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quinta-feira, 16 de maio de 2019

IRMÃ DULCE E O MENINO CANGACEIRO " VOLTA SECA ".



A bem aventura Irmã Dulce, sempre esteve ao lado dos miseráveis, esquecidos e injustiçados da Bahia. Na sua juventude, por amor ao próximo, transformou um galinheiro em uma Hospital, que hoje é um complexo de saúde, que atende 2 mil pessoas dia, com 160 leitos para internação, 100% SUS. É a ultima porta para os menos favorecidos do Brasil. A estória de Irmã Dulce é vasta e grandiosa. É uma grande brasileira, digna de todos os méritos. Antes de transformar a saúde pública no estado da Bahia, a jovem religiosa dedicava também os seus dias para levar a fé e esperança a pessoas e lugares marginalizados, como as Palafitas de Alagados e a Cadeia da Coreia , com era conhecido o presídio de Salvador, prisão de trabalhos forçados, onde os maiores criminosos eram levados, poucos resistiam e morriam ali mesmo. Raro era o civil que, em sã consciência, se aventurava a visitar aquela raça de gente. Irmã Dulce, na sua fé franciscana, uma vez por semana era vista por lá.

Volta Seca, um dos primeiros cangaceiros a ser preso, cumpriu pena nesta cadeia por 20 anos, talvez uns dos poucos brasileiros a ficar tanto tempo preso.

A chegada do jovem membro do bando de Lampião, causou enorme reboliço em Salvador. A cidade quase parou, a espera na estação de trem no bairro da Calçada, foi antecipada em Paripe, subúrbio ferroviário, distante da outra cerca de 60km, devido ao tumulto da população. Exibido como uma fera selvagem, um troféu de guerra, ficou isolado e incomunicável. Na primeira semana só falava com a imprensa amarrado e fortemente vigiado. A única pessoa que esteve frente à frente com o temido monstro, desprovida de medo, foi Irmã Dulce. A freira cantava muito bem e tocava acordeom como poucos, e foi com a música que ganhou a confiança e a simpatia do acuado guerrilheiro. Não o acusava de nada, não o interrogava e acima de tudo não tinha medo. Volta Seca era praticamente uma criança, tinha só 14 anos e sobre ele pesava as mortes, todas as invasões e todos os crimes de todos os cangaceiros. Por diversas vezes a religiosa esteve com o cangaceiro. Ele ouvia atentamente as palavras de conforto e fé, até se permitia a cantar com a religiosa. Por Volta Seca, Irmã Dulce, tinha muita afeição. Era um menino vítima do seu meio, que precisava de atenção e cuidados. Este encontro inusitado está no enredo da peça O Cangaceiro Volta Seca. Outros cangaceiros ouviram as palavras de candura de Irmã Dulce: Bananeira, Labareda, Deus-te-cuide, Saracura e Cacheado, presos com Volta Seca após a tocaia em Angicos, onde tombou morto o rei do cangaço.

FONTE:
COLABORAÇÃO: José João Souza
Foto: Volta Seca (jornal O Malho)
Foto de Irmã Dulce: Google


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PARA O SEU ACERVO - MAIS UMA FONTE QUE SECA ADEUS ARISTÉIA!

PARA O SEU ACERVO PUVLICADO EM 2012

Morreu ontem, dia 28 de janeiro de 2012, as 13:00hs, no hospital Nair Alves de Sousa em Paulo Afonso, a ex cangaceira Aristéia Soares de Lima, 98 anos. Ela estava internada desde a segunda feira, 23. Aristéia foi sepultada na sua terra natal povoado Capiá da Igrejinha, município de Canapi, Alagoas, nesse domingo, 29. A má noticia nos foi repassada por João de Sousa Lima.

Clique aqui aqui  e reveja outras matérias, conheça a história de Aristéia. 
 Nossos votos de pesar e solidariedade à família especialmente ao seu filho, nosso amigo Pedro Soares.

ARISTÉIA SOARES: O ÚLTIMO ADEUS A CANGACEIRA

Por João de Sousa - Publicado em 2012


Nesse domingo, dia 29 de janeiro de 2012, saindo do Jardim Cordeiro, o cortejo fúnebre  com o corpo de Aristéia seguiu até o povoado Capiá da Igrejinha, em Canapí, Alagoas, onde ela foi enterrada. Toda a população do lugar se reuniu para as últimas homenagens e orações para aquela mulher que foi tão querida por seu povo.

O corpo foi velado na casinha onde ela nasceu, foi criada e criou seus filhos, da casinha seguiu até a casa da sobrinha Maria de Antenor e de lá finalmente chegou ao cemitério local e foi sepultada.

Um clima de tristeza se abateu durante todo o percurso, resta-nos as lembranças dessa amiga que tantas saudades deixou.
 Amigos e familiares prestaram suas homenagens

 O sol abrasador não impediu o povo de ir ao sepultamento.
Uma grande multidão seguiu até o cemitério local.

Que ficou lotado...

