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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A MORTE DE BENJAMIN ABRAÃO

 

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LAMPIÃO E ZÉ RUFINO

 Por Nas Pegadas da História

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A SAÚDE LAMPIÃO E MARIA BONITA

 Por Nas Pegadas da Histórias

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SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DE BREJO SANTO: VIDA E MORTE DO CANGACEIRO RAIMUNDO MORAIS

 Por Bruno Yacub

Ilustração de Raimundo Morais

Especial 129 anos de Brejo Santo - CE - 26 de agosto de 1890 - 26 de agosto de 2019 - Parabéns, Terra da Pedra do Urubu!

"Cangaceiro era aquele que vivia no cangaço e dele sobrevivia, muitas vezes pela falta de condições de trabalho, de instrução ou ainda pelo prazer da vida aventureira." (Sousa Neto)

Alguns pesquisadores defendem uma classificação analítica acerca dos diferentes motivos que levavam a entrada de um indivíduo para um bando cangaceiro. 

As histórias que envolvem o cangaceiro Mundinho, nos mostra um típico exemplo de CANGAÇO - MEIO DE VIDA: "Era o que ocorria com maior frequência. Esse tipo de banditismo não objetivava a política partidária, como também não existiam ligações sentimentalistas. A finalidade era, tão somente, a sobrevivência com o ganho pessoal, notoriedade e o poder. Era profissão." (Sousa Neto)

"Que a história cangaceira sirva sempre como base para estudos e pesquisas e nunca como exemplo a ser seguido". (Geraldo Antônio de Souza Júnior)

Em agosto de 1928, entre os cangaceiros que se encontravam na cadeia pública da capital cearense, presos pela polícia, depois que Mozart Catunda Gondim assumiu a direção da Secretaria da Polícia e Segurança Pública, figurava Raimundo Maximiano de Morais, vulgo Mundinho, que contava 28 anos de idade, de cor morena, baixo, natural do sítio Oitizeiro, na vila de Brejo dos Santos (atual Brejo Santo, Ceará). Gabava-se Mundinho de ter vivido doze anos na espingarda no meio dos mais temíveis e importantes companheiros de luta, a exemplo de Sinhô Pereira (Sebastião Pereira da Silva), Luiz Padre ou Lulu Padre (Luiz Pereira da Silva Jacobina), Lampião e seus irmãos, Antônio e Livino Ferreira e de ter relação com importantes figurões da política cearense, paraibana e pernambucana, como o major Zé Inácio do Barro (José Inácio de Sousa), de Milagres; o coronel Zé Pereira de Princesa (José Pereira de Lima), de Princesa Isabel; Cel. Chico Chicote (Francisco Pereira de Lucena), de Brejo Santo; Yoyô Maroto (Crispim Pereira de Araújo), de São José do Belmonte; dentre outros.

Viveu em Brejo dos Santos até 1914, em companhia de seu pai, José Maximiano de Morais, a quem ajudava numa loja de que o mesmo era proprietário. No fim daquele ano, quando contava apenas 14 anos de idade, abandonou a casa do seu pai a fim de ganhar a vida sozinho, passando a trabalhar para o coronel Chico Chicote (Francisco Pereira de Lucena) homem influente, que poucos dias depois o convidou a tomar parte do assalto armado a Porteiras, Ceará.

Em janeiro de 1915, coligavam-se contra o coronel Raimundo Cardoso dos Santos, de Porteiras, Mousinho Cardoso (Pedro Aristides Cardoso dos Santos, que em 1926 viria a se tornar tenente-coronel do Batalhão Patriótico do Juazeiro e um dos braços-direito do general de brigada do Exército Brasileiro e deputado federal, Floro Bartolomeu da Costa), Chico Chicote, o major Zé Inácio do Barro e o Cel. Domingos Furtado, chefes influentes de Brejo dos Santos e Milagres. Os coligados mandaram assaltar, à mão armada, a propriedade de Raimundo Cardoso e, a seguir, expediram telegramas à imprensa de Fortaleza e do Rio de Janeiro e ao Presidente da República, clamando por providencias, já que não confiavam no Governo do Estado do Ceará.

