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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

JORGE FERNANDES – POETA E DRAMATURGO.

Em 25 de novembro de 1957, o escritor Luís Patriota realizou o seu discurso de posse na Cadeira nº 9, da Academia Potiguar de Letras, cujo patrono era o poeta Jorge Fernandes. Trago parte desse discurso, que foi publicado na REVISTA DA ACADEMIA POTIGUAR DE LETRAS, Natal, 1964, número 02, páginas 7 a 14.

Senhores Acadêmicos: Aqui me tendes para fazer o elogio do patrono de minha cadeira, Jorge Fernandes — Poeta e Dramaturgo. À primeira vista se vos afigurará, talvez, um paradoxo, porque eu, integrante da velha guarda, haja escolhido para meu patrono nesta Academia um poeta filiado à nova escola, da qual, aliás, era ele o mais legitimo representante no meio intelectual da província e quiçá um dos mais prováveis precursores desse movimento de renovação nacional, que, não obstante contar com a adesão de figuras exponenciais da literatura brasileira, não conseguiu ainda, nem conseguirá jamais, (queiram ou não queiram os modernos Zoilos) sobrepujar a poesia antiga, cingida de metro clássico, tão ao gosto da nossa gente, por índole, sentimental e emotiva. Eu vos darei a resposta convincente e clara: Jorge Fernandes foi um poeta na legítima acepção do termo, abrangendo todas as escolas com arte e perfeição absoluta, assim é que, tanto fazia um soneto, com a célebre chave de ouro, rimas ricas e bom jogo de palavras, como sabia compor versos modernos, penetrando até à geração que sucedeu ao modernismo e ao pós-modernismo..

Outro motivo da preferência na escolha do meu patrono, reside no fato de, nos últimos anos de atividade funcional do poeta, no antigo Departamento Estadual da Fazenda, haver trabalhado eu, ao tempo do Conselho Administrativo, junto a ele já alquebrado e desiludido de todos e de tudo, cujas funções a seu cargo se limitavam ao fatigante serviço de carimbar talões de guias fiscais.

Tive o feliz ensejo de, naquele tempo, privar de sua intimidade e ouvir-lhe, com a máxima atenção, a narrativa minuciosa e completa de suas profundas queixas e decepções, como um “desabafo” para o seu coração de poeta, porque alto demais pairava o seu sonho, para ser alcançado…

E de tanto desejar descobrir esses arcanos da Natureza e de tanto se convencer da impossibilidade de atingi-los, foi que Jorge Fernandes começou a fazer ironia, na prosa e no verso, como se em nada mais pudesse acreditar..

Hoje praticamente esquecidea, a Academia Potiguar de Letras foi criada por vários intelectuais locais e conseguiu deixar algumas revistas com interessante material.

Veríssimo de Melo que, através da Revista BANDO, forneceu-me abundante subsídio para este modesto trabalho acerca de Jorge Fernandes, chamou-me ainda a atenção, numa das suas apreciáveis crônicas diárias publicadas n’A REPÚBLICA, para o Jorge Fernandes — Concretista, nas seguintes palavras: — “Em palestra com Luís Patriota e Newton Navarro, eu dizia ontem e agora torno “público que não há em toda a nossa literatura provinciana, nenhuma poesia mais atual do que a de Jorge Fernandes. A propósito, Navarro acrescentou um fato que não deve passar sem um registro, principalmente nesta hora em que um nosso intelectual se prepara para escrever-lhe o elogio acadêmico.

Se o movimento moderno, chamado “concretismo”, consiste principalmente na representação das ideias ou palavras em linhas ou formas geométricas, não se pode negar que Jorge Fernandes também foi um precursor desse concretismo. No seu poema “Rede”, que é, aliás, delicioso, Jorge Fernandes fala sobre os prazeres que uma boa rede nos proporciona e termina por colocar a referida palavra em forma de semicírculo, exatamente como uma rede armada.

Foi a maneira mais viva que ele encontrou para nos transmitir a ideia de uma rede.

Jorge Fernandes.

E não é isto que os chamados poetas concretistas têm feito para aludir às coisas que podem ser representadas em formas geométricas?

