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quinta-feira, 19 de julho de 2012

NAS ASAS DA AÉROPOSTALE

Por: Rostand Medeiros
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A empresa de aviação Aéropostale. ou Compagnie Générale Aéropostale foi uma das pioneiras da aviação no mundo e principalmente no Brasil.

Quadro de horários e outras informações da empresa Aéropostale, partindo do Rio de Janeiro. Publicado em um jornal carioca de 1931.

Em 25 de dezembro de 1918, a empresa começou a servir a sua primeira rota entre Toulouse e Barcelona, na Espanha. Em fevereiro de 1919, a linha foi estendida para Casablanca, no Marrocos. Em 1925 estendeu-se a Dakar, a capital e a maior cidade do Senegal, onde as malas postais eram enviadas por navio para a América do Sul. Em Novembro de 1927 iniciou voos regulares entre o Rio de Janeiro e Natal. Suas rotas foram se expandindo até o Paraguai e depois, em Julho de 1929, foi criada uma uma rota regular, a té Santiago, Chile, passando sobre a Cordilheira dos Andes.

Da esquerda para direita vemos os franceses Gimié, Mermoz e Dabry, no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, seguindo para o sul do continente. Heróis da aviação comercial.

Um dos pontos altos da empresa ocorreu em 1930, com a viagem através do Atlântico Sul do hidroavião Latécoère 28, que sem escalas e pilotado pelo francês Jean Mermoz, voou 3.058 quilômetros de Dakar a Natal, em 19 horas e 35 minutos, com seu avião trazendo mais de 100 quilos de malas postais.

Depois de um escândalo envolvendo pagamentos postais do governo francês para Aéropostale, a empresa foi dissolvida em 1932, e fundiu-se com outras companhias de aviação para criar a Air France.

Cartaz mostrando a travessia de Mermoz e mais dois companheiros, que ficou conhecida como a primeira travessia comercial do Atlântico Sul.

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Extraído do blog: 
"Tok de História", do historiógrafo e pesquisador do cangaço:
 Rostand Medeiros







Enquanto não vem cangaço - Uma tentativa de suicídio engraçada

Por: José Mendes Pereira

A história que segue é uma das muitas que aconteceram em Mossoró, e que esta, jamais foi escrita. Os personagens da história eu não usarei os seus verdadeiros nomes, dando-lhes nomes criados.

Cristino Souto era um homem ainda novo e residiu por muitos anos em frente à linha de trem, no Alto da Conceição. Possuía um barracão, como era chamado nos velhos tempos, sendo este localizado entre a casa de uma irmã, a Cacilda, e do outro lado, morava o viúvo Fragoso, o seu honrado pai.

Cristino só comprava mercadorias com datas marcadas para pagar, mas não vendia fiado nem ao seu próprio pai. Quem compra fiado e vende a dinheiro, com certeza acumulará riquezas. E assim o Cristino tornou-se um dos maiores comerciantes de cereais do bairro.

Mas o Cristino a tempo que vinha notando que alguém estava lhe roubado.  A única pessoa que lhe dava uma mãozinha era o Geraldo, filho da irmã, a Cacilda, um jovem de vinte e poucos anos. Desconfiado, resolveu acusá-lo pelos desaparecimentos de algumas mercadorias, inclusive maços de cigarros: “Eldorado”, “Continental”, etc.

Antes já havia participado ao pai, que o Geraldo estava carregando algumas de suas mercadorias. O pai, honestíssimo, achava que o Cristino não deveria acusar o seu neto para não enodoar a sua generosa família, aconselhando-o que o deixasse lá, e não participasse a ninguém que isto estava se passando em seu barracão, principalmente tendo como acusado, o seu próprio sobrinho. Mas o Cristino não obedeceu ao pai, e dias depois levou o assunto aos fofoqueiros e ao próprio Geraldo sobre a sua desonestidade.

Assim que falou sobre a sua desonestidade o Geraldo caiu em pranto, dizendo-lhe que jamais havia tirado algo do seu comércio. Mas Cristino manteve firme a acusação. Se não entrava outra pessoa em seu barracão, a não serem eles dois, e ele, como dono, não iria roubar a si mesmo, então o Geraldo andava carregando as suas mercadorias. 

