Eu nem precisava dizer isso, mas eu sei que você sabe que eu sei. Você nunca me escondeu nada, é verdade. Contudo, coisas existem que nem você diz a si mesma. E sobre tudo isso eu sei.
De sua boca nada ouvi. Muito você já me falou sobre sonhos, desejos, aspirações, porém nem tudo. Ninguém diz tudo o que sabe ou o que sente. Como dito, nem você mesma sabe tudo sobre tudo o que desejou. Mas eu sei.
E sei por que leio no seu silêncio, leio no seu semblante, leio no seu olhar, leio no seu passo, em tudo que há em você. Observo o seu jeito de sentar, de andar, de mirar o horizonte, de olhar para o vazio, de olhar pra mim.
Sei de sua mudez na palavra e no grito de seu silêncio. Sei das linhas e entrelinhas de tudo o que diz e até daquilo que tem vontade de dizer e não dizer. Por que sei? Não significa que você seja previsível, mas é que aprendi a ler seu livro: a sua vida.
Não precisava ter me dito nada, como de fato não disse. Mas basta chover e você se torna em verdadeira tempestade, em terrível tormenta. Sei bem que se revira por dentro, que faz tudo para não chorar. E acaba provocando um efeito contrário, pois mostra tudo o que sente.
Nada lhe entristece mais que dia chuvoso. Seus olhos, mesmo sem uma lágrima sequer, choram muito mais que a água escorrendo pela vidraça. E nem precisa se aproximar da janela para eu saber que você queria mesmo era estar nua e de braços abertos do lado de fora, encharcada, entregue ao tempo.
Menina, menina, eu sei o quanto representa cada pedacinho que ainda guarda da infância e da meninice. Sei onde sua boneca de pano fica guardada e que também ainda brinca e conversa com ela. Sendo sua amiga e confidente, também sei que chega a chorar com ela deitada no colo.
Mas também seu sorriso grande tendo ela enlaçada aos seus braços. Talvez recordando as traquinagens da meninice, as vezes que deixou a coitada da boneca completamente encharcada de banho da biqueira. Colocava no canto da casinha uma vassoura e depois pedia para que ela varresse a sala inteira.
Contudo, o mais importante é o que leio sempre nos seus olhos. Por isso mesmo que desde muito já não pergunta se ama, se me quer, se me deseja. Tudo está escrito no seu olhar. E por isso mesmo tanto amo você. Tudo na certeza infinita de um imenso amor revelado e guardado dentro do seu coração.
Leio sua tristeza na sua letra trêmula. Leio sua alegria na forma como limpa a casa e ajeita os livros da estante. Sei que não está bem se não cuida de cada cantinho e de cada coisa que tanto gosta. Não precisa me dizer nada quando eu a encontro debruçada no umbral da janela e mais adiante um por do sol.
Também leio o doce poema que de repente avisto nas páginas do seu silêncio. Estrofe a estrofe, na verdade tudo eu sinto do seu sentimento. Uma vontade imensa de ser cais, de ser onda de mar, de ser escrito na areia, de ser brisa que sopra ao entardecer.
Por tudo isso eu digo e sinto o que em você não consegue se esconder. Mas o que eu mais gosto é que você sabe que eu sei tudo de você, mas ainda assim nunca reclamou. E talvez também saiba de mim tudo daquilo que jamais revelei. Somos iguais, então. Um no outro na compreensão.
Mas somente sei por que você me deixou ler o seu livro. E por isso mesmo cuido dele como obra rara em minha vida.
Visitamos a Lagoa do Piató, a maior Lagoa de água doce do Estado
do Rio Grande do Norte (96 milhões de metros cúbicos), localizada a 7
quilômetros da cidade de Assú-RN.
Próximo a citada lagoa percorremos o
“Recanto dos Baobás”, na Fazenda Curralinhos, com 9 centenários e gigantescos
Baobás, que chamam a atenção dos visitantes pelo extraordinário diâmetro de
seus troncos.
Os Baobás de Assu constituem a maior concentração de Baobás do
Brasil e é umas das importantes atrações turísticas do interior do Rio Grande
do Norte.
Ontem (dia 8-6-2018), depois da palestra sobre Cultura Popular
Nordestina proferida pelo Prof. Benedito Vasconcelos Mendes no Cine Teatro
Pedro Amorim, na cidade de Assú-RN, a Academia Assuense de Letras-AAL prestou
uma significativa homenagem ao referido pesquisador.
O Presidente Da AAL,
Acadêmico Francisco José Costa dos Santos e o Professor e Acadêmico Joacir
Rufino de Aquino homenagearam o Professor Benedito com discursos de
agradecimento e um Diploma outorgado pela AAL.
A destacada intelectual e líder
ambiental Ivete Guimarães entregou ao palestrante uma sacola de palha de
carnaubeira contendo lembranças do artesanato e da culinária da região do Vale
do Assú. O evento foi muito prestigiado por políticos e intelectuais da cidade.
Vários poetas, artistas plásticos, empresários, escritores, vereadores e
historiadores assistiram a palestra e o lançamento do livro “ As Artes na
Civilização da Seca “ de autoria do Prof. Benedito Vasconcelos Mendes.
Um dos
artistas mais inteligentes deste país, Gilberto Gil é o rei das frases
polêmicas para provocar os idiotas a falarem mal dele: ”A expectativa geral da
política e da sociedade brasileira é que governantes têm de ser muito machos.
Governantes têm de ser meio machos. Têm de ser fêmeos também porque senão ficam
desequilibrados, só de um lado”.
