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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

LIVRO

 

Você que gosta de ler o tema cangaço procura com urgência os bons livros da escritora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, adquirindo com o professor Pereira, através destes endereços:

franpelima@bol.com.br ou pelo Whatsapp 83 9 9811 8286. 

É uma escritora de nome e renome no que diz respeito ao estudo cangaceiro.

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EM TACARATU, EXPIÕES ENVIADOS À BAHIA.

 Por Guilherme Velame Wenzinger 

Lampião só passou para a Bahia em agosto de 1928, mas 2 anos antes, o chefe já estava preparando o terreno?

O jornal “A Capital” publicou uma matéria no dia 11 de Novembro de 1926 e publicou uma coluna escrita “Em Tacaratu — expiões enviados a Bahia”, veja a imagem abaixo.

https://www.facebook.com/photo/?fbid=4966116860143574&set=gm.1771328719742731

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ESSES SÃO ALGUNS DOS CHEFES DE SUBGRUPOS DE LAMPIÃO, QUE SOBREVIVERAM AO CANGAÇO.

 Do acervo do Helton Araújo

Moita Brava : Antônio da Silva ou Antônio Alves dos Santos, transitou pelos principais bandos de cangaceiros, sendo eles o de Lampião, Ângelo Roque e o de Corisco onde inciou sua trajetória em tal vida. Era irmão do cangaceiro Carrasco, nas hostes do cangaço teve duas companheiras, as cangaceiras Lili ( quem matou após descobrir adultério ) e Sebastiana com que se entregou em 1938.

Sua atuação como chefe de subgrupo ( bem pequeno por sinal ) foi de pouca relevância e duração.

Manoel Franco da Rocha foi sua última identidade faleceu com 114 anos de idade na capital paulista em 1983.

Zé Sereno : José Ribeiro Filho, esse baiano nasceu em 1913 e fazia parte da tradicional família dos Engrácias, sendo sobrinho dos afamados Antônio, Luís e Cirilo de Engrácia, além de ser primo de outros, tais como Zé Baiano e Mané Moreno.

Era companheiro da cangaceira Sila com quem sobreviveu ao ataque de Angico, onde veio morrer Lampião e Maria Bonita e mais nove cangaceiros.

Foi chefe de um grande bando, tendo em vista que seus tio Cirilo e Zé Baiano morreram nessa trajetória. Se destacou em organizar as entregas dos cangaceiros após a morte do chefe mor Lampião.

Zé Sereno faleceu também na capital paulista em 1981.

Labareda : Ângelo Roque da Costa o pernambucano, dos grandes chefes de subgrupo foi o único a sobreviver ao cangaço.

Corajoso, experiente, não costumava baixar a cabeça para ninguém.

Seu bando era um dos mais temidos em todo sertão. Foi companheiro da cangaceira Mariquinha ( morta em 1939 pela Volante de Odilon Flor ) prima de Maria Bonita, no dia das entregas estava acompanhado por outra mulher.

Por falar em entregas, seu grupo foi o último bando armado a se entregar na cidade Paripiranga na Bahia em 1940.

Ângelo Roque faleceu no ano de 1974.

Moreno : Antônio Ignácio da Silva, esse pernambucano foi cabra de Virgínio Fortunato o Moderno, de quem assumiu o bando após sua morte, além do bando ficou também com mulher do ex chefe, a bela Durvalina.

Era extremamente cruel e perigoso, sobreviveu ao cangaço pois fugiu para terras mineiras com sua companheira Durvinha, onde mudaram de nomes e viveram ocultando o triste passado, onde na velhice decidiram revelar a surpreendente história.

Moreno faleceu em 2010 aos 100 anos de idade em Minas Gerais.

Observação : Com exceção de Zé Sereno nenhum dos outros três se encontravam na Grota do Angico no dia da morte de Lampião. Além desses chefes, sobreviveu também o cangaceiro Pancada.

Fontes Consultadas : Blog Tok de História, Blog Lampião Aceso, Cangaço na Literatura e livro Cangaceiros de Lampião de A a Z de Bismarck Martins de Oliveira.

Fotos via : BENJAMIN ABRAHÃO / JOÃOZINHO RETRATISTA E BLOG LAMPIÃO ACESO

Edição de fotos e texto : Helton Araújo

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JOSÉ FERREIRA SOBRINHO DE LAMPIÃO

Por Fatos na História
https://www.youtube.com/watch?v=kSv4HMOULCo&ab_channel=FatosnaHist%C3%B3ria

...era sobrinho de Lampião, filho de sua irmã Virtuosa com Luiz Marinho, e tinha 17 anos quando... 

Referências: 

. Jornal "O Nordeste" (SE) - 03/03/1939 

. Jornal "Correio de Aracaju" (SE) - 04/03/1939 

. Jornal "A Tarde" (BA) - 02/03/1939 

. "Cangaceiros de Lampião de A a Z", de Bismarck Martins de Oliveira Fotos: 

Jornal "A Tarde" (BA) - 1939

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CANGACEIRO CEARENSE EM 1910.

 Por Guilherme Velame Wenzinger

 

Não sei se já viram esta foto mas encontrei fazendo uma pesquisa a jornais antigos que existem digitalizados por aí.

A descrição diz: "Um cangaceiro do estado do Ceará, autor de 22 mortes.

Seu nome e biographia são os seguintes, escriptos por elle mesmo e respeitada a orthographia do original: José Limeira da Costa Vasco, Gato pintado rapozo macho Elias tempestade ventania, Rei mombaças, chapéo de 30 vintens, Lençol de meia vara, seu rancho cararizeiro, tanque dos Cangaceiros, papel seliado oncô de mamão, netto de Maria Facão que matta por devoção, Filho do Braz Abuco, quando o tiro do cabra faz -- pá, o d'elle faz -- puco ! "

https://www.facebook.com/groups/179428208932798

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MARÍLIA MENDONÇA E O IMPÉRIO DA IDOLATRIA

 Por César Cantu

Prezados (as),

A morte de Marília Mendonça consternou a nação. Eu nada sabia sobre ela e suas músicas, mas, pelo que consta, ela possuía muitas qualidades como artista e como pessoa na forma de ver o mundo. Como todos, sinto muito essa perda.