Pois bem, senhores acadêmicos, é outra faceta por demais interessante do talento poético de Jorge Fernandes, e uma demonstração evidente do quanto era ele capaz, fazendo à moderna poética brasileira vaticínios sobre o que seria realmente a poesia do futuro, sem expressão nem sentimento, e já de si inaceitável, por insubsistente.

A poesia de Jorge Fernandes é bem outra, moderna, porém expressiva e de roupagem adequada ao gosto, por que não dizê-lo? até mesmo dos filiados à velha escola, pelo encanto, graça e ironia que emprestava aos seus poemas.

Documento de Jorge Fernandes.

Escrevia-a com naturalidade e sem preocupações de forma e de estética, mais chegada ao coração e aos motivos do povo. E assim mereceu a consagração de pioneiro do movimento modernista, em nossa terra, confirmada por Mário de Andrade, através da seguinte carta:

Jorge Fernandes — Por intermédio desse queridíssimo Luiz da Câmara Cascudo faz já um mundo de tempo que recebi uns poemas de você, entre os quais dois dedicados a mim. Só agora, e como sempre de carreira, venho lhe dizer o muito obrigado efusivo e a sinceridade enorme com que me agradam os seus versos. Tem neles um certo at brusco meio selvagem, meio ríspido e, no entanto, côa de tudo uma doçura e um carinho gostoso. Tudo isto eu tenho apreciado e me tem dado vontade de ter mais coisas suas. Você é original e incontestável, e é duma originalidade natural nada. procurada. Isso é dom preciosíssimo, meu amigo. Fique certo que ando guardando os poemas de você como um dos mais interessantes dentre os do nosso Brasil de hoje. Veja se me manda mais coisas. Estou com ideias de escrever chamando a atenção sobre vocês daí norte-rio-grandenses e você terá lugar. importante nesse artigo. Vá mandando coisas que fizer, pois, mesmo que não seja por causa disso, só por causa da nossa amizade que no ano que vem será conversada, voz contra voz, nós dois aí mesmo em Natal bonita. (Não pense que este “bonita” é para agradar, tenho umas fotografias de Natal aqui e gostei muito). Veja se escreve um pouco e mande dizer se recebeu o livro que mandei para você. Conte coisas e retribua este abraço do Mário de Andrade.”

Ouçamos, agora, Peregrino Junior, atual Presidente da Academia Brasileira de Letras, em carta dirigida a Lenine Pinto:

Agradecendo o exemplar do “Diário de Pernambuco”, que me enviou, quero felicitá-lo calorosamente pela entrevista com Jorge Fernandes — a maior figura literária de nossa terra. Foi justa e oportuna sua iniciativa. Jorge Fernandes — grande poeta, grande contista, grande dramaturgo, —merece todas as homenagens, que nenhuma é bastante alta para o seu valor, apesar da modéstia e do silêncio em que ele vive. Velho fã de Jorge Fernandes, se faz que possamos crer no homem, mas sem nenhum motivo para descrer nas suas palavras”.

Reportagem onde Jorge Fernandes deu um depoimento a Lenine Pinto em 1949, quantro anos antes de sua morte e reproduzida no Diário de Pernambuco. Na época essa matéria repercutiu muito.
O saudoso Lenine Pinto e Rostand Medeiros.

Octacílio Alecrim, no seu primoroso livro PROVÍNCIA SUBMERSA, faz inúmeras referências a Jorge Fernandes, com transcrição de vários dos seus poemas, entre outros: REDE, (pag. 27); A RODA (pag. 72) e CANÇÃO DO INVERNO (pag. 94)

Declamemos dois deles.

REDE

Embaladora do sono…

Balanço dos alpendres e dos ranchos…

:E- vaivém de modinhas langorosas….

Vaivém de embalos e canções…

Professora de violões…

Tipoia de amores nordestinos…

Grande… larga e forte… para ensaios…

Berço de grande raça

Suspensa…

Guardadora de sonhos…

Pra madorna ao meio-dia…

Grande… côncava…

Lá no fundo dorme um bichinho

— Ô… ô… ô… ôô… ôôôôôôôôôô…

— Balança o punho da rede pro menino dormir…

A RODA

Lá vai rodando a roda

        Pelo fio do passeio

Equilibrada por um arame…

       Ninguém lhe esbarra a carreira…

Aquela roda já teve raios dourados

         E uma borracha em torno…

Era de um velocípede de criança rica…

Depois perdeu os raios dourados…

         Perde tudo…

Sozinha… ôca… vagabunda

         Lá se vai rua afora:

               Dourada…

                 Macia…

             Ambicionada

Aos olhos satisfeitos do menino pobre.

