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domingo, 29 de setembro de 2013

SOLITÁRIO E SÓ

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

Hoje é sábado. Dia de sair, de passear, de rever amigos, de buscar afazeres que façam esquecer um pouco dos tédios acumulados durante a semana. Muitos gostam dos barzinhos, da conversa descontraída acompanhada de uma bebida e algum petisco. Outros preferem os shoppings, a orla praieira ou mesmo viajar.

Já é noite fechada, já passando das sete, e a esta hora os bares estão repletos, as curtições se espalham, as descontrações se alastram. E muitos ainda terão muito a comemorar e fazer no final da noite e varando a madrugada. Apenas imagino que tudo seja e esteja realmente assim, pois me acostumei a viver distante disso tudo.

Mesmo quando mais jovem e quando era apreciador contumaz de cerveja e música de barzinho, jamais fui além do instante certo de voltar pra casa. Nunca esquecendo as horas e adentrando a madrugada de copo à mão e muito menos bailando passos pelos salões. Também nunca dancei. Nunca aprendi a dançar. Nem valsa.

Hoje nem mais cerveja nem música de barzinho. E infelizmente. Infelizmente porque poucas coisas na vida são tão admiráveis quanto bebericar uma cervejinha gelada ouvindo um violão e uma voz cantando alguma velha canção dos meninos do clube da esquina, dos antigos festivais, do nosso autêntico cancioneiro.

 

Nem mesmo em casa tenho o prazer de saborear um véu de noiva ou um tinto de antiga safra. Haveria de ser assim, então que seja. Hoje tenho de me contentar com repetidas doses de café forte e sem açúcar. A primeira dose por volta das três da manhã, pois antes disso acordo todos os dias. Coloco a água no fogo e depois derramo na pequena xícara com duas colheradas de café solúvel.

Enquanto bebo minha primeira dose de café na madrugada, certamente muitos outros ainda estão de copos cheios pelos bares e ambientes da vida. Enquanto ainda curtem as proezas do final de semana, eis que retomo meus afazeres da noite passada, pois as palavras também cansam e adormecem e precisam repousar. E não demora muito e desperto cada palavra adormecida num verso, numa crônica, num texto qualquer.

E é isso que faço agora. Simplesmente dando continuidade às palavras adormecidas de ontem, numa incansável busca de dar nexo e sentido às situações escritas e reescritas. E assim percorro essa estrada até as dez ou onze da noite, para depois tudo adormecer e recomeçar novamente. Enquanto estou aqui e daqui tomarei o caminho da minha rede de dormir, eis que a vida se faz lá fora e mais adiante com outra vivacidade muito diferente.

Mas jamais trocarei meus instantes noturnos por aqueles outros, ainda que jamais diga a qualquer pessoa que prefira a solidão da escrita, os instantes solitários do texto e do contexto, a sair, beber, brincar, festejar com responsabilidade o que a vida de melhor possa oferecer. E isto porque sei de mim, mas não sei como os outros possam suportar a solidão da noite diante apenas de palavras e pensamentos.

O silêncio ronda pelos arredores. Os finais de semana possuem a proeza de fazer o silêncio ser ouvido. Infelizmente não chove, pois gosto desse momento acompanhado do murmurejar das águas se derramando. Momento único para ouvir Tchaikovsky, Offenbach e tantos outros mestres da música clássica. Por isso ouço apenas o teclado ofegante e os passos da minha mente procurando fugir dos espinhos da estrada.

Solitário e só, assim é a minha noite nessa noite de sábado, como geralmente acontece em todas as noites de todos os outros dias. Fecho a porta atrás de mim e só me permito falar com o que escrevo. Muitas vezes provoco e exijo silêncio total, mas sou confrontado pelas palavras, pelo que foi escrito. Um verso repentinamente grita, um personagem reclama de sua situação na história, outro me chega choroso e diz que já sabe o seu fim: viver esquecido e sufocado nas páginas de um livro numa estante qualquer.

Prometo libertá-lo desde já, retirando-o da história. Mas ele diz que não. Sua sina é ser como o autor: solitário e só.

Poeta e cronista

blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

MULHERES NO CANGAÇO: A CRUZ DE MARIQUINHA.

Por: João de Sousa Lima

O guia Zé de Loló, João de Sousa Lima e Felipe Marques

Dia 16 de setembro de 2013, eu e Felipe Marques saímos de Paulo Afonso em direção a Jeremoabo e de lá, já na companhia de Antonio Fernandes, nos dirigimos até a cidade de Coronel João Sá, onde nos encontramos com o professor Enoque Cardoso e Antonio Vieira, dois amigos que nos auxiliaram em uma pesquisa sobre o cangaço apresentando pessoas e lugares que tiveram ligações com a história. Dentre as várias entrevistas estivemos com Laurinda  da Cruz de Jesus e podemos ouvir dela o relato da morte dos cangaceiros Mariquinha, Pé de Peba e Xofreu ( ou também chamado de Chofreu e Sofreu). 

Zé de Loló, João de Sousa Lima e Toinho de Juvenino

As cabeças dos cangaceiros foram levadas do local da morte no lombo de uma jumenta que pertencia a Maria da Cruz Gouveia, que era mãe de Laurinda. A jumenta estava com poucos dias de parida.

Prefeitura de Coronel João Sá

A cangaceira Mariquinha foi uma das primeiras mulheres a entrar no grupo de cangaceiros. Ela era prima de Maria Bonita, irmã de Zé de Nenê. Mariquinha seguiu com o cangaceiro Ângelo Roque, o famoso Labareda.