Vive-se no mundo da idolatria. As crianças nascem e crescem com os pais incentivando-as a serem destaque. Elas desejam ser ídolos como Marília, Rayssa Leal, Neymar, Pelé, Maradona, Roberto Carlos e outros contemporâneos que nem os conheço.

Apesar do perfil construtivo de um ou outro desses ídolos, não a maioria, pergunto: A idolatria é benéfica ou maléfica para a evolução civilizatória? Rayssa, a rainha do skate, levou milhões de crianças a se dedicar a esse esporte. Dedicar-se significa deixar em plano secundário ou, até, abandonar o estudo, os projetos realistas de vida, o senso profundo de sociedade. Não há como fazer tudo; o tempo é limitado. Uma ou outra, certamente, serão as Rayssas de amanhã, mas uma multidão ficará para trás, frustrada pelo insucesso meritocrático e desanimada para enfrentar o percurso rumo ao próprio norte.

Nesse sentido, Marília, com todas as suas qualidades profissionais e pessoais, deve nos levar a refletir: A idolatria é benéfica ou maléfica para a evolução da humanidade? Se uma ou outra, em que condições? Ou, simplesmente, ela é um instrumento habilmente manipulado pelos dominadores e opressores das massas?

César Cantu

São Paulo, 06.11.2021

[Se julgar pertinente, faça seus comentários e repasse. Se não desejar participar desse debate multidoutrinário e interdisciplinar, favor se manifestar]

[Tenho por mim de que nada existe de mais ínfimo do que pensar, exclusivamente, em mim próprio]

[Do contraditório, à verdade].

G-mail

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EX-CANGACEIRA VISITOU ARACAJU ARISTÉIA NAS ONDAS DO RÁDIO

Por Archimedes Marques - 15 de junho de 2011.

Aristéia aos 98 aninhos, toda prosa, intima do microfone.

Após três dias de estrelato e assédio no "21º Cine Ceará" a ex-cangaceira Aristéia volta pra casa. Mas Aracaju estava no caminho e acompanhada pelo nosso primo João de Sousa, seu filho e nora desceram do avião pra muntar na "Jabiraca encarnada do João".

Fui recepcionar a comitiva, pois antes de tomarem o rumo de Delmiro Golveia/AL tínhamos um plano de rota que já vinha se estendendo por mais de três meses - parece que agora ia... Mas inda não foi desta vez...

Alguém gritou - Valha-me que o capitão Herculano tá aqui nesse vôo!, o boeing foi parado por uma blitz em pleno ar, todo mundo teve que descer pra revista, alívio, não era o cangaceiro de Brogodó era só o sósia dele "João das Menina" e enfim toda  essa confusão atrasou a chegada e a nossa partida.

 Domingos Montagner e João de Sousa "peste pá paricerem"

Bom, mesmo assim me juntei a caravan,a e para que uma das duas ultimas ex-cangaceiras viventes não cruzasse as avenidas da capital Sergipana despercebida, contactei nosso amigo e pesquisador Clenaldo Santos, para agendarmos em cima da hora uma entrevista no seu programa Linha sertaneja transmitido pela Rádio Aperipê AM, uma emissora estatal de alcance em todo Estado e além fronteiras.

Se a participação de nossa musa Neli já foi um estouro de audiência que dirá a presença de uma ex-cangaceira.

E não deu outra. Portas abertas e tapete vermelho para Aristéia e João de Sousa, além da participação especial do nosso confrade Dr Archimedes Marques, Delegado de polícia e mantenedor do sitio 'O cangaço em foco'. que foi intimado a comparecer aos estúdios para conhecer pessoalmente a personagem e inclusive para nos conhecermos pessoalmente.

 Rudiado pela dupla de comunicadores, João que já foi aracajuano, cumprimenta os sergipanos e faz um breve relato de suas andanças e publicações. 
Não, o rapaz a esquerda não é o "Seu Madruga" é o radialista Tuca.

Aristeia que por razões de cansaço  bateu o pé na porta de emissora - Eu quero é ir simbora, quase destruiu as esperanças dos locutores.

Mas foi convencida pelo filho Pedro e em poucos minutos lá estava ela, desfilando pelos corredores e atraindo a curiosidade dos funcionários.

O bate papo durou uma hora e meia. E pra quem não era muito de falar... Aristéia surpreendeu a própria família, riu dos elogios feitos pelo radialista Tuca, fez rir, e resumiu sua participação de 6 meses no subgrupo de Virgínio.

  Aristéia concedeu entrevista para Malu,  
jornalista da Agência Sergipana de Notícias.

 A foto oficial.

Para saber sobre Aristéia CLIQUE AQUI e conheça um blog que leva o seu nome.  

http://lampiaoaceso.blogspot.com/search/label/Archimedes%20Marques

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MARIA BONITA "A RAINHA DO CANGAÇO"

 Por Archimedes Marques

Uma obra de excelente didática e boa compreensão, sem palavras difíceis, de importante leitura para quem quer saber tudo sobre a Maria de Déa da Malhada da Caiçara, sobre a Maria do Capitão, Maria de Lampião, Maria Bonita a Rainha do Cangaço.

O presente livro do escritor João de Sousa Lima, agora na sua reedição, retrata a vida da Rainha do Cangaço, desde o seu nascimento até a sua morte. Devido a sua persistência de pesquisar até mesmo as pesquisas já feitas, embrenhou-se o autor em investigação pertinaz e incansável perquirida sob o sol causticante das caatingas, das rochas e lajedos tórridos e das grutas obscuras, perigosas e silenciosas, lugares ermos e distantes, em busca de fatos, objetos e pessoas remanescentes ou mesmo personagens que vivenciaram aquela época de luta e sangue, juntando evidencias e provas para de tudo fazer história, é hoje também um historiador.

