Por Sálvio Siqueira
O cangaceiro Santílio Barros, conhecido pela alcunha de “Gato do Chico”, índio da tribo Pankararé, da Baixa do Chico, região do Brejo do Burgo na vasta região do Raso da Catarina, no Estado baiano, tinha uma companheira, essa sendo sua esposa legítima, por nome de Antônia Pereira da Silva, que também pertencia à mesma população indígena. Dona Antônia tinha uma prima legítima chamada Inácia Maria das Dores, conhecida por todos como “Inacinha”.
“Gato” resolveu se envolver, também, amorosamente com Inacinha. Dona Antônia não aceitando esse triângulo amoroso, procura o chefe do bando Virgolino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião, e lhe comunica da sua insatisfação. Certa noite, dona Antônia deixa seu companheiro, sua família ali localizada, e parte para esconder-se nas terras de um parente longe dali.
Essa tribo indígena foi ‘fornecedora’ de muita gente que compôs o bando de cangaceiros do “Rei do Cangaço”. Além de “Gato”, “Antônia” e “Inacinha”, vários outros acompanharam o “Rei Vesgo” na sua trilha de sangue. Os nomes mais conhecidos foram os dos seguintes cangaceiros: “Mourão, Balão, Mormaço, Açúcar, Azulão, Rosa, Ana, Catarina, Julinha, Lica e Joaninha”. Interessante é que todos eram parentes. Sendo irmãos e primos, citamos como exemplo as cangaceiras Julinha e Rosalina que eram irmãs do cangaceiro Gato. Não ficando só nesses, os componentes da tribo dos Pankararé a fazerem parte da saga do cangaço.
O casal de cangaceiros, Gato e Inacinha, seguem suas vidas aventureiras dentro das hastes do cangaço. O cangaceiro “Gato” é tido, pela maioria dos pesquisadores/historiadores, como um dos mais violentos e perversos, se não o maior, dentre todos aqueles que conviveram ao lado do “Rei do Cangaço” ao longo dos quase 20 anos do seu reinado sangrento.
Em determinada época, a volante comandada pelo tenente João Bezerra, pernambucano natural da fazenda Colônia, localizada próximo ao Distrito de Ibitiranga, município de Carnaíba, PE, e que era primo do chefe cangaceiro Manoel Batista de Morais, o cangaceiro ‘Antônio Silvino’, antecessor de Sinhô Pereira, chefe de Virgolino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião, trava violento tiroteio contra o subgrupo de cangaceiros chefiado pelo cangaceiro “Gato” nas terras da fazenda Picos. Nesse embate, sua companheira, a cangaceira Inacinha, que se encontrava grávida de oito meses, é atingida, baleada, na parte glútea direita. O projétil rompe pele e músculos, porém, não sabemos o porquê nem como, não atingiu nervos, artéria e ossos, o mesmo saindo na parte anterior, na altura da virilha direita, sem atingir o feto.
Inacinha baleada é presa pela volante e conduzida até a cadeia da cidade de Olho D’água do Casado, AL. Alguns autores citam que o tenente levou a prisioneira para a cidade de Pedra de Delmiro, hoje Delmiro Gouveia, também em território alagoano. Veja bem, o combate na fazenda Picos, há uma distância de alguns quilômetros da cidade de Olho D’água do Casado.
A cidade de Pedra, hoje Delmiro Gouveia, dista dessa, mais ou menos, uns trinta e dois quilômetros, e da cidade ribeirinha de Piranhas, QG das volantes, 40 quilômetros. Aí perguntamos: O que danado o tenente iria fazer com uma cangaceira, grávida de oito meses, baleada, numa localidade que ficaria distante da sede do comando, mais ou menos 40 quilômetros, que era em Piranhas, AL? A cidade de Olho d’água do Casado fica há uma distância de 18 quilômetro da cidade de Piranhas. Improvável esse movimento ao contrário, se distanciando mais 32 km do local para onde tinha que levar a prisioneira. Totalmente sem lógica. Portanto, cremos mesmo que Inacinha ficou presa na cadeia de Olho D’água do Casado, há 18 quilômetros da sede do comando, e que logo fora levada pela volante do tenente para Piranhas.
“Gato”, sabedor da prisão de sua companheira, pede auxílio aos chefes cangaceiros Corisco e Moderno, para irem até Piranhas, resgatar sua amada. O que Gato não sabia era que sua companheira não se encontrava presa em Piranhas. No campinho para Piranhas, Gato transforma o caminho em uma estrada de sofrimentos, sangue e morte. Todo aquele que o cangaceiro encontrava pela estrada, o matava. Sua última vítima foi um jovem de 15 anos que o mesmo tinha pegado e lhe perguntado se havia soldados na cidade. O jovem sabia que não havia soldados em Piranhas e que, os poucos que lá estavam, largaram das armas e deram no pé, deixando a população indefesa. No entanto, a cabroeira ao começar a entrar pelas ruas da cidade, uma saraivada de balas é disparada em sua direção, nesse momento, achando que o jovem o estava enganando, “Gato” o sangra na frente da sua mãe.
