levou-os presos até Pau Ferro (hoje Itaíba) município de Águas Belas. A porta da casa de Maurício, disse Lampião: — "Vou matar o soldado. Você não, porque lhe devo um grande favor: enterrou meu pai! Lhe poupando a vida, paguei a dívida. Se continuar a me perseguir e eu lhe pegar você não tem jeito, não. Morre, visse?!" Apesar das súplicas de Maurício, Lampião matou ali mesmo o soldado e soltou o prisioneiro. Maurício havia verificado praça na Polícia Militar de Pernambuco, chegando a ser sargento. Foi comandante de volante. Era perverso, cometendo muitos crimes. Etelvino Lins, Interventor do Estado, expulsou-o da polícia. Chamava a atenção seu bigodão, Ainda vive com seus noventa anos.

*** Defronte da igreja de Santa Cruz do Deserto visitou o autor deste livro um velho, em sua casa, o qual ajudou no enterro e, sem registro de óbito, no sepultamento de José Ferreira em Mata Grande, território da jurisdição policial do delegado Maurício Vieira de Barros. O nome do velho, o autor não guardou, mas tem como testemunhas o Dr. Tarcísio de Freitas então engenheiro chefe do DNOCS, emt Palmeira dos Índios.

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LAMPIÃO CUMPRE PROMESSA A SINHÔ PEREIRA, A MORTE DO CORONEL GONZAGA.

 Por No Rastro do Cangaço

https://www.youtube.com/watch?v=i2xnYJfbvNc&t=31s

Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, o Rei do Cangaço, com seu bando de cangaceiros, invade a cidade de Belmonte no estado de Pernambuco, em 20 de outubro de 1922, com o objetivo principal de eliminar o coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, desafeto de Ioiô Maroto, amigo e parente do ex chefe Sinhô Pereira, que ao deixar o cangaço, pede a Lampião para liquidar o Coronel. Nesse vídeo vocês conhecerão toda a trama que resultou em um dos episódios mais selvagens e comoventes que se tem notícias na história do cangaço nordestino. Assistam e ao final deixem seus comentários, críticas e sugestões. INSCREVAM-SE no canal e ATIVEM O SINO para receber todas as nossas atualizações. #NoRastroDoCangaço Vejam também:
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PAULO BRITO

 Por Aderbal Nogueira

https://www.youtube.com/watch?v=G8mRrmZizPA

O filho do Tenente João Bezerra, Dr. Paulo Brito, narra um pouco da vida de seu pai e da campanha contra o cangaço.

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"O HOMEM DO SACO"

Por Ronaldo Andrade

Antes de 1920 era possível enviar crianças pelos Correios nos Estados Unidos. A vantagem é que era barato ,a criança ia de trem no vagão dos Correios era cuidado e alimentado pelos funcionários até o seu destino. Era como uma encomenda, os selos iam pregados na roupa da criança.

Foi assim que surgiu a expressão " o homem do saco".

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