O autor procura alentar os oito anos de aventura vividos por essa brava guerreira, símbolo de fortaleza da mulher nordestina, procura trazer a lume da compreensão do leitor os oito anos vividos e sofridos por Maria Bonita junto com o bando, junto com o seu amado Lampião, entre os serrados, entre as torrentes areias e pedras dos sertões, entre os espinhos dos mandacarus, sob o escaldante sol das caatingas, a lutar pela sobrevivência, a fugir da policia, a acalentar prantos ou presenciar atrocidades diversas.

A vida do cangaço não podia deixar de ser um verdadeiro inferno. Ali estava Maria Bonita e outras mulheres entre os cangaceiros, sofrendo naquelas matas como se animal fosse, dormindo no chão, desprovida de um acomodado teto, de uma boa cama, distante da sua Caiçara querida, saudade dos pais, irmãos, familiares e amigos, uma verdadeira guerreira como bem diz o autor, uma verdadeira mulher de guerra entre as guerras do cangaço que viveu o inferno que ela mesma o desejou, mas que nesse inferno também estava presente o amor. O amor por Lampião e pela sua própria vida no cangaço que sobrepôs até o seu amor materno por sua filha Expedita, a ponto de entrega-la a terceiros para ser criada após o seu nascimento.

Todo o contexto da obra se transformou em referência para quem estuda o tema cangaço, mais de perto, para quem procura saber a verdadeira vida de uma das mulheres mais valentes e determinadas que o sertão nordestino já viu, tanto é que largou a sua vida pacata para viver a sua maior aventura, uma aventura de amor entre as guerras ao lado do seu amado, uma aventura que a transformou em imortal na história do cangaço e porque não dizer, na história do Brasil.

Na sua trajetória, Maria Bonita, se fez também líder e a sua importância dentro do grupo de cangaceiros foi inconteste, destarte para a sua interferência em muitas das decisões tomadas por Lampião, por vezes salvando vidas ou acalmando a fúria do Rei do cangaço.

O livro desse jovem e promissor escritor e pesquisador é, sem sombras de dúvidas, um dos trabalhos mais completo e respeitado sobre a trajetória de vida de Maria Bonita e, por consequência não pode faltar na estante dos estudantes, estudiosos, pesquisadores e amantes do tema relacionado ao CANGAÇO, e até mesmo deve ser lido pelos curiosos que pretendem saber mais um pouco sobre esse tema que foi dos mais intrigantes, misteriosos e atrozes da história do Brasil.

Em assim sendo, não só recomendo a leitura do livro, como entendo ser necessário colecionar a referida obra em toda boa biblioteca, como sendo de excelente aprendizado e fonte de pesquisa, para tanto, sugiro a sua aquisição através contato virtual com o autor joao.sousalima@bol.com.br ou via telefone: (75) 8807-4138.

Archimedes Marques - Delegado de Policia Civil no estado de Sergipe. (Pós-graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela UFS) contato archimedes-marques@bol.com.br

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A DANAÇÃO EM NAZARÉ DO PICO O CASAMENTO DE LICOR (PRIMA DE LAMPIÃO)

 Transcrição da Obra do Padre Fredercio Bezerra Maciel, por Raul Meneleu.

No arruado de Nazaré nos idos de 1923, era o cochicho entre os moradores, esse casamento e a vinda de Lampião para assistir esse evento. Contava Nazaré com uma capela, vinte e sete edificações ( casas, casebres e quartos) alinhadas em uma única rua, sendo doze do lado do riacho Ipueiras, dez no riacho Carqueja e cinco ao sul, de frente para a capela. Era assunto palpitante e preocupante.

 Nazaré do Pico em 1967

Como em todo lugar que junte gente, tinha ali naquela pequena povoação o ponto certo pra se ouvir as "urtimas" e esse é claro, era a barbearia de Manuel Flor que segundo o Padre Frederico, era o local onde "aviciados em conversas de toda versidade" reuniam-se para "sortar as premeras do dia".

- "Tem muita volante esgravetando esse sertão brabo na persiga de Lampião!"

E citavam seus comandantes, homens de têmpera de aço, a perseguir o famoso cangaceiro e seu bando.

- "Mas Lampião diz que gosta que persigam ele e açula pra briga de vera. O cabra é da peste!"

- "Nunca mais fartou volante aqui. É uma atrás da outra."

- "Inté se espera uma no casamento de Licô."

- E Lampião num vem mermo pru casamento da prima!"

- "Danega! Já tou vendo: vai ser bala quiném os trinta!"

Rapazes e meninotes não davam palpite. Apenas ouviam, aperuando.

Depois do banho de cuia no fim das lidas do dia, cheirando a folha de mato novo, ao mesmo tempo mesmo tempo que preparavam a ceia de coalhada adoçada com rapadura raspada, pão de milho e café, três cabrochas bisbilhoteiras tagarelavam:

— "Visse o vestido de Licô como está dolero?
— "Os apreparo da festa são grande mesmo!"
— "Pie só: sabe quem vem pra festa?
— "Lampião!"
— "Ele e os menino. Tem cada um da pontinha!..."
— "Eu acho Juriti e Antônio Rosa os mais bonito".
— "Dextá, o mais bonito é Lampião!"
— "Ah! isso é", — confirmaram as outras duas a uma só voz.
— "Açoita os mais todos!"
 