Tomadas essas medidas preliminares, finalmente, no dia 13 de junho de 1915, os colegiados à frente de cerca de 300 homens, atacavam a vila de Porteiras, defendida pelo tenente Artur Inácio, com uma força estadual composta de 40 praças e 02 oficiais. Após 11 horas de fogo, seu último reduto foi o cemitério de onde se retraiu com o chefe deposto. Esgotadas as munições, a força estadual abandonava a Vila, que ficava entregue à sanha dos vencedores.

Com extraordinária satisfação, Mundinho aceitou o convite e seguiu no meio de numeroso grupo para o ataque àquela Vila, que caiu em poder dos colegiados. Durante a luta, Mundinho portou-se com tal valentia, que passou a ser alvo de elogios do chefe do bando e dos seus companheiros, o que encheu de orgulho e o animou a prosseguir na vida do cangaço.

Pouco depois dessa façanha, quando se encontrava no sitio Guaribas (em Porteiras), de propriedade do coronel Chico Chicote, tomou, por duas vezes, parte na defesa daquela propriedade, atacada por forças do governo.

Serenadas as coisas em Guaribas, foram dispensados os serviços de todos os cabras, tendo Mundinho seguido com diversos deles com destino a Brejo dos Santos, onde foram cercados por uma numerosa força policial, que conseguiu capturar um dos bandoleiros. Mundinho conseguiu não ser apanhado e fugiu para a vila de São José de Piranhas, Paraíba, onde, não sendo conhecido, pôde empregar-se como lavrador no sítio Picadas, de propriedade do major Andrade. Passou seis meses trabalhando naquele sítio, mas tinha saudade da vida do cangaço, e, por isso, voltou a Brejo dos Santos, sendo, logo após a sua chegada ali, cercado por uma força policial.  Graças ao auxilio que lhe prestou um irmão seu, pôde fugir, indo ter ao sítio Barro, de propriedade do major Zé Inácio, homem rico, de Milagres, ao qual, certo dia, lhe entregou um rifle e farta munição para, em companhia de outros “rapazes”, ir fazer um serviço.

Tratava-se nada mais, nada menos, de liquidar João Flandeiro (João Jericó Boaventura), inimigo do major Zé Inácio do Barro.  O grupo era composto pelo próprio major Zé Inácio, Sinhô Pereira, Tiburtino Inácio de Sousa, (vulgo Gavião, filho do major Zé Inácio), José Nogueira Deodato (vulgo Rouxinol), Raimundo Agustinho, Raimundo Tabaqueiro, Raimundo Patrício, Patrício de tal (filho de João Raimundo), Cornélio (vulgo João Caixão), Sátiro (vulgo Meu Primo), Manuel Vaqueiro, Manuel Santana, Firmino Miranda, Manuel Benedito, Antônio Dino (vulgo Pilão), José de Genoveva, Ulisses Liberato, Ponto Fino, José Pedro e o próprio Mundinho. Por volta das 05 horas da manhã, o grupo cercou e atacou o sítio Pitombeiras, distante uns três quilômetros do pequeno povoado de Barro, propriedade e residência de João Flandeiro, aonde também se encontravam sua esposa, dona Maria Luiz e cinco filhas.  Após muitas horas de violento tiroteio, a família do atacado, obteve permissão para sair de casa.

O combate continuou por mais algum tempo e os atacantes atearam fogo em um paiol de milho, se estendendo também para a casa, forçando a saída de João Flandeiro para o terraço que, mesmo sem munição, o atacado não se intimidou e partiu para cima de seus algozes de punhal em punho, onde enfrentou a artilharia dos “rapazes” do “Senhor do Barro”.