Casarão do Coronel João Sá em Jeremoabo
     
Os cangaceiros foram cercados ao anoitecer pela volante do nazareno Odilon Flor. Um dos soldados que estava presente nesse combate ainda encontra-se vivo em Paulo Afonso, é o cabo Gérson Pionório. A seguir o relato que ele fez do combate:

 João de Sousa Lima e Enoque com um dos entrevistados

- Eu destaquei em Jeremoabo, Canindé, Canudos (fui delegado), Pilão Arcado, Sento Sé, Remanso, Sobradinho, Casa Nova, Senhor do Bonfim, Juazeiro, Na pele, Tucano, Calda de Cipó, Urucí, Itabuna, Canavieiras, Canacá, Jacareci (fui delegado), Euclides da Cunha (fui comandante), e Cocorobó (fui delegado).Gérson passou pelas volantes de Pedro Aprígio, Aníbal Vicente, Zé Rufino e Odilon Flor.

Enoque João de Sousa Lima, Laurinda Cruz, Toinho e Vieira

Quando serviu com Odilon Flor, participou do combate onde foram mortos os cangaceiros Pé-de-Peba, Xofreu e Mariquinha. O combate aconteceu no Riacho do Negro, em Sergipe.

 João de Sousa Lima e Toinho cm o filho de Laurinda

A volante seguiu com o coiteiro nos rastros dos cangaceiros indo encontrá-los às 23hs. O combate noturno travado entre 15 policiais e 8 cangaceiros foi ferrenho. Odilon Flor saiu baleado nas nádegas, os cangaceiros tiveram uma baixa de 3 componentes do grupo. Os policiais cortaram as cabeças e ainda à noite as colocaram em um carro de boi e levaram pra Paripiranga. Na cidade, a população pode ver as cabeças de Pé-de-Peba, Xofreu e Mariquinha. Gérson passou a receber o soldo de sargento depois da morte dos cangaceiros.

Grande dificuldade  para chegar até as cruzes

Da residência de dona Laurinda da Cruz, depois de saborearmos um doce de leite, partimos para conhecer o local das mortes dos cangaceiros. Com o sol já se pondo fizemos uma viagem contra o tempo. O local da morte dos cangaceiros fica na localidade conhecida por Serrote e pertence ao Sítio do Quinto. Atravessamos muitas porteiras até encontrarmos com  o fazendeiro Gervásio de Carvalho Filho, que vinha montado em seu cavalo. Conversamos um pouco com Gervásio e seguimos o trajeto, tendo ainda que abrir várias porteiras e o sol cada vez mais sumindo no horizonte.

A cruz da cangaceira Mariquinha

Chegamos até a última casa da região, propriedade de José Alves da Costa, conhecido por Zé de Loló. Sem ele não teríamos conseguido chegar até as cruzes. Convidamos Zé e ele seguiu no carro com a equipe enquanto Enoque e  Vieira seguiram andando. Deixamos o carro em um ponto e subimos o “SERROTE”.

As cruzes de Mariquinha, Pé de Peba e Xofreu (Chofreu) 
 
Eu, Antonio de Juvininho, Felipe Marques e Zé de Loló chegamos até o local. Transpusemos uma cerca de arame farpado e Zé de Loló saiu abrindo uma trincheira, quebrando mato, desfazendo um emaranhado de cipós secos que fechava o caminho. 


Aos poucos fomos chegando, o sol baixando. Conseguimos fotografar o local e as cruzes. Mais um mistério estava desvendado, as cruzes de Mariquinha, Xofreu e Pé de Peba surgiram para a história. Nos preparamos para retornar pois a noite não demoraria a chegar. Pulamos a cerca de volta e descemos a serra. Ao longe ouvimos as vozes de Enoque e Vieira. Dirigimo-nos até o carro.

 O vaqueiro Gervásio indica o lugar das cruzes

Encontramos Enoque com uma vara na mão, pois acabara de ser atacado por uma raposa e a arma encontrada no chão serviu de defesa. Colocamos Enoque na mala do  veículo e retornamos. Deixamos Zé de Loló em sua casa onde ele vive solitário e pegamos a estrada de volta. 

A equipe atravessa o Vaza Barris

Várias cancelas depois chegamos até o povoado mais próximo. Nesse povoado fomos ver a capela onde estão sepultados alguns sertanejos que foram mortos por Ângelo Roque como vingança as mortes dos seus companheiros cangaceiros. Estão enterrados na capela os senhores Olegário.

O encontro com Zé de Loló

Antonio e Constâncio. Seguindo essa vingança o Ângelo Roque ainda matou a senhora Jovina que estava grávida de gêmeos. Jovina residia na localidade Logradouro e era prima do cangaceiro Saracura.

 Enoque relata o ataque da raposa com um cajado na mão...

Naquele intrincado e longínquo pedaço de chão baiano, a história deixou marcas profundas, marcas de um tempo que o povo ainda tenta entender. Tempo que tem sua compreensão fundamentada nas cruzes erigidas em lembrança de alguns cangaceiros e de sertanejos que viram suas vidas envolvidas na história do cangaço.


João de Sousa Lima 
Historiador e escritor.
Membro da ALPA – Academia de Letras de Paulo Afonso.
Membro de GECC – Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará.


Paulo Afonso, 27 de setembro de 2013.

Enviado pelo  autor João de Sousa Lima

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