O noivo Enoque e Maria Licor
Acervo Lampião Aceso

Sá Leopoldina, cabocla escura e franzina, a cabeça enrolada com um regô, dona do único hotel local, resumido a uma latada, coberta de mato, em frente do chalezinho de taipa onde vivia. Servindo almoço a dois fregueses de passagem para o vilarejo de Santa Maria, comentava se rindo toda:

— "Lampião tem o coração muito bom para as fraqueza dos pobre. Inté ajuda com dinheiro e de-comer. Toda a vez que aparece pruraqui, compra muito pano nas loja de seu Zé Tiburtino, de seu Quinca e de seu Gominho e dá a pobreza. As irmãs de Mané Neto recebero bastante vestido".

Enquanto eram fritados os mandins que pescara num poço do riacho Ipueiras e aguardava os aficionados do jogo de que era aviciado, Raimundo do Pico, sentado num tamborete na calçada de sua casa e muito ancho na sua sanfona de oito baixos, tocava "Mulher Rendeira", dizendo para os passantes: — "Gosto dela! Foi Lampião que fez os verso e a musga se alembrando de sua avó, a Tia Jacosa, que criou ele e era rendeira. ."
O casamento de Licor foi o momento culminante do rompimento definitivo, que aos poucos vinha se processando, em desde 1919, através de tranças e atritos frequentes, entre os Ferreiras e nazarenos.

Maria Licor Ferreira de Lima, simplesmente Licor, era prima legítima de Lampião, cujas mães eram irmãs. Sabedor de seu casamento, chegou Lampião no dia marcado para sua realização, a 31 de julho de 1923. Ao sol ardente e faiscante do meio dia, penetraram, inesperadamente, na povoação, dezesseis cangaceiros na ativa, sob o comando de seu garboso e elegante chefe, Lampião.

Além de seus irmãos Antônio e Livino, tinha Meia Noite, Juriti I e seu irmão Batista, Manuel Tubiba, Chá Preto, o corneteiro Firmo, Caixa de Fósforo, Piloto... Antes, arredadas duas léguas para trás, deixara estrategicamente Lampião, perto da serra do Pico, na fazenda Enforcado, de seu amigo Pedro de Engrácia, um grupo tático de reserva: oito cangaceiros sob o mando de um cabra macho, Antônio Rosa.

Entre as armas, portavam os cangaceiros rifles papo amarelo e cruzeta, exceção de Lampião e de Chá Preto que conduziam mosquetões. Traziam, também, alguns chicotes de fio cortado da linha telegráfica.

O primo famoso em foto de 1922
Foto de Genésio Gonçalves

Postadas sentinelas em cada esquina da rua, espalharam-se os demais pelas casas, indo logo beber truaca e zinebra "Gato" nas vendas de João Ferreira e Enoque de Sá Menezes. Surpreendida, assustou-se a população. De logo correram boatos: que Lampião tinha vindo para ajustar contas... tirar forra de questões passadas... aquelas Peias eram para dar pisas...

O povo todo sabia que não era coisa do gosto de Lampião aquele casamento de sua prima com Enoque, um sujeito calabar, suspeito de informante à polícia dos movimentos do seu grupo. O destacamento policial local, de seis praças sob o comando do cabo João Cabecinha, cujo quartel era a casa-da-rua cedida por seu dono, Gomes, havia sido retirado pelo delegado de Floresta.

Certo de mesmo, a propalada vinda de forças volantes para aqueles dias.

Cerca das duas da tarde. Pela estrada, vindo de Vila Bela, chegara, com seis horas de viagem, o vigário da freguezia, Padre José Kehrle, ou somente Padre José, mais por simplificação do falar do que pela dificuldade da pronúncia do sobrenome alemão.

Montava a cavalo, guarda-pó branco revestindo-lhe a batina preta e grande chapéu de palha na cabeça e ensombrando-lhe o rosto vermelhão, onde pespegadas as duas bolas azuis de seus olhos buliçosos e vivos.

Lampião tocando na sanfona de Raimundo do Pico, debaixo da latada da feira no meio da rua. Os cabras por todos os lados. Com a chegada de seu vigário, os cangaceiros, nos seus alegramentos, soltaram foguetes, salvando seu estimado amigo e conselheiro. Com os papocos, o animal espantou-se muito, quase Derrubando o reverendo cavaleiro no chão.

Um dos cabras, porém, dominou a montada, segurando fortemente as rédeas abaixo da brida. Os outros se aproximaram, e pedindo a bença beijavam a mão do padre, que os abençoava e retribuía os cumprimentos, satisfeito e agradecido.

Costumava o bom vigário, nas desobrigas mensais em Nazaré, hospedar-se na casa de Antônio Gomes Jurubeba, ou simplesmente Gomes. Mas, este, logo da chegada dos cangaceiros, fugiu para sua fazenda, deixando a casa trancada. Ficou assim desarvorado o vigário, no meio da rua, por um momento sem a ter para onde ir. Não teve dúvidas João Ferreira, acolhendo-o, imediatamente e de muito gosto, em sua residência. atitude insólita de Gomes, taxada de "ignorância", porque não tirava as coisas por menos, e censurada até por amigos e parentes como "afrontosa" ao padre, acirrou ainda mais os ânimos desconfiados, arredios, prevenidos e recalcados de toda 'aquela gente. Aceso assim o estopim de uma explosão preparada e prestes a rebentar em consequências irreversíveis.

Confiado no apoio e no respeito que o vigário imprimia com sua presença na terra, Alfredo Ferreira de Lima, irmão da noiva, sentindo o ambiente tenso reinante, fora ter com Lampião, fazendo-lhe ver que não ficava bem, num dia de festa como aquele, a sua vinda com o bando assim solto, acintosamente armado, e, às bicadas em desde que chegaram.

Meio agastado, Lampião olhou-o a fito com olhar desafiador e o dedo nas fuças do primo:

— "Deixe de bestage! Eu sóstou você acolhendo bandido de gravata, bandido encapado..." Referia-se a certas autoridades que faziam muito pior do que os cangaceiros.

