*Rangel Alves
da Costa
Tudo está
calmo, sereno, na plangência da natureza divina. Sopra um sopro bom, uma brisa
perfumada, uma leve aragem espiritualmente confortante. Os campos estão
floridos, os cafezais esvoaçam sua brancura na flor, os trigais valseiam em
canção de pujança e vida. O viver na proximidade de estado de perfeição.
“Ao longe, sem
que aparente qualquer mudança, uma estranha formação ganha vida. Um, dois,
centenas, milhares, milhões de insetos. E de repente começam a avançar pelos
ares num zumbido aterrador. Uma verdadeira nuvem que avança rapidamente para
logo espalhar a devastação...”.
Tudo está
calmo, sereno, na plangência da paz que o ser humano tanto deseja a si. Está
feliz, contente, sem motivo algum para pequenas ou grandes preocupações. Os
sonhos são muitos, bons, perspectivas que trazem sorriso e à face. Abre a
janela, canta uma canção, reencontra-se nesta aura de serenidade.
“Sem que
ninguém perceba, silenciosamente uma turba invasora se prepara feroz, faminta,
voraz. Parece que num só instante alguns milhões de formigas levantam de seus
formigueiros e se preparam para devorar o que encontrar pela frente. As
plantinhas que crescem, as flores que brotam, os frutos nascidos, nada poderia
supor que dali em instantes sofreria atrocidades...”.
Depois de
muito sofrimento com as estiagens, enfim chegaram as trovoadas e com elas a
terra molhada. O homem a prepara para lançar a semente da vida, do alimento, da
sobrevivência. Milho, feijão, melancia, abóbora. Com os chuviscos continuando a
cair, logo tudo nasce e tudo vinga, tudo floresce e brota. Imagina-se, então,
fartura na colheita, paz no campo, dias felizes.
“Ao sair na
porta de casa e olhar para o alto, o homem logo se espanta com uma nuvem
diferente que avança. Um enxame de cor indefinida, acinzentada ou amarelada,
que toma o horizonte e vem em voo mais que apressado. De repente a estranha
nuvem começa a baixar, a ficar mais próximo da terra e das plantações, e nesta
altura faz seu pouso destruidor. Uma infinidade de gafanhotos famintos devasta
toda a esperança semeada e já em dias de ser colhida...”.
Em meio ao
mundo cada vez mais violento e cruel, difícil e dilacerado pelas arrogâncias e
falsidades, o ser humano busca uma fuga a todo custo. Quer apenas viver, quer
apenas encontrar um pouco de paz e felicidade, quer ter instantes
despreocupados, quer silêncios e canções. No esforço, vai encontrando calmarias
em tempestades, vai vencendo as tristezas e os desafios. Pode, enfim, sorrir,
tomar uma taça de vinho, deitar sossegado na rede da varanda.
“Como num
deserto calmo e traiçoeiro, a caminhada do homem vai, incansavelmente, em busca
de sombras e oásis, de refúgios e sossegos. Parece avistar uma fonte cristalina
adiante, um coqueiral logo ao lado, a esperança de salvação. Mas olha atrás e
ao redor e logo é tomado de espanto. Uma nuvem de poeira avança cegando tudo.
Tempestade tão forte de areia que dificilmente alguém poderia vencer sua fúria.
E está muita próxima, veloz, aterradora. O que fazer?...”.
Na vida
moderna, o ser humano vive cada vez mais distanciado daquilo que lhe é
importante demais. Conhece o conceito de paz, de felicidade, de contentamento,
mas se vê impossibilitado de usufruir de tais ânimos espirituais. Quer sorrir,
cantar, bradar alegria e prazer, mas antes de qualquer tentativa é logo
impedido pelas pragas que surgem para afligir a alma e os sentimentos.
Vive-se num
mundo de pragas, em meio a proliferações de ataques ferozes e inesperados, à
mercê de verdadeiros invasores da paz. Além das infestações que surgem do nada,
causando tristeza e sofrimento, há ainda aquelas que vão se alastrando perante
muitos: desemprego, carestia, falta de assistência hospitalar, educação de
baixa qualidade, insegurança, violência, o medo em todos os sentidos.
Tudo isso
invade a paz, a domina e torna o ser humano como refém das infestações sociais,
políticas, governamentais. Se difícil é lidar com as tempestades íntimas,
pessoais ou familiares, que se imagine viver sem que se possa ao menos abrir a
porta. Tudo lá fora parece tomado de gafanhotos, areias tempestuosas, formigas
vorazes, criaturas famintas de paz e sossego. O pior é que tais e terríveis
redemoinhos querem destruir a própria vida.
Escritor
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