Quem os combatia eram as pessoas do local, os moradores, que pegaram em armas e fizeram das paredes das suas casas trincheiras, com muita valentia e determinação, defenderam suas moradias, suas famílias, seu lugar, suas vidas. Nesse confronto, o cangaceiro índio da Baixa do Chico é atingido na altura da coluna lombar, ou mesmo sacrococcígea, essa última, apesar de não ter medula, é bastante irrigada, motivando uma grande hemorragia quando submetida a algum trauma. Gato é levado pelos companheiros para a caatinga, no entanto, dias depois os moradores encontram seu corpo rodeado por aves carniceiras.
Após essa luta nas ruas da cidade de Piranhas, o tenente João Bezerra chega trazendo sua prisioneira. Ela é colocada na Cadeia Pública de Piranhas, mas, em pouco tempo é liberada devido a seu estado gestacional. Apesar de ter sido pouco o tempo em que ficou encarcerada, Inacinha conhece e se engraça de um dos soldados, começando um namoro com um de seus carcereiros.
Ganhando a liberdade, Inacinha permanece na cidade ribeirinha, dando prosseguimento ao namoro com o saldo conhecido pela alcunha de ‘Pé-na-Tábua’. O filho nasce e recebe o nome de José Maria, o qual é batizado na Igreja da cidade e, sua mãe, apresenta-se como sendo sua madrinha. Logo depois a criança é doada. Aqueles que a adotaram, o fizeram secretamente, e o criaram. Algum tempo depois, a ex cangaceira casa-se com ‘Pé-na-Tábua’. Não bastando tantas atribulações em sua tenra vida, fica viúva, seu novo esposo vai a óbito. Depois desse acontecimento, não querendo mais ficar morando em Piranhas, volta para o seio da sua família que moravam em Brejo do Cruz.
Lá estando, surge um novo amor na sua vida. Dessa vez é um primo, ‘Estevão Rufino Barbosa’. O qual casa-se com Inacinha e, infelizmente, não tiveram filhos. Mesmo assim, vivendo exclusivamente da agricultura, ele consegue faze-la feliz.
O casal segue sua vida normal, dentro do possível, e vão rompendo os anos da vida. A década de 1930 se finda, iniciando-se a de 1940, chega o final do ciclo do Fenômeno Social Cangaço. Na segunda metade da década de 1950, mais precisamente em 1957, a senhora Inácia Maria das Dores, a ex cangaceira e viúva de um soldado de volante Inacinha, começa sentir dores estranhas em determinadas parte de seu corpo. Não dispondo de transporte automovível, ela é colocada em cima do lombo de um animal e seu esposo a leva para a cidade de Paulo Afonso, BA.
Na metrópole baiana estando, ela é assistida pelos médicos ‘Mucini e Brito’, que pela anamnese relatada, e os exames de apalpamento, solicitam exames, os quais mostram que Inacinha é vítima de um carcinoma. Após ser informado, seu esposo se desfaz de algum bem e começa-se o tratamento. Apesar do esforço dos familiares, o tratamento não surtiu o efeito esperado e, vendo-se tornar-se uma esquelética, sem aliviarem suas dores, a paciente dona Inácia Maria das Dores foge do Hospital em que se encontrava internada. Procurando um conhecido na cidade, pede a esse que envie um recado para o esposo vir busca-la. Montado em um burro, mula macho, e puxando as rédeas de outro, Estevão vai até onde estava sua esposa.
Por lá chegando, ele escuta a narração da esposa referindo-se da não evolução do tratamento e, sabedora do pouco tempo que lhe restava de vida, queria morrer em sua casa. Seu esposo no mesmo momento procura fazer o pedido da esposa e, chegando a casa, após alguns dias, dona Inácia Maria das Dores consegue deixar de sofrer. Vitimada pelo câncer, a ex cangaceira Inacinha parte em busca de reencontrar seus antepassados.
Ao receber a notícia da morte de sua’ mãe’ biológica, José Maria, acreditamos que aconselhado por alguém, vai até onde a mesma morava procurar saber se seria herdeiro, e de que. Foi informado que sua mãe havia deixado uma pequena casa de taipa, e uma grandiosa saudade no seu peito do viúvo.
“(...) Estevão falou que a herança que ela deixou foi uma casinha de taipa e a saudade que ficou (...).” ( “Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João de Sousa. 2ª Edição. Paulo Afonso, BA. 2013)
Inacinha foi a óbito em 1957. Seu esposo, ‘Estevão Rufino Barbosa’, narrou para o autor da obra citada, sua convivência, a disposição que sempre existiu naquele corpo pequenino, as dores da doença e a morte de sua esposa, ainda lagrimejando seus cansados e idosos olhos de sertanejo, em abril de 2002... Nas quebradas do sertão baiano.
Fonte “Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João de Sousa. 2ª Edição. Paulo Afonso, BA. 2013
Foto Ob. Ct.
Benjamin Abrahão
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