Autor Rostand Medeiros
Historiadores
apontam que foi na Primeira Guerra Mundial que se registrou de maneira inédita
o extremo uso da mecanização dos armamentos. Neste trágico momento da história
mundial, os novos e sofisticados aparatos bélicos criaram inéditas condições de
combate, que resultaram em um exponencial aumento no número de mortos.
O
capitão do Exército Britânico Robert C. Campbell – Fonte
Entretanto, em
meio a este verdadeiro e frio “moedor de carne humana” que se tornou aquele
conflito, autores sugerem que ali foram testemunhados pela última vez, com
maior expressividade nas histórias dos conflitos bélicos da humanidade,
exemplos ligados a certos aspectos de compromissos de honra, condutas
positivas, gestos de fidalguia e alguma humanidade entre combatentes
adversários.
A história a
seguir seria um destes exemplos.
De Combatente
a Prisioneiro
O capitão do
Exército Britânico Robert C. Campbell estava lotado no 1º Batalhão do East
Surrey Regiment quando teve início o conflito na Europa. Ele desembarcou no
porto de La Havre, na França, e seguiu para uma posição perto do Canal
Mons-Condé, no noroeste daquele país, perto da fronteira franco-belga e se
envolveu em uma série de combates que ficou conhecido como Batalha das
Fronteiras.
A unidade
militar de Campbell estava defendendo o flanco esquerdo do exército francês
contra os alemães que avançavam, quando a sua tropa foi atacada em 23 de agosto
de 1914. Durante este combate o jovem capitão de 29 anos foi atingido por
estilhaços de artilharia, tendo ficado com um braço quebrado e sido gravemente
ferido na cabeça. Na sequência foi capturado.
Campbell foi
transferido para um hospital militar na cidade de Colônia, onde foi tratado dos
seus ferimentos antes de ser enviado para o campo de prisioneiros de guerra em
Magdeburg, na Saxónia, Alemanha, onde ficou detido com cerca de 900 outros
oficiais britânicos e franceses.
Com o passar
dos meses, apesar das cicatrizes e algumas sequelas no braço, Campbell se
recuperou e seguia suportando o tédio, a privação e o abuso no cativeiro. Tudo
isso era aliviado com a chegada de cartas e encomendas vindas de casa.
Era
uma verdadeira tábua de salvação tornada possível graças aos esforços heroicos
e incansáveis do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
Algo Quase
Fictício
Mas em 1916,
Campbell recebeu uma carta com uma triste notícia: sua tia Gladys lhe escreveu
informando que a sua mãe Louise estava com câncer e tinha muito pouco tempo de
vida.
O capitão
inglês estava longe de sua casa e de sua amada mãe, mas decidiu realizar uma
desesperada tentativa para tornar possível uma visita, hoje vista como algo
quase fictício: Campbell decidiu escrever uma carta para o Kaiser Wilhelm II, o
então Imperador alemão e Rei da Prússia, pedindo-lhe por motivos humanitários
uma permissão especial para ir a Inglaterra visitar sua mãe pela última vez e
lhe dizer adeus.
Kaiser Wilhelm
II – Fonte – Verlag von Gust. Liersch & Co. Berlin S.W.
O comandante
do campo de prisioneiros de Magdeburg parece ter sido naquele momento um homem
extremamente compreensivo diante da situação, pois ele enviou a carta de
Campbell através da cadeia de comando militar do exército germânico, com sua
própria recomendação de urgência e emitindo a opinião que deveria ser concedido
o pedido de liberdade condicional temporária.
Contrariando
quaisquer expectativas de êxito, surpreendentemente o soberano alemão respondeu
positivamente à petição, permitindo ao capitão Campbell duas semanas para
visitar a sua mãe em Gravesend, no condado de Kent, situado no sudeste da
Inglaterra.
O Kaiser
Wilhelm II tinha apenas uma condição: Para ser liberado Campbell deveria dar a
sua palavra de cavalheiro e oficial do Exército Britânico que voltaria para o
campo de prisioneiros após terminada a visita.
Robert
Campbell deu sua palavra ao Imperador.
Um Homem de
Palavra
O notável
exemplo de honestidade em tempo de guerra foi descoberto pelo historiador
inglês Richard Van Emden, como parte de uma pesquisa para o seu livro “Meeting
the Enemy: The Human Face of the Great War”, não lançado no Brasil.
Segundo o
pesquisador e escritor inglês, a incrível história veio à tona após pesquisar a
correspondência entre o Foreign Office, o Ministério das Relações Exteriores
britânico, com os seus homólogos alemães. Segundo Van Emden o único vínculo que
havia na licença do capitão Campbell era apenas a sua “palavra” como um oficial
do exército, pois não foi encontrado a assinatura do militar inglês no
acordo em nenhum papel.
Os Arquivos
Nacionais britânicos também contém documentos que mostram o envolvimento da
Embaixada dos Estados Unidos na Alemanha para levar a bom termo o acordo entre
a as autoridades alemãs e inglesas. Vale ressaltar que os Estados Unidos só
entrariam em combate na Primeira Guerra em 1917.
Além dos dias
de licença, os alemães concederam ao capitão Campbell dois dias em cada sentido
para sua viagem até Gravesend. E assim – em 5 de novembro de 1916 – o inglês
seguiu de trem pela Alemanha para a neutra Holanda, onde em Rotterdam
atravessou de barco o Canal da Mancha e chegou na casa de sua espantada mãe em
7 de novembro.
Controvérsias
Vale ressaltar
que o governo britânico desaprovou completamente aquela liberdade condicional,
assim como alguns oficiais servindo na Frente Ocidental e souberam do caso.
