Por: José Mendes Pereira
Outros afirmavam que não. Dona Gertrude era uma senhora honrada, e jamais deixaria o seu nome cair em patotas de devoradores de honras, ou mesmo em reuniões de vizinhos nas calçadas. Mas como ninguém tinha certeza das conversas que circulavam na redondeza sobre o engodo amoroso do casal, apenas conversavam entre os dentes outras infidelidades da Gertrude.
Há dias que o Leodoro não aparecia na residência do seu Galdino, pois em companhia da Gertrude havia se ausentado do lugar, e juntos, abalaram-se às terras cearenses para fazerem visita a uma filha que morava em Juazeiro do Norte. Um passeio formidável e merecido, para matarem as saudades; pois já fazia cinco anos que pais e filha não se viam de perto.
Como o retorno do casal iria demorar, Leodoro deixara a propriedade sobre os cuidados do compadre seu Galdino, e este sendo zeloso, cuidava dos afazeres rotineiros.
Um mês depois Leodoro retornou à velha morada, pois afirmara que já estava com saudade das belas histórias de onças, todas contadas por seu Galdino.
Nessa noite o Leodoro chegou à boquinha da noite à casa do seu Galdino.
- Abanque-se compadre, abanque-se. – Ordenou-lhe seu Galdino.
- Sim senhor! – Fez o Leodoro se sentando num velho banco de tábua de aroeira plainado pelo carpinteiro Dodoca.
- E o passeio compadre, foi bom? – Quis saber o seu Galdino.
- Não compadre! A nossa viagem estava programada para Juazeiro e não para o Canindé de São Francisco...
- Ah, sim!... E...
Ali sentados sob o telheiro os compadres conversaram muito sobre a maravilhosa visita às cidades cearenses, feita por Leodoro. E num momento, o Leodoro que já fazia mais de mês que não ouvia histórias de onças contadas por seu Galdino, quis saber sobre as suas caçadas e façanhas.
Seu Galdino como gostava de contar as suas aventuras, sem menos pensar, saiu com uma novinha em folha. Esticou-se um pouco sobre o assento, enquanto fabricava um cigarro de fumo Arapiraca. Em seguida, disse-lhe:
- Ultimamente compadre, eu tenho caçado muito pouco. Como o senhor sabe, as minhas cercas estão todas precisando de reparos, e se eu não as reparar, com certeza, o milho que está para ser quebrado, as criações dos nossos vizinhos irão devorá-lo..., mas a semana passada – continuava ele - eu passei uma coisa que tenho certeza que ninguém quer para si.
- Para que o senhor entenda o que aconteceu comigo, eu tenho que lhe contar desde o começo. Na semana passada, bem cedo eu saí beirando cerca – dizia ele colocando uma mão atrás da outra fazendo o gesto de caminhar - no intuito de reparar as cercas, isto é, amarrar alguns arames que estavam soltos das estacas. E segui fazendo este trabalho. Eu havia levado aquela espingarda “marca-bombo” que o senhor muito bem a conhece...
- Sim Senhor! – Confirmou o Leodoro.
- Como eu já estava decidido para ir consertar as cercas, a noite anterior eu preparei o meu bornal com chumbos, espoletas, pólvoras e buchas de mororó...
- Sim senhor! – Fez o Leodoro.
- E saí para cumprir a minha missão de reparar as cercas. Bem perto do “Riacho Negro” eu me deparei com um tamanduá enorme. Fiquei pensando. Mato-o ou não o mato o pobre infeliz...
- Muita! Pois sim..., ele estava montado sobre um galho de um jucá. Quando ele me viu, quis descer. Mas eu com aquela dúvida mato-o ou não o mato, fiquei afiando a foice, no intuito de dar uma única foiçada no miserável. Distraí-me. E quando cuidei ele já havia descido do galho e foi saindo lentamente como se fosse fugindo para se esconder de mim. Assim que eu me aproximei dele, eu não tive mais coragem de matá-lo.
- Mas por que compadre Galdino, o senhor não quis mais matá-lo?
- Compadre, o que ele fez diante de mim me deixou penalizado. Ele ficou de pé como se estivesse me pedindo: -Não me mate seu Galdino! Não me mate seu Galdino! Mas o senhor sabe que quem é pobre é assim mesmo.
- É verdade, compadre! É verdade! – Confirmou o Leodoro.