Dois meses mais tarde, fazendo parte de um grupo de 12 homens, em que figuravam Luiz Padre, Sinhô Pereira, Mourão, Gitirana, José Dedé (vulgo Baliza), João Dedé (vulgo Criança), Vicente Marinho, José Marinho e Cambirimba, dirigiu-se Mundinho para a região do Pajeú, em Pernambuco, onde morava uma filha do major Zé Inácio do Barro.  Ali, no povoado Queixadas (atual Mirandiba), mataram, depois de sangrenta luta, Antônio da Umburana, que havia assassinado Manoel Pereira da Silva Filho (Né Dadú ou Né Pereira), irmão de Sinhô Pereira. Cometido esse crime e sendo perseguido pela polícia pernambucana, o grupo voltou para o sítio Barro, fazendo, em caminho, vários saques.

Depois de alguns meses de repouso, em janeiro de 1922, Mundinho entrou num grupo de 45 homens, organizado pelo major Zé Inácio do Barro e do qual fazia parte Lampião e seus irmãos, para atacar o padre José Furtado de Lacerda, no lugar Coité (hoje distrito de Mauriti), a seis quilômetros do lugar citado e cinco léguas de Milagres.

Este singular episódio da história do cangaço obteve pela primeira vez o envolvimento da figura de um sacerdote católico, o qual, para defender a própria vida, teve de trocar o breviário pelo “44” e lutar com a mesma combatividade de qualquer leigo do sertão.

Pelas 09 horas da manhã de 20 de janeiro de 1922, o numeroso bando, que se encontrava bem armado e municiado, atacou o Coité, ocupando, no primeiro embate, três casas. Ao ser atacado, o Sacerdote estava acompanhado apenas de Luís Lacerda. Pouco depois, Pedro Sampaio de Lacerda, Manoel Lacerda (Neco) e o vaqueiro Mané Gato romperam o cerco e, sob um chuveiro de balas, entraram na casa e passaram a resistir ao lado do valente clérigo, que durou seis horas. Pedro Augusto de Lacerda, subdelegado de Mauriti e sobrinho do padre Lacerda, ao ter conhecimento do assalto dos bandidos, partiu imediatamente com dez praças e alguns paisanos em socorro do tio. Esse fato foi decisivo para o recuo dos assaltantes, indo até a fazenda Araticum, do coronel André Brasiliense do Couto Cartaxo, também em Mauriti, o qual, sabendo da insegurança na região, tinha se transferido dias antes da fazenda Araticum para Mauriti, fixando-se numa de suas casas no centro da localidade. A cabroeira de Sinhô Pereira passou três dias na mencionada fazenda, destruindo móveis e objetos de estimação, abatendo animais domésticos e violando paióis.  E mais: em sua fúria criminosa, os cangaceiros chegaram até a rasgar retratos e degolar imagens, sacrilégio de que foi autor o cabra Pitombeira. E não ocorreram maiores depredações, inclusive o abate de uma novilha, devido à interferência de Gavião, junto ao chefe do bando.

De acordo com as recomendações de Zé Inácio, o grupo, ao retirar-se de Coité, deveria atacar Milagres, mas achando-se essa localidade bem guarnecida, Lampião tentou atrair a atenção da força policial para fora daquele Município, para o que fingiu atacar a fazenda Queimadas, próximo a Mauriti.

O grupo de cangaceiros passou distante de Mauriti cerca de um quilometro, no local Apanha-Peixe, e foi estacionar em casa do coronel Antônio Martins, nas Queimadas, distante meia-légua da Vila.

No momento em que efetuava o assalto a Queimadas, o bando foi surpreendido por uma força de 15 praças, vinda de Milagres. O sargento Antônio Pereira Lima, vulgo Antônio Gouveia, com bravura e destemor, escolheu vinte homens do pequeno destacamento para ir atacar os bandidos. No momento da partida, cinco soldados esmoreceram e não tiveram coragem de marchar para a luta.

No decorrer do combate, os cangaceiros, mais numerosos e sagazes, estavam quase a envolver a polícia. Advertido do perigo, o sargento Gouveia envia uma mensagem a seu colega sargento Jonas, em Mauriti, solicitando socorro. O pedido foi lealmente atendido. A retaguarda do sargento Jonas forçou os bandoleiros recuarem para a casa da fazenda.

