Seguidores

domingo, 15 de julho de 2012

TRIBUTO A VIRGOLINO E IX ENCONTRO NORDESTINO DE XAXADO

Desculpas de Lampião

Por: José Mendes Pereira

Em uma entrevista que Lampião cedeu ao jornalista José Alves Feitosa, do Jornal “A NOITE”, de Recife-PE, e foi  publicada pelo Jornal Cearense “O POVO”, no dia 04 de junho de 1928, confira no site abaixo: 
http://culturanordestina.blogspot.com.br/2008/05/o-monarca-selvagem-dos-sertes.html 

José Alves Feitosa - Disse-me a pouco que se pudesse abandonaria o cangaço... Lampião respondeu o seguinte: 

"Sim, porque eu não vivo a vida do cangaço por maldade minha. É pela maldade dos outros, dos homens que não tem a coragem de lutar corpo a corpo como eu e vão matando a gente na sombra, nas tocaias covardes. Tenho que vingar a morte dos meus pais. Era meninote quando os mataram. Bebi o sangue que jorrava do peito de minha mãe e, beijando-lhe a boca fria e morta, jurei vingá-la. É por isso que de rifle às costas, cruzando as estradas do sertão, deixo um rastro sangrento na procura dos assassinos de meus pais". 

A mãe de Lampião, Dona Maria Sulena da Purificação, não foi assassinada. Faleceu em Alagoas antes do marido. O motivo do seu falecimento foi quando o fazendeiro José Saturnino enrixou a família Ferreira e empurrou-a de Pernambuco para viver em terras desconhecidas, Alagoas. Ela não aguentando a pressão do seu vizinho, caiu em depressão e veio a falecer um mês antes do assassinato  do marido. Segundo os escritores e pesquisadores do cangaço, José Ferreira da Silva, este sim,  foi realmente assassinado pelas armas do tenente Zé Lucena, no ano de 1920.

O que Lampião diz:

"Bebi o sangue que jorrava do peito de minha mãe e, beijando-lhe a boca fria e morta, jurei vingá-la".

Lampião disse isso no intuito de  reforçar que ele não era o único culpado de sua vida de desgraça, mas que sabia muito bem que a mãe não foi assassinada. Para ele quem quisesse acreditar que acreditasse. 

José Alves Feitosa perguntou-lhe:  Como foi assassinado o seu irmão?

"- É invenção, ele não foi morto. Está são, vivo e bolindo. Aquilo foi brincadeira só pra atrapalhar."

Em hipótese alguma Lampião queria perder. Lutaram tanto para capturá-lo vivo, mas não conseguiram. Só passaram a mão no seu corpo depois de morto. Mesmo tendo sido assassinado, Lampião não perdeu, pois o que queriam mesmo era capturá-lo vivo. E morto não quer dizer que a polícia o venceu. Não vale como vencido, Lampião morto nas mãos dos seus perseguidores.

Leia o que escreveu o escritor e pesquisador do cangaço -  Antonio Amaury, sobre o irmão de Lampião - Antonio Ferreira da Silva.



Morre Antonio Ferreira

confira no site abaixo:
http://cariricangaco.blogspot.com.br/2009/12/morre-antonio-ferreira-porantonio.html

Lampião e Antonio Ferreira

Era começo de Janeiro de 1927, Antônio Ferreira, junto de Luiz Pedro, Jurema e um outro rapaz, estava acoitado pelo coronel Ângelo da Gia, na fazenda Poço do Ferro, e jogavam baralho. Luiz Pedro estava numa rede e Antônio em pé. Antônio estava perdendo muito no jogo, enquanto disse a Luiz:

Nenén e seu companheiro Luiz Pedro

- Luiz, você está sentado nesta rede há muito tempo! Agora deixe que eu me sente um pouco aí.

O rapaz segurando o cano do fuzil, ao apoiar-se para levantar, bateu com a coronha no chão. A arma, destravada, disparou a bala que atingiu Antônio em cheio. Este, antes de cair, só teve tempo de falar:

-Matou-me, Luiz.