Um dos responsáveis pelo “desbunde” da época do tropicalismo, ele chegou a ser
acusado de apologia à homossexualidade nos relatórios do Departamento de Ordem
Política e Social (Dops), durante seu período de exílio em Londres. Isso porque
Gil requebrava e se permitia trocar afeto com Caetano Veloso em suas
apresentações na Inglaterra. As vacas fardadas nunca entenderam isso como uma
forma pacífica de protesto contra o atraso, a falta de liberdade e toda
caretice que chegaram juntos com o coturno e a baioneta. Às vezes não é preciso
pegar em armas...
O tropicalismo foi criado nessa fase da história brasileira em que a palavra
“revolução” era tão pronunciada quanto “globalização” o é nos dias de hoje.
Esse movimento intelectual e artístico foi uma tentativa sadia de enxergar o
Brasil com olhar renovador. Ironizou o atraso do país com seus impasses, rompeu
com a velha mania de acomodar contradições anunciando uma “geléia geral”
calcada nos versos geniais de Torquato Neto, grande parceiro de Gil. Acho que
foi um movimento que expôs como ridículos os valores nacionais exaltados pelos
milicos e seus seguidores falsos moralistas. Por outro lado, onde o samba de
morro tradicional só poderia ser concebido sob uma leitura única para ser bem
recebido pelo povo, os tropicalistas fizeram da guitarra elétrica uma causa
política e a introduziram no ritmo. Além disso, seu espírito norteador era
cosmopolita e isso captou energias revigorantes para a música brasileira. Um
dos seus grandes feitos foi justamente atravessar fronteiras e buscar
diversidade através de conexões ricas e inesperadas capazes de romper barreiras
internas quanto ao que se refere à produção musical. Gil se tornou um dos
expoentes do movimento, porém antes disso tentou ser um executivo de empresa. A
história se deu assim:
“O gerente da Gessy Lever, Vicente Creazzo, andava com a pulga atrás da orelha.
Sua auxiliar Edma teimava em abandonar o posto e deixar a pequena sala em que
trabalhava às escuras. ‘É para economizar energia, seu Vicente’, dizia ela. A
desculpa esfarrapada atiçou ainda mais a curiosidade do chefe, que abriu a
porta e acendeu a luz. Deparou com um rapaz estendido no chão, roncando como um
inocente. ‘Esse cara é maluco!’, esbravejou Creazzo, antes de bater a porta e
acordar Gilberto Gil, que passara a noite no Juão Sebastião Bar, templo da
bossa nova em São Paulo, tentando convencer Elis Regina a gravar Louvação. Gil,
que ganhava o equivalente a US$ 700 por mês, era trainee e estava sendo
preparado para virar executivo, mas o convívio boêmio com outros músicos o
obrigava, cada vez mais frequentemente, a dormir de manhã na sala da colega.
‘Gil, essa vida de gerente é medíocre, não tem nada a ver com você’, emendou
Creazzo. Hoje, Creazzo está casado com a ex-assistente Edma, a cúmplice de Gil,
e o baiano é um dos músicos brasileiros do século.
Filho de um médico e uma professora primária, Gilberto Passos Gil Moreira
nasceu em Salvador (26 de junho de 1942) e passou a infância em Ituaçu, no
interior da Bahia, onde admirava os sanfoneiros ceguinhos das feiras
nordestinas e, principalmente, Luiz Gonzaga. Em 1959, era o acordeonista de Os
Desafinados, que se apresentava em festas e bailes, mas já estava fisgado pela
bossa nova. ‘Desde a primeira audição, fiquei absolutamente seduzido por João
Gilberto’, disse Gil a ISTOÉ. O encontro de Luiz Gonzaga e João Gilberto, numa
esquina imaginária na cabeça de Gil - onde também ecoaram os acordes da banda
de pífaros de Caruaru (PE), dos Beatles e da guitarra de Jimmy Hendrix - abriu
espaço para o tropicalismo, movimento que ele liderou com Caetano Veloso no
final dos anos 60.
Gil não era só o feiticeiro que mexia a colher do caldeirão musical da
tropicália. Tinha as virtudes do eficiente executivo que não chegou a ser.
‘Sabia lidar com as pessoas, formar seu próprio time e era um estrategista.
Teria sido um gerente exemplar’, lamenta o ex-chefe Vicente Creazzo. O
terremoto causado pelo tropicalismo levou Gil à prisão e ao exílio em Londres.
Nos anos 70, já de volta, a esquerda o criticava por não fazer canções
engajadas como as de Chico Buarque. ‘No fundo, minha autonomia incomoda. Não
sigo cartilhas’ afirma Gil. As virtudes de aglutinador voltaram a se manifestar
nos anos 80, quando entrou na política. Chegou a cumprir um mandato de vereador
na capital baiana (1988-1992). ‘Abracei a política por conta de meu
temperamento impetuoso e experimental. Mas ela é a representação da guerra em
que os adversários viram inimigos. Se pouco me deu, pelo menos me fez
compreender que, por natureza, sou diplomático e odeio a idéia de suprimir
aquele que não concorda comigo.’”
O cantor e compositor Gereba, amigo de Luiz Gonzaga, conta uma experiência
interessante que viveu com ele no seu sítio de Exu em 1985. Ali o músico baiano
aportou para convidar o pernambucano para fazer o Carnaforró em Salvador e pôde
conhecer de perto e gravar aquele repertório que Seu Luiz lamentava ter ficado
no esquecimento, soterrado pela força avassaladora do baião que a tudo
arrebatou.