Como acabámos de ouvir, há muito de apreciável nesse gênero de poesia, dependendo unicamente dos recursos do poeta a maneira de tocar à sensibilidade e ao paladar do leitor, na exaltação de suas faculdades mentais, desenvolvidas em relação ao culto da Beleza e da Verdade.

Nenhum poeta deve simular aquilo que não sente, ‘nem disfarçar os seus próprios sentimentos, porque “escrever mentindo é um sacrilégio do coração”.

E, como a palavra é realmente para o poeta a expressão da alma, D. Silvério Gomes Pimenta já dizia que, na boca do poeta, a palavra fala à fantasia e ao coração, povoando aquela de imagens e revolucionando este de afetos, acrescentando que Jesus é a imagem substancial da inteligência eterna, e a palavra é a imagem acidental da inteligência criada.

Falar em Jorge Fernandes, senhores acadêmicos, é lembrar o último fidalgo, no conceito luminar de Câmara Cascudo: — Sebastião Fernandes, o poeta de fina sensibilidade, o orador fluente e primoroso e o exímio cultor do Direito, em nossa terra, a quem Jorge dedicou o MEU POEMA PROVINCIANO Nº 5, aludindo ao sino grande da Matriz:

“Foi a este sino que meu irmão, num soneto,

pediu que ele dobrasse muito no dia que ele morresse…

(Felizmente o meu irmão está vivo e tomara

que ele tão cedo não dobre muito por ele)”.

TRAÇOS BIOGRÁFICOS

Jorge Fernandes nasceu em Natal, aos 22 de agosto de 1887, sendo seus pais o professor Manoel Fernandes de Oliveira e Dona Francisca Fagundes de Oliveira. Ao concluir os seus estudos escolares, colocou-se no antigo estabelecimento industrial “Fábrica Vigilante”, de Filadelfo Lira, e, no desempenho das funções de pracista, viajava periodicamente o sertão, oportunidade que sabia aproveitar, na obtenção de valiosos subsídios para vários de seus poemas que constituem, hoje em dia, o mais apreciável regalo espiritual de seus inúmeros admiradores.

Do seu primeiro consórcio com Dona Maria da Conceição Fernandes de Oliveira, realizado em 1º de janeiro de 1910, houve quatro filhos: Alba, Iara, Ilka e Rui Fernandes de Oliveira. Contraindo segundas núpcias, aos 29 de março de 1924, deixou viúva d. Alice Fernandes de Oliveira e filha Alice, além de outra, de nome Jurema, já falecida.

No dia 17 de agosto de 1953, aposentado como oficial administrativo do Departamento da Fazenda Estadual, veio a expirar em sua residência, à rua Vigário Bartolomeu, aos 66 anos de idade.

O POETA E SUA OBRA

Jorge Fernandes de Oliveira escreveu e publicou um único trabalho — LIVRO DE POEMAS (Tip. d’“A Imprensa”, Natal, 1927), prefaciado por Luís da Câmara Cascudo, e as seguintes peças teatrais: ASSIM MORREU… MANHÃ DE SOL, ANTI-CRISTO (de colaboração com Virgílio Trindade), A MENTIRA, O BRABO, PELAS GRADES e DE JOELHOS. Em parceria com Virgílio Trindade e Ezequiel Wanderley, escreveu CÉU ABERTO, algumas delas ou todas representadas no antigo Teatro Carlos Gomes, por iniciativa do “Ginásio Dramático de Natal”, e que muito contribuíram para os aplausos recebidos por Jorge Fernandes.

São estes, srs. acadêmicos, os ligeiros densos biográficos que pude obter, em relação ao patrono de minha cadeira nesta Academia, nas fontes a que. recorri, e estou certo de que mais não será preciso dizer, mesmo porque a personalidade inconfundível de Jorge Fernandes foi por demais conhecida de todos nós, como uma glória das letras norte-rio-grandenses.