... para o último adeus

A QUESTÃO DE GROSSOS

Por Geraldo Maia

Para se entender essa questão, é necessário lembrar que desde o início da sua colonização, a região da ribeira do Mossoró se prestou muito bem para a criação do gado, principalmente pela presença de lambedores salinos. O gado que era produzido na região, era exportado principalmente para a capitania de Pernambuco, principalmente para os engenhos de cana de açúcar, que usavam não só a carne, mas as juntas de boi para mover as moendas. Mas pela longa viagem, a boiada que saía de Mossoró chegava a seu destino bastante abatida, o que acabou se tornando inviável comercialmente. Aproveitando a abundância de sal que existia na região, resolveram charquear a carne, como já era feito no Ceará, pois dessa forma a carne podia sem enviada para grandes distâncias sem prejuízo da qualidade. Assim foram instaladas oficinas de charqueamento em Mossoró e Açu. A medida causou, no entanto, descontentamento tanto da parte do Ceará quanto de Pernambuco. Os cearenses não gostaram da concorrência das charqueadas mossoroenses e os pernambucanos reclamavam da falta de boi para tração dos engenhos.  Medidas foram tomadas para acabar com as charqueadas do Rio Grande do Norte, inclusive fechando os portos de Açu e de Mossoró. As carnes secas só poderiam ser fabricadas no Ceará, conforme determinações reais. Mas para charquear a carne, o Ceará precisava do sal que era produzido no Rio Grande do Norte. Ainda em meados do século XVIII, as autoridades da Vila do Aracati, hoje município cearense, solicitaram à Coroa portuguesa o aumento de seu território. A intenção era ficar com parte das salinas do rio Mossoró. O lucro das charqueadas estava ameaçado pelo estanco do sal, monopólio da comercialização concedida pela Coroa a particulares. Apenas as capitanias de São Tomé, Rio Grande e Pernambuco eram produtoras. Elas podiam consumir o sal extraído em seus terrenos, mas não comercializar o produto com as capitanias vizinhas. Isto fazia com que o Ceará consumisse o sal português com seus altos impostos. A única maneira de diminuir o prejuízo era aumentar o seu território até as salinas. O Ceará, por intermédio da Câmara da Vila de Aracati, sugeriu ao governo de Lisboa o deferimento de sua antiga pretensão de levar até à margem esquerda do rio Mossoró, onde abundavam as salinas, os limites do termo daquela Vila, por lhe parecer que até lá iam suas divisas territoriais. Em 1793, a rainha D. Maria I garantiu essa expansão com uma Carta Régia. Por meio do documento, as autoridades cearenses delimitaram seu novo território em 1801. Como a carta não indicava a altura do rio que serviria de fronteira, foi necessária nova demarcação uma década depois. Nessa segunda oportunidade, o governo usou como ponto de referência um marco plantado à margem esquerda do rio Mossoró, chamado Pau Infincado. Os potiguares protestaram, mas a Coroa não se posicionou. E por mais de oitenta anos o terreno foi explorado pelas duas capitanias sob relativa paz. Mas em 1891, quando a primeira constituição republicana foi aprovada, o conflito veio à tona. Fortemente inspirada na Constituição dos Estados Unidos, de 1787, a nova Carta brasileira deu autonomia aos estados para criarem e ferirem as riquezas do sal, o Ceará passou a denunciar a invasão norte-rio-grandense. O estado resolveu, então, dar entrada em um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) em 1894. A Justiça levou quatro anos para se posicionar, quando afirmou não se tratar de um conflito de jurisdição, mas de território. Disse ainda que, devido a essa mudança, o caso não seria da competência do Poder Judiciário, mas do Legislativo. Diante da resposta do STF, o governo do Ceará recorreu não ao Congresso Nacional, mas à sua Assembleia Estadual. Nela, um projeto de lei foi apresentado e aprovado no prazo recorde de sete dias. A lei estadual nº 639, de 19 de julho de 1901, elevava a localidade de Grossos a Vila. Por este motivo, o conflito ficou conhecido como “Caso Grossos” ou “Questão de Grossos”. Era justamente nesse local que ficavam duas escolas cujas despesas eram pagas pelo Rio Grande do Norte. Com essa carta na manga, o governo potiguar contestou a atitude do estado vizinho. O impasse estava formado. Mas como não havia lei específica para tratar dos conflitos territoriais no Brasil, os dois estados tentaram chegar a uma resolução por meio do direito internacional. Em março de 1902, acordaram que o caso seria resolvido por um Tribunal Arbitral, geralmente usado quando dois países litigantes davam o poder de julgar a um terceiro. Como se tratava de dois estados da federação, o conflito seria resolvido por dois árbitros. O tribunal foi formado por Antônio Coelho Rodrigues (1846-1912) e o engenheiro Matheus Nogueira Brandão, paulista. Por não chegarem a um acordo, foi nomeado um desempatador, chamado Lafayetty Rodrigues (1834-1917). A decisão final foi favorável ao Ceará. Mas o governo do Rio Grande do Norte bateu o pé: alegou vários erros no laudo e anunciou que não cumpriria o acordo. As autoridades cearenses não fizeram por menos. Resolveram levar o conflito à Câmara Federal, onde apresentaram o projeto de lei que a Assembleia Legislativa do estado havia aprovado em 1901. O texto, porém, trazia algumas mudanças, e a principal delas foi a de que o território contestado deixava de ser apenas da barra do rio Mossoró ao Pau Infincado. Agora, a reivindicação era por praticamente toda a região de limites entre os dois estados. Pelos trâmites oficiais, o projeto deveria passar pela Comissão de Constituição, Legislação e Justiça antes de ser votado. Mas o Ceará não queria esperar. Para garantir o território, o governador Pedro Borges (1851-1922) resolveu tomar posse de Grossos: enviou cerca de 40 praças (policiais) ao local, que expulsaram os coletores de impostos potiguares. Uma enxurrada de críticas ao governo cearense tomou os jornais do Rio Grande do Norte com artigos, charges e reportagens censurando a atitude do estado vizinho. Não demorou para que as forças militares também fossem acionadas por ali. Para tentar barrar a posse cearense, o governador potiguar enviou a Grossos 150 praças em 31 de janeiro de 1903. Faltou pouco para que explodisse um conflito armado entre os dois comandos. Foi quando o presidente Rodrigues Alves (1848-1919) interveio, pedindo aos governadores que esperassem o parecer da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça. A decisão veio na sequência: o Congresso Nacional posicionou-se desfavorável ao projeto de lei cearense, alegando que aquele não era um conflito de território, mas de jurisdição, o que devolveria a responsabilidade da questão ao STF, que já havia argumentado exatamente o contrário do Legislativo. O advogado cearense Frederico Borges, irmão do governador cearense Pedro Borges, retomou o processo no mesmo ano. O Rio Grande do Norte escolheu como advogado o jurista Rui Barbosa, que deu entrada com a defesa, chamada de Razões Finais. Nela, ele tenta justificar que o estado potiguar teria tido a posse do território durante todo o processo de formação das duas capitanias. O mais interessante na análise de Rui Barbosa é a maneira com que argumenta e a prova principal que sustenta para vencer. Ele usa um documento oferecido pelo próprio advogado cearense, que acusava o Rio Grande do Norte de ser invasor há tanto tempo que nem tinha como precisar. Para Rui, essa informação era a prova de que os potiguares já possuíam aquele território. A justificativa era baseada em um princípio jurídico chamado de uti possidetis, segundo o qual a posse de um território é de quem de fato o ocupa. E foi a partir dele que o Judiciário se posicionou contrário ao Ceará. No entanto, o parecer não veio de uma hora para outra. Foram necessários três julgamentos e muitos anos para que a decisão se concretizasse nos chamados acórdãos, em 1908, 1915 e 1920 – este último resolvido com a pressão exercida pelo então presidente Epitácio Pessoa. À época, aquela disputa territorial tornou-se apenas mais uma dentre tantos outros conflitos que estavam surgindo entre os estados brasileiros. Por conta disso, em julho de 1920, foi organizada uma Conferência de Limites Interestaduais. Reunidos no Rio de Janeiro por duas semanas, políticos e juristas debateram as possibilidades de acordo entre os conflitantes. O encontro era uma tentativa de encorajar os estados a resolverem suas questões de limites até a data da comemoração do Centenário da Independência. Na data, deveria ser mostrado um país unido, não em pedaços. Deveria se mostrar o seu todo, não sua fragmentação. O processo final envolvendo cearenses e potiguares chegou ao inimaginável e impressionante número de 7 mil páginas. Ao Rio Grande do Norte só coube buscar a demarcação, agora a seu favor. Seu mapa atual corresponde exatamente ao que era pretendido na época. Já o Ceará não se deu por vencido. No mesmo ano da decisão, resolveu jogar seus tentáculos para outros lados, e começou a disputar uma faixa de terra com o Piauí. Rui Barbosa, apesar de ter entrado no processo somente em 1903 e de ter se afastado antes da conclusão do processo, sua participação foi notória nos documentos históricos. Na maioria dos trabalhos, é o único comentário feito na historiografia potiguar sobre o conflito. Esses historiadores põem na conta do jurista a vitória do Rio Grande do Norte. Essa defesa, no entanto, custou caro para o Rio Grande do Norte. O contrato assinado na época foi fixado em 40 contos de réis. O valor era tão alto que teve que ser dividido em oito vezes. E como o processo se estendeu por um longo período, Barbosa ainda foi beneficiado com um salário mensal.