Lampião, que estava longe, ao receber a notícia, passou a noite na cavalgada para acertar-se do ocorrido na fazenda de seu amigo Ângelo. Perdera assim mais um irmão em sua história de cangaceiro, por um acidente estúpido. Ouviu e concordou com o parecer do próprio coronel sobre o acidente. Jararaca, um dos chefes cangaceiros, no entanto, propôs que todos os envolvidos pagassem com a vida, por não acreditar que se tratasse de um acidente. Ao saber que seria perdoado, Luiz fez um juramento a Lampião, que passou para a história.

- Seu capitão... O senhor poupou minha vida. Eu juro acompanhá-lo até o fim. No dia em que o senhor morrer, eu morro também!

A partir desse dia, Lampião decidiu proibir qualquer um de seus comandados de portar arma com balas na agulha. Também em sinal de luto, deixou de cortar os cabelos, que foi seguido por quase todos do grupo; afinal ele era um líder, em todos os sentidos, inclusive como exemplo a ser seguido nas coisas mais simples.

Antonio Amaury Corrrea de Araujo
Carlos Elydio

NOTA CARIRI CANGAÇO: A morte de Antonio Ferreira, irmão mais velho do líder Lampião se configura sem dúvidas um dos episódios mais pitoresco e marcantes da história do cangaço. De fato, Luiz Pedro acabou tombando no fatídico 28 de julho de 1938, em Angico, quando perderam a vida, Lampião, Maria e mais 9 companheiros.

Cariricangaco.blogspot.com 

José Octávio Pereira de Lima - 16 de Julho de 2012

Por: Geraldo Maia do Nascimento

Nasceu na cidade paraibana de Araruna, a 8 de setembro de 1895, mas foi em Mossoró onde viveu a maior parte da sua vida, desempenhando as atividades de comerciante, dono de livraria, atelier fotográfico e jornalista combativo. Como jornalista, fundou e dirigiu “O Correio do Povo”, o primeiro jornal que circulou diariamente em Mossoró. Publicou o livro “Terra Nordestina, problemas, Homens e Falas”, e escreveu um trabalho em versos historiando o ataque de Lampião a Mossoró. Foi Inspetor Federal do Ensino e primeiro prefeito provisório de Mossoró, após a Revolução de 30. Governou Mossoró no período de 6 de outubro de 1930 a 17 de outubro de 1930. Foi, portanto, o chefe da edilidade mossoroenses que menos tempo permaneceu em exercício.


Em 1930 acontecia no Brasil um movimento armado, liderado pelos Estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul. Essa Revolução culminou com o golpe de Estado que depôs o presidente da república Washington Luís, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes e pôs fim à República Velha, levando Getúlio Vargas a assumiu o destino da Nação. 
               
Com a Revolução os governantes estaduais são depostos pelos \\\"tenentes\\\". No RN começou uma disputa pelo poder onde a Aliança Liberal do Estado ficou dividida em torno dos nomes Café Filho e de Silvino Bezerra Neto para o governo. Para resolver a questão foi instituída uma Junta Governativa Militar, que assumiu em 06 de outubro de 1930. Essa junta garantiu a ordem pública e consolidou a mudança de poder. E foi essa junta que nomeou José Octávio para ocupar o cargo de Prefeito Revolucionário Provisório de Mossoró, onde permaneceu no cargo por apenas 11 dias. Claro que num tempo tão curto não chegou nem a pensar num plano administrativo a executar. Limitou-se apenas a receber as caravanas revolucionárias que aqui chegavam e a zelar pela manutenção da ordem ameaçada de sublevação pelos correligionários mais exaltados. 
               
Segundo o escritor Raimundo Nonato, José Octávio “era, por seu feitio e disposição, temperamental, um espírito forte, um homem de lutas, que não se mantinha indiferente ante as alternativas da política partidária, em cujas fileiras militou ativamente na grei do cafeísmo, depois da revolução de 1930. 
               