Ao tomar posse de minha cadeira, prezados confrades, não tenho palavras para agradecer tão importante distinção que me proporcionais com a vossa companhia; e, em’ particular, ao ilustre confrade Marcos Falcão, quero – também expressar o meu sincero e profundo agradecimento pela generosidade de suas palavras amigas e o estímulo de sua amizade e valiosíssima contribuição à magnificência desta noite.

Senhores Acadêmicos: Olavo Bilac disse, certa vez, que à Academia, como ao Paraíso e ao etos se pode chegar por diversos caminhos…

Não quis eu chegar, pois, sozinho a esta Casa; poderia tomar rumo diferente… Por isso escolhi esse companheiro para a minha jornada. Aqui estou, deixai-me entrar!…

Extraído do blog do historiador e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros - https://tokdehistoria.com.br/2024/12/22/jorge-fernandes-poeta-e-dramaturgo/

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A SAGA DOS CANGACEIROS GATO E INACINHA EM PIRANHAS

Por Manoel Severo

 

Vamos relembrar hoje na sessão "Do fundo do Baú" , uma das lendárias visitas da Caravana Cariri Cangaço, desta vez dentro da programação do Cariri Cangaço Piranhas 2015 e o destino foi a Fazenda Picos; local da prisão de Inacinha e depois da saga sangrenta do cangaceiro Gato rumo a Piranhas. Naquele dia cerca de 200 confrades, entre pesquisadores, escritores, alunos e professores, participaram da jornada que marcou o Cariri Cangaço Piranhas, sob o comando do Conselheiro Cariri Cangaço, Celsinho Rodrigues e sua esposa, Patricia Brasil. 

Era o mês de Setembro, o ano:1936; quando a volante comandada por João Bezerra cercava e trocava tiros com o grupo de Gato, que se encontravam acoitados na Fazenda Picos. Inacinha, gravida de oito meses acabou sendo foi baleada e capturada por João Bezerra. A companheira do cangaceiro Gato foi levada pela volante para Pedra de Delmiro para logo em seguida seguir para a cidade de Piranhas.  

Naquele dia tivemos a explanação do senhor João Lopes, que mostrou aos convidados Cariri Cangaço o mapeamento da rota do grupo de Gato; onde estavam, o cerco e por onde se aproximaram os homens de João Bezerra, depois foi mostrado o rumo que o bando tomou, para libertar Inacinha, na frustrada invasão de Piranhas, que teve final trágico para Gato, que na ruas de Piranhas seria baleado e perderia a vida logo depois.


Recorremos ao pesquisador João de Sousa Lima sobre o perfil do cangaceiro Gato: "Santílio Barros era o verdadeiro nome do cangaceiro Gato e não se tem na história do cangaço, outro homem que tenha sido tão sanguinário, perverso e frio como foi este cangaceiro. Era filho de Ana (Aninha Bola) e Fabiano, um dos sobreviventes da guerra de Canudos, seguidor do reverenciado beato Antonio Conselheiro. Era índio da tribo Pankararé.

Alem de Gato, duas irmãs sua foram pro bando: Julinha, amante de Mané Revoltoso e Rosalina Maria da Conceição, companheira de Francisco do Nascimento, o cangaceiro Mourão. Mourão mesmo sendo cunhado e primo de Gato, acabou sendo morto por ele, depois que Mourão e Mormaço acabaram uma festa, acontecida no Brejo do Burgo, onde deram alguns tiros colocando a população em pavorosa fuga, Gato sendo cobrado por Lampião que pediu providências por ser o pessoal de sua família, perseguiu e matou os dois companheiros, enquanto eles pegavam água em um barreiro, em um dos coitos no Raso da Catarina. Mourão deixou Rosalina grávida e desta gravidez, nasceu Hercílio Ribeiro do Nascimento, ainda vivo e residindo no Brejo do Burgo."