No último ataque do sargento Gouveia, a força policial bate em retirada para Mauriti, com três soldados feridos e a perda de nove fuzis, levados pelos cangaceiros. O grupo decidiu retirar-se em direção à vila de Conceição, Paraíba. Durante a luta, morreram dois soldados, um deles apelidado de Papagaio e os cangaceiros perderam o temido cabra Pitombeira. Acentue-se que o grupo do qual fazia parte Lampião, teve ainda um cabra gravemente baleado, chamado Lavandeira, que foi levado de rede pelos seus companheiros para a casa do velho Batista dos Valões, tio de Sinhô Pereira e de Luiz Padre. O cangaceiro Pitombeira foi sepultado em cima da serra da Canabrava.

De Conceição, os bandoleiros dirigiram-se para o povoado Cristovão, município de São José do Belmonte, em Pernambuco, onde foram homiziados por Yoyô Maroto, que lhes forneceu munição.

Como é sabido, antes do Fogo do Coité, o major Zé Inácio do Barro havia patrocinado tanto o assalto ao sítio Nazaré, em Milagres, propriedade de dona Praxedes (Maria Furtado de Lacerda), viúva do chefe político e ex-intendente de Milagres, coronel Domingos Leite Furtado, que por volta das 07 horas da manhã do dia 20 de janeiro de 1919, foi invadida pelo grupo formado por Sinhô Pereira, Mundinho, Gavião, Rouxinol, Baliza, Criança, Raimundo Patrício, Antônio Bandeira, Antônio Carneiro e Luiz Padre como também, pouco tempo depois, no mesmo ano de 1919, o assalto de Luiz Padre ao sítio Nascença, em Brejo dos Santos, de propriedade do tenente-coronel da Guarda Nacional Basílio Gomes da Silva (no ato do assalto, além do Coronel, estava também José Nicodemos da Silva Basílio, um de seus filhos), e que distava quinhentos metros da sede da Vila, onde estacionava uma força de 100 praças sob o comando do capitão José dos Santos Carneiro. A força policial só chegou ao teatro dos acontecimentos duas horas depois, não sendo avisados no momento em que agiam os bandidos.

Os cangaceiros passaram a noite anterior comendo, bebendo e jogando na localidade Batoque, a 12 quilômetros do referido agrupamento militar. No ato do ataque ao casarão do então ex-chefe político e ex-intendente de Brejo dos Santos, os saqueadores levaram dinheiro, cortes de seda, joias, escrituras, umas das fardas da guarda nacional do Coronel, com seus botões de ouro, a espada de prata com o cabo cravado de diamantes, como também destruíram a Carta Patente de Tenente-Coronel, assinada pelo próprio Presidente da República, Floriano Peixoto. 

Durante o assalto, Mundinho foi reconhecido e em determinado momento em que o anel de ouro de 18 quilates não saia da mão do coronel Basílio, Mundinho gritou: - Arranjem um facão para cortar a mão do Coroné! Alguns instantes silenciaram. O coronel Basílio, num tom pacífico, respondeu ao bandido: - Que adianta cortar minha mão Mundinho, se num futuro bem próximo ela irá te servir? O bandoleiro desistiu do intento e naquele instante, coronel Basílio profetizou corretamente o futuro do cangaceiro.

Essa ação de Luiz Padre foi a última aqui no nordeste. Em seguida, o cangaceiro foi chamado a Juazeiro do Norte pelo Padre Cícero, ato contínuo fugiu para a região central do país.

Casarão do Cel. Basílio assaltado a mando do major Zé Inácio do Barro, em 1919.

Após esses acontecimentos, voltaram todos ao Barro, de Zé Inácio, que mostrou a Mundinho um telegrama que lhe fora enviado pelo deputado federal Floro Bartolomeu, aconselhando-o a abandonar a vida de cangaço, visto como pretendia fazê-lo Deputado Estadual. Em virtude deste conselho, José Inácio resolveu dispensar o grupo, mandando-o para o Pajeú das Flores (atual Flores, Pernambuco).