Enfim, uma figura inquestionavelmente discutida a de José Octávio Pereira, porém, um cidadão que, fora de dúvida, deixou nesta cidade um marco da sua vida e do seu trabalho e um exemplo permanente das suas atitudes de independência e de espírito de brasilidade”. 
               
Nos 11 dias que passou como gestor público de Mossoró, ocorreram na cidade alguns fatos que exigiram que o novo governante, desde o primeiro momento de sua administração, tomasse atitudes firmes para evitar tumultos na cidade provocados pela nova ordem política: na noite do dia 06 de outubro, o mesmo dia da sua posse, uma coluna de revolucionários do interior da Paraíba, chefiada por Sá Cavalcanti e Janduí Carneiro, após penetrar no Rio Grande do Norte, chega a Mossoró, sendo recebida com aplausos pelo povo, já com laços vermelhos na lapela e lenço no pescoço. A coluna ficou alojada no então Colégio Santa Luzia, de onde foi retirada por ordem do Tenente Jonathas Luciano, comandante de uma corporação do Exército, vinda de Natal, sob o argumento de que os paraibanos, chamados “coluna pente fino”, haviam cometido saques no comércio de Patu, muito em desacordo com o que pregavam os autênticos revolucionários. 
               
A 12 do mesmo mês, assumiu o governo do Estado o interventor Ireneu Jôfile, que logo nos primeiros dias nomeou o Cônego Amâncio Ramalho para o cargo de Prefeito Provisório de Mossoró, a quem Octávio transmitiu o cargo a 16 do mesmo mês de outubro, encerrando assim a sua gestão administrativa. 
               
José Octávio faleceu a 3 de abril de 1958, em Niterói/RJ, para onde fora em tratamento de saúde.

Todos os direitos reservados

É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de
comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.

Autor:
Jornalista Geraldo Maia do Nascimento
Fonte:

Padre Bulhões

Por: Luiz Nogueira Barros(*)

Padre Bulhões

Impossível esquecê-lo. Era árido como o sertão em tempos de seca. Mas tal o mandacaru, resistente planta dos sertões, tinha água e sabia doá-la para os necessitados e perdidos naquelas plagas longínquas, nas horas cruciantes. Sua casa era um porto seguro para os desamparados da sorte. E o seu olhar, por vezes severo, escondia a complacência própria dos homens de grande santidade.

Padre Bulhões - Pai adotivo de Sílvio Bulhões - filho dos cangaceiros: Dadá e Corisco

Muitas vezes era visto  no sítio do fundo da sua casa ao lado do Camoxinga como um homem comum a mexer com a terra, calejando as mãos, sonhando flores e frutos. Ou então na sua batina surrada, subindo a ladeira, apressado, 


na direção da Matriz de Senhora Santana, onde as obrigações religiosas completavam a sua modesta existência.
Abusado? Era-o, de fato. E quando precisava dar alguma lição de moral para algum herege suas palavras terminavam sempre  assim:
"- Compreendeu... compreendeu... compreendeu seu safado?".
Se compreendido, a sua complacência de pastor de almas mostrava,  de súbito, o lado bom do seu coração. Seu passo seguinte era o de recuperar o herege.
Durante  anos  a sua casa foi um orfanato onde  meninos e meninas desvalidas se fizeram moças e homens. Até mesmo, um dia, recebeu um 

bilhete de "Corisco", lugar-tenente do temido cangaceiro "Lampião", que lhe enviava um filho recém-nascido  que não podia crescer naquela vida do cangaço. 


Falava-se, à boca miúda, que "Lampião" e "Corisco" tinham uma devoção com Senhora Santana, além de respeitarem o seu pároco. E que por isso jamais entrariam nos domínios da santa. E o menino se fez homem à sombra daqueles domínios sagrados.