E continua João de Sousa Lima, "Gato por pouco não matou sua própria mãe por esta ter feito comentários sobre as constantes passagens dos cangaceiros por sua casa. Gato foi até a casa da mãe com a finalidade de corta sua língua, quando foi dissuadido por alguns familiares do macabro intento, mostrando pra mãe dois facões e dizendo: Este aqui é o cala boca corno e este é o bateu cagou!" A partir desse perfil traçada pela história do sanguinário Gato, é fácil compreender a sina macabra acontecida logo após a fazenda Picos.

Imagens por Raul Meneleu

You Tube: canal Tv Maria Bonita

Na época a fazenda Picos, pertencente ao Dr. Jorge Forte, nos recebeu em grande estilo. A sinalização histórica e o acesso a todos os cenários do marcante episódio do cerco da volante do tenente João Bezerra ao grupo de Gato, foram providenciados pela municipalidade de Piranhas, que tinha a frente a secretaria de Cultura e Turismo ,Patricia Brasil . 

Imagens do Fundo do Baú...
 Paulo Britto, Seu João, Manoel Severo e Patrícia Brasil Rodrigues 
Patrícia, João de Sousa, Celsinho, Manoel Severo, Dr. João Forte, Seu João, 
Reginaldo e Sonia Jaqueline
Dona Cláudia, Manoel Severo e José Cícero Silva
 Abreu Mendes, Romero Cardoso, Jose Joventino, Josue Macedo, Neli Conceição, 
Manoel Severo e Alan Pernambuco
 Dr Lamartine Lima e Neli Conceição
Antônio Amaury Correa de Araujo...
 Archimedes Marques, Getúlio Bezerra, Elane Marques e Renato Bandeira
 Aderbal Nogueira e Francisco Correia
Afranio Gomes, Manoel Severo e Wescley Rodrigues
 Dr Lamartine Lima
 Manoel Severo e Celso Rodrigues
 Kiko Monteiro, Narciso Dias, Jorge Remigio e Ivanildo Silveira
 Juliana Pereira e o local do tiroteio
Rostand Medeiros, Paulo Britto e Ane Ranzan

Fotos: Felipe Montargil / Ingrid Rebouças / Narciso Dias
Evento do Cariri Cangaço Piranhas 2015 - Fazenda Picos, 
Acontecido no dia 27 de Julho de 2015
Piranhas, Alagoas

A CANGACEIRA INACINHA, DEPOIS DO CANGAÇO

 Por Sálvio Siqueira


O cangaceiro Santílio Barros, conhecido pela alcunha de “Gato do Chico”, índio da tribo Pankararé, da Baixa do Chico, região do Brejo do Burgo na vasta região do Raso da Catarina, no Estado baiano, tinha uma companheira, essa sendo sua esposa legítima, por nome de Antônia Pereira da Silva, que também pertencia à mesma população indígena. Dona Antônia tinha uma prima legítima chamada Inácia Maria das Dores, conhecida por todos como “Inacinha”.


“Gato” resolveu se envolver, também, amorosamente com Inacinha. Dona Antônia não aceitando esse triângulo amoroso, procura o chefe do bando Virgolino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião, e lhe comunica da sua insatisfação. Certa noite, dona Antônia deixa seu companheiro, sua família ali localizada, e parte para esconder-se nas terras de um parente longe dali.


Essa tribo indígena foi ‘fornecedora’ de muita gente que compôs o bando de cangaceiros do “Rei do Cangaço”. Além de “Gato”, “Antônia” e “Inacinha”, vários outros acompanharam o “Rei Vesgo” na sua trilha de sangue. Os nomes mais conhecidos foram os dos seguintes cangaceiros: “Mourão, Balão, Mormaço, Açúcar, Azulão, Rosa, Ana, Catarina, Julinha, Lica e Joaninha”. Interessante é que todos eram parentes. Sendo irmãos e primos, citamos como exemplo as cangaceiras Julinha e Rosalina que eram irmãs do cangaceiro Gato. Não ficando só nesses, os componentes da tribo dos Pankararé a fazerem parte da saga do cangaço.


O casal de cangaceiros, Gato e Inacinha, seguem suas vidas aventureiras dentro das hastes do cangaço. O cangaceiro “Gato” é tido, pela maioria dos pesquisadores/historiadores, como um dos mais violentos e perversos, se não o maior, dentre todos aqueles que conviveram ao lado do “Rei do Cangaço” ao longo dos quase 20 anos do seu reinado sangrento.


