Por José
Mendes Pereira
Dr. Maltez
Fernandes - Foto do acervo do Allan Erick - neto do Dr. Maltez
Interessante!
Já fazia mais
de três anos que eu tentava encontrar na Internet fotos de Sebastião
Maltez Fernandes ou simplesmente (Dr. Maltez), um médico que dedicou parte da
sua vida cuidando de partos em Mossoró, e que era o meu desejo organizar um
trabalho sobre ele, mas colocando fotos caso eu as encontrasse. E finalmente,
pesquisando, encontrei no site do Allan Erick, http://allanerick.blogspot.com.br/2012/03/dr-maltez-fernandes.html, neto
do Dr. Maltez Fernandes, e que me autorizou através de e-mail o uso das fotos
do seu avô em meu trabalho.
Sei que muitos
mossoroenses ainda se lembram do Dr. Maltez Fernandes, que apesar da posição
social que ocupava em Mossoró, era um homem que mantinha a simplicidade no meio
do seu povo, dos seus pacientes, sem demonstrar orgulho pela sua posição. Sobre o saudoso médico Dr. Maltez
Fernandes ninguém falará melhor do que seu neto Allan Erick e o seu
genro Francisco Rodrigues da Costa.
Agora entrego
o Doutor Maltez Fernandes aos ilustres Allan Erick e ao memorialista
Francisco Rodrigues da Costa.
Allan
Erick neto do Dr. Maltez escreveu o seguinte:
Allan
Erick neto do Dr. Maltez
Não tive o
privilégio de conviver muito tempo com o meu avô, Dr. Sebastião Maltez
Fernandes. As lembranças turvas me levam a um passeio em seus braços, em uma
manhã ensolarada no jardim do casarão de Mossoró. Me transportam também para um
outro passeio, dessa vez na fazenda da família, a "Guanabara". Com
uma das mãos buscava apoio na mão do meu avô, com a outra puxava um brinquedo
artesanal, um "carrinho de lata" que teimava em virar, pacientemente
ele me acompanhava e me ajudava a desvirar o carrinho. Por último me lembro de
entrar em um avião para me despedir do meu avô, ele estava prestes a embarcar
para o Rio de Janeiro, onde faria um tratamento de saúde. Percorri o corredor
do avião e o encontrei sentado (era o único passageiro), e essa foi a última vez
que vi o meu avô com vida. Outros detalhes da vida de Dr. Maltez, me foram
passados pelos meus tios, tias e minha mãe.
Final de 1973:
"Vovô Maltez" brincando comigo - foto do acervo do Allan Erick
Felizmente o
memorialista Francisco Rodrigues (Tio Chico), genro de Dr. Maltez cuja memória
é prodigiosa, traçou uma breve biografia do meu avô. O texto foi publicado em
setembro de 2011, na 14ª edição da revista "Oeste", editada pelo
Instituto Cultural do Oeste Potiguar - ICOP. Reproduzo então a referida
biografia escrita por "Tio Chico", na intenção de disponibilizá-la
para todo o mundo, bem como imortalizar a figura de Dr. Maltez, o cidadão íntegro,
o empresário, o político e acima de tudo o médico, para quem o juramento de Hipócrates
não era uma mera formalidade acadêmica, mas um código de ética a ser seguido e
respeitado. Certamente um dos homens mais importantes da história de Mossoró e
do Rio Grande do Norte.
Francisco
Rodrigues da Costa escreveu sobre o Dr. Maltez Fernandes dizendo:
O da frente é
o Dr. Maltez Fernandes - Foto do acervo do Allan Erick
Sebastião
Maltez Fernandes, este seu nome completo. Filho dos agricultores Leonel
Fernandes Carneiro de Oliveira e Maria José Fernandes de Oliveira. Nasceu aos 7
de abril de 1904 no sítio Crisolândia, na zona rural de Caraúbas, de
propriedade dos seus genitores.
Concluiu o
primário no Grupo Escolar Antônio Carlos da cidade de Caraúbas. Como prêmio,
pelas boas notas alcançadas, foi convidado para continuar seus estudos no Rio
de Janeiro, então Capital do Brasil, onde morava um tio, que lhe ofereceu a
grande oportunidade de sua vida. Graduou-se em medicina pela então Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, como médico obstetra.