Aderbal Nogueira e o filho do cangaceiro Sílvio Bulhões 

Mas  padres Bulhões tinha um grande amigo, o "Seu" Edmundo, o chefe do Leilão da Santa. Fabricante de "gengibirre", um delicioso suco de gengibre, "Seu"  Edmundo o vendia em garrafas de louça com rolhas fortemente  amarradas por barbantes. Tanto que, retirados os barbantes ouvia-se um estampido semelhante aos das garrafas de champanhe e logo depois o suco  borbulhante  descia como  cascata  pela boca da garrafa enlouquecendo o apetite dos meninos.
"Seu" Edmundo, assessor de muitas viagens do padre Bulhões pelos distritos num velho 



"jipe", tinha as mesmas afobações do seu inseparável amigo. E um dia, numa viagem para Cacimbinhas, os dois se esqueceram de acertar a hora dos seus relógios. Como tinham compromissos diferentes marcaram o retorno para as três da tarde. Deu quatro horas e  "Seu"  Edmundo não chegava. Afobado, padre Bulhões decidiu-se por voltar. Ao chegar, pela hora do seu relógio, "Seu" Edmundo não acreditou no recado que recebera. Também afobado, decidiu-se por voltar a pés. Lá na frente, arrependido, o velho pároco voltou. Avistou  "Seu"  Edmundo e foi  ríspido:
-Suba aí! Você se atrasou!
E ouviu:
-Eu não! Seu relógio é que está errado! Prefiro ir andando, pois para isso Deus me deu os pés.
Daí por diante  os dois, um no “jipe” e outro andando, foram vencendo os quilômetros com ásperas discussões. E ao final da tarde chegaram aos domínios de Senhora Santana. Antes de entrar em sua casa "Seu" Edmundo ainda ouviu do seu amigo:
- Eita homenzinho teimoso e endiabrado.
E respondeu-lhe:
- Vai-te embora Satanás, que preciso descansar. Depois a gente resolve essa questão.

Gazeta de Alagoas, 14.02.93

(*)Nascido em Pão de Açúcar a 02 de novembro de 1935. Em 1941 sua família mudou-se para Santana do Ipanema, onde permaneceu até 1950. Daí que entre próximo que será publicado, com ensaios, e contos, 30 contos retratam histórias de Santana do Ipanema. Médico, formado pela Faculdade de Medicina da UFAL, em 1963. Atualmente aposentado pelo Ministério da Saúde. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, função de Segundo Secretário, em seguida Secretário Perpétuo em 2001. Segundo vice-presidente, diretoria de transição, após a morte do presidente, prof. Ib Gatto Falcão, da Academia Alagoas de Letras.  nogueirabarros@uol.com.br

Publicado originalmente no Jornal Gazeta de Alagoas, em 14/2/1993

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 16 (DEPOIS DE ANGICO)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 16 (DEPOIS DE ANGICO)

Cangaceiro jamais imaginava que aquela tragédia pudesse acontecer. Quando Cangaceiro viu a bala zunindo, o escarcéu formado, o fogo cortando tudo, os gritos, as quedas, as mortes, e ele mesmo não sabendo direito se estava vivo ou morto, não teve cabeça boa pra acreditar. Aquilo seria a última coisa que poderia suceder. E tudo que ninguém imaginava que pudesse acontecer.

Mas estava ali: a madrugada aflita, o passarinho piando de lamentação, a mataria sem querer acreditar, a pedra chorando, a gruta gemendo, a vida em pranto, em tudo tanta dor e sofrimento. Depois do primeiro disparo, e acertando a rainha cangaceira, os estampidos seguintes, voltados para todas as direções, tanto derrubavam o mandacaru como o cabra aflito que procurava se proteger.