Em determinada época, a volante comandada pelo tenente João Bezerra, pernambucano natural da fazenda Colônia, localizada próximo ao Distrito de Ibitiranga, município de Carnaíba, PE, e que era primo do chefe cangaceiro Manoel Batista de Morais, o cangaceiro ‘Antônio Silvino’, antecessor de Sinhô Pereira, chefe de Virgolino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião, trava violento tiroteio contra o subgrupo de cangaceiros chefiado pelo cangaceiro “Gato” nas terras da fazenda Picos. Nesse embate, sua companheira, a cangaceira Inacinha, que se encontrava grávida de oito meses, é atingida, baleada, na parte glútea direita. O projétil rompe pele e músculos, porém, não sabemos o porquê nem como, não atingiu nervos, artéria e ossos, o mesmo saindo na parte anterior, na altura da virilha direita, sem atingir o feto.


Inacinha baleada é presa pela volante e conduzida até a cadeia da cidade de Olho D’água do Casado, AL. Alguns autores citam que o tenente levou a prisioneira para a cidade de Pedra de Delmiro, hoje Delmiro Gouveia, também em território alagoano. Veja bem, o combate na fazenda Picos, há uma distância de alguns quilômetros da cidade de Olho D’água do Casado. 

José Maria, filho dos cangaceiros Gato e Inacinha.

A cidade de Pedra, hoje Delmiro Gouveia, dista dessa, mais ou menos, uns trinta e dois quilômetros, e da cidade ribeirinha de Piranhas, QG das volantes, 40 quilômetros. Aí perguntamos: O que danado o tenente iria fazer com uma cangaceira, grávida de oito meses, baleada, numa localidade que ficaria distante da sede do comando, mais ou menos 40 quilômetros, que era em Piranhas, AL? A cidade de Olho d’água do Casado fica há uma distância de 18 quilômetro da cidade de Piranhas. Improvável esse movimento ao contrário, se distanciando mais 32 km do local para onde tinha que levar a prisioneira. Totalmente sem lógica. Portanto, cremos mesmo que Inacinha ficou presa na cadeia de Olho D’água do Casado, há 18 quilômetros da sede do comando, e que logo fora levada pela volante do tenente para Piranhas.


“Gato”, sabedor da prisão de sua companheira, pede auxílio aos chefes cangaceiros Corisco e Moderno, para irem até Piranhas, resgatar sua amada. O que Gato não sabia era que sua companheira não se encontrava presa em Piranhas. No campinho para Piranhas, Gato transforma o caminho em uma estrada de sofrimentos, sangue e morte. Todo aquele que o cangaceiro encontrava pela estrada, o matava. Sua última vítima foi um jovem de 15 anos que o mesmo tinha pegado e lhe perguntado se havia soldados na cidade. O jovem sabia que não havia soldados em Piranhas e que, os poucos que lá estavam, largaram das armas e deram no pé, deixando a população indefesa. No entanto, a cabroeira ao começar a entrar pelas ruas da cidade, uma saraivada de balas é disparada em sua direção, nesse momento, achando que o jovem o estava enganando, “Gato” o sangra na frente da sua mãe.


Quem os combatia eram as pessoas do local, os moradores, que pegaram em armas e fizeram das paredes das suas casas trincheiras, com muita valentia e determinação, defenderam suas moradias, suas famílias, seu lugar, suas vidas. Nesse confronto, o cangaceiro índio da Baixa do Chico é atingido na altura da coluna lombar, ou mesmo sacrococcígea, essa última, apesar de não ter medula, é bastante irrigada, motivando uma grande hemorragia quando submetida a algum trauma. Gato é levado pelos companheiros para a caatinga, no entanto, dias depois os moradores encontram seu corpo rodeado por aves carniceiras.

Após essa luta nas ruas da cidade de Piranhas, o tenente João Bezerra chega trazendo sua prisioneira. Ela é colocada na Cadeia Pública de Piranhas, mas, em pouco tempo é liberada devido a seu estado gestacional. Apesar de ter sido pouco o tempo em que ficou encarcerada, Inacinha conhece e se engraça de um dos soldados, começando um namoro com um de seus carcereiros.