Sabendo que toda vizinhança já era conhecedora desta acusação, Geraldo resolveu arquitetar um suicídio, na tentativa de pressionar o seu tio a voltar atrás, e com isso, ele, talvez, iria informar aos seus vizinhos e fregueses que, o que dissera contra ele tinha sido uma simples brincadeira.

Em sua casa Geraldo guardava uma porção de pesos, que antes era usada em uma balança "romana" pelo comerciante. Mas com o lançamento de balanças modernas, Cristino adquiriu uma "filizola" e resolveu aposentar a "romana", guardando-a juntamente com os pesos na casa do Geraldo.

Nesse dia Geraldo esperou que a mãe saísse para o trabalho, e assim que ela se dirigiu à Fitema (fábrica de tecelagem onde a Cacilda trabalhava em Mossoró), ele deu início ao seu plano. Juntou de dez a doze pesos de cinco quilos, inquiriu uns aos outros, com arame, formando um total de cinquenta ou sessenta quilos.

Em sua casa, um brabo, ou um gato, como é conhecido pelos construtores (linha que sustenta a mão a qual recebe a terça de uma casa), Geraldo, com todo esforço, através de um carretel, suspendeu o grupo de pesos, agasalhando-o sobre o gato, sendo que este estava amarrado por uma corda, e a outra ponta seria a que iria laçar o seu pescoço. Empurrado os pesos, claro que eles desceriam, e era nesse momento que Geraldo subiria com a corda laçada ao pescoço, e com cuidado, assim que o grupo de pesos descesse, ele seguraria no brabo, evitando um suicídio de verdade.

E pôs-se a organizar o suicídio. Mas no momento em que o suicida arrumava a corda, ele bateu no grupo de pesos, despencando de uma só vez. O pior foi que o Geraldo estava sobre uma cadeira, sustentando com um dos pés o laço que seria colocado ao pescoço, e no momento da inesperada descida dos pesos, a corda laçou um dos pés, arremessando-o para cima, deixando-o de cabeça para baixo.

Como ele não havia calculado o tamanho da corda que seria necessário para a armadilha, com o impulso dos pesos, levou a sua perna de vez, montando-a sobre o gato, partindo o osso ao meio, deixando-a em forma de cabo de estilingue, repuxada pelo seu próprio peso, e do outro lado do gato, os pesos da balança. Sentindo terríveis dores, o suicida iniciou desesperados gritos, para que a turma dos piedosos fosse salvá-lo. Mas no momento, o único que se encontrava no barracão era o difamador, e ouvindo a gritaria de alguém, que ele não sabia quem lá estava, com muito esforço, quebrou a porta da frente para socorrer o homem que gritava.

Assim que ele entrou e viu o Geraldo dependurado por uma das pernas, em vez de tentar logo resolver aquele problema, ficou zombando do miserável, dizendo-lhe que nunca tinha visto um sujeito que queria suicidar-se, amarrando a corda na perna, em vez de colocá-la no pescoço. Geraldo gritava, pedindo-lhe que cortasse logo a corda, pois havia quebrado a sua perna.

Depois de tanto zombar do sobrinho, Cristino olhou para cima e viu as pontas de ossos da perna do Geraldo, e o sangue banhando todo o seu corpo. Vendo-os, aperreou-se, e  arrastou pela faca que estava na cintura, e com uma mão, segurava a corda do lado do acidentado, e com a outra, cortava a corda. Mas como ele não teve força para segurar o peso do miserável, assim que a corda se rompeu, Geraldo desceu batendo a cabeça ao chão, e o corpo despencou sobre a cabeça, deixando-o desacordado.

Foi Geraldo conduzido ao Hospital de Caridade. Dias depois, Geraldo chegou em casa, faltando lhe uma das penas. O médico que o assistiu, não teve como preservá-la, pois os nervos, carnes e veias, ficaram irreparáveis.

O mais interessante! Para reforçar a suspeita do Cristino, assim que o Geraldo foi demitido, os roubos no seu barracão deixaram de acontecer.

Mas meses depois, sem a presença de Geraldo no barracão, Cristino sentiu que continuava sendo roubado. Sem comentar a ninguém, procurou dois policiais, e os levou para permanecerem algumas noites no barracão, até que prendessem o larápio. Já fazia cinco dias que os policiais dormiam dentro do barracão, mas ninguém sabia que lá dentro, dois policiais se escondiam.

Nessa noite, lá pela madrugada, sentiram que alguém estava destelhando a casa. Silenciosamente, os policiais esperaram pelo suposto larápio. E lentamente, o ladrão foi retirando as telhas, e em seguida veio descendo, começando pelas pernas, depois o corpo, e logo desceu, caindo cuidadosamente. Encheu um saco de mercadorias, amarrou a corda que já estava prontinha no caibro para este fim, pôs-se a subi-lo. Impaciente, os soldados partiram para cima, e logo o algemaram, com as mãos para trás, deitando-o ao chão, com as costas para cima. Confiante que haviam pegado o ladrão, um foi até a casa do Cristino, e comunicou-lhe que o esperto já estava algemado.

Cristino, ansioso para ver a cara do esperto, foi às presas para conduzi-lo até a Delegacia de Furtos e Roubos. Quando o levaram para fora do barracão, diante das luzes das ruas, Cristino ficou passado de vergonha. O ladrão era o seu próprio pai, que morando parede com parede, vez por outra, roubava o filho por cima do teto.

O filho ao ver o pai, exclamou:

- Que vergonha, papai! Que vergonha! Tenho ouvido falar, que geralmente filho rouba pai, chegando até quebrá-lo. Mas pai roubar filho, eu nunca ouvi falar.

Com o passar dos tempos, Geraldo inconformado com a injusta acusação do tio, responsabilizando-o pelos furtos que aconteceram no seu barracão, e também arrependido pelo que havia arquitetado, a tentativa de suicídio, pouco se alimentava, e lentamente foi atrofiando, atrofiando, chegando a falecer em sua própria residência.

O Fragoso, pai do Cristino e avô do Geraldo, desconfiado no meio da vizinhança, resolveu desaparecer do bairro, e não levou muitos meses para ser encontrado morto, já nas terras da cidade de  Areia Branca. Segundo autópsia, a causa da morte, fora suicídio.

O Cristino Souto ficou todo desnorteado com a decepção que passara pelo pai. Envergonhado, dedicou-se ao álcool. Vivia bêbado dentro do seu barracão. Não cumpria mais com os seus compromissos, e o barracão foi fracassando, fracassando, chegando a fechar as portas. 
Cristino Souto morreu de cirrose hepática, de tanto beber, causado pelo desgosto.

José Mendes Pereira

 Minha Simples Histórias
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Hoje na História de Mossoró - 19 de Julho de 2012

Por: Geraldo Maia do Nascimento

Em 19 de julho de 1962 falecia, em São Paulo, a Professora Maria Dolores Couto Freire de Andrade, consorciada com o jornalista Jorge Freire de Andrade, pais do também jornalista Dorian Jorge Freire.
               
Educadora mossoroense, nascida a 24 de maio de 1908, a Professora Maria Dolores era diplomada pela Escola Doméstica de Natal, onde fez curso brilhante.
               
Integrou o corpo docente da Escola Normal de Mossoró, como titular da cadeira de Trabalhos Manuais, além de ministrar conhecimentos de inglês e História Geral.
               
Seus restos mortais foram transladados para esta cidade repousando em túmulo da família. Mãe de Dorian Jorge Freire.

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Autor: 

Geraldo Maia do Nascimento

Fonte:

24 de dezembro de 1938, no “Estado da Bahia”

Por: Rubens Antonio
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24 de dezembro de 1938, no “Estado da Bahia”:

MAIS DOIS ASSECLAS DO GRUPO DE LAMPEÃO ENTREGAM–SE Á POLICIA



Corisco, só depois de morto
Chegaram hontem, no trem de Sergipe, precisamente ás 17 horas e 50 minutos, mais dois bandidos pertencentes ao grupo de José sereno. escoltados por um cabo e dois soldados, os ex–cangaceiros saltaram na gare da Calçada, onde foram rodeados de curiosos, até que chegou o carro da policia e os conduziu para a Delegacia Auxiliar.

CAJAZEIRA E DIFFERENTE


Os bandidos chemam–se José Francisco dos Santos, mais conhecido pela alcunha de “Cajazeira” e Manoel Nascimento, mais conhecido pela alcunha de “Differente”, tendo se entregado á Policia Bahiana na serra Negra, perto do Estado de Sergipe. O primeiro tem apenas 21 annos de idade, e, segundo suas declarações, entrou para o bando em vista de ter sido perseguido pela policia de Sergipe, por causa da accusação de ser coiteiro.

A ILLUSÃO DO CANGAÇO

“Differente” entrou para o grupo de “Zé Bahiano”, contra 23 primaveras, tendo dois annos de cangaço e lutas. Quando Zé Bahiano foi victimado, elle passou para o bando de “José Sereno”, onde até o momento de se entregar continuou a sua vida de assassinios e assaltos.
Contou–nos tambem que começou a exercer esta vida após “Canario” tê–lo convidado para entrar no bando com promessas cheias de vantagens. Porém, agora – acrescentou – resolveu entregar–se pois o cangaço nada mais é do que uma vida de illusões e perseguições.

“CORISCO” SÓ DEPOIS DE MORTO

“Corisco”, o perigoso “Diabo Louro”, que promettera entregar–se, mudou de intenções. Tambem “Angelo Roque” outro temivel cangaceiro e chefe de 4 homens, pretendeu entregar–se, mas o “Diabo Louro” o convenceu do contrario – declarou “Cajazeira”, que fala como uma victrola no seu falar arrastado de sertanejo.

9 BANDIDOS APENAS

Dois grupos ainda perambulam pelos sertões bahiano e sergipano, um commandado pelo “Diabo Louro”, sendo composto de 4 homens e outro commandado por Angelo Roque, com 3 homens.

MUNIÇÃO DE SERGIPE

Continuando a falar, os bandoleiros declararam que recebiam toda a munição de Sergipe e que lá eram muito pouco perseguidos. Ao contrario se verificava no sertão bahiano, onde nós recebiamos tiros em todos os logares por onde passavamos. Demos poucos combates com a Policia Bahiana, mas foram combates que deixaram recordaçõe, pois nelles vimos abatidos innumeros dos nossos.

NOTAS SOLTAS

Os ex–cangaceiros entregaram–se ao sr. João Maria, irmão do Coronel Liberato de Mattos, o qual não se descuidou e logo ao seu irmão deus sciencia do facto. O coronel enviou uma escolta que os conduziu a esta Capital

Com a prisão destes dois bandidos, o cangaço soffreu mais um golpe que o fez diminuir a intensidade e actividade.

24 de dezembro de 1938, no “A Tarde”:
DESISTIRAM DO CANGAÇO


Pelo trem nocturno de Sergipe, chegaram, hontem, ás 17 horas e 53 minutos, á esta capital, os bandidos “Differente” e “Cajazeiras”, que se apresentaram á policia, em Paripiranga.

Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço:
Rubens Antonio

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 20 (CANGACEIRO E JAGUNÇO – FARINHA DO MESMO SACO?)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 20 (CANGACEIRO E JAGUNÇO – FARINHA DO MESMO SACO?)

Se existiam duas raças sertanejas que não se topavam, que nunca se deram muito bem de jeito nenhum, estas eram a dos cangaceiros e dos jagunços. Cangaceiro tinha raiva de jagunço que se mordia; este se metia a cangaceiro pra ficar mais assombroso. Quando o jagunço falava em comparação, logo dizia que o acerto na mira era o que contava.

Certa feita, ao passar pelo fazendeirão do Coronel Sinésio Baraúna, um afamado senhor de terra e gente que tinha na qualidade de bicho, Virgulino Lampião lhe fez uma observação com palavras que soaram quase como repreensão, ao afirmar que não admitia que ao chegar ali aqueles pistoleiros de uma figa, que o Coronel tinha na qualidade de jagunços, lançassem seus olhares desconfiados para o seu bando. E disse mais:

“O Coronel é homem prudente demais, porém se perde na escolha das companhias. É preciso separar o joio do trigo, Coronel. Digo que é um erro seu acreditar que esses homens de cara de bicho, bigodudos, sujos e fedorentos, e trazendo não sei quantas armas nos escondidos das ancas, tenham alguma serventia para o senhor. São todos uns covardes, bandidos comuns, assassinos sanguinários, uns falsos e frouxos, que não pensarão duas vezes se o coronel da outra cerca pagar um tostão a mais. E para acabar com o ex-patrão. Pois digo que não gosto e não vou mais admitir que esses cabras covardes fiquem ao menos olhando os meus amigos de longe. Qualquer dia desses um cabra como Tiziu não vai gostar de estar sendo observado e então a coisa vai feder”.


O Coronel Baraúna ficou deveras espantado com o que ouviu do Capitão sertanejo. Homem de muito poder e pouca leitura, de muito dinheiro e pouca compreensão sobre a realidade do mundo, muitas vezes até agia como se tudo se resumisse ao que achava que estivesse certo ou errado. Por isso mesmo nunca parou para pensar se existia alguma diferença entre ser cangaceiro e ser jagunço. Para ele, que pagava tanto a um como ao outro por proteção, tudo dava no mesmo: homens armados e perigosos, que não pensariam duas vezes para acabar de vez com o desafeto.

Foi por isso mesmo que disse a Lampião que não entendia bem porque a raça cangaceira não gostava da raça jaguncista, pois os dois agiam no mesmo ramo de negócio. E quase dá um piripaqui, um traculejo no coração, quando viu o Capitão dar um muro na mesa que fez derrubar os copos e a garrafa que estava em cima. Ao ver a asneira dita pelo poderoso, porém ingênuo Coronel, o rei dos cangaceiros esbravejou igual bicho atacado, fera ferida:

“O senhor Coronel pode dizer que acabou de nascer de novo, pois tem muita sorte de não receber agorinha mesmo um balanço varando essa boca de ouro que acabou de dizer a maior besteira do mundo, uma afronta sem igual aos bravos homens das caatingas. Mas quem se viu dizer que cangaceiro e jagunço fazem parte do mesmo ramo de negócio? Quem já se viu dizer uma infâmia dessas homem desnaturado, pecador. Respeito é bom e eu gosto, e por isso mesmo vou dizer uma coisa para que nunca mais esqueça...”.

Coitado do Coronel, com uma mão prudentemente sobre o peito, a outra levada à boca pra segurar os bofes que pareciam querer sair, todo avermelhado de medo, suando mais que pano de cuscuzeiro, apenas ouvia tudo de olhos esbugalhados, olhando sempre para os lados da janela para ver se avistava algum jagunço que não lhe deixasse morrer sem defesa. Calado estava e assim permaneceu enquanto Lampião esbravejava:

“Há uma diferença grande entre cangaceiro e o jagunço. Só vou dizer o que o jagunço é pra que logo possa perceber o que o cangaceiro não é. Todo jagunço é frio, covarde, mata qualquer um a mando e muitas vezes nem sabe quem matou e porque matou. Jagunço porta arma não pra se defender, mas para amedrontar, sacar a qualquer momento e fazer o que não presta diante de inocente. Jagunço tocaia o vizinho, faz emboscada pro amigo, faz rodeios para pegar um compadre, se entrincheira nos tufos de matos para matar covardemente. Jagunço é besta sem princípios, sem temência, sem respeito algum nem a quem lhe paga. Hoje serve a um e amanhã já tocaia o ex-patrão a mando de outro. Pra jagunço tanto faz que o outro seja inocente ou não, vez que a morte de pessoa dá no mesmo que matar peçonhenta. Todo jagunço é uma covarde assassino, um traste de sangue frio, pestilento, imprestável. Todo jagunço é pistoleiro, criminoso, matador de aluguel, um verme assassino de qualquer um. Mas tire a arma do jagunço pra ver o homem que encontra nele. Nada, nadica de nada, pois gente dessa imprestável qualidade só é valente com arma na mão. Sem ela se ajoelha, se mija todo, começa a chorar pedindo clemência. Mas ele faria o mesmo diante de sua futura vítima? Agora responda Coronel, me diga se cangaceiro é desse jeito, age assim, brinca desse modo com a vida do ser humano, principalmente de gente inocente?”.


Logicamente ainda impossibilitado de falar qualquer coisa, nem o Coronel respondeu nem Lampião ficou pra ouvir. Despediu-se com pouco gesto, ainda acabrunhado, e saiu feito um raio da silibrina. Lá fora se ouviu o grito de vamos cambada, rumbora! E pelo entrevão, da janela, todo mijado nas calças de linho puro, de branquidão agora amarelada, enxugando o suor friorento com lenços e mais lenços, o poderoso Baraúna avistava o bando virando a curva da estrada. Estava contente e ao mesmo tempo temeroso.

Até hoje os estudiosos do cangaço - horrível e desastradamente chamados cangaceirólogos - discutem sobre tal episódio. A repercussão foi grande, ora se foi. E ainda continua. Para uns, Lampião agiu com toda razão ao diferenciar cangaceiro de jagunço, pois o modus operandi de um era totalmente diferente do outro, bem como os ideais e objetivos existentes em cada um. Mas outros negam veementemente qualquer validade nas assertivas lançadas pelo rei cangaceiro.

Para estes, tanto cangaceiro como jagunço eram farinha do mesmo saco, agiam impiedosamente e espalhavam o mesmo terror. E afirmam ainda que o medo da população era muito maior com relação aos cangaceiros do que aos ditos jagunços, até mesmo porque estes não eram tão contumazes na ação. A única distinção que viam era no medonho modo de agir pistoleiro de mando.

Este, o jagunço de sangue no olho e fel no coração, agia na emboscada solitária, na tocaia premeditada e tendo qualquer um como alvo potencial. Bastava mandar e ele fazer. E não se esperasse outra coisa senão o requinte na crueldade, a maior perversidade que podia existir. Certamente os cangaceiros não agiam assim. Tal era o entendimento aproximado daqueles que entoavam o coro do Coronel quando este afirmou que todos faziam parte do mesmo ramo de negócio.

Não vou tomar posição nem de um lado nem de outro. Contudo, a análise daquela realidade histórica demonstra haver evidentes diferenças entre cangaceiros e jagunços. E grandes, acentuadamente reconhecíveis por qualquer um mais cuidadoso na análise. E o primeiro aspecto a ser citado dá plena razão a Lampião, ao afirmar que cangaceiro jamais poderia ser comparado a pistoleiro ou assassino de mando ou aluguel.

Em primeiro lugar, cangaceiro nunca agia sozinho, não deixava o seu bando para fazer desafio ou maldade por conta própria. Se o cabra aparecesse num lugar era porque o grupo estava por perto. Daí que ninguém já ouviu falar que gente de bando fizesse serviço avulso, arrumasse empreitada por fora sem o seu comandante saber. Como consequência, não era contratado por ninguém para fazer tocaia ou emboscada. Se algum acerto houvesse com algum poderoso, este era feito através do Capitão, e conjunta a ação.

Do mesmo modo, cangaceiro não vivia nas proximidades do coronel fazendo às vezes de guarda-costas ou esperando que o mandão desse a ordem pra derrubar um ou outro inimigo. Ademais, se um cangaceiro matava algum desafeto, tal crime geralmente era imputado ao bando como um todo, a toda cangaceirada, e não a um exclusivamente. E diferente ocorria com o jagunço, pois este matava e se descoberto se danava estrada afora. Se o coronel mandante não o escondesse na sua fortaleza ou não mandasse dizer à autoridade que o cabra era seu, podia ter certeza que o matador iria se escafeder no oco do mundo.


Poucos foram os pistoleiros, jagunços afamados, que continuaram na região após cometer crime de grande monta. Sem confiar na proteção do coronel, o verdadeiro jagunço acertava logo o alto valor antes de derrubar e depois, já estando com o dinheiro no bolso, sumia que ninguém sabia do paradeiro. Ao menos por uns tempos, quando voltava às escondidas e para matar a qualquer preço. Os que decidiam ficar faziam fama ligeiro, mas também não duravam muito na vida. De repente, um zé-ninguém acertava o valentão.

Mas a verdade que o ódio de Lampião por gente desse tipo era tão grande, tão patente na sua caminhada, que jamais se fez de esquecido daqueles olhares atravessados que os jagunços do Coronel Baraúna deram em direção aos seus comandados. Certa feita apareceu por ali de surpresa e nunca mais os pistoleiros lançaram olhar odiento em direção a ninguém.

Ao menos é o que dizem. Coisa que não acredito muito, pois agindo assim estava se igualando à corja que tanto odiava.     


(*)Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com

O Cangaço - Grande Debate - Parte IV


Ainda no mês de Junho tivemos a grata satisfação de participar do Programa Grande Debate da TV O Povo com o jornalista Ruy Lima. O tema do Programa foi o lançamento do livro Iconografia do Cangaço, organizado por Ricardo Albuquerque. Hoje trazemos na íntegra para os amigos, em 4 postagens.

Final
cariricangaco.blogspot.com

METEMOS

Clerisvaldo B. Chagas - Crônica Nº 823
Clerisvaldo B. Dantas

Soubemos que “Pedro Aleijado”, isto é, “Pedro Mão-de-Aço” ou mesmo, “Pedro Deixe-Que-Eu-Chuto”, recusa-se a morrer. Remanescente dos velhos farristas de Santana, Pedro, o homem coxo, adquiriu fama tocando pandeiro com grande mestria. Sempre convidado para as farras mais simples da boêmia santanense, Pedro estendia suas habilidades em todos os ambientes como bares, cabarés, clubes... Sempre causando admiração às bandas que vinham de fora e necessitavam na hora de um pandeirista. Em todo tempo bem humorado e puxando a perna, Pedro Aleijado viajava constantemente com suas farras eternas pelos festejos mais atraentes de cidades de Alagoas e pernambucanas. Juntando-se a José Francisco, o grande acordeom de Santana, ao José Panta (o violão elétrico) ao Miguel Chagas, Moreninho, Zé Yoyô e vários outros, as farras ganhavam colorido especial com o pandeiro de Pedro Mão-de-Aço. Como as situações vão mudando com o tempo, quase todos os grandes farristas da época foram transferidos para outra dimensão. Pedro resistiu e ainda resiste diante da preferência pelo Rum, bebidinha danada corrosiva.

Abelha.  (Fonte: Wikipédia).

Espiando as nuvens do tempo, Pedro começou a vender mel. Dizia ele que essa substância doce era a melhor do mundo, pois vinha de alvéolos selvagens do alto sertão de Pernambuco. O município de Inajá, nunca deixou de ser e referência do novo vendedor de mel. Saliente, mal-educado e piadista Pedro sempre respondia aos clientes quando perguntado se tinha mel para vender:“Mé? Temos”. E assim, com sua linguagem chula de duplo sentido, ia ganhando o pão com sua esperteza e, talvez, pequena aposentadoria. Certa feita um cliente chegou a sua casa para comprar “mé” da legítima abelha papa-terra de Inajá, à Rua Prof. Enéas. Um menino, seu filho, atendeu.“Cadê Pedro, menino?” E a inocente criaturinha denunciou sem querer a abelha bípede de um pé coxo: “Pai tá lá atrás no quintal fazendo mel”. Descoberta a fraude, a situação foi ficando difícil para Deixe-Que-Eu-Chuto, pois já não conseguia introduzir seu produto no mercado com tanta facilidade. Pedro não contestava o flagra apenas tentava sair resvalando e pedindo trocado para beber uma dose de Rum. Não tendo Rum, vai à Cachaça, afinal uma é amarela e outra é branca, para que preconceito de cor?
Contaram-nos que Pedro Aleijado agora estar morando no Bairro Domingos Acácio, bem perto de uma clínica particular. Não sabemos se ele ainda toca pandeiro e nem se o homem ainda teima em ser concorrente das abelhas. Mas a resposta sexual de péssima qualidade continua no cotidiano do pandeirista, quando provocado:“Pedro, tem mé”? A gravação tantas vezes rodada empulha na hora o perguntador: “MÉ? TEMOS”.