E, ainda puando: — "Nós também somos gente, podemos participar da festa". Nesse momento oportuno apareceu um homem de muito preceito e respeitado, Cândido Ferreira que, auxiliado pelo Padre José, pôs termo àquela discussão e convidou Lampião a ir à sua casa.

Na residência de Cândido começou Lampião a puxar o fole. Os cabras dançando com as moças... muita alegria... Cândido, de sobrosso, reclamou essa dança a modo de não se comprometer depois com as autoridades embuanceiras. Lampião, compreensivo e sem dizer nada, guardou a sanfona. Porém, seu irmão Livino, enticado com a atitude do tio estragando aquela gostosa e singela brincadeira, ficou com a goitana e disgranido ameaçou: — "Pois aqui ninguém dança mais, senão tudo se acabal..." Deu de mão de sua mausa e levantando-a para o alto, sortiu a sala com gritos repetidos: "... se acaba Nazaré!" E mais: — "Não tou esquecido da cicatriz no ombro! Quero todos os rifles de todo mundo agora, aqui, senão boto fogo nas propriedades".

Foi um tendéu danado... Padre José conseguiu a custo amoitar o ânimo exaltado dele, sob promessa de que não haveria dança. E aproveitou o ensejo para mandar os noivos se aprontarem logo.

Esperava Livino pelo tocador, Luís, de Andréza, gente de Zé Saturnino, contratado para a festa dos noivos. — "Quero dar uma pisa nele e rasgar a harmônica". Mas o tocador, sabendo em caminho, da presença de Lampião, no casamento, deixara-se, escabreado, ficar na fazenda Zé Dias, de Chico Flor, onde estava homiziado Luís Soriano, e dali mesmo se esgueirou, sumindo-se, que não era besta, não.

O cortejo

Às quatro horas da tarde, saiu o préstito nupcial para a igrejola, com muitos convidados fazendo par, braço dado, exibindo-a lordeza matuta e ladeados de alguns cangaceiros, respeitosos, chapéus na mão.

Nessa ocasião apareceu Davi Jurubeba com estranha idéia, que depois se deu o nome, mais estranho ainda, de "conspiração". Vendo os nazarenos perdidos, Davi teve a idéia de convidar Manuel e Euclides Flor para escolherem tantos nazarenos quantos dessem para cada um se encarregar de matar um cangaceiro. Os cangaceiros não estavam juntos, mas espalhados pelas casas de Cândido Ferreira, D. Joaninha Ferreira, João Ferreira, Anízia da Ipueira... o que facilitaria o "serviço". Essa "opinião de doído" teve imediata repulsa de João Flor: — ".É, vocês faz isto e eu vou morrer?» Significando que não dava certo e temia por sua sorte.

 Davi Jurubeba em 1978
Acervo Lampião Aceso

A noiva, como sempre, objeto máximo das atenções. Vestida de branco vuale suíço, comprido véu descendo da grinalda — um primor de capela com arranjos de flores de laranjeira de seda branca e botões de goma —, enfim toda linda, distribuindo sorrisos, uma graça de brejeirice... Na passagem do acompanhamento por frente da casa de Cândido, os que estavam sentados em cadeiras na calçada se levantaram, mas Antônio Ferreira ostensivamente virou as costas. Além de não simpatizar com o noivo, suspeito de falso e denunciante, curtia ele paixão arrecolhida, de penar e de tristeza, pela noiva, com quem, outrora, antes do cangaço, apiançava casar-se.

Após o casamento, a fim de desanuviar o ambiente, combinaram os parentes da noiva botar mesa, na casa dela própria, onde os cangaceiros, de apetite aceso, se serviriam juntamente com o Padre José. Durante a janta, tendo Lampião sentado a seu lado, o Padre José, que lhe tinha amizade e muito o admirava, persistente aconselhava: — "Deixe essa vida. Você não é para estar nesse bando. Você .não é ovelha negra, desgarrada..." — "Num tem jeito, não — respondia Lampião. Num quiseram assim? Mataram meus pais. Desmantelaram minha família e negócios. Querem me matar também. Vou até o fim... Ë o meu destino!"

A contrafesta

Terminada a janta, que foi lauta e de tudo o que o prato sertanejo dispõe, aos insistentes pedidos de seus tios Cândido e João, e de sua tia D. Joaninha, foi Lampião, com os seus, fazer arranchação na fazenda do velho preto Antônio do Campo Alegre, obra de menos de quinhentas braças do povoado, do outro lado do Ipueiras.

O bando passou a noite na casa de Sebastião Eusébio onde Livino, ferido, se refugiara, em 1919. À luz amarelenta e vacilante de cuviteiros fumacentos, uns Jogando bozó, outros dançando com cabrochas vindas da rua, outros versejando cantigas no improviso, a sanfona sempre roncando...

Aproveitando a ida de Lampião com seu grupo para Campo Alegre, saíram os nazarenos, nas caladas da noite, para se armarem. Entre eles, Davi Jurubeba, Manuel e Euclides Flor, Gomes Jurubeba, Manuel e Pedro Gomes... aos quais se juntaram Mais outros, ao amanhecer, num total de quinze. Intencionavam cedinho ocupar a 'dia e esperar pelos cangaceiros, mas acharam que eles, os nazarenos, eram "poucos".

Aos acordes animantes da "Mulher Rendeira", foi repisada com ovações a quadra sarcástica:
 "Os cabras de Nazaré
        Chorava que faz horror
             Com pena das muié
                 Que Lampião carregou".
O vilarejo, porém, afogado dentro duma noite desalegrada e de cruviana... Nenhum pé de pessoa na rua. Apenas o grugunhado de gente na casa da noiva, sob a luz dos pavios espevitados das placas.