Hoje a história fala numa morte anunciada, em massacre premeditado, num acontecimento inevitável. E muitos chegam a asseverar que o ciclo cangaceiro já estava marcado para terminar mesmo naquele fatídico dia 28 de julho de 1938. E tanto estava marcado no calendário que ao rei dos cangaceiros foi oferecida a chance de abandonar o bando antes que parte do mesmo fosse chacinado.


E sabendo que os dias estavam realmente contados, que não duraria muito para a descoberta e o ataque, o Capitão passou a sofrer a mais angustiante das dúvidas: acabar logo com o bando ou deixar que o destino desse a última voz. Tal indagação corroia-lhe por dentro, apertava o peito, feria o coração. Homem de sentimento, sofrendo a dolorosa perseguição de ter de fazer tão difícil escolha.

Tudo isso refletia no homem como folha verde quando começa a estiagem, como semente quando não bebe gota d’água. Verdade que Lampião andava meio cabisbaixo, um tanto entristecido, de poucas palavras e mais recolhimento. Líder que gostava de estar ao lado de seus comandados, naqueles últimos dias dava pra se danar pra lugares mais afastados, nas ribanceiras do rio, por cima das pedras grandes.

Cangaceiro não comentava nada com os demais, mas tinha certeza que o Capitão meditava conversando consigo mesmo, murmurando seus descontentamentos, seus aperreios, suas angústias e desilusões. E que também chorava de vez em quando. Um dia ainda voltou com os olhos marejados, talvez não desejando mais esconder de ninguém o que andava sentindo.

Mas por que o Capitão não convocava uma reunião para expor, de uma vez por todas, a situação, dando a cada um a chance de escolher o que fazer? Todo líder acha que encontrará sozinho a melhor solução. Situações complicadas ou problemas mais graves a ser resolvidos ele só comentava com Maria Bonita, quando muito. Tinha tanta consciência do seu poder de liderança e de resolver sozinho a maioria das dificuldades surgidas que quase não compartilhava nada com o restante.

Mas para ele estar assim coisa boa não poderia ser. Todo coiteiro que chegava e lhe comunicava alguma coisa o tornava mais circunspecto e reflexivo ainda. Não gostando nada daquela realidade, Cangaceiro sentou numa pedra perto de um companheiro de bando, num lugar um pouco mais afastado, e começou a comentar sobre aquela situação.

O cabra respondeu que também já havia percebido a estranheza, mas talvez tudo estivesse sendo motivado por pensamentos que vinha tendo sobre o destino do bando. Segundo tinha ouvido de uma cangaceira muito amiga de Maria Bonita, desde muito que Lampião vinha tendo pressentimentos ruins com relação ao cangaço. Chegava mesmo a ter pesadelos terríveis com gaviões enfurecidos dando bicadas por cima das cabeças de todo mundo.

Era como se sentisse que o bando dele não demoraria existindo por muito tempo, que a qualquer momento alguma coisa desastrosa poderia acontecer. E por isso mesmo, pra evitar o pior, e também pelo fato de já estar cansado daquela vida de lutas e mais lutas sem qualquer conquista de grande valia, que estava pensando seriamente em desfazer o bando, mandar que cada um seguisse seu rumo e que ele mesmo daria um jeito de se refugiar junto com Maria Bonita.


Ao ouvir isso, Cangaceiro baixou a cabeça e disse o que sentia sobre a revelação do amigo. Afirmou que Lampião até podia ter razão em querer abandonar aquela vida. Reconhecia o seu cansaço depois de tanto tempo cortando caatinga, fugindo, atacando, sendo perseguido, numa vida injusta demais pra qualquer pessoa. Mas nada seria resolvido apenas acabando com o seu grupo.

E prosseguiu dizendo que o Capitão era bem protegido por gente graúda, importante, e que talvez não sofresse nenhuma represália ou consequência maior por parte da justiça. Contudo, certamente que os outros cangaceiros não teriam a mesma sorte, pois sofreriam implacável perseguição e a tendência era que apodrecessem atrás das grades. Sem falar que poderiam ser fulminados covardemente pelos fuzis dos macacos.

Indo adiante no seu proseado, disse ainda Cangaceiro que ainda tinha outro problema que ninguém gostava de falar. E isso dizia respeito ao mundo que o ex-cangaceiro encontraria fora do bando, fora da fama catingueira, fora do respeito que todos devotavam aos homens de Lampião. Acaso ficassem livres da cadeia, o que seria difícil, melhor sorte não teriam perante outras situações.

E apontou: muitos não encontrariam mais família nem porta aberta que os acolhesse; do mesmo modo, poucos seriam os amigos de outrora que estenderiam a mão ou abririam a boca para um bom dia ou boa tarde; sem dinheiro, sem tostão algum, teriam que esmolar para sobreviver, e o pior que sabendo que a fama de ex-cangaceiro não era certeza alguma de ser visto com bons olhos por certas pessoas; que verdadeiramente corriam o risco de ser chamados de fracos e covardes, o que implicaria numa rejeição ainda maior por parte da sociedade; que a polícia tencionasse fazer, mil vezes mais, aquilo que por muito tempo não haviam conseguido a contento, que era a judiação até a morte.

Dois dias depois dessa conversa, na madrugada de 28 de julho de 1938, a polícia alagoana comandada pelo Capitão João Bezerra, atravessando o São Francisco em meio à escuridão, cercou a Gruta do Angico, último refúgio do bando no lado sergipano, e começou atirando em Maria Bonita no momento que ela se dirigia até a beira das águas com balde na mão. Depois mais dez cangaceiros foram varados de balas, inclusive o Capitão Lampião.

Cangaceiro, deitado na recurva de duas pedras, assim que ouviu os primeiros estampidos já pulou de arma na mão. Recostou-se nas pedrarias e começou a mandar bala sem saber ao certo de onde a polícia atirava. Ainda estava escurecido e os vagalumes mortais cortavam o ar num zunido ensurdecedor. As balas batiam nas pedras, riscavam fogo, ricocheteavam e se espalhavam por todo lugar. Tempo ruim, tempo triste, coisa de parecer o mundo acabando.

Totalmente encurralado, Cangaceiro se arrastou pelo chão espinhento que mais parecia cobra assustada. Foi dar num penhasco num mesmo instante que ouviu botinas no seu encalço. É agora, pensou. Ainda deitado, mirou na direção do barulho na mataria, atirou e depois se deixou cair ribanceira abaixo. Foi sua salvação. Correu pelo mato da beira do rio e só parou quando encontrou uma canoa abandonada. Subiu nela e começou a singrar sem direção.


A sorte ajudou Cangaceiro mais uma vez. Foi parar na casa de um coiteiro e lhe jogou por cima da mesa anéis, moedas de ouro, quinquilharias brilhosas. Disse que entregaria tudo que possuía se o amigo arrumasse algum dinheiro pra fugir dali e o mais depressa possível. O sertanejo não tinha em casa um tostão furado, mas deixou o amigo num esconderijo enquanto levava um bode pra fazer negócio na cidade.

Cinco dias depois Cangaceiro já era forasteiro desconhecido lá pelas bandas de Minas Gerais. Mendigou, dormiu no coito da linha do trem, ouviu o apito e se assustou pensando que era a polícia. E foi passando de coito em coito, refúgio em refúgio, até arranjar emprego numa grande fazenda.

No dia seguinte, foi chamado pelo capataz que lhe fez uma interessante proposta: ganharia o dobro, talvez o triplo, se fosse bom no gatilho e aceitasse ser pistoleiro do chefe. Cangaceiro, que agora dizia chamar-se Bastião, olhou no olho do outro e disse que em toda sua vida jamais tinha apertado um gatilho pra ninguém. E não seria agora que se tornaria num assassino.

Foi dispensado e seguiu adiante, em busca de uma igreja qualquer para ir conversar com Deus. Contar sobre o homem que tinha sido e no que havia se transformado.

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com