Para os
militares britânicos que lutavam nas trincheiras, a ideia de prometer algo ao
Kaiser Wilhelm II era algo que, independente da razão, não merecia ser mantido.
Tanto assim que um caso semelhante ao do capitão inglês nunca mais voltou a
acontecer.
O governo
britânico soube pela primeira vez da liberdade condicional de Campbell em 6 de
novembro, quando ele já estava a caminho de casa, por meio de um telegrama da
embaixada americana em Berlim, que retransmitia uma mensagem do governo alemão.
Tropa: Capitão
Campbell estava entre os militares Aliados capturadas logo no início da guerra
– Fonte –
bhttp://www.dailymail.co.uk/news/article-2410059/WW1-soldier-Captain-Robert-Campbell-freed-prison-camp-dying-mother-kept-promise-return.html#ixzz4CWazGwVj
Enquanto
Campbell ainda estava com sua mãe em Gravesend, os alemães, usando novamente os
diplomatas americanos como intermediários e citando a liberdade condicional de
Campbell, pediram aos britânicos a permissão para organizar a liberdade
temporária do prisioneiro de guerra Peter Gastreich, de 25 anos de idade,
detido na Ilha de Man, cuja mãe também estava morrendo. Infelizmente o
Departamento de Guerra britânico não respondeu com a mesma fidalguia e
Gastreich continuou detido.
Para o
escritor Richard Van Emden os militares britânicos da época não poderiam
reconhecer a liberdade condicional do capitão Campbell como um precedente para
tais concessões. Ademais eles não foram consultados antes da licença ter
sido concedida a este oficial pelo Governo Alemão e não teriam aceitado tal
proposta se ela fosse feita antecipadamente, comentou o pesquisador.
Para muitos
ingleses na época era quase inacreditável que o capitão Campbell fosse capaz de
retornar. Mas a decisão de voltar para Alemanha era uma questão de foro
pessoal. Então, fiel à sua promessa ao soberano alemão, Campbell voltou para o
campo de prisioneiros em Magdeburg.
Em fevereiro
de 1917, quando o capitão inglês ainda estava na prisão, sua mãe faleceu.
Escapando
Novamente e Tocando a Vida
Mas isso não é
o fim da história.
Consta que
muitos dos companheiros de Campbell no campo de prisioneiros de guerra em
Magdeburg teriam desprezado seu ato, depois dele haver conseguido um verdadeiro
golpe de sorte para sair da miséria que eles ainda eram obrigados a suportar.
Aparentemente,
como uma espécie de compensação pela sua atitude, além de obedecer ao preceito
que os prisioneiros de guerra são obrigados a tentar escapar de seus inimigos
para ocupar o máximo de seus recursos humanos, Campbell imediatamente começou a
trabalhar em uma fuga.
Pelos próximos
nove meses este militar e outros prisioneiros cavaram um túnel para fora do
campo e conseguiram escapar. De acordo com o autor Van Emden, Campbell foi
recapturado perto da fronteira holandesa e voltou para Magdeburg, onde passou
um ano em cativeiro antes do fim da guerra.
Na foto vemos
um posto de observação do Royal Observer Corps (ROC) durante a Segunda Guerra
Mundial, igual aos que o capitão Robert Campbell comandava na Ilha de Wight. Na
foto em um posto do ROC, vemos a esquerda, usando um telefone de peito, P.C.
“Lofty” Austin, um ex-representante comercial e ex-jogador de futebol do
Tottenham Hotspur, que relata aos seus superiores as informações coletadas por
seu colega C.E. “Smudge” Smith, que trabalha em um instrumento de plotagem em
Kings Langley, Hertfordshire, Inglaterra Fonte –https://en.wikipedia.org/wiki/Dowding_system#/media/File:The_Royal_Observer_Corps,_1939-1945._CH8215.jpg
Campbell
esteve no Exército Britânico até 1925, depois se mudou para a Ilha de Wight, no
Canal Inglês. Quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu em 1939 ele se
realistou e serviu como observador-chefe do Royal Observer Corps na região onde
morava. Seu trabalho era observar, registrar e informar a passagem das
formações de aviões de combate da Luftwaffe que se dirigiam para a Inglaterra.
O capitão
Robert C. Campbell morreu na Ilha de Wight aos 81 anos, em 1966, 50 anos depois
da promessa feita ao Kaiser Wilhelm II.
Muitas pessoas
podem ver esta história como sendo um exemplo nobre e galante de “convivência
positiva” entre beligerantes. Mas é possível que outros observem de uma forma
totalmente diferente.
Certamente a
história do capitão do Exército Britânico Robert Campbell é um reflexo
delirante de certas atitudes pré-guerra e códigos de conduta que, em 1916, já
tinham sido pisoteados na lama das trincheiras, massacrados na terra de ninguém
e envenenados por nuvens de gás mostarda.
Bem como
também não havia neste caso nenhuma qualidade redentora no ato do Kaiser
Wilhelm II. Provavelmente foi apenas mais um capricho autoindulgente de um
homem mimado, emocionalmente instável e impetuoso.
Quanto a
Robert Campbell eu fiquei feliz ao descobrir que ele conseguiu ver sua mãe
antes de morrer. Era importante para ele e para ela.
FONTES –
Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
https://tokdehistoria.com.br/2016/06/24/no-tempo-em-que-a-palavra-valia-mais-que-uma-assinatura-a-historia-do-militar-que-voltou-para-o-campo-de-prisioneiros-na-alemanha-depois-de-visitar-a-mae-no-seu-leito-de-morte-na-inglaterra/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com