O Carreiro de Santiago luminando lá na escurideza do infinito...
Cantos de galos tristes rasgando pela madrugada o silêncio da natureza...
No oco de um pau seco, caburés, frientos e arrepiados, piando, agoirentos... De vez em vez, e isto até o quebrar da barra, em revezo contínuo, chegava a Nazaré um cangaceiro.
Encontrando-se com dois deles, perguntou Cândido:

— "Que é que vocês estão fazendo aqui?"
— "A gente — repostou um deles — está jogando lá, e passa uma pessoa e diz: — "Vamos pra rua?" e a gente vai..." Mentira, a modo de ocultar que estavam boscando, inteirando se havia dança.

A Missa

Quando foi o rasgar do dia seguinte, 1° de agosto, chegaram mais dois cangaceiros na rua e foram logo se justificando diante de Cândido, atento a seus movimentos:

— "Passemos a noite inteira sonhando uma voz que mandava a gente ir pra Missa. A gente, também, é cristão, ninguém é cão, não".

A pouco e pouco os outros foram chegando até se completarem os dezesseis.

Da calçada da capela, adonde desarriaram o equipamento, ensarilhando as armas, em cujo entrançamento das bocas se dependuravam as cartucheiras, deitados no chão os bornais refertos e cobertos pelos chapéus de couro, os dezesseis assistiam, com toda a fé e respeito, à Missa, que foi cedo, às 7,00; porque seu vigário estava vexado, tinha de ir logo simbora. A pequena igreja estava dura de gente atochada. Gente do arruado e de toda a redondeza. O canto do Oficio da Imaculada Conceição se arrastava, dominantemente por vozes femininas, quiném querendo não chegar ao fim, numa latomia dolente característica da sofrida alma sertaneja:
— "Dai pressa Senhora
           Em favor do mundo,
                Pois vos reconhece
                     Como defensora".
Para sua breve prática, o padre tomou por tema o profeta Jeremias (17,8): — "O coração do homem é dissimulado e perverso". Depois da Missa, os cangaceiros retomaram o equipamento. maioria saiu para fazer restos de compras. — "Tudo correu bem, na santa paz, graças a Deus!" — dizia o vigário, a satisfação sublinhada nas faces cheias com um sorriso.

O segundo fogo

Lampião, com alguns, apenas aguardava, antes de partir, que o padre terminasse uns batizados a fim de se despedir e receber a bença dele. Nesse quando, coincidiu ser Lampião informado pelas sentinelas e ouvir, ao mesmo tempo, de alguém se aproximando:

— "Vigie! Que cumandita de gente, lá longe, na estrada! Será que vêm pra feira?"

Lampião, de detrás da casa de João Ferreira, mão em pala sobre a testa, buscando acomodar a vista, exclamou alteando as sobrancelhas.
— "É macaco!"

A disgraceira estava feita!

Nunca houve tanta gritaiage e correria do povo, que se esbandaiava por todos os lados, doidamente... Lampião, agindo com rapidez e eficiência, sempre se revelando autêntico comandante inteligente e seguro, imprimindo assim confiança aos seus, imediatamente apitou chamando seu pessoal.

Antônio Ferreira, com outros, estava na barbearia cortando o cabelo e fazendo a barba. Ajuntou, em menos de um sufragante, os homens diante de Lampião, que, calmo e firme, tracejou, com técnica, o cinturão defensivo, estabelecendo os pontos de operação fora da rua e dentro das casas e muros, distribuindo os piquetes de defesa, instruindo para não se perder munição à toa, sem objetivo.

Depois, pegou de um cavalo pombo-seleiro, ali amarrado no pé da quixabeira plantada mesmo defronte da casa de João Ferreira e pertencente a um amigo, e enviou nele um positivo, que num átimo avoou o corpo em cima da sela, para ver Antônio Rosa, no Enforcado, com instrução de dar uma retaguarda, para o que deveria tomar o caminho do outro lado, descendo pela margem direita do riacho da Ema.

De suas posições de combate dentro dos muros das casas, os cangaceiros furavam buracos enviezados na parede, formando assim "torneiras", onde enfiavam o cano dos rifles para atirar.

Livino Ferreira, esse esconjurado do medo, entrincheirou-se na casa de D. Anízia, mesmo em cima do fogo! A volante de mais de trinta praças, sob o comando do sargento Bento Senhorzinho Alencar, vinda em diligência da zona de Pajeú, fora notada logo ao irromper, em fila indiana, a sudoeste.

Ao topar com o riacho Carqueja, parte da soldadesca foi logo se entrincheirando ao longo das ribanceiras barrentas; outra parte vadeiou o leito seco e arenoso do mesmo riacho tomando posição de ataque pelo lado sul, agachando-se por trás da amontoeira de pedra do pequeno serrote que mirava de soslaio; a entrada da rua.

O cabo Manuel Amaro, nutrido na peba* e no gosto de contar pabulagem, temeramente se achegou mais para frente dessa linha de ataque, amalocando-se atrás de uma grande pedra arredondada.

* Cachaça. A denominada "peba" ou "rinchona" é fabricada no sertão e nos agrestes por processo sintético: mistura de álcool, açúcar preto e água. O açúcar preto era o de torrão, de forma, de bangué, o chamado pão-de-açúcar. Em sua substituição. usava-se o açúcar sumeno, mascavo ou demerara, cristalizado e de cor amarelo-queimado. O preparo dessa cachaça se faz em tachos. É, portanto, urna aguardente ordinária, ou cachaça. Um de seus sinônimos: "lasca-peito". Na zona canavieira da "Mata" ou do "Sul", a aguardente é extraída da cana-de,' açúcar ou do mel de cabaú, melaço ou mel de furo (escorrido do açúcar preto por, um furo no depósito). destilada em alambique (raro o de barro). A primeira destilada chama-se aguardente "de cabeça" a média, aguardente "boa"; a terceira, restante, fraca de teor alcoólico, mais água que álcool, denomina-se "caxixi".