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VELAME E UMBURANA DE CHEIRO

*Rangel Alves da Costa

Trago a simbologia da vegetação sertaneja para falar de coisas além-sertão, ainda que tudo permaneça nas vizinhanças dos tufos de mato e das locas de pedra. Esse mundo caboclo, entremeado de forças e fragilidades, assim como a folha morta pela estiagem e a baraúna firme em qualquer tempo, é também um mundo de onde se exemplifica tudo o que acontece na vida e no mundo, assim como a miséria e a riqueza.
Quando não estou no sertão, ainda assim escrevo, desenho ou rabisco o sertão. Hoje, e não faz muito tempo, que eu rabisquei um sertão. Apenas um desenho: papel comum envernizado, um sol como minha marca maior, e depois algumas pinceladas com acrilex. Pronto. Agora vai ser emoldurado e ficar bonito, colocado em parede e lá, no Memorial Alcino Alves Costa, ficará perante os olhos interessados. Mas o que significa este desenho? Apenas o sertão e sua pujança maior, ainda que na pobreza, na violência, nas cruzes que vão se assomando por todo lugar.
Certamente um tempo de antigamente, mas também um tempo de agora. Avisto umas casinhas ao longe, uma igrejinha, uma solidão. E também armas entrecruzadas sob o amarelado do sol sertanejo. Duas cruzes solitárias, duas covas rasas. Um mundo que assim existiu. Eu rabisquei e depois fiquei admirando. Paisagem triste, cruel, desolada, de medo e de dor. Desenhei apenas uma situação. Mas poderia escrever um livro de mil páginas sobre o que está retratado. Apenas sertão. E de sertão eu bem sei.
Existem muitos sertões assim. Sertão da espingarda, do mosquetão, do clavinote. Um sertão de cruzes esquecidas nos beirais de estradas e de vidas despedaçadas pelos urubus, gaviões, carcarás. O bicho carnicento já gostou muito mais do sertão. Naqueles tempos de coronéis e jagunços, de cusparadas ao chão e ordens de vida ou de morte para serem cumpridas em instante, certamente que era um sertão muito mais desarvorado e perigoso. Mas ainda não deixou de ser assim não, meu sinhô. O perigo ainda ronda por todo lugar. Mas a violência é outra, é a violência barata e da covardia.


Entre os tufos de mato ronda o medo. Tão bela e tão perigosa. A vegetação sertaneja é um mundo igual a outros mundos, é também uma vida igual a outras vidas. A catingueira, o xiquexique, o mandacaru, o cedro, o cipó, o fedegoso, o bonome, o espinho de quipá, a cansanção e a urtiga, a flor mimosa nascida no meio do mato, a aroeira e o umbuzeiro, dentre outros, também podem ser avistados além das estradas, dos asfaltos, do cimento, do ferro, da brutalidade da vida citadina. Em todos a mesma flor e o mesmo espinho, a mesma pedra pontuda e a macia relvada do capinzal.
Mas um olhar sobre os contrastes do mundo e da vida a partir do velame e da umburana de cheiro possui sua razão de ser, ainda que não haja muita diferente entre o forte e o fraco no contexto sertanejo, vez que todos na mesma sina sertaneja. O velame tão frágil, tão quebradiço, e a umburana tão forte e impetuosa. Tudo faz lembrar o forte e o fraco, o mando e a submissão. Mas é assim mesmo. Tudo continua assim mesmo. Com outra roupagem, com outros adornos, mas o sertão ainda possui senhor e escravo, mandante e serviçal. A riqueza e a pobreza não deixam negar.
O velame é retorcido, queimado, alquebrado, servindo de nada até que seque de vez e seja levado pelo vento ou queimado em chamas. A umburana não. A poderosa umburana toma os espaços do poder, da política, do novo coronelismo. Tão forte e tão imponente, tão mandona e tão prepotente, mas não sobrevive sem o velame. Um povo chamado velame que quanto mais é pisado mais se ergue para dar vida ao que lhe submete, oprime e esmaga.

Escritor
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DISCURSO PROFERIDO NO DIA 23 DE MARÇO DE 2019 POR OCASIÃO DA POSSE DA NOVA DIRETORIA DA ACADEMIA MOSSOROENSE DE LETRAS