Ganhando a liberdade, Inacinha permanece na cidade ribeirinha, dando prosseguimento ao namoro com o saldo conhecido pela alcunha de ‘Pé-na-Tábua’. O filho nasce e recebe o nome de José Maria, o qual é batizado na Igreja da cidade e, sua mãe, apresenta-se como sendo sua madrinha. Logo depois a criança é doada. Aqueles que a adotaram, o fizeram secretamente, e o criaram. Algum tempo depois, a ex cangaceira casa-se com ‘Pé-na-Tábua’. Não bastando tantas atribulações em sua tenra vida, fica viúva, seu novo esposo vai a óbito. Depois desse acontecimento, não querendo mais ficar morando em Piranhas, volta para o seio da sua família que moravam em Brejo do Cruz.

Lá estando, surge um novo amor na sua vida. Dessa vez é um primo, ‘Estevão Rufino Barbosa’. O qual casa-se com Inacinha e, infelizmente, não tiveram filhos. Mesmo assim, vivendo exclusivamente da agricultura, ele consegue faze-la feliz.

O casal segue sua vida normal, dentro do possível, e vão rompendo os anos da vida. A década de 1930 se finda, iniciando-se a de 1940, chega o final do ciclo do Fenômeno Social Cangaço. Na segunda metade da década de 1950, mais precisamente em 1957, a senhora Inácia Maria das Dores, a ex cangaceira e viúva de um soldado de volante Inacinha, começa sentir dores estranhas em determinadas parte de seu corpo. Não dispondo de transporte automovível, ela é colocada em cima do lombo de um animal e seu esposo a leva para a cidade de Paulo Afonso, BA.

Na metrópole baiana estando, ela é assistida pelos médicos ‘Mucini e Brito’, que pela anamnese relatada, e os exames de apalpamento, solicitam exames, os quais mostram que Inacinha é vítima de um carcinoma. Após ser informado, seu esposo se desfaz de algum bem e começa-se o tratamento. Apesar do esforço dos familiares, o tratamento não surtiu o efeito esperado e, vendo-se tornar-se uma esquelética, sem aliviarem suas dores, a paciente dona Inácia Maria das Dores foge do Hospital em que se encontrava internada. Procurando um conhecido na cidade, pede a esse que envie um recado para o esposo vir busca-la. Montado em um burro, mula macho, e puxando as rédeas de outro, Estevão vai até onde estava sua esposa.

Por lá chegando, ele escuta a narração da esposa referindo-se da não evolução do tratamento e, sabedora do pouco tempo que lhe restava de vida, queria morrer em sua casa. Seu esposo no mesmo momento procura fazer o pedido da esposa e, chegando a casa, após alguns dias, dona Inácia Maria das Dores consegue deixar de sofrer. Vitimada pelo câncer, a ex cangaceira Inacinha parte em busca de reencontrar seus antepassados.

Ao receber a notícia da morte de sua’ mãe’ biológica, José Maria, acreditamos que aconselhado por alguém, vai até onde a mesma morava procurar saber se seria herdeiro, e de que. Foi informado que sua mãe havia deixado uma pequena casa de taipa, e uma grandiosa saudade no seu peito do viúvo.

“(...) Estevão falou que a herança que ela deixou foi uma casinha de taipa e a saudade que ficou (...).” ( “Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João de Sousa. 2ª Edição. Paulo Afonso, BA. 2013)

Inacinha foi a óbito em 1957. Seu esposo, ‘Estevão Rufino Barbosa’, narrou para o autor da obra citada, sua convivência, a disposição que sempre existiu naquele corpo pequenino, as dores da doença e a morte de sua esposa, ainda lagrimejando seus cansados e idosos olhos de sertanejo, em abril de 2002... Nas quebradas do sertão baiano.

Fonte “Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João de Sousa. 2ª Edição. Paulo Afonso, BA. 2013
Foto Ob. Ct.
Benjamin Abrahão
Google.com
2ª. Fonte: facebook
Página: Sálvio Siqueira
Grupo: Ofício das Espingardas
Link: https://www.facebook.com/groups/545584095605711/permalink/843744712456313/

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