“Bem que essa noite eu vi gente chegando / Eu vi sapo saltitando e ao longe
ouvi o ronco alegre do trovão / Alguma coisa forte pra valer tava pra acontecer
na região / Quando o galo cantou, o dia raiou, eu imaginei / É que hoje é 13 de
dezembro / E nesse 13 de dezembro nasceu nosso rei.” (Gilberto Gil em melodia
de Luiz Gonzaga de 1952)
Disse Gereba: essa “gente chegando” que o nosso poeta Gil diz no primeiro
trecho do choro 13 de dezembro da sua nobre parceria com Luiz Gonzaga, é na
verdade a nossa chegada em Exu – minha, do parceiro Carlos Pitta e nossas
namoradas – na madrugada de 12 pra 13 de dezembro de 1985. Lá ficamos por cinco
dias a convite do nosso Rei do Baião para comemorar o seu aniversário pelos
clubes de cidadezinhas vizinhas. Foram dias muito prazerosos para todos nós:
Eu, Gonzaguinha, Marinês, Dominguinhos, Gilberto Gil, Carlos Pitta, Santana,
Waldonys, Jorge de Altinho, Alcimar Monteiro, Camarão, Chiquinha Gonzaga,
Joquinha Gonzaga e muitos outros da família.
Eu estava ali naqueles dias também em uma missão muito especial: convidar Luiz
Gonzaga para inaugurar o projeto “CARNAFORRÓ” no carnaval da Bahia de 1986.
Quando fiz o convite a “seu” Luiz, ele me disse: Já estou com 73 anos e não vou
ter condições de enfrentar aquela multidão da Praça Castro Alves.
Foi um banho de água fria, para me refazer do choque. Fui até a cozinha tomar
um copo de água. Cocei a cabeça e disse pra mim mesmo que precisava pensar em
algo que demovesse aquele não. Como sou teimoso de natureza e não costumo
desistir fácil das boas idéias, pensei que a orla marítima, entre o Porto e o
Cristo da Barra, seria um lugar tranqüilo e que daria mais conforto pra “seu”
Luiz, e então arrisquei:
“Seu” Luiz, o senhor topa tocar com a gente no Farol da Barra, um lugar bem
ventilado com aquele marzão na nossa frente e vai ser só a gente com o nosso
forró, pois nunca rodou nenhum trio elétrico por lá. Hospedo o senhor no hotel
Praia Mar, que fica no Porto da Barra, paro o trio na porta do hotel, a gente segue
até o Cristo e voltamos. No trio tem camarim com ar condicionado, uma água de
coco e de vez em quando o senhor sobe as escadinhas e toca uns forrozinhos com
a gente, o resto pode deixar comigo, Dominguinhos, o Grupo Bendegó e Bule Bule.
Ai ele disse: deste jeito eu topo, contanto que esse trio sirva pra divulgar o
São João no carnaval.
Seu Luiz gostou tanto de tocar no trio CARNAFORRÓ que voltou nos carnavais de
1987 e 1988, só não cantou pra gente em 1989 porque, como diz Capinan, “foi
chamado pra tocar no céu, na fogueira de Deus, pra alegrar a imensidão”.
Este episódio, de forma despretensiosa, acabou por gerar desdobramentos muito
saudáveis para o nosso carnaval baiano, pois o nosso trio de forró foi o
primeiro a rodar pela orla marítima, atraindo, já em 1987, o deslocamento do já
insuportável circuito do carnaval do Centro Histórico para a Orla Oceânica,
criando o agora tradicional circuito Barra/Ondina. Naquele período isso
significou a redução da violência em 60% nos dias da folia. Considero esse
circuito um legado nosso, embora nunca nos tenham atribuído nenhum crédito.
Durante a minha estada em Exu, nos fins de tarde, eu ficava ali de prontidão
com meu gravadorzinho de fita cassete gravando aquelas saborosas estórias de
Seu Luiz como a do “conto da sanfona”. E foi assim que registrei a primeira
audição do choro 13 de dezembro. Era já noitinha quando Gil chegou com seu
violão e um pedaço de papel de pão na mão escrito com a letra do belo choro que
Seu Luiz fez em 1952. Gil cantou com aquele swing maravilhoso que só ele faz em
seu violão. Depois de apresentar o choro, deu um beijo na testa de Seu Luiz e
todos nós vimos ele corar e muito emocionado dizer: “Dominguinhos, eu acho que
vou criar esse neguinho”.
Foi um momento lindo e raro pra todos nós naquele finalzinho de tarde. Tivemos
muitos e muitos outros momentos prazerosos, como ver Dominguinhos tocando de
maneira impecável o 13 de dezembro pra Seu Luiz na cozinha. Caminhar pelos
arredores da fazenda com ele é uma das mais gratificantes lembranças que guardo
comigo. Uma vez ele me levou até a parte mais alta e disse que era ali naquela
plataforma que ele sonhava construir o maior forró do mundo, pro povo dançar ao
ar livre. Quando assisti ao filme Dodescaden do Kurosawa, que tem a cena do pai
e o filho delirando em uma carcaça de um carro velho, me lembrei muito dessa
cena com Seu Luiz.
Gilberto Gil, o letrista do choro “13 de Dezembro” é o artista brasileiro que
mais se inspirou em Luiz Gonzaga para construir sua sólida e brilhante
carreira. Compôs lindos baiões, xotes e, além disso, cantou como ninguém suas
músicas. É bom lembrar que, em 1971, Gonzaga gravou um de seus maiores
clássicos, a música “Procissão”, porém não se deve jamais olvidar o que Gil já
passou por conta da defesa da música de Luiz Gonzaga. Eu sabia disso, mas ele
nunca havia revelado. Fez isso numa belíssima entrevista para o site Terra
Magazine em 27/02/2012, de onde eu recortei isto aqui:
“Terra Magazine - Na última década, você se reaproximou bastante de Luiz
Gonzaga. O que isso representa para sua carreira? No início de sua vida no Rio
de Janeiro, nos anos 60, você teve choques constantes em defesa de Luiz
Gonzaga. Uma vez você chegou a sair chorando de uma discussão... Gilberto Gil:
- De uma discussão com colegas... Sim, porque eles achavam Luiz Gonzaga
folclórico.
É, de gente chegar pra mim e dizer: ‘Não, nós somos adeptos do Tom Jobim.