Por Geraldo Maia

Peço permissão ao confrade Elder Heronildes, Presidente da Academia Mossoroense de Letras, para em seu nome saudar os demais membros da mesa. Confreiras e Confrades, Autoridades presentes e representadas, Minhas Senhoras, Meus Senhores.   “Escreve, portanto, o que viste, o que é e o que deve acontecer depois.” Apocalipse 1-19   Meus caros Irmãos,   Disse Santo Ambrósio que “não dever haver urgência maior que a de agradecer”. E é isso que faço agora. Agradeço ao presidente desta Academia, Elder Heronildes, pela oportunidade de discorrer sobre um tema de tão alta relevância para mim, numa noite de gala para esta Academia, pois se trata da cerimônia de posse da sua nova diretoria. Agradeço também pela presença de todos vocês, que abrilhantam esta noite.   Não nasci em Mossoró, mas tenho por essa terra um respeito e um carinho muito grande. Quando aqui cheguei, há vinte anos, desejoso de conhecer a cidade onde ia morar, comecei a pesquisar sua história, a verdadeira alma da cidade. O que encontrei me fascinou. E seguindo a sentença bíblica, passei a escrever sobre todos e sobre tudo o que diz respeito a Mossoró. Venho descrevendo-a em prosas e versos.  Devo alertar, no entanto, que na verdade sou apenas um apaixonado pela História de Mossoró, sendo esse o motivo das minhas pesquisas. Não tenho qualificação nem títulos que credenciem as minhas observações, mas o que registro são baseados em fontes documentais. Não seria leviano para agir de outra forma. Nesses anos de pesquisas, tenho encontrado algumas incorreções na história local e embora sabendo que isso incomoda algumas pessoas, tenho tentado resgatar a verdade, mesmo que esta não seja tão bonita quanto à fantasia dada como oficial, mas claro, sempre baseado em vasta documentação. E nenhum tema abordado gerou tanta polêmica quanto à data da Emancipação Política de Mossoró. E como me envolvi nessa história?... Em 15 de março de 2003, numa manhã de sábado, eu estava na livraria A.S. Livros, que na época funcionava em Mossoró, lançando o meu livro “Fatos e Vultos de Mossoró – Acontecimentos e Personalidades, quando recebi uma ligação de Marcos Bezerra, que era repórter da Intertv Cabugi, dizendo que tinha lido uma matéria minha falando da Emancipação Política de Mossoró naquele dia 15 de março, mas que estava nas ruas, consultado às pessoas e que ninguém sabia desse acontecimento. E perguntou se eu podia dá uma entrevista para esclarecer o caso. Eu falei pra ele que minha fonte de pesquisa tinha sido o livro “Notas e documentos para a história de Mossoró, de Luís da Câmara Cascudo, que era o livro oficial da história de Mossoró”. Mas que todos os outros autores, que tratavam desse assunto, aceitavam o 15 de março como sendo a data da Emancipação Política de Mossoró. Que eu, naquele momento, estava em pleno lançamento do meu livro, mas logo que acabasse eu podia sim falar sobre o assunto. Ele acabou se dirigindo para a livraria onde fez a matéria sobre a Emancipação Política de Mossoró e também sobre o lançamento do livro, o que me deixou muito lisonjeado. O programa foi ao ar e alguns dias depois o Marcos Bezerra me ligou e novamente questionou sobre a veracidade da data, pois uma jornalista aqui de Mossoró, que na época era assessora da Prefeitura, tinha ligado pra ele pra dizer que ele tinha se deixado levar por minha história, mas que a data correta era 9 de novembro. O que eu respondi foi que bastava ele abrir qualquer livro de história de Mossoró para confirmar o fato. E ficou por isso. No ano seguinte, em 9 de novembro de 2004, foi aprovada a Lei nº 2009, cujo projeto era do então Presidente da Câmara Municipal, instituindo aquela data como ponto facultativo nas repartições públicas municipais da cidade “por se tratar de data alusiva a Emancipação Política da bravia Mossoró”. A partir desse ato a polêmica ganhou força. E nos oito anos seguintes, em 9 de novembro, o tema era discutido em matérias de jornais, rádio e televisão. E sempre que era convidado a me manifestar sobre o assunto, eu explicava que a emancipação política de uma região acontecia quando ela se desmembrada de outra e passava a ter os seus próprios dirigentes. E que isso aqui em Mossoró tinha acontecido no dia 15 de março de 1852, conforme consta nos livros de histórias, e que essa data está estampada no Selo e na Bandeira do Município. Mas logo surgiram os adeptos de outra corrente, que mesmo sem apresentar nenhuma outra fonte, “achavam” que a data era 9 de novembro e que não se devia mexer na Lei para não comprometer algumas pessoas. Ou seja, o tema tinha assumido ares políticos e algumas tentativas surgidas de corrigir o erro não eram aprovadas pela Câmara e quando a Câmara aprovava não tinha o respaldo do Executivo. Tive, em todo esse tempo, o apoio de dois grandes pesquisadores: Raimundo Soares de Brito e Antônio Nonato de Oliveira. No entanto, Raibrito, como era carinhosamente conhecido pelos amigos, já com oitenta e cinco anos de idade e doente, não se encontrava com força para participar do movimento. E Nonato, o nosso querido Nonatinho, que chegou a publicar um trabalho com o título “Emancipação Política e Predicamento de Cidade (Mossoró e Areia Branca)”, foi acometido de um AVC e também não pode mais participar da discussão. Mas felizmente a lógica predominou e em 2013, no dia 23 de maio, por coincidência dia do meu aniversário natalício, era aprovada a Lei nº 3.028, de autoria do Vereador Genivan Vale, corrigindo o erro e reconhecendo o 15 de março de 1952, como data da criação do Município de Mossoró. Vamos aos fatos: A 26 de setembro de 1701 o governador e capitão general de Pernambuco, dom Fernando Martins Mascerenhas de Lancastro doava ao Convento de Nossa Senhora do Carmo de Recife/PE, terras que nunca tinhas sido povoadas no rio Paneminha ou Upaneminha. Dava-se assim o início da povoação na ribeira do Mossoró. E muitas outras foram doadas, de modo que em determinado momento a ribeira já contava com mais de cinquenta moradores, gados, residências, interesses, um juiz de vintena e seu escrivão. Faltava apenas a autoridade executiva, policial, preventiva e repressora, desinteressada e prestigiada pela propriedade, família e tradição local. Em 04 de outubro de 1755 o Capitão-mor do Rio Grande do Norte, Pedro de Albuquerque Melo, nomeou José de Oliveira Leite para as funções de Sargento-mor da Ribeira do Mossoró. Dentre as propriedades ali existentes, estava a Fazenda Santa Luzia, que a partir de 1770 passou a pertencer ao Português Antônio de Souza Machado. Em 1772 foi construída nessa Fazenda uma capelinha dedicada a Santa Luzia, em pagamento de promessa feita por dona Rosa Fernandes, esposa de Souza Machado. E ao redor dessa capelinha nasceu o arraial de Santa Luzia do Mossoró. A partir de meados de 1838, os moradores da ribeira começaram a sonhar com a criação da paróquia. Elevar a pequena capela ao predicamento de Matriz era o desejo de todos. Não significaria apenas a autonomia religiosa, mas seria esse o primeiro passo para a emancipação política. Foi grande a luta, mas finalmente a Resolução nº 87, de 27 de outubro de 1842 criava a Freguesia, desmembrando-a da Freguesia do Apodi, elevando à categoria de Matriz a capela de Santa Luzia do Mossoró e incorporando-a ao Termo e Comarca do Assú. A resolução também determinava os limites da nova Freguesia, limites esses que foram preservados quando da criação do município. Trinta dias depois, a Lei nº 93, de 5 de novembro de 1842 criava a Mesa de Rendas Provinciais na sede da nova unidade de administração religiosa, o que demonstrava o valimento econômico da região que Mossoró centralizava. Em 1852 Mossoró possuía uma população de cerca de 6.000 pessoas morando ao longo das margens do rio Mossoró e com dois centros: um em Santa Luzia e o outro em São Sebastião. Já era tempo de pensar em emancipação política. E assim aconteceu:  No dia 15 de março de 1852 o povoado de Santa Luzia do Mossoró passou a categoria  de Vila, através do Decreto Provincial de nº 246, sancionado pelo Dr. José Joaquim da Cunha, Presidente da Província do Rio Grande do Norte. A medida estabeleceu a criação da Câmara, desvinculando-se politicamente do Município do Assu, a quem pertencera até então, formando um novo Município, sendo elevada a respectiva Povoação à categoria de Vila de Mossoró. A ideia da criação do Município partiu dos habitantes da ribeira do rio Mossoró. Entre os principais