Por volta das nove horas, rompeu o tiroteio e prosseguiu, cerrado e violento, trancando o mundo... Bonito que fazia gosto a fuzilaria seca no estrondo dos mosquetões e os estampidos fofos dos rifles! Vez por outra parava. Parecia que tinha acabado. As mu-lheres, dentro de casa suspiravam de alívio. Mas, era só um arejo de momentos, nas mudanças dos combatentes para melhores posições. Em seguida, recomeçava intenso, danasco, em rajadas tatalantes, debaixo de palavrões e insultos, o sangue cada vez mais esquentando.


Partido do meio da rua, ouvia-se o toque guerreiro da "Mulher Rendeira". Era Lampião, nos intervalos em que dirigia a luta e atirava também, com sua sanfona animando os cabras. Os nazarenos, conluiados por João Flor, aproveitaram a oportunidade para se levantarem em armas contra Lampião. Lá para as dez horas, articularam-se com a polícia, entrincheirando-se por trás da cerca de pau-a-pique do cercado da fazenda Campo Alegre, do lado de cá do Ipueiras.

Eram uns quinze homens armados, entre os quais João Flor com seus filhos Euclides e Manuel, os dois irmãos João Domingos e Luís Soriano, Pedro Gomes que portava pistola máuser FN, dois rapazes de fora e Gomes Jurubeba com o pessoal que trouxera para isto de sua fazenda Jenipapo.

Davi Jurubeba, que viera de mãos abanando, armou-se com o fuzil de Zé Preto, o único "aspençada" da volante. Este, chega ia que ia, todo entusiasmado, se protegendo por trás de uma quixabeira.

Divulgando-o, Lampião avisou a Chá Preto que combatia de dentro da barbearia. Atirando de ponto, com seguridade, Chá Preto gritou: — "Lá vai macaco da gota!" Atingindo-o no braço e avoando-o contrafeito de dor, fora de combate. O cangaceiro largou desadorada risadona de mangação. A polícia e os paisanos estabeleceram verdadeiro bolsão ou semi-cerco ao tomarem posições no flanco sul e parte do Poente e em toda a linha do flanco nascente.

Na Igreja

Desde o início do tumulto provocado pelo alarme, o padre José mandou fechar imediatamente as portas da capela pelo sacristão, Zé Rufino, o qual em seguida escapuliu, fugindo montado num cavalo em osso, em disparada louca, numa toada só, até esbarrar, cinco léguas adiante, na fazenda São Miguel.

O padre amparou-se na parede entre as duas portas da entrada. E mandou as pessoas, que ficaram dentro, deitarem-se no chão da nave. Passou o vigário o tempo todo suando, nervoso e pálido, com o rosário na mão, rezando por suas ovelhas desavindas. Poucos balaços alcançaram as paredes externas da capela. Quase meio-dia. A luta, com bem quatro horas de duração, continuava indecisa.

Lampião falou com Cândido para abrir um buraco na parede da casa dele a modo de estabelecer uma passagem para a casa de D. Joaninha. Cândido discordou e, aperriado com a insistência do sobrinho, foi tirar o padre da capela, assim mesmo, debaixo de todo o tiroteio, e levá-lo para a casa de João Ferreira.

A retirada
Ali, na casa do irmão, com muito pedido e imploração, obteve Cândido, com a ajuda do padre, que o opinioso Lampião se decidisse retirar da localidade, principalmente em atenção a seu vigário, que não podia ficar prejudicado diante de compromissos inadiáveis em Vila Bela.

Antes, porém, de se afastar, gritou Lampião para os adversários:

— "Cambada de macaco! Covardes! Vou sair, não por covardia, mas atendendo ao pedido de meus dois grandes amigos, Padre José e tio Cândido Ferreira".

Enquanto, a um sinal seu — a pistola descarregada ininterruptamente — ia se reunindo o grupo em frente à casa de João Ferreira, coincidiu, de novo, as sentinelas lhe avisarem o irrompimento de outra força, que avançava pelo flanco norte, podendo dar ataque de retaguarda e fechar o grupo em perigosíssmo cerco.
Era uma volante de mais de trinta praças, sob o comando do sargento João Francisco, de alcunha João Fininho, vinda das bandas de Vila Bela e, como a primeira, a chamado do próprio Enoque, o noivo, em carta secreta ao então ao comandante da polícia, ten.-cel. João Nunes.

Lampião compreendendo as posições inimigas, agora envolventes, com superioridade numérica e bélica, e temendo o esgotarnento de sua munição, ordenou impetuosa esfuziada, modo de, atarantando o inimigo e aproveitando o fumaceiro, - a retirada ficar facilitada e garantida.

"Cumpadre, foi tanto papoco no oco do mundo que -nunca vi! — o panavueiro cobriu tudo! Maldei que tinha chega o fim do mundo!..."

Pelo caminho, à tangente, lançado do oitão direito da capela, os cabras, todos ilesos, se retiraram, aos xingos e pilhérias, agachando-se e rebolando, correndo e sempre atirando.

Cruzaram o valado seco do riacho, subiram pela margem direita, mais adiante se encontrando com o grupo de Antônio Rosa, vindo à toda para o contra-ataque. Mas era tarde. Empalhara-se ele com a aproximação da segunda volante, que o aturdira, ficando sem saber que rumo tomar. E embrenharam-se todos os cangaceiros na caatinga...

A danação

Terminado o tiroteio de mais de três horas, os atacantes, desconfiados de alguma das indecifráveis ciladas do astucioso Lampião, demoraram bem meia hora para penetrar na rua, assim mesmo cautelosamente. Mas, quando entraram, deu de súbito uma doideira dos diabos naquela soldadesca, que começaram a lançar, assim na doida, disparate de balas nas paredes, portas, janelas, por toda parte, chegando mesmo os projéteis a pegar em quadros de santos pendurados nas paredes do interior de algumas casas momentaneamente abertas.

Desencadeou-se, então, novo pânico. Correrias, gritos, choros, portas e janelas aos baques se fechando outra vez. Incontinenti reclamou o Padre José ao sargento Senhorzinho aquela desordem, o qual, de pronto, ordenou que cessasse. Com mais pouco chegava a volante do sargento Fininho. A rua esborrava de soldado.

Dada por Fininho uma batida por perto, no derredor da povoação, para certeza do afastamento dos cangaceiros. Depois vieram os interrogatórios sobre quem ou não coitei-ro, as acusações fáceis, ameaças de toda sorte, ou sejam de pisa, de capar, de sangrar, de saquear, de incendiar... O terror! A vítima principal naturalmente tinha de ser a família Ferreira ali domiciliada.

Quem pôde, fugiu, no seu animal ou a pé, ou se escondeu. A situação agora pior do que a anterior, pois sob o guante da autoridade, despótica, absoluta, oficial.

E, lá vai o pobre do Padre José, pressuroso e amargurado, suando e exausto — anjo providencial da paz — defender de novo o povo e restituir-lhe a tranqüilidade.

Conformado, senão convencido, com as muitas explicações e justificativas do vigário, o sargento Senhorzinho saiu batendo naquelas portas ainda fechadas de medo:

— "Podem abrirem. Tá todo mundo agarantido".

De todo o jeito, porém, aquele povo, pobre e sacrificado, humilde e abandonado, teve de pagar, e muito caro, uma dívida estranha: almoço com bebida e tudo mais para tanto sol-dado!...

Guarnecendo o vilarejo contra uma daquelas possíveis e perigosas surtidas de Lampião, a soldadesca, refestelada e quente, de entusiasmo vibrante, cantava — coisa curiosa! — "Mulher Rendeira", como se fosse essa canção o hino comum daqueles sertões sangrentos! ...

Consumou-se nesse segundo tiroteio a intriga definitiva e gadal entre Lampião e os nazarenos.

A família Ferreira daí em diante sofreu os piores vexames, ao ponto de ter, mais tarde, de se retirar da localidade. Entretanto, essa família fora sempre a desvelada defensora e salvadora de Nazaré contra os propósitos e as investidas de Lampião. Logo nesse mesmo dia 19 de agosto, dois fatos lamentáveis:
a) O sargento Zé de Xanda, com um tiro, espatifou o grande e belo espelho de cristal da sala de visita da casa de D. Joaninha Ferreira.

b) Apareceu o tenente Senhorzinho Alencar querendo obrigar a mesma D. Joaninha a entregar os vestidos da primeira comunhão das meninas Josefa e Dulce, filhas de Antônio Matilde e que ela criava. Alegava o tenente que os vestidos pertenciam às filhas do finado Gonzaga. Exigia, também, as sapatinas e os trancelins. Chamados, à presença do tenente: o senhor João Cominho, da loja onde foi comprada a fazenda; a costureira D. Ernestina Correia Cruz; Tonheiro, o portador dos vestidos prontos; e René, outra testemunha de tudo. Genésio Ferreira, irmão da noiva Licor, procurou Davi Jurubeba Respondeu que ele obtivesse do tenente o nome da pessoa que lhe dera a informação falsa. respondeu o militar: — "De uma parenta da viúva de Gonzaga, aqui residente (e disse o nome)..."

A família Ferreira ainda hoje é muito grata a Davi Jurubeba e a Manuel Neto, os quais, apesar de inimigos figadais de Lampião e seus irmãos do cangaço, sempre respeitaram e até defenderam os outros membros da familia o seus bens.

O PADRE JOSÉ KEHRLE


Padre José Kehrle. Nascido em 1891, em Wurttemberg, Alemanha. Veio para o Brasil em 1909. Beneditino e veterinário. Sacerdote em 1914. Como padre secular desenvolveu, no sertão, intensa atividade apostólica, além da construção e reforma de igrejas. Ocupou altos cargos e missões na diocese de Pesqueira, ao mesmo tempo que, por infeliz contraste, chega às raias do incrível o que sofreu da parte de bispos. Vigário de Vila Bela (Serra Talhada) de 1922 a 1936, conheceu e acompanhou toda a trajetória de Lampião no cangaço.

Sua força moral sobre ele quase se igualava à do Padre Cícero. Porém, a esse superava no conhecimento do foro íntimo. Lampião era seu confidente. Diante do Padre Kehrle despia sua realeza cangaceiresca para se tornar simples ovelha, nem sempre dócil por motivações extrínsecas. Realmente, grande parte da vida de Lampião não pode ser escrita desligada desse virtuosissmo sacerdote, que chegou mesmo ao impossível de retirar cangaceiros do seu bando.

Em 1936, no sítio Guarda, da serra de Ororubá, perto de Cimbres, município de Pesqueira, testemunhou, com sérias averiguações, as aparições de Nossa Senhora dos Graças a uma humilde camponezinha, depois freira conversa. Nessa ocasião, indignou-se contra as medidas violentas usadas pelo bispo que se valeu da polícia para acabar com aquele "fanatismo", de qualquer modo, "mesmo debaixo de pau", o que, Lamentavelmente, aconteceu àquela pobre gente que, na simplicidade de sua fé, acorria ao local.

Muitos os episódios interessantíssimos em sua vida que merecia escrita para edificação espiritual, principalmente dos sacerdotes. Há anos vivia ele em Buíque (PE), carregando uma saudável velhice dentro um exuberante espírito, cada vez mais acentuando o traço predominante de sua alma — a caridade, quando a 4-8-1978 faleceu.

Pois bem, cabe a cada um ao ler sobre fatos como esse e outros para dizerem se Lampião era Herói ou Bandido. Uns chegam a dizer que ele era uma mistura dos dois adjetivos. Vemos em sua estadia no povoado de Nazaré, que ele estava ciente de sua situação, esta levada por intrigas que descambou para a violência. Lampião foi uma cria do sistema latifundiário brasileiro onde imperava o coronelismo.

Pescado em Caiçara dos Rios do ventos

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