Gonzaga, não. Até Caymmi a gente vai’. Terra Magazine - Gonzaga era quase o
‘arrocha’. Gilberto Gil - A conversa era essa. Eu tive conversas desse tipo. O
que os impelia, o que os incitava, o que os informava no sentido de admitir
essa rejeição a Gonzaga, era essa convergência dos eruditismos que a Bossa
Nova, de uma certa forma processou. Era uma coisa assim: tudo que não estivesse
nessa percepção de aprofundamento, de avanço harmônico e melódico, de texto, da
palavra, da poesia na música, da palavra cantada, estava numa dimensão ‘folk’.
Era uma ingenuidade ‘folk’. Ou aquilo que se diz em pintura...”
É por este motivo que reafirmo que Gilberto Gil foi tão importante para a
sobrevivência da música de Luiz Gonzaga que foi escolhido por Dominique Dreyfus
para escrever o prefácio do melhor livro publicado sobre o Rei do Baião: “Vida
do Viajante – A Saga de Luiz Gonzaga”. Nele, escreveu Gil: “Eu, como discípulo
e devoto apaixonado do grande mestre do Araripe, associo-me às eternas
homenagens que a História continuadamente prestará ao nosso Rei do Baião,
abrindo ao leitor, com palavras de louvor e gratidão, as páginas deste livro”.
Escolhi entre todas as músicas de Luiz Gonzaga gravadas por Gil, o xaxado “Óia Eu Aqui de Novo”, de Antonio Barros,
ao qual ele deu uma interpretação definitiva. Confesso que é muito difícil
escolher qual a melhor gravação dele das músicas de Gonzaga. Este xaxado está
em um CD de 2000 que contém a trilha sonora do filme “Eu, Tu, Eles” e é um dos
melhores discos da música brasileira. A composição musical foi originalmente
gravada por Gonzaga em 1967. A outra música a tocar para enriquecer este texto,
é o próprio choro de Luiz Gonzaga (por acerto de parceria, o disco trouxe
também o nome de Zé Dantas) “13 de
Dezembro”, com a brilhante letra de Gilberto Gil. E mais duas homenagens eu
quero prestar ao final desta série: a intérprete escolhida por mim é a
paraibana Elba Ramalho, artista muito querida e ligadíssima a Gonzaga, com
acompanhamento de sanfona do Mestre Dominguinhos, o mais destacado herdeiro
artístico do Rei do Baião e um dos maiores músicos do mundo! Está no CD “Leão
do Norte”, de 1996, um dos mais inspirados discos de Elba. A faixa teve também
a participação do conjunto de choro “Época de Ouro”.
Parabéns àqueles que escolheram o violonista, cantor, arranjador e sanfoneiro
baiano Gilberto Gil como principal atração da festa dos 100 anos de Gonzaga em
sua terra natal, Exu/PE, no próximo dia 13 de dezembro de 2012. Nada mais
justo!!! Até porque é a voz de Gilberto Gil que recepciona o espectador que vai
assistir ao filme “Gonzaga - De Pai Para Filho”. Os versos da canção-tema
composta por ele, “No Mundo da Lua” embalam as primeiras cenas que mostram o
Rei do Baião entoando seu clássico “Asa Branca” e sendo observado a partir das
coxias por um garoto, mais especificamente seu filho Luiz Gonzaga do Nascimento
Junior, o Luizinho para seus parentes de Exu e Gonzaguinha para nós outros.
Sobre a obra
O mais famoso
devoto de Luiz Gonzaga: o baiano Gilberto Gil.
Até me
surpreendeu a grande quantidade de leitores de minha página no Facebook
acenando positivamente com suas curtidas. Confesso que havia em mim certo
receio de expor minhas idéias sobre o assunto Lampião que já tem inúmeros
pesquisadores do melhor naipe; muito respeitados no mundo literário publicando
excelentes matérias sobre o cangaceiro. O assunto é desafiador mesmo. Por isso,
no início, hesitei mesmo; até que me ocorreu que eu devia publicar minhas
análises sobre o que teria levado Lampião aos conflitos; reais e imaginários que
permearam sua existência. Ele não está mais aqui para me responder; talvez se
estivesse até se aborrecesse, ou compreendesse por que era de inteligência
brilhante.
Inteligência não obriga atitudes perfeitas e foi da imperfeição de
delas que nasceu o mais temido dos cangaceiros; entrando para a história.
Imaginemos os momentos em que viveu os conflitos imaginando sua avó/mãe
tentando resolver uma situação difícil, no seu desprendimento e linda tarefa de
parteira, dentro de um quarto ou de outro lugar, da casa. Reinavam as dúvidas
de ser bem ou mal sucedida. Difícil minimizar tantas angústias e
questionamentos. E cá fora, as incerteza do filho/neto. Estaria ela ajudando na
solução para trazer alívio às dores daquelas mulheres nesse momento ou estaria
compartilhando para resultados contrários? Por que ele nada compreendia de
trabalho de parto e tampouco de parteiras. Não queria pensar mal da avó, amor
filial envolvido.
Surgem assim os medos reais e medos imaginários. Reais,
quando saíam com alegrias um bebê enrolado nos queiros acompanhado do ar
cheiroso a alfazema queimada; comemorações com licor (o cachimbo oferecido aos
compadres). Real também quando saiam mãe e filho enrolados nos lençóis para os
respectivos enterros. O que precedia sempre aos trabalhos da avó eram os medos
imaginários. Lampião não desenvolveu uma epilepsia, por exemplo, mas
desenvolveu outra patologia da angústia que queria se livrar a todo custo: uma
psiconeurose que o levou ao mundo dos crimes. Virgulino cresce e para livrar-se
dos próprios conflitos internos, torna-se cheio de superstições; faz uso de
rezas e orações que carrega sob as vestes; pratica rituais de missa, carrega
penduricalhos, e vai até o Padre Cícero Romão Batista, do Juazeiro do Norte, em
busca de bênção, para aliviar-se das tensões e traumas.
Afastou-se das
mulheres; abandonou a profissão de almocreve. Segue o cangaço; mundo do crime.
Sobressai no grupo e torna-se respeitado pelo manuseio das armas. Recebe uma
patente falsa que irá levá-lo ao Poder como Capitão para lutar contra o Estado
e contra seus próprios conflitos internos. Vai tornar-se costureiro e
confecciona as próprias roupas. Logo todos os seus seguidores usarão roupas
iguais, surgindo assim um estilo próprio e personalizado: as fardas coloridas,
detalhes em bordados que tanto aprecia.
Com a entrada da mulher no grupo,
Lampião será o costureiro e designer – cria e confecciona roupas, masculinas e
femininas. Usa jóias, símbolos exotéricos e perfumes. Os símbolos vem das
crendices; o uso dos perfumes é forma de livrar-se do odor que lhe ficou
impregnado na memória olfativa durante os tempos em que acompanhava os
trabalhos de sua mãe/avó; mas será aceito como uma forma de refutar as ações
dos policiais das Volantes, suas inimigas. Cada dia mais vai exercer atividades
que imitam a avó. Torna-se parteiro das mulheres cangaceiras que entraram para
os grupos; todas foram assistidas pelo Capitão Virgulino, quando dos seus de
partos. Mas, ser pai e gostar de choro de criança nunca foi algo aceito por
Lampião, que tentou livrar-se da própria filha; não a matou por que a sua
companheira interveio e assim deram para que um casal de vaqueiros a adotasse.
Muitos casos
de conflitos internos de pessoas são conhecidos na história conduzindo seus
personagens aos mais elevados patamares; alguns viraram estrelas da literatura;
outros por suas ações criminosas. Machado de Assis vai se tornar o maior
‘casmurro’ da história da literatura nacional; escreve sua obra de maior tomo
em virtude de um grande conflito: quem é meu pai: Francisco ou Joaquim? O
escritor desenvolveu uma epilepsia que o vitimou até o último dia de sua
existência. E Nero, imperador romano, teve uma infância turbulenta; é associado
habitualmente à tirana e a extravagância; é recordado por uma série de
execuções sistemáticas, incluindo a da sua própria mãe. O general Napoleão
Bonaparte foi muito indisciplinado e sofreu influência da mãe. O Antônio Conselheiro
perdeu a genitora quando contava apenas quatro anos de idade; teve uma infância
permeada de conflitos; tornou-se beato. Cada um dos citados com uma história de
infância difícil; assim incapazes de resolver seus conflitos entram para a
história...
Prefiro examinar os crimes de Virgulino Ferreira da Silva à luz das ciências
por entender que o mesmo foi agente ativo/passivo dos seus feitos; portador de
problemas de ordem psicológica. Um exame à luz do Direito Penal Pátrio o
cangaceiro teria que pagar por seus crimes com penas poderiam chegar a mais de
5... anos de prisão; ou seja, terminaria seus dias de vida num
presídio.
Do título: Vem da história da época da catequese de índios no Brasil, do século
XVI, pelo padre José de Anchieta.
As fotos são: Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião; Machado de Assis,
escritor; Padre Cícero, do Juazeiro; Nero, imperador de Roma e Antônio
Conselheiro, o beato.
Na segunda
metade do ano de 1928 o “Rei do Cangaço”, o cangaceiro Lampião, para manter-se
vivo e continuar com seu reinado sangrento, transfere-se para o Estado baiano.
Antes de iniciar suas ações naquele reduto, o chefe cangaceiro pernambucano,
procura fazer amizades com donos de propriedades rurais,
trabalhadores/moradores deste e com comerciantes da região escolhida. Virgolino
patrocina e realizar grades festas para a população. Ele consegue mostrar uma
face totalmente diferente daquela que os periódicos o tinham descrito até então
e assim as conversas entre eles, o boca - a – boca, levava aos quatro cantos do
Estado o quanto “ele” era bom, farrista e resolvedor de problemas familiares,
de terras e de moças ‘bolidas’ por rapazes que não queriam assumir. A coisa
ficou tão apaziguada que vários casais tomaram ele para ser padrinho de seus
filhos e codificaram seu nome de “O Homem”.
Tendo ganhado
a confiança dos sertanejos baianos, começa outra etapa muito importante para
seus objetivos que seria a reestruturação da sua malha de fornecedores,
informantes e acoitadores, peças que foram o principal sustentáculo dos grupos
cangaceiros nos séculos em que o Fenômeno Social sobreviveu, além de começar um
recrutamento intenso. Da Bahia foram muitos, porém, do Estado sergipano, mais
precisamente do município, hoje, de Poço Redondo, ele consegue um verdadeiro
batalhão de jovens para prestarem seus ‘serviços’.
A Revolução de
1930 caiu como uma luva para quem vivia do banditismo rural naquela época.
Principalmente o jovem pernambucano de Vila Bela, que não deixava passar certas
oportunidades, tendo as Forças Públicas dos Estados sido obrigadas a desviar
suas tropas combatentes para combaterem os contrários a Revolução, a população
do sertão nordestino ficou quase que ao Deus dará. Então Lampião reinicia suas
atividades sem quase ter quem lhe der combate.
A coisa aperta
tanto que a imprensa da Capital do país começa a se movimentar e o “A Noite”,
renomado veículo de comunicação em massa da época, resolveu enviar
correspondentes para uma averiguação de perto dos fatos que ocorriam. Nas
proximidades da cidade de Uauá, BA, já em princípios de 1931, deu-se um
acontecimento que até aquele momento, principalmente para os baianos, era
inédito quanto às ações de Virgolino e seus asseclas.