incentivadores, destacavam-se o Vigário Antônio Joaquim e o Padre Antônio Freire de Carvalho, que organizaram em Mossoró o núcleo Saquarema que era o Partido Conservador. Foram eles os responsáveis pela organização de um abaixo assinado que seria dirigido à Assembleia Provincial, pleiteando a criação da Vila e Município de Mossoró e do Tribunal de Jurados. Esse abaixo assinado chegou a Assembleia Estadual na sessão do dia 13 de janeiro de 1852, com 350 assinaturas. Como justificativas para a pretensão alegavam: 1 – existência de mais de dois mil fogos (na classificação tradicional, 3 pessoas por casa residencial); 2 – população estimada em mais de seis mil almas; 3 – arruamentos bem organizados, de boa perspectiva e não pequeno; 4 – um comércio “bastante opulento”; 5 – terras ótimas para criação; 6 – praias que enviavam peixe seco para lugares em derredor; e 7 – salinas assazmente abundantes que constituem um grande ramo de comércio. Foi o bacharel Jerônimo Cabral Raposo da Câmara, Secretário da Assembleia, quem leu o abaixo assinado. O projeto veio ao plenário na sessão de 8 de março de 1852, para a primeira discussão. Aprovado sem emendas. Na Segunda sessão, com a mesma aprovação. E na terceira, realizado no dia 11, aprovado, seguindo para a Comissão de Redação Final. O Presidente da Assembleia, o Bacharel Otalino Cabral Raposo da Câmara, o Vice-Presidente, o 1º e 2º secretários assinaram o projeto em sua redação final. O Presidente da Província fez a sanção a 15 de março de 1852. Mossoró passava a ser o décimo nono município da Província. Com essa Lei nº 246, nascia o Município de Mossoró. Criado o Município, procedeu-se em Mossoró a eleição para Vereadores e Juiz de Paz. Nelas figurava o Vigário Antônio Joaquim como representante do Partido Conservador e o Capitão João Batista de Souza como representante do Partido Liberal. Os Conservadores procederam à votação no interior da Igreja de Santa Luzia enquanto os Liberais permaneceram numa casa da Rua Domingos da Costa. Houve uma tentativa, por parte dos Liberais, de tomar o Livro de Atas. Por não conseguirem, passaram a disparar armas de fogo para o lado da Capela, onde permaneciam os Conservadores. A eleição foi vencida pelos Conservadores, que era comandada pelo Vigário Antônio Joaquim e encabeçada pelo Padre Antônio Freire de Carvalho. Este, como Presidente eleito, juramentou-se perante a Câmara do Assu, tomando posse e no mesmo dia, 24 de janeiro de 1853, na Vila de Mossoró, tomou juramento aos demais Vereadores, declarava instalada a nova Câmara que ficou assim composta: Padre Antônio Freire de Carvalho, Presidente; Tenente Coronel Miguel Archanjo Guilherme de Melo, Vereador; Capitão Francisco de Medeiros Costa, Vereador;  Capitão João Batista de Souza, Vereador; Francisco Besoldo das Virgens, Vereador; Sebastião de Freitas Costa, Vereador. Apesar da lamentável ocorrência quando da eleição, os Conservadores assumiram o poder e num período de tranquilidade, fizeram um governo de paz, sem ódio e sem vingança. Muito pouco pode ser feito pelo primeiro governante de Mossoró. Na opinião do historiador Raimundo Soares de Brito, de saudosa memória, “arrumou a casa. O resto deixou a cargo dos seus sucessores”. A Vila de Mossoró tinha na pecuária, a sua principal fonte de renda. Isso era muito pouco, pois as constantes secas castigavam  e até dizimavam o rebanho constantemente. Esse foi o motivo da sede administrativa do Município não ter sido elevada, a princípio, a condição de cidade. Aí vem a pergunta que todos querem fazer: mas se era assim, porque houve o desmembramento? Segundo Câmara Cascudo “a razão da vitória do projeto elevando Santa Luzia à Vila e fazendo surgir o novo município norte-rio-grandense deve ser procurado no plano político e não econômico. Foi um ato do Partido Conservador contra a região sabiamente pertencente ao Partido Liberal. Os eleitores, indo para Assú ou Apodi, iam votar no candidato “luzias”, como outrora eram fiéis ao Partido Sulista, nome do Liberal velho. Não havia em Santa Luzia do Mossoró eleitores do Partido Conservador e sim simpatizantes sem pronunciamento por falta de chefia coordenadora. Mossoró município havia de constituir base de força conservadora.” Com o passar dos anos, o perfil econômico da vila começou a mudar, vindo a se tornar um centro comercial, ou como se dizia na época, um “Empório Comercial”. E o marco para essa mudança do perfil econômico foi à chegada dos navios da Companhia Pernambucana de Navegação Costeira ao porto de Mossoró em 1857, através de uma subvenção concedida pelo governo provincial. Com essa medida, o município se tornou o centro de comercialização de uma área que atinge, além dos municípios vizinhos, uma parte do Ceará e também da Paraíba.  A chegada dos navios fez com que comerciantes de outras praças, principalmente de Aracati/CE, viessem a se estabelecer aqui, atraídos pelas oportunidades comerciais que Mossoró passava a oferecer. E foi esse atrativo que fez com que em 16 de novembro de 1868, o industrial suíço Johan Ulrich Graff se estabelecesse em Mossoró com a famosa “Casa Graff”, alavancando o seu desenvolvimento econômico com ideias mercantilistas, associadas ao capital aqui investido.  E foi dessa forma, como centro comercial de referência, que em 9 de novembro de 1870, a Vila de Mossoró passava a categoria de Cidade, através da Lei Provincial nº 260, de autoria do vigário Antônio Joaquim Rodrigues, que era Deputado Provincial, com assento pela sexta vez na Assembleia. Essa Lei tinha um único parágrafo que dizia: “Fica elevada ao predicamento de cidade a então vila de Mossoró”. E nada mais.  A aprovação da Lei encheu de júbilo o peito do velho vigário. Quando retornou de Natal, comunicou aos seus amigos e correligionários a alvissareira notícia com as seguintes palavras: “Fiz disto uma cidade”! Portanto, senhoras e senhores, foi isso que aconteceu em 9 de novembro de 1870. Como vimos, desde 24 de janeiro de 1853, quando foi instalada a Câmara Municipal de Mossoró, passamos a ter os nossos próprios governantes. Em 1870 Mossoró era administrada por Luiz Manuel Filgueira, Tenente-Coronel da Guarda Nacional, que foi escolhido para dirigir os destinos administrativos do município durante o triênio 1869 a 1872, cumprindo o seu papel sem nenhuma interferência. Essa Lei de 9 de novembro passou praticamente despercebida pela maioria da população, já que não causou nenhuma mudança administrativa.   Finda essa explicação, gostaria de encerrar as minhas palavras com um texto publicado por Câmara Cascudo intitulado “O tonel das Danaides”.     Segundo ele, “As Danaides eram cinquenta filhas de Danao, rei de Argos. Seu irmão, Egito, tinha cinquenta filhos. Mandou a filharada masculina casar com as primas. Danao não queria o casamento. Combinou com as filhas um plano.      Os cinquenta recém-casados tiveram a mais estranha noite de núpcias de que há notícias no mundo.      Foram todos assassinados pelas esposas. Só escapou um, Linceu, poupado por sua mulher  Hipernestra.      Júpiter condenou as Danaides às penas do Tártaro, que era o Inferno daquele tempo.      As Danaides enchiam um tonel sem fundo. Séculos e séculos, sem pausa, sem descanso, interrupção, as moças carregavam água, despejando-a no barril furado.      Teodoro de Banville contou o fim dessas Danaides, na Lanterna mágica.      Os Titãs venceram os Deuses. O Tártaro ficou sem chefe, despovoado de sofredores, todos perdoados.      Astepério anuncia a terminação da sentença:      - Acabou vosso suplício. Largai essa penitência. O tonel está cheio.      As Danaides pararam, pela primeira vez, há milênios. Enxugaram a fronte, descendo as bilhas infatigáveis. E dizem confusas e desapontadas :      - Está cheio o tonel? Pois bem! Que havemos de fazer? Já estamos habituadas com o trabalho contínuo, mesmo inútil.        Não perguntem, pois amigos, confrades e convidados, por que escrevo sempre, com ou sem leitores, com ou sem compreensão, estímulo ou tolerância.      Deixem-me com o meu barril sem fundos. A tarefa finda significaria o repouso incômodo, a displicência, a preguiça mortal.      Por isso, mesmo sem ter ofendido Apolo, encho, obstinado e tranquilo, a talha imperfeita, escondido num recanto da minha cidade.      Quando não mais ouvirem o rumor da água agitada, não se dirá que Júpiter sucumbiu.      “Será que, para sempre, desfaleceu na morte, o braço humilde do trabalhador...”   

Muito obrigado!  


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FAMILIARES NARRAM A IMPRENSA SOBRE A MARIA DO CAPITÃO LAMPIÃO

Por: Rostand Medeiros
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Estamos na semana do Dia Internacional da Mulher. Uma data muito positiva para glorificar aquelas as quais os homens devem muito. Pois sem elas, para começo de conversa, nem sequer veríamos a luz do nosso caliente sol nordestino.
Maria Bonita - Fonte - http://raimundopajeu.blogspot.com/
Em minha opinião, pela força, garra, capacidade e muitos outros adjetivos positivos, todo dia é dia das mulheres.
Sobre mulheres, mais especificamente sobre mulheres nordestinas, acredito que para o imaginário da grande maioria dos habitantes da nossa região, quando por aqui desejamos facilmente visualizar a figura de uma mulher batalhadora, lutadora, normalmente projetamos em nossas mentes a imagem das cangaceiras.
Evidentemente que não foram as cangaceiras as únicas mulheres de luta de nossa região. Nem vale a pena caracterizá-las apenas como companheiras de fora-da-lei que seguiam armados pelos sertões nordestinos, com suas roupas características, suas armas, sua valentia, seus cabelos grandes, suas apragatas. Igualmente em relação à entrada das mulheres no cangaço não podemos dizer que elas desejavam tão somente a busca de uma certa liberdade.
Os pesquisadores do assunto enumeram vários motivos que levaram as mulheres a se tornarem cangaceiras. Mas certamente em termos de liberdade, as cangaceiras estavam muito mais avançadas que a grande maioria das mulheres que viviam naquele Nordeste extremamente machista.
E entre estas mulheres de cangaceiros, a figura maior é indubitavelmente Maria Gomes de Oliveira, a Maria do Capitão Lampião, Maria Déia, ou Santinha, mas que ficou conhecida em todo o mundo como Maria Bonita.
 A NARRATIVA DE ZÉ FELIPE 
Sobre esta mulher sabemos que se chamava Maria Gomes de Oliveira, que nasceu no dia 8 de março de 1911, na fazenda Malhada do Caiçara, no Estado da Bahia e seus familiares chamavam-na de Maria Déia. Já seus pais eram os fazendeiros Maria Joaquina da Conceição e José Gomes de Oliveira.
Muito já foi escrito, muito já foi analisado e muito já foi comentado sobre ela. Mas não custa nada trazer para o público do nosso blog “Tok de História” duas antigas reportagens jornalísticas realizadas com familiares da famosa cangaceira.
O Jornal, Rio de Janeiro, 7 de setembro de 1958
Vinte anos após a morte de Lampião e Maria Bonita na Grota do Angico, o repórter A. C. Rangel e o fotógrafo Rubens Boccia seguiram para o sertão a serviço do periódico carioca “O Jornal”. Este era autodenominado o “órgão líder dos Diários Associados”, sendo o primeiro veículo jornalístico adquirido pelo poderoso Assis Chateaubriand e se tornou o embrião do que viria a ser a empresa jornalística Diários Associados. O objetivo dois profissionais da imprensa era realizar uma entrevista com o pai de Maria Bonita, José Gomes de Oliveira, mais conhecido como Zé Felipe. [1]
Na edição de domingo, 7 de setembro de 1958, o periódico carioca estampava a manchete “Maria Bonita era tão má quanto Lampião” e informava sobre a entrevista junto ao pai da famosa cangaceira.
Para o jornalista Rangel, o seu entrevistado estava “na casa dos setenta”, mas mostrava-se forte e lúcido. O homem do jornal ficou surpreso ao descobri que Maria Bonita havia habitado cinco anos debaixo do mesmo teto com outro homem, o sapateiro José Miguel da Silva, apelidado Zé de Neném (ou “Zé de Nenê”).
O pai de Maria Bonita nada narrou sobre a esterilidade do sapateiro e nem sobre o primeiro marido da sua filha, mas comentou que ficou arruinado com a união de Maria e o “Rei do Cangaço”. Ele afirmou ao jornalista que em consequência daquela união passou oito anos andando pelo norte do país, verdadeiramente como um “cão escorraçado e sem sossego”.
Zé Felipe comentou que após Maria decidir seguir os passos de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, nas poucas vezes que pode estar frente a frente com a sua filha, buscou convencê-la a deixar aquela vida. Atitude bastante razoável para um pai diante daquela situação. Comentou que Lampião vivia como um “alucinado” e que não parava em parte alguma. Mas como bem sabemos, ele não conseguiu convencer a filha.
Grande parte da entrevista procura mostrar Maria Bonita como uma mulher muito valente, até mesmo violenta, que encarava Lampião sem medo.
O jornalista Rangel informa que Zé Felipe lhe narrou que em uma ocasião em meio a uma caminhada forte, com a polícia seguindo nos calcanhares, Maria Bonita foi ficando cada vez mais para trás, pois trazia embalada uma criança sua, com pouco tempo de nascida. Sem explicar como, a reportagem informa que a cangaceira com seu filhinho pegou um cavalo e conseguiu chegar próximo ao bando. Como a criança chorava muito, Lampião se exasperou e, para evitar que o bando fosse encontrado pela polícia, quis “sangrar” com um punhal seu próprio filho.  Mas Maria saltou de punhal na mão e encarou o chefe cangaceiro frente a frente e este desistiu de sua ação. Noutra ocasião Zé Felipe narrou ao jornalista Rangel que Maria tinha ficado raivosa com o companheiro e chegou a quebrar-lhe uma cabaça d’água na cabeça. [2]
Em outra parte da narrativa, o velho Zé Felipe narrou uma desobediência de sua filha perante Lampião.
Sem dizer a data, afirmou que em uma ocasião o bando chegou a um lugar denominado Girau do Ponciano após haver praticado saques. Por alguma razão que Zé Felipe não detalhou, Maria passou a pegar várias peças de pano, de várias cores, jogando-as para cima e depois pisando no pano. Daí media até o alto da sua cabeça e depois mandava cortar aquele pedaço e entregava aos mais pobres do lugarejo dizendo “-Quem tá noiva prá casar ganha uma peça”. O pai da cangaceira afirmou que apenas ela podia fazer aquele tipo de coisa e que Lampião estava zangado com ela na ocasião por alguma “Ruga” (Rusga), mas não comentou a razão. [3]
Maria Bonita - Fonte - http://umas-verdades.blogspot.com/
Zé Felipe aos periodistas que até comentou que até aquela data não conseguia compreender o desejo irascível de Maria seguir atrás de Lampião. Mas quem pode explicar as razões do amor?
É sempre interessante ler antigas reportagens ligadas aos participantes do cangaço, com informações transmitidas por seus próprios parentes, por aqueles que conviveram com a figura pesquisada debaixo do mesmo teto. Mas interessante ainda é quando estas opiniões foram relatadas a jornalistas anos depois do fim do cangaço, quando muito da apreensão de se falar sobre os personagens deste assunto havia desparecido. Mas esta matéria de 1958 se mostrou bastante limitada, pouco detalhista e tendenciosa ao sensacionalismo. Mostrando uma extrema limitação do jornalista, que a nosso ver perdeu uma grande oportunidade de conhecer mais detalhes da vida da companheira de Lampião através do relato do seu próprio pai.
UM POLÍTICO DESCOBRE A IRMÃ DE MARIA BONITA
Publicada no periódico soteropolitano “Diário de Notícias”, edição de domingo, 4 de novembro de 1970, trinta e dois anos depois da morte do mais famoso casal de bandoleiros do país, trás a assinatura do jornalista Renato Riella e fotos de Aristides Baptista e a principal entrevistada foi a Senhora Amália Oliveira, a irmã de Maria Bonita. [4]
Naquele ano de políticas ditadas pelos militares que dominavam Brasília e a euforia do tricampeonato de futebol, o jornalista Riella tratou a irmã da cangaceira respeitosamente como Dona Amália. Já no começo do relato esta senhora informou que Maria tinha era “Muito medo de Lampião antes de conhecê-lo”. Mas completou afirmando que ela era “Uma mulher comum, com sentimentos bastante humanos”.
Diário de Notícias, Salvador, ed. 4 de novembro de 1970
O jornalista Renato Riella encontrou Dona Amália hospedada em Salvador, na casa de um cidadão por nome de José Augusto, então candidato a deputado estadual. Ela havia chegado a esta casa quando em um dia de 1970, este aspirante a um cargo político visitou um pequeno povoado denominado Riacho, na região próxima a cidade de Paulo Afonso, Bahia, em plena campanha eleitoral.[5]
Nesta localidade o candidato foi lanchar em um bar e soube que ali morava um cidadão que tinha graves problemas de saúde e que necessitava de ajuda e José Augusto foi então visitar esta pessoa. Nesta casa ele conheceu Dona Amália e descobriu que seu marido se chamava Manuel Silva e era a pessoa que precisava de apoio. Em meio a conversa, o candidato soube que aquela senhora era irmã de Maria Bonita. [6]
Depois de conhecer a situação o casal seguiu para a residência do candidato na capital baiana. No momento em que era feita a reportagem, José Augusto ainda não havia conseguido vaga na rede hospitalar para Manuel Silva. Imaginava-se que ele estava acometido de reumatismo, mas descobriu-se que era câncer no pulmão, em avançado grau. [7]
Diário de Notícias, Salvador, ed. 4 de novembro de 1970
Ao ler a reportagem e ver as fotos que trazem Dona Amália, aparentemente ela estava bastante tranquila quando respondeu aos questionamentos do jornalista Renato Riella. Logo o repórter descobre que o marido de Dona Amália era irmão do sapateiro José Miguel da Silva, o Zé de Neném, ex-marido da famosa cangaceira.
A SEPARAÇÃO DE MARIA BONITA
Ela informou que era alguns anos mais jovem que Maria Bonita, mas que havia sido criada junto a ela. Já em relação a razão da separação do casal a Dona Amália contou ao jornalista Riella uma interessante história.
Ela informou que era alguns anos mais jovem que Maria Bonita, mas que havia sido criada junto a ela. Já em relação a razão da separação do casal, Dona Amália em nenhum momento fez algum comentário sobre a provável infertilidade do seu cunhado. Mas narrou ao jornalista Riella uma interessante história.
Um dia Maria encontrou no bolso da calça do esposo um pente de pedra. Um pente de pentear cabelo de mulher. Sabendo que o marido tinha o hábito de realizar “aventuras” fora do leito matrimonial, ao inquiri-lo sobre a existência daquele objeto o diálogo azedou, logo se transformou em bate boca e culminou em uma agressão física. Segundo a irmã de Maria Bonita, Zé de Neném feriu sua esposa três vezes no braço, com um canivete do tipo “corneta”. [8]
Segundo Dona Amália o diálogo que levou a agressão, textualmente reproduzido na reportagem, se desenrolou desta maneira;
- Onde achou este pente? Perguntou Maria.
- Não lhe interessa.
- Não me interessa por quê? Retrucou a esposa.
- Porque não. Foi a resposta dura de Zé de Neném.
Diante da violência vergonhosa, Maria seguiu para a casa dos seus pais no Sítio Malhada da Caiçara. Zé Felipe ao saber do ocorrido teria sentenciado “-Daqui a dois dias você esquece tudo”.
Segundo a versão transmitida por Dona Amália, a sua irmã Maria não esqueceu e passados oito dias do entrevero conjugal estourou a notícia:
-Lampião vem aí!
Dona Amália comentou que todos ficaram com medo, inclusive Maria. A irmã mais nova da “Rainha do Cangaço” informou ao repórter que estava gripada e tossindo muito. Maria avisou que ela deveria parar de tossir “-Por que ele (Lampião) pode lhe matar”.
Dona Amália, irmã de Maria Bonita - Diário de Notícias, Salvador, ed. 4 de novembro de 1970
Ela afirma que Lampião e seus homens ficaram em um local próximo a propriedade da família e que seu pai matou um bode para alimentar os cangaceiros. As moças do lugar, diante do acontecimento anormal, resolveram fazer uma visita ao local. Dona Amália afirma que Maria primeiramente tinha bastante medo de se aproximar dos cangaceiros, mas acabou seguindo para o coito. Lá conheceu o chefe do bando, sendo por ele bem tratada. Aos poucos, segundo sua irmã mais nova, foi se aproximando do grande cangaceiro.
Lendo a versão transmitida por Dona Amália, é fácil deduzir que certamente Maria estava bastante magoada com a agressão realizada por seu marido. Consequentemente a ideia (e depois a decisão) de abandonar o esposo foi uma reação natural de defesa. Neste sentido, baseado no relato da reportagem, é possível conceber que a aproximação com Lampião poderia ter sido iniciada tanto pela admiração natural que a vida de cangaceiro exercia nas sertanejas, como por uma ideia de ter um homem que a protegesse?
Independente desta questão, logo após este encontro Dona Amália afirma que receberam a notícia que a polícia logo viria “visitar” a casa de Zé Felipe, para saber da sua relação com Lampião. Em pouco tempo todos estavam arrumando seus pertences, inclusive Maria. Seguiram em direção ao estado de Alagoas e transportavam poucas coisas, alguns membros da família praticamente sairam apenas com a roupa do corpo.
Quando o grupo familiar chegou à casa de uma das avós das meninas, no lugarejo Rio do Sal, a jovem Maria Déia decidiu ficar nesta casa. [9]
Oito dias depois a família tomou conhecimento que ela estava acompanhando Lampião.
ÚLTIMO ENCONTRO
Dona Amália recordou em 1970 o último encontro que teve com a irmã famosa.
O fato se deu no lugar Salobro e nesta ocasião Dona Amália encontrou sua irmã “muito alegre”. O seu relato aponta que Maria Déia estava realmente muito bem com a sua nova vida.
Ela conta que a irmã chegou até mesmo a fazer uma brincadeira “até certo ponto infantil”. Ela colocava dentro de uma rede vários objetos tipo pentes anéis e outras joias.  Daí quem saltasse mais alto sobre a rede ganhava os prêmios. Dona Amália afirmou que não ganhou nada, mas que uma moça do lugarejo ficou com vários dos regalos. Ela lembrou que sua irmã mais velha lhe falou que estava gostando da vida ao lado de Lampião e revelou uma grande admiração por ele. Mas também lhe disse que não queria ninguém de sua família naquela vida.
Com o passar do tempo Dona Amália só tomava conhecimento da vida da irmã através da narrativa de pessoas vindas de fora. E foi desta forma que ela soube da morte de Maria Déia em 1938.
Fim de Lampião, Maria Bonita e seu bando. Fonte - http://blogdathayanne.blogspot.com/
Ao ler o trabalho do jornalista Renato Riella percebi que este se apresenta com uma narrativa muito mais detalhista e aberta, mostrando que esta entrevista foi muito bem conduzida, trazendo alguns fatos sobre a vida da mulher de Lampião.
Infelizmente esta reportagem de 1970 não informou maiores detalhes do destino de Dona Amália e seu esposo. Já o pesquisador e escritor da cidade de Paulo Afonso, João de Sousa Lima, em seu ótimo livro “A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do cangaço”, 1ª ed., 2005, na página 90 informa que Amália nasceu em 10 de julho de 1916,era conhecida na família como Dondon. O autor informa que ela e seus seis filhos seguiram para a cidade de Osasco, no estado de São Paulo, aonde veio a falecer no dia 12 de maio de 1996, em decorrência de um infarto.

[1] Sobre o jornalista A. C. Rangel nenhuma referencia encontrei. Mas em relação ao fotógrafo Rubens Boccia temos várias informações (Ver - http://terceirotempo.bol.uol.com.br/quefimlevou_especial_foto.php?id=2288&sessao=f&galeria_id=2052&foto_id=19532  /  http://edemarannuseck.blogspot.com/2011/04/wilson-de-freitas.html
[2] Existem algumas obras sobre o tema cangaço que apontam situações parecidas como as narradas pelo pai de Maria Bonita nesta matéria. Mas no caso da criança, por mais bruto que fosse Lampião quanto bandoleiro, havia uma relação muito positiva entre ele e Maria Bonita e não acredito que ele chegasse a este tipo de atitude em relação ao seu próprio filho.
[3] Em contato com o amigo Ivanildo Silveira, competente Promotor de Justiça em Natal-RN e grande conhecedor do tema cangaço, me informou que este fato nunca foi comentado por cangaceiros sobreviventes. Entretanto existe um município no sul do estado de Alagoas denominado Girau do Ponciano, a vinte e seis quilômetros da cidade de Arapiraca. Segundo o pesquisador Kiko Monteiro, em artigo publicado neste blog “Tok de História”, um comerciante deste local de nome Eloy Mauricio, tive os seus armazéns saqueados pelo bando de lampião em abril de 1938, três meses antes da morte de Maria Bonita e seu companheiro. Teria sido nesta ocasião e neste local que se deu o fato narrado por Zé Felipe aos jornalistas em 1958? Infelizmente não conseguiu confirmação. (Ver - http://tokdehistoria.wordpress.com/2011/08/06/canhoba-em-sergipe-e-rota-do-cangaco-os-carvalhos-lampiao-e-o-estado-menor/). Já sobre o pai de Maria Bonita, segundo o pesquisador e escritor João de Sousa Lima, no seu livro “A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do cangaço”, na pág. 87 temos a informação que Zé Felipe faleceu em 5 de março de 1965, sete anos após a entrevista aos jornalistas de “O Jornal”.
[4] João de Sousa Lima, no seu livro “A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do cangaço”, na pág. 90 informa que o nome desta irmã de Maria Bonita seria Amália Oliveira Silva e Amália Gomes de Oliveira seria provavelmente seu nome de solteira. Sobre o jornalista Renato Riella ver - http://riella.blog-se.com.br
[5] O Povoado riacho dista vinte e cinco quilômetros de Paulo Afonso. (Ver - http://www.juraemprosaeverso.com.br/HistoriasDasCidadesBrasileiras/HistoriaDaCidadeDePauloAfonso.htm)
[6] Sobre o candidato a deputado estadual José Augusto informo que nada encontrei. A Assembleia Legislativa do Estado da Bahia possui em seu site na internet uma interessante página com pequenas biografias dos vários deputados que atuam e atuaram na casa. Mas não encontrei nenhuma referência a algum político com este nome. É certo que em 1970 houve um pleito onde os eleitores dos estados da federação escolheram diretamente seus candidatos ao senado, a câmara federal, para as assembleias legislativas, prefeituras e câmara de vereadores. (Ver - http://www.al.ba.gov.br/v2/deputados.cfm /   http://www.tse.jus.br/eleicoes/cronologia-das-eleicoes)
[7] João de Sousa Lima, livro “A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do cangaço”, na pág. 90 confirma que Dona Amália havia casado com Manuel Oliveira Silva.
[8] Este canivete “Corneta”, comentado na reportagem pela Dona Amália seria o que atualmente é conhecido popularmente como canivete de “Eletricista”. Também era conhecido antigamente como “Pica Fumo”. Já o nome como esta peça de cutelaria era conhecido naquela época vem da tradicional fábrica Indústria e Comércio Corneta S.A., implantada a mais de 70 anos no Brasil por imigrantes alemães na cidade de São Paulo. Ver - http://www.corneta.com.br/
[9] João de Sousa Lima, livro “A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do cangaço”, na pág. 30 informa que esta avó era a materna e se chamava Ana Maria. O autor aponta que Maria Déia decidiu ficar neste local para cuidar da saúde da avó e teria sido dali que ela seguiu definitivamente com Lampião.
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Extraído do blog "Tok de História", do historiógrafo e pesquisador do cangaço, Rostand Medeiros