De volta à
terra natal, no início dos anos 30, começou a clinicar. Casou-se em 1938 com
Maria de Lourdes Gurgel e tiveram os seguintes filhos: Maria José Gurgel
Fernandes, formada pela Escola Doméstica de Natal, (in memoriam), Antônio
Maltez Gurgel Fernandes, engenheiro agrônomo, formado pela Universidade Federal
do Ceará, (in memoriam), Jaci Gurgel Fernandes, professora formada pela UERN,
Gláucio Gurgel Fernandes, médico, formado pela Universidade Federal de
Pernambuco, Maria da Conceição Gurgel Fernandes, médica, formada pela
Universidade Federal da Paraíba e Maria do Socorro Gurgel Fernandes, médica
formada pela Universidade Federal de Pernambuco.
Família: Da
esquerda para a direita - Dr. Maltez, Maria José Gurgel, Antônio Maltez (meu
pai), Jacy Gurgel, Maria De Lourdes (Vovó), Maria do Socorro e Gláucio Gurgel.
- acervo do Allan Erick
Com o
falecimento dos seus genitores, Dr. Maltez adquiriu, por compra, as partes do
terreno que cabiam aos seus irmãos, registrando a nova propriedade com o nome
de fazenda “Guanabara”.
Dr. Maltez – O
médico
Assistir às
suas pacientes, quer no período ou não da gravidez, foi seu maior sacerdócio.
Não temos o número exato das crianças que vieram ao mundo pelas suas mãos.
Queremos crer que, em Mossoró, mais de quinze mil sentiram a clássica
palmadinha no bumbum, aplicada pelo caridoso médico.
Contam coisas
interessantes a respeito de doutor Maltez. Ele mesmo me contou dois casos que
passo a narrá-los: uma vez olhando um relógio de parede, que marcava 12 horas,
viu no mostrador o rosto de um dos seus irmãos. Logo depois recebeu a notícia
da morte do ente querido que falecera justo naquela hora.
Numa noite
chuvosa, estrada enlameada, orlada de “pereiros” e xiquexiques, o carro
dirigido por Luizinho, que também fazia parte da banda musical de Caraúbas,
seguia vagarosamente. De repente Dr. Maltez diz para o motorista: “Passe
naquela casa iluminada pela luz de lamparina”. No seu interior uma mulherzinha
se contorcia em dores. O marido, aflito, saíra em busca de ajuda. Sem se
identificar, Dr. Maltez pede para ver a paciente e, em seguida, diz para alguém
ferver água. Em poucos instantes, o choro forte de uma criança aliviava as
dores da mãe feliz.
D’outra feita,
em visita a uma enfermaria repleta de candidatas a mamãe, Dr. Maltez pergunta
por que uma delas permanecia ali. Ouviu: “Está esperando para ser cirurgiada”.
Era uma vida em jogo. “Se não a levarem logo para a sala de parto, a criança
nascerá aqui mesmo” – disse Dr . Maltez. A paciente livrou-se de ter
o ventre cortado pelo bisturi. O médico que a operaria teve um problema no seu
automóvel, daí o atraso. Somente em último caso, Dr. Maltez apelava para a
cesariana, Zezinha, sua filha, em partos normais, deu ao pai orgulhoso
suas primeiras netas, Daniela e Giovanna. Foi Dr . Maltez quem
assistiu a filha por ocasião dos seus dois partos.
Soube, por
Geraldo meu irmão, amigo dos filhos do saudoso casal Evilásio/Francisquinha
Dias, que ela fez o seguinte comentário: “Dr. Maltez quando prognosticava
a data do nascimento de uma criança era tiro e queda”. E arrematou: “Foi assim
com os meus cinco filhos: Enilce, Célio. Nilma, Clélia e Marcos”. Os dois
últimos são médicos e clinicam em Natal.
Adelaide de
Jesus Costa, enfermeira e viúva do médico areia-branquense Francisco Fernandes
da Costa, não regateou elogios: “Foi uma tranquilidade dar a luz aos meus
filhos: Luiz Henrique, Roberto e Costa Neto. Contei, abaixo de Deus, com
as mãos milagrosas do Dr. Maltez”.