Segundo as
notícias, o caso ocorreu no lugar chamado São Paulo, distando, mais ou menos,
quarenta quilômetros de Uauá, BA. Havia naquele lugarejo um cidadão chamado
Manoel José Cardoso, sendo mais conhecido como “José Pequeno”, casado com a
senhora “Ana Cardoso”. Pois bem, Lampião recebe a notícia que esse dito cidadão
havia avisado as autoridades que ele estava agindo naquelas redondezas. Depois
de uma breve perseguição sofrida por uma volante, o “Cego” resolveu acertar as
contas com o suposto delator. A lição teria que ser grande, tanto que quem
notícia dela tivesse, longe o perto, perderia toda e qualquer vontade de
caguetar os cangaceiros as autoridades. O medo sempre foi uma arma muito
importante em qualquer conflito, na época do cangaço foi usado em abundância
pelas duas partes, volantes e cangaceiros, nas brenhas sertanejas.
Chegando ao lugarejo, Lampião ordena que seus homens peguem “José Pequeno” e sua esposa, dona Ana, rasguem suas roupas e os colocassem pelados e amarrados no lombo de um cavalo. Em seguida o chefe dar uma nova ordem para que seus ‘cabras’ trouxessem todos até onde estavam, em frente a capela do arruado, para que vissem como ele tratava quem o ’traia’. Quando a população estava reunida em volta do casal Cardoso, o próprio Lampião saca seu punhal com mais de 70cm de comprimento e sangra o homem pela ‘saboneteira’ o enterrando por completa. Estando amarrada ao marido e vendo, sentido as contorções do corpo dele junto ao seu, levaram dona Ana a total loucura. Cardoso antes de ser sangrado tinha dito a Lampião que não teria sido ele a dedurar sua passagem e sim um cidadão chamado José Félix, que estando presente, foi abatido a tiros de pistola pelos cangaceiros logo em seguida.
No mesmo dia,
o chefe mor do cangaço resolveu dar outo exemplo de como agia com grandes e
pequenos que ficassem contra ele, então tortura o cidadão de maiores posses
naquela ribeira, o coronel João Antônio Cardoso. Na fazenda Tapuia, do senhor
Tibério Lucas Correa, que além de labutar na roçado tinha uma venda, bodega, em
casa, também vítima do bando de Lampião. A cabroeira chega, sedenta de sangue e
pinga, começa a mandar colocar garras de cachaças sobre um pequeno balcão que
havia. Após alguns goles da marvada, Lampião tenta extorquir o
agricultor/comerciante, que vendo que dizer não possuir ‘cobre’ não adiantaria
muito, lascou os peitos na jurema e meteu-se dentro do mato que nem bala o
alcançava. Sua esposa, dona Lúcia, que não teve como fugir, pagou o pato a
través de chicotadas, tapas e bofetes da caterva. Sempre ameaçando de matar o
esposo caso na próxima ‘visita’ não tivesse dinheiro para ele. Para o exemplo
ser maior, Lampião manda que ela retire seus familiares de dentro da casa e,
após a coitada em prantos retirar a filharada, ver sua moradia ser incendiada.
Lampião tinha
tirado o mês de abril de 1931 para aterrorizar a região entre Uauá e Senhor do
Bonfim, ambas na Bahia. Depois das ‘visitas’ aos lugares descritos acima, ele
ainda apronta das suas, com os moradores das fazendas Pereiro, Riacho Seco,
Caldeirão, Olho D’água, Vargem Seca, Junco e outras mais. Próximo a cidade de
Senhor do Bonfim, BA, lugar onde os retos mortais de meu avô paterno
encontram-se enterrados, e onde moram duas tias que nunca tive o prazer de
vê-las, havia uma fazenda chamada Passagem. O dono dessa fazenda chamava-se
Joaquim Gomes Cardoso, que mesmo sendo coxo d’uma perna, foi surrado e roubado
pelos cangaceiros.
Ainda na
fazenda Passagem, havia a casa do senhor Bertoldo Cândido dos Santos, esposo da
senhora Maria Martins, que relatou como sua filha Romana foi estuprada pelo
“Rei do Cangaço”, “(...) O enviado de A Noite afirma que no retorno de Lampião
a casa da jovem sertaneja, aparentemente sem maiores delongas, este partiu para
cima de Romana e a estuprou. Ela ainda foi ferida a punhal por tentar se
defender. Não foi informado se outros cangaceiros se aproveitaram sexualmente
da jovem indefesa (...). O correspondente informou que a irmã de Romana havia
escapado por se encontrar fora de casa, mas em sua opinião o ataque sexual a
garota havia desestruturado de tal maneira a sua família, que seu pai Bertoldo
estava com características de “quem estava variando”. Ou seja, ficando louco”
(Rostand Medeiros em seu Tokdehistória.com)
Segundo a
matéria do periódico citado, Romana não foi a única vítima de estupro da horada
selvagem comandada por Virgolino naqueles dias de abril de 1931.
[1] A Noite foi um jornal vespertino criado pelo jornalista niteroiense Irineu
Marinho e lançado em 18 de julho de 1911 no Rio de Janeiro. Empreendedor,
Irineu Marinho vislumbrou já naquela época a ideia do conglomerado de mídia,
com uma ação dinâmica no jornalismo. Em 1922, sendo seu jornal acusado de
cooperar com o levante dos tenentes do Forte de Copacabana (18 do Forte),
passou quatro meses preso na Ilha das Cobras (baía de Guanabara), de onde saiu
com a saúde abalada. Partiu para a Europa com a família em 1924, de onde voltou
para fundar, em 29 de julho de 1925, O Globo – herdado por seu primogênito,
Roberto Marinho, com sua morte, em 21 de agosto, aos 49 anos. Sobre o envio do
correspondente e do fotógrafo, as razões do envio destes profissionais não são
comentadas.Ver – http://observatoriodaimprensa.com.br/…/_ed723_irineu_e_o_j…/
[2] Mesmo aparentemente o trajeto realizado pelos enviados do jornal em 1931
ser diferente das modernas estradas asfaltadas que ligam os dois municípios
baianos, segundo o jornalista, sem maiores paradas, o trajeto por eles
realizado levaria cerca de doze horas. Hoje é realizado, com tranquilidade, em
duas horas e meia.