- E naquela confusão mato-o ou não o mato, findei me decidindo e larguei a foice sobre o seu pescoço. Em seguida o coloquei em meu bornal e fui-me embora, isto é, corrigindo as cercas. Lá pelas tantas me veio a fome. Eu já estava no riacho da “Espera do Padre”, e lá eu fiz rancho embaixo daquele frondoso e viçoso pé de juazeiro, o qual o compadre o conhece muito bem.
- Muito, muito! – Reforçou o Leodoro.
- Quando eu estava colocando a comida no prato, o leite e cuscuz de milho, mais rapadura e duas tapiocas que a Dionísia havia feito para o meu lanche, mais gergelim pisado e coisa e tal..., sabe o que me apareceu de repente em minha frente, compadre?
- Compadre eu não tenho a mínima ideia. – Respondeu-lhe o Leodoro.
- Duas enormes onças!
- Sim senhor! E me parece que ambas eram irmãs, porque o tamanho de uma era o mesmo tamanho da outra, aliás, talhadas e esculpidas.
- E o que o senhor fez para se livrar das onças, compadre?
- De início, nada. Não tinha o que fazer mesmo. Quando eu as vi, me benzi logo. Dois búfalos daqueles na minha frente, com certeza eu estava frito.
- Espera-me meu compadre, eram duas onças ou dois búfalos?
- Eram duas onças, compadre! Eu disse búfalos imaginando o tamanho das duas feras famintas. As duas eram pra mais de quarenta arroubas.
- Meu Deus! – Exclamou o Leodoro. Em seguida perguntou-lhe: - Mas compadre, e por que o senhor não atirou logo nessas onças?
- Primeiro que tudo eram duas. Segundo por que eu não tinha mais pólvora, pois ao passar o “Riacho da Espera do Padre”, a água molhou o polvorinho e as espoletas, e com isso fiquei sem condições de atirar em qualquer vivente. E terceiro, se eu ainda tivesse munição, e se chegasse a atirar em uma delas, com certeza, a outra me devoraria em questão de segundos.
- É verdade, compadre! É verdade! – Reforçou o Leodoro.
- Mas como sempre tem algo que protege a gente – continuou ele - e acredito que é mandado por Deus, eu tive a seguinte ideia:
- E qual foi essa ideia compadre? – Perguntou o Leodoro querendo adiantar a conversa.
- Lá elas estavam de cócoras olhando para mim. Como eu tinha morto o pobre e infeliz tamanduá, tirei-o do bornal, o abri, deixando as carnes expostas e o joguei em direção a uma delas. Eu já tinha imaginado que se eu jogasse o tamanduá para uma, e se a outra me atacasse, eu iria lutar corpo a corpo com ela, isto é, com a minha foice até vencê-la. E assim fiz. Joguei o tamanduá para uma, e com isso a outra não querendo ficar sem carne, logo as duas se atracaram. Lá onde elas se atracaram tem uma ladeira. Elas agarradas, saíram de ladeira abaixo. Como as duas estavam descendo na ladeira, isto é, de cima para baixo, eu pequei o tamanduá e fiz carreira por dentro da mata, correndo, correndo, correndo e até que saí em minha casa. E graças a Deus salvei a minha pobre e estimada vida. E por isso eu estou aqui lhe contando essa história.
- Quer dizer compadre, que o senhor além de ter se livrado das duas onças, ainda recuperou o tamanduá?
- E eu brinco, compadre!? – Fez seu Galdino se gabando.
- Bem pensado compadre! Bem pensado!...
- Isso é que se chama inteligência, compadre Leodoro! – Dizia seu Galdino batendo a sua mão na cabeça.
- E ponha inteligência nisso, compadre!
Ali Leodoro se admirava da inteligência do compadre. E minutos depois, resolveu ir embora.
- Eu vou embora compadre Galdino, porque já passa da meia noite e pode ser que uma dessas suas onças apareça lá em casa. Gertrude está sozinha e a porta da minha cozinha está muito fraca.., e acredito que se uma dessas onças que o senhor viu, se acertar a minha casa, só com o peso das suas patas botará a porta dentro, e irá devorar a pobre Gertrude.
E se levantando do velho bando, Leodoro despediu-se do compadre dizendo:
- Até amanhã, compadre! Até a manhã! – Repetiu ele.
- Até, compadre! – Respondeu-lhe seu Galdino dizendo bem baixinho zombando do Leodoro. - Deixa que quem vai continuar devorando a Gertrude sou eu, e não as onças! Fora camaradas onças!
Mas enquanto caminhava, o Leodoro dizia consigo mesmo: Mas que lapa de compadre mentiroso eu tenho! Nossa!



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