De uma mãe
preocupada: “Dr. Maltez, minha filha está com um mioma, e, cada vez mais, eu
vejo que ele aumenta”. Depois de examinar a mocinha, o experiente médico
disse para a mãe aflita: “Tenha calma, vou cuidar do 'mioma' com
carinho”. Após alguns meses, a mocinha, em vez do mioma, tinha um robusto
bebê para amamentar.
Meados de
1946, veio residir em Mossoró. Foi o primeiro diretor da Casa de Saúde e
Maternidade Dix-sept Rosado com o Dr. João Marcelino.
Dr. Maltez – O
Político
Morava em
Caraúbas quando se candidatou pela primeira vez a deputado estadual. Foi por
ocasião da redemocratização do País, com a deposição de Getúlio. Conseguiu a
eleição pela legenda do Partido Social Progressista, dirigido no Rio Grande do
Norte pelo deputado federal Café Filho.
Na campanha
eleitoral de 1947, para escolha de um terceiro senador, como aconteceu em todos
os estados da federação, recebeu do senador Georgino Avelino (PSD) a seguinte
proposta: “Dr. Maltez, deixe o seu dedo correr sobre o mapa do RN. Na cidade
indicada, o senhor terá consultório e emprego compensador”. Era uma proposta
tentadora. Mas o deputado caraubense teria que apoiar a candidatura do
industrial João Câmara ao Senado. Dr. Maltez, com aquele seu
semblante humilde, mas decisivo, agradeceu dizendo: “Senador: prefiro, sem
retribuição, acompanhar meu correligionário Café Filho”.
Por falar na
sua humildade, abro um parêntese e dou a palavra a um colega seu, o Dr.
Milton Marques de Medeiros, que assim se expressou no prefácio do nosso livro
Caminhos de Recordações: “Dr. Maltez Fernandes era uma figura ímpar. Sua
humildade até hoje me emociona. Não havia nele soberba nem exibicionismo. Nem
tão pouco nos falava em tom professoral. Pelo contrário, tudo nos era
transmitido pelo forte exemplo pessoal e através de sábias e sensatas
conversas. Amenas, antes de tudo. Somente com o passar do tempo é que fui
aquilatando melhor cada ensinamento”.
Em 1950, foi
reeleito pela mesma legenda do PSP, obtendo expressiva votação somente em
Mossoró. Também foram candidatos a deputado estadual, e tiveram esta cidade
como reduto, Carlos Borges de Medeiros e Raimundo Soares de Souza (UDN),
Antônio Rodrigues de Carvalho e José Nicodemos da Silveira Martins (PTB) e
Francisco Solon Sobrinho (PSP), dentre outros. Dr. Maltez presidiu o
Legislativo Estadual de 1953 a 1956.
Em 1954, Café
Filho, já presidente da República, traçou um esquema para o seu PSP aqui no Rio
Grande do Norte apoiar os candidatos ao Senado: Dinarte Mariz (UDN) e Georgino
Avelino (PSD). Em contrapartida, o PSP daria os dois suplentes de senador. E o
interessante é que ambos se tornariam titulares. Um, Reginaldo Fernandes, com a
eleição de Dinarte para o Governo do Estado em 1955; e o outro, Sérgio Bezerra
Marinho, com a morte de Georgino, 1959. Dr. Maltez, seguiu a orientação
partidária e apoiou Eider Varela para deputado federal, que foi eleito
.
Em 1958, Café
Filho já estava descartado da política. Dr. Maltez, aliou-se a Djalma Maranhão
e tentou, sem êxito, voltar à Assembléia Legislativa. Episódio que levou o
ex-deputado e ex-presidente da Assembléia Legislativa a encerrar sua carreira,
como político.
Dr. Maltez –
Sociável
Foi um dos
fundadores do Lions Clube de Mossoró; sócio-proprietário do Clube Ipiranga;
maçom da Loja 24 de junho.
Juntamente com
o seu colega e conterrâneo Dr.Gentil Fernandes, foi um apaixonado pela língua,
ESPERANTO, criada pelo médico polonês Ludwig Zamenhof.
Dr. Maltez -
Espirituoso.
Sempre dizia
seus gracejos oportunos, sem constranger a ninguém. Padre Huberto gostava
de visitar algumas pessoas. Boquinha da noite ele chega à casa de Dr.
Maltez. e dá-se o seguinte diálogo:
- Vamos sentar
Padre Huberto.
- Estou bem,
Dr. Maltez. – Respondeu o religioso do alto dos seus quase dois metros.
Passados uns
dois minutos, o mesmo convite por parte do médico, com pouco mais de um metro e
cinquenta.
- Já disse que
estou bem, repetiu o padre.
E dr. Maltez,
calmamente: “Eu sei que o senhor está bem. Quem não está sou eu”. Com o pescoço
empinado a olhar para o céu.
Certa vez,
Zezinha chega para o pai e diz:
- Papai, já
estou cansada de embalar Daniela. E ela não dorme de jeito nenhum. Que devo fazer?
E doutor
Maltez, sem pestanejar:
- DANI-ELA no
berço.
Dr. Maltez – O
versejador em família.
Em Junho de
1934, começou a namorar sua futura esposa, dona Lourdinha. O Apaixonado
ofereceu sua foto com uns versinhos:
"Para
lembrar o São João
De trinta e
quatro passado
Em que foi meu
coração
Para sempre
conquistado
À Lourdinha
encantadora
Já dele
possuidora
Dou essa
fotografia
Lembrança
daquele dia"
De férias na
fazenda Guanabara, todos juntos ao redor da mesa de refeições, não raro,
recitávamos essas oito linhas. Era uma alegria geral.
Para Socorro,
a filha caçula, quando lhe rasgou a gengiva o primeiro dentinho, o pai coruja
não perdeu tempo, compondo esta quadrinha:
"Tenho um
dentinho
Que é danado
pra morder
Se você não
acredita
Bote o dedo só
pra ver."
Aos domingos,
a Rádio difusora de Mossoró, levava ao ar o programa “Manhã Festiva”, animado
pelo saudoso Genildo Miranda. A meninada, de seis a oito anos, comparecia para
recitar seus versinhos. Conceição, filha de Dr. Maltez, ganhou um prêmio,
ao declamar uma quadrinha de autoria do pai.
"Sou
forte e sou bonita
Já sou quase
uma mocinha
Me chamam de
senhorita
Mas eu sou
Miss Arrozina."
Com Gláucio,
não foi diferente. Queria ser Tarzan e vivia exibindo sua musculatura. Foi ao
palco da Difusora e faturou o prêmio, recitando a quadrinha:
"Essa
marra meus senhores
Que tanto
agrada as meninas
Devo somente
aos fatores
Da saborosa
Arrozina”.
Dr. Maltez - o
Empreendedor
Em 1966, com
os médicos Leodécio Fernandes Néo, César Augusto de Alencar, Eilson Gurgel do
Amaral, construiu a Casa de Saúde e Maternidade Santa Luzia. Depois outros
médicos se associaram ao empreendimento: Clóvis Augusto de Miranda, José Mario
Gurgel e José Anchieta Fernandes.
Dr. Maltez
também atendia pela Carteira de Acidente do Trabalho, do INPS. Muitos
acidentados tiveram nele o médico caridoso e justo. Prazos marcados para o
pronto restabelecimento da saúde de cada um doente. Alguns pacientes, às vezes,
queriam enganar a boa índole do médico. Nos ferimentos botavam leite de mamão
ou usavam de outro artifício para prolongar o benefício. Dr. Maltez os
advertia e, muitas vezes, suspendia o tratamento, dando “alta”, para coibir o
condenável abuso.
Dr. Maltez
deixou saudades...
No final da
vida contraiu uma enfermidade que o pôs de cama por algum tempo. Certa
tarde,vai visitá-lo o Dr. Tarcísio Maia, então governador do estado, que
foi oferece seus préstimos ao colega e amigo de muitos anos.
Levado para o
Rio de Janeiro, Dr. Maltez ficou internado no Hospital da Lagoa. Não saiu
de lá com vida. Faleceu aos 12 de julho de 1978. Foi sepultado em Mossoró, no
cemitério São Sebastião.
Anos depois de
sua morte, eu soube que uma ex-paciente dele guardava uma receita médica.
Confessou que muitas vezes usou, com sucesso, o mesmo medicamento prescrito por
Dr. Maltez.
Em rápidas
linhas, o perfil biográfico do médico íntegro, do cidadão honrado e do sogro
amigo. O inesquecível Dr. Sebastião Maltez Fernandes.
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Postado por Adryanna Karlla Paiva Pereira Freitas