[3] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de segunda-feira, 20 de abril
de 1931, 2ª página (http://memoria.bn.br/).
[4] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de segunda-feira, 11 de maio
de 1931, 3ª página.
[5] A cidade mineira de Januária foi um importante entreposto comercial em uma
época que o Rio São Francisco permitia a navegação de grandes barcos a vapor. A
aguardente de Januária passou a abastecer todo o país, sendo apreciada e
elogiada pelos maiores conhecedores, tornando a cidade um sinônimo de cachaça
de qualidade produzida no Brasil. O primeiro engarrafador de aguardente em
Januária, segundo informações locais, foi o Sr. Abílio Magalhães em 1926 com a
marca “Januária Crystal”. Em 1928 o Sr. Claudionor Carneiro lançou a marca
“Januária”, que posteriormente teria seu nome alterado para “Claudionor”.
Outras marcas surgiram na cidade, muitas das quais já não existem mais.
Ver http://cachaca.januaria.zip.net/
6] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de segunda-feira, 11 de maio de
1931, 3ª página.
7] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de segunda-feira, 11 de maio de
1931, 3ª página.
8] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de terça-feira, 12 de maio de
1931, 3ª página.
[9] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 14 de maio de
1931, 1ª página.
[10] Segundo uma das notas do jornal, a cidade de Senhor do Bomfim tinha no
início da década cerca de 12.000 habitantes e apenas 23 policiais para
protegê-la, sendo raras as localidades que tinham mais de 12 policiais. Ver
Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de segunda-feira, 1 de fevereiro de
1931, 1ª página.
[11] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 14 de maio
de 1931, 1ª página.
[12] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 15 de maio
de 1931, 1ª página.
[13] Vale lembrar que antes destes ataques no início do abril, Lampião evitou
pela segunda vez um confronto contra os defensores da cidade baiana de Itiúba.
Ver http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/…/itiuba-repeliu-lampia…
[14] Ver Jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de segunda-feira, 18 de maio
de 1931, 1ª página.
[15] FONTES, Oleone Coelho. Lampião na Bahia. 4a. ed. Petrópolis : Vozes, 2001.
Páginas 214 a 217.
Autoria original deste texto é do repórter Antônio Melo e as fotografias mais antigas foram feitas por Paulo Saulo, tendo o material sido publicado originalmente no Diário de Natal, nas edições de quarta feira, 5 de abril de 1967 (Pág. 4), e sábado, 8 de abril (Pág. 5).
TOK DE HISTÓRIA traz na íntegra a reprodução desta matéria jornalística que mostra como a tradição oral na cidade de Canguaretama informava sobre os ricos e interessantes episódios da rica história da região. Um exemplo é o Massacre da Igreja do Engenho Cunhaú, mesmo tendo passado 322 anos dos sangrentos episódios em 1967, eles eram narrados conforme haviam sido transmitidos pelos mais velhos da região.
Dedico o resgate e a democratização deste texto ao meu amigo Professor Francisco Galvão, um orgulhoso e dedicado filho de Canguaretama.
Boa leitura!
A seis quilômetros da cidade de Canguaretama e a um quilometro da estrada pavimentada que liga Natal àquela cidade, em meio a uma mata cerrada e quase intransponível, existe uma caverna com sete entradas, que sempre esteve, para os habitantes da região, cercada de mistérios e de estórias sobre “almas penadas”. Três denominações ela possui – “Gruta do Bode”, “Caverna das Sete Bocas” e “As Sete Bocas do Inferno”.
Poucos foram os que se aventuraram a atravessar aquelas bocas escuras, e menos dentre os moradores, gente simples cheia de crendices, daquela região aonde o progresso não chegou. No que concerne ao que os olhos humanos podem ver, existem morcegos enormes, de tamanhos variados, voando através das sete bocas e fazendo dos confins da caverna o seu refúgio. Quanto as “almas do outro mundo”…
Histórias e Estórias
Os moradores de Canguaretama e pessoas que residem mais perto da “Caverna das Sete Bocas” contam que, sempre souberam que foram os holandeses que ergueram aquela construção hoje misteriosa. As ruínas de uma velha cadeia no vizinho município de Vila Flor, e de uma igreja de eu hoje restam apenas as paredes carcomidas pelo tempo, tem fatos históricos que comprovam terem sido aqueles lugares palcos de enredos do período de ocupação holandesa no Nordeste brasileiro.
Mas tudo está envolvido com lendas, para o povo simples da região, e o real mistura-se ao irreal, não se sabendo onde termina a história e começa o lendário. Há pessoas que afirmam, jurando pelos nomes sagrados, terem visto aparecer ali, em noites em que foram obrigados a cruzar por aqueles caminhos próximos à gruta, fantasmas de antigos escravos e velhos senhores “que foram ricos e maus e hoje penam pelo mundo, à custa dos seus pecados”.
Traição e Morte
João Glicério é funcionário do Ministério da Agricultura e trabalha em propriedades a alguns quilômetros de Canguaretama pertencentes ao governo federal. Serviu de cicerone a reportagem do Diário de Natal e contou estórias sobre “As Sete Bocas do Inferno”. Uma dessas estórias diz respeito ao morticínio verificado na Igreja localizada no Engenho Cunhaú, cujo proprietário é o Sr. Hugo de Araujo Lima.
Conta Seu Glicério – “Por volta de 1637, quando os holandeses se encontravam no Nordeste, aconteceu que existia uma espécie de resistência contra os invasores, aqui pelo município. Essa revolta era comandada pelo Padre André de Several (SIC). Os holandeses tinham dificuldade de chegar ao Rio Grande do Norte, rico em minérios”.
“Certa noite veio ter com o Padre Several o comandante das forças invasoras sediadas em Paraíba, justamente em Baía da Traição. O comandante parece que se chamava Jacó Rabi e era tenente. Disse ao Padre que, à noite, viria trazer a população da cidade uma carta do governo do seu país, falando em termos de paz e anunciando vir tratar das condições para o estabelecimento definitivo no Brasil. O Padre reuniu toda gente daqui (71 pessoas ao todo, naquele tempo). Dessas 71, 69 foram para a Igreja e as duas restantes, um velho e uma senhora que havia dado à luz uma menina naquele dia, ficaram em casa”.
“À noite, o Padre fez uma preleção para os que estavam na Igreja, exaltando o sentimento patriótico de todos e a necessidade de cada um defender a terra contra o invasor. Mas pediu para tivesse um entendimento pacífico, sem derramamento de sangue. Após preleção a Igreja foi invadida por centenas de homens armados, do Exército holandês, que realizaram a matança, sem defesa, pois os moradores do lugar estavam sem armas, na ocasião. Morreram todos os 69, mais o Padre Several. Restaram o velho e a mulher que ficaram em casa. Esse morticínio ainda hoje (1967) rende muita estória na boca do povo de Canguaretama”.
Prisão de Escravos
Em Vila Flor, a nove quilômetros da “Caverna das Sete Bocas”, existe bem no centro da cidadezinha, uma velha cadeia, com paredes que têm um metro de espessura e quase 18 metros de altura. As ruinas encerram dois corredores e um salão principal, tendo no centro um mourão, grosso toco de madeira cravado no chão, com dois metros de altura. Tudo é vestígio de uma prisão, onde os detidos também eram açoitados naquele mourão.
Restos de madeiras em vários lugares da construção e a grande altura fazem imaginar que o prédio formado por dois pavimentos e que um deles, em virtude do tempo, tenha caído. As grades da velha cadeia foram retiradas e levadas para não se sabe onde. Uns dizem que foram para uma cadeia da Paraíba. As grades, dizem que eram feitas de bronze.
“Caverna das Sete Bocas” Encerra Estórias de Ouro
Após seguidas tentativas de chegar ao final do túnel das “As Sete Bocas do Inferno” (frustradas porque as “bocas” se encontram obstruídas pelos desmoronamentos contínuo das pedras), tomamos a única decisão cabível – a desistência. Voltamos ao centro da cidade de Canguaretama e tornamos as estórias das pessoas do lugar.
João Glicério, o nosso guia, ainda contava – “Os bandeirantes , quando da colonização do Brasil, retiraram ouro do País para levar para Portugal. Aqui em Canguaretama existia um homem que atendia pelo nome de Arcoverde, tinha muitos escravos (negros e índios) que alugava aos bandeirantes a troco de ouro. Ganhou muito ouro em troca de escravos”. E para onde foi esse ouro? Foi o que a reportagem quis saber de Seu Glicério.
O Ouro Enterrado
Seu Glicério contou sua estória, que não se sabe se tem base na verdade, ou cresceu em legenda na memória do povo.
“Soube Arcoverde que os holandeses, após a chacina do engenho Cunhaú, mostravam-se interessados no seu ouro. Vendo que não havia escapatória nem para si nem para o ouro, pegou um dos escravos, e mandou o homem enterrar sua fortuna. Foi o negro sozinho, pois os demais tinham caído em debandada, com medo dos holandeses”.
“O negro trabalhou sozinho toda uma noite. Arcoverde foi avisado de que os holandeses estavam a menos de uma légua e como o trabalho demorava, o senhor de escravos ordenou que o restante do ouro, ainda por enterrar, fosse jogado dentro de um açude, perto da cidade. Concluído o trabalho, Arcoverde chamou seu escravo a tomar uma cachacinha como paga do serviço”.
E continua Seu Glicério – “O preto estava muito cansado e estava enterrando as últimas cargas de ouro, quando seu dono pediu que apressasse o serviço, para ambos tomarem uma bebidinha. O negro animou-se e concluiu depressa a tarefa. Contente foi sentar para beber, não sabendo que havia veneno na bebida. Assim fizera Arcoverde, colocando também veneno no próprio copo. Ambos morreram, bebidos os primeiros goles. Senhor e escravo levaram o segredo do ouro, que os holandeses não levaram Dizem até que Arcoverde morreu sorrindo”.
As Moedas de Ouro
Habitantes de Canguaretama contam que, anos atrás, pessoas que realizavam reparos na Igreja de Cunhaú, encontraram ali algumas moedas de ouro. E afirma-se que elas faziam parte do tesouro enterrado de Arcoverde.
Um estudioso dinamarquês que reside em Natal e que pediu não disséssemos seu nome, compareceu, ontem, a redação do Diário de Natal, narrando o que disse ser resultados de seus estudos sobre a “Caverna das Sete Bocas” de Canguaretama.
Disse ele que a caverna é resultado de escavações realizadas pelos índios, à procura de pedra para seus machados, setas e outras armas de guerra e caça. Acredita o dinamarquês que as escavações datam muito antes da vinda dos holandeses para o Nordeste brasileiro, divergindo assim da memória oral do povo de Canguaretama.
Adiantou considerar “uma loucura” tentar penetrar naquela gruta pois ela poderia desabar e deve guardar animais venenosos eu seu interior, como serpentes.
Extraído do blog do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros