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sábado, 9 de junho de 2018

EU SEI QUE VOCÊ SABE QUE EU SEI

*Rangel Alves da Costa

Eu nem precisava dizer isso, mas eu sei que você sabe que eu sei. Você nunca me escondeu nada, é verdade. Contudo, coisas existem que nem você diz a si mesma. E sobre tudo isso eu sei.
De sua boca nada ouvi. Muito você já me falou sobre sonhos, desejos, aspirações, porém nem tudo. Ninguém diz tudo o que sabe ou o que sente. Como dito, nem você mesma sabe tudo sobre tudo o que desejou. Mas eu sei.
E sei por que leio no seu silêncio, leio no seu semblante, leio no seu olhar, leio no seu passo, em tudo que há em você. Observo o seu jeito de sentar, de andar, de mirar o horizonte, de olhar para o vazio, de olhar pra mim.
Sei de sua mudez na palavra e no grito de seu silêncio. Sei das linhas e entrelinhas de tudo o que diz e até daquilo que tem vontade de dizer e não dizer. Por que sei? Não significa que você seja previsível, mas é que aprendi a ler seu livro: a sua vida.
Não precisava ter me dito nada, como de fato não disse. Mas basta chover e você se torna em verdadeira tempestade, em terrível tormenta. Sei bem que se revira por dentro, que faz tudo para não chorar. E acaba provocando um efeito contrário, pois mostra tudo o que sente.
Nada lhe entristece mais que dia chuvoso. Seus olhos, mesmo sem uma lágrima sequer, choram muito mais que a água escorrendo pela vidraça. E nem precisa se aproximar da janela para eu saber que você queria mesmo era estar nua e de braços abertos do lado de fora, encharcada, entregue ao tempo.
Menina, menina, eu sei o quanto representa cada pedacinho que ainda guarda da infância e da meninice. Sei onde sua boneca de pano fica guardada e que também ainda brinca e conversa com ela. Sendo sua amiga e confidente, também sei que chega a chorar com ela deitada no colo.


Mas também seu sorriso grande tendo ela enlaçada aos seus braços. Talvez recordando as traquinagens da meninice, as vezes que deixou a coitada da boneca completamente encharcada de banho da biqueira. Colocava no canto da casinha uma vassoura e depois pedia para que ela varresse a sala inteira.
Contudo, o mais importante é o que leio sempre nos seus olhos. Por isso mesmo que desde muito já não pergunta se ama, se me quer, se me deseja. Tudo está escrito no seu olhar. E por isso mesmo tanto amo você. Tudo na certeza infinita de um imenso amor revelado e guardado dentro do seu coração.
Leio sua tristeza na sua letra trêmula. Leio sua alegria na forma como limpa a casa e ajeita os livros da estante. Sei que não está bem se não cuida de cada cantinho e de cada coisa que tanto gosta. Não precisa me dizer nada quando eu a encontro debruçada no umbral da janela e mais adiante um por do sol.
Também leio o doce poema que de repente avisto nas páginas do seu silêncio. Estrofe a estrofe, na verdade tudo eu sinto do seu sentimento. Uma vontade imensa de ser cais, de ser onda de mar, de ser escrito na areia, de ser brisa que sopra ao entardecer.
Por tudo isso eu digo e sinto o que em você não consegue se esconder. Mas o que eu mais gosto é que você sabe que eu sei tudo de você, mas ainda assim nunca reclamou. E talvez também saiba de mim tudo daquilo que jamais revelei. Somos iguais, então. Um no outro na compreensão.
Mas somente sei por que você me deixou ler o seu livro. E por isso mesmo cuido dele como obra rara em minha vida.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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