Os bandoleiros não quiseram ir para aquela localidade pernambucana, e rumaram para a fazenda Patos (em Princesa Isabel, Paraíba) e dali a Vila Bela (atual Serra Talhada, Pernambuco), onde se acoitaram no sitio Abóboras, de propriedade do coronel Marçal Diniz.  Numa dessas viagens, o grupo dividiu-se e seis homens dirigiram-se a localidade Olho D’água, tendo um encontro com a força cearense comandada pelo capitão José de Santos Carneiro. Os seis cangaceiros perderam as montarias e refugiaram-se na fazenda Patos, onde se encontrava Lampião.

Desse encontro nasceu o receio de que a força cearense atacasse a fazenda Patos, razão porque Marcolino Diniz, que protegia os bandoleiros, pediu auxílio do coronel Zé Pereira, de Princesa Isabel, que lhe remeteu mais de 100 homens armados. Enquanto enviava esse reforço de cabras, o coronel Zé Pereira de Princesa foi ao encontro da força cearense, avistando-se com a mesma nas proximidades da fazenda Patos. O coronel Zé Pereira procurou convencer ao capitão Carneiro que não havia cangaceiros naquele Município, mas o aludido oficial, com cerca de 80 praças, foi até a fazenda Patos, não encontrando, ali, nenhum bandoleiro, pois, de acordo com os planos do coronel Zé Pereira, foram escondidos todos os “rapazes”.  Isso foi uma felicidade para a força cearense, porquanto estava combinado que, se tentasse a mesma efetuar qualquer prisão, seria repelida pelos cangaceiros, em número, então, superior a 200. No dia imediato, o capitão Carneiro se retirou da fazenda Patos. Lampião, à frente de 30 homens, dirigiu-se para o Pajeú das Flores, não sendo acompanhado de Mundinho que, com dois bandoleiros, voltou ao Ceará.

Durante dois anos, Mundinho viveu como bodegueiro, mas, vez por outra, realizava, “expedições” de cangaço por conta própria.  Numa dessas “expedições”, chefiou um grupo composto de Antônio Padeiro, Lavandeira e dos Mateus, com os quais atacou José Amaro, no município de Aurora, saqueando totalmente a casa deste. Esta façanha custou-lhe nova perseguição da polícia, o que determinou sua fuga para o Pajeú, onde encontrou a proteção de Yoyô Maroto. Este, poucos meses depois, recebia Lampião em sua fazenda, passando Mundinho a “agir”, juntamente com o temível chefe bandoleiro.

Lampião retirou-se abandonando Mundinho, pois este não lhe merecia confiança. Então junto a Lavandeira, Mundinho passou a roubar entre as regiões de Cristóvão, em São José do Belmonte e do Poço, em Brejo dos Santos.  Depois de várias peripécias, Mundinho foi acusado da morte de Vicente Quilarino, pelo que teve de fugir, vindo para a localidade Gameleira do Pau ou Gameleira de São Sebastião, região da Serra dos Matos, em Missão Velha, onde foi contratado para, em companhia do bando dos cangaceiros Marcelinos, perseguirem Horácio Novaes ou Horácio Grande (Horácio Cavalcanti de Albuquerque), que, mesmo envolvido em crimes na região de Floresta, Pernambuco, veio se esconder na fazenda Agrestim, e foi nomeado, em 1919, Delegado da vila de Porteiras, com a ajuda dos irmãos Afonso Gomes Novaes e Urias Novaes Filho, filhos de José Gomes de Novaes (Zé Panta) e de Umbelina Gomes de Sá, ricos fazendeiros e comerciantes de prestígio do lugar. Em pouco tempo tornou-se inimigo de pessoas influentes da região, como os coronéis Chico Chicote e Franco Pinheiro (Franklin Tavares Pinheiro), este último, então, Intendente de Porteiras, além do coronel Antônio Joaquim de Santana, de Missão Velha. Por volta de 1926, Horácio Novaes requisitou 04 cabras de Lampião e cercou, certamente para tentar roubar, a casa grande do sítio Saco, do coronel Né Rosendo (Manoel Tavares Rosendo), em Porteiras, mas não obteve êxito.

Mundinho demorou em Gameleira do Pau, mas, ali, se viu perseguido por um dos proprietários da localidade, Júlio Pereira (alfaiate em Juazeiro, casado com uma sobrinha do coronel Antônio Joaquim de Santana e notório fornecedor de munição ao bando de Lampião), por não querer trabalhar com ele em furtos de gado. Júlio Pereira, com diversos homens, o atacou no dia 12 de maio de 1926, mas não conseguiu matá-lo.

Mundinho foi para a localidade Olho D’água dos Santos, em Brejo dos Santos, onde pediu a proteção do coronel Joaquim Inácio de Lucena, conhecido por coronel Quinco Chicote, Intendente Municipal, que prometeu acoitá-lo, dando-lhe uma casa. Depois de poucos dias, em maio de 1926, o mesmo coronel Quinco Chicote mandou mata-lo por um grupo de 12 civis, que faziam parte João Gomes (João Gomes de Lucena), sobrinho de Quinco Chicote e do coronel Manoel Inácio de Lucena (coronel Manoel Chicote), então Intendente de Milagres, Antônio e Pedro Gomes Granjeiro, Manoel Salgueiro e Ferrugem.  Mundinho entrincheirou-se em casa e resistiu ao ataque desde 10 horas da noite até 08 e meia da manhã seguinte, quando recebeu duas balas na perna direita.

Além desses ferimentos, a sua munição acabou-se, não podendo mais resistir. O primeiro a entrar em sua casa foi o Manoel Salgueiro, a quem Mundinho comunicou que estava ferido.  

Minutos depois, penetravam na casa mais três homens que queriam matar Mundinho, que apelou para Manoel Salgueiro, mostrando que era covardia assassinar um homem ferido e sem armas. Manoel Salgueiro ficou ao lado de Mundinho, não consentido que lhe tirassem a vida. Ferrugem e os outros insistiram em dar cabo do ferido, mas Manoel Salgueiro botou bala na agulha do rifle e tomou posição, disposto a defender a vida do homem, que tinha ido matar.  Ferrugem e os outros homens não quiseram entrar em luta com Manoel Salgueiro, retirando-se da casa resmungando.

O malfeitor passou dez horas sem ser socorrido, sendo sabedor da ocorrência, o coronel Basílio mandou busca-lo. Conduzido à Vila, onde foi alvo da curiosidade dos antigos companheiros de infância, o saqueador foi submetido a uma cirurgia, no Casarão dos Viana Arrais, efetuada pelo médico Caminha e o “velho Lino” (vaqueiro do coronel Basílio e prático em primeiros socorros) e auxiliado por Pedro Celião de Moura. Sua perna direita foi amputada na altura da coxa, tendo sido usados na cirurgia, instrumentos rudes, como agulha de costurar sacas, facas comuns e um serrote. No Casarão, Mundinho é muito bem recebido e tratado por dona Balbina Viana Arrais, só saindo de lá com o “côto” sarado por completo. Grato, ele dizia a dona Balbina: - Me dê uma arma, pois se vier um cangaceiro, eu defendo a casa. Respondia-lhe mansamente, dona Balbina: - Obrigada, mas minha casa defendo com o rosário.

Após aquele martírio e humilhado como se achava, Mundinho solicitou um confessor. Padre Raimundo Nonato Pita ouviu-lhe por mais de uma hora e assistiu missa, dizendo ele que há 14 anos não entrava em uma Igreja. Finalmente o bandido escapou e, sem condições necessárias, deixou a vida mundana e passou a esmolar. Diariamente, o coronel Basílio mandava deixar sua alimentação e quando necessário alguns utensílios. Antes do coronel Basílio falecer, já enfermo, reuniu sua família e pediu para que não abandonassem aquele ex-bandido errante.

Passados alguns meses, seguindo para Missão Velha, encontrou a proteção do coronel Isaías Arruda, que lhe deu cama e mesa.  Passou a viver tranquilamente em Missão Velha, mas, em agosto de 1928, quando menos esperava, foi preso e removido para a Capital.

Já na Capital, ao ceder uma entrevista ao jornal “O Ceará” Mundinho fez um pedido, afirmando ter muitos inimigos na Paraíba que desejavam sua remoção para aquele Estado, a fim de assassiná-lo, e por esse motivo queria uma intercessão junto ao Secretário da Polícia e Segurança Pública a fim de conservá-lo preso no Ceará, onde teria de responder por diversos crimes, inclusive a morte de João Flandeiro, em Milagres, a mandado do major Zé Inácio do Barro, e a morte de dois soldados da polícia cearense.

Antes de morrer, Mundinho concordou em narrar episódios de sua vida pregressa. Em dado momento, quando se referia ao seu batismo de fogo no grupo de Sinhô Pereira (combate da Carnaúba, no Pajeú) o então ex-cangaceiro expandiu-se num pranto convulsivo sem mais poder pronunciar uma só palavra.

Para sobreviver, tornou-se engraxate. Com uma perna amputada, ficava muitas vezes sentado na sombra do famoso “Pé de Barriguda”, em frente ao Chalé do coronel Manoel Leite, ou na entrada da Rua da Taboqueira. Virou motivo de chacota por parte dos conterrâneos, principalmente das crianças, apelidando-o de “Perna Cotó”, “Perna Pôde” ou "Raimundo Coxoló". Mas todos sabiam de sua vida no cangaço.

O referido bandoleiro era natural da comunidade de Oitizeiro e irmão de Xixiu e Róseo Morais, este último, acusado de matar Delmiro Gouveia, ao lado de Jacaré, e este, irmão Antônio Moreno.

De resto, sozinho e alcoólatra inveterado, Mundinho, veio a falecer na mais negra miséria em 1955, em seu torrão natal.

O Brejo é Isso!

Bruno Yacub Sampaio Cabral

Leia mais

CONFLITO ENTRE O BREJO E AS PORTEIRAS EM 1915 - PRIMEIRA PARTE

CONFLITO ENTRE O BREJO E AS PORTEIRAS EM 1915 - SEGUNDA PARTE

CONFLITO ENTRE O BREJO E AS PORTEIRAS EM 1915 - TERCEIRA PARTE

Referência bibliografia:


• Edição do jornal “O Ceará”, 1° de setembro de 1928;
• Edição do jornal “O Jornal” (RJ), 04 de julho de 1926;

• SILVA, Otacílio Anselmo, Esboço Histórico do Município de Brejo Santo, em Itaytera, N° 2, 1956;

• SILVA, Otacílio Anselmo, Subsídios para a História de Mauriti, em Itaytera, N° 12, 1968;

• SILVA, Otacílio Anselmo, Novos Subsídios para a História de Mauriti, em Itaytera, Instituto Cultural do Cariri, N° 12, 1968;

• MONTENEGRO, Abelardo Fernando, Fanáticos e Cangaceiros, Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, edição 2011;

• AMIC - CANAO, Balbina Lídia Viana Arrais - A Mestra, Brejo Santo, Ceará, 2007;

• CAVALCANTE, Francisco Mirancleide Basílio e LUCENA, Francisco Leite de, História Político-Social Brejo-Santense, Brejo Santo, 2008;

• BONFIM, Luiz Ruben F. de A, Lampião em 1926, editora Oxente, Paulo Afonso – BA, 2017;

• CABRAL, Bruno Yacub Sampaio, Subsídios para a História de Brejo Santo, Vida e Morte do cangaceiro Raimundo Maximiano de Morais, vulgo Mundinho, em Itaytera, N° 48, 2019;

• SOUSA, Severino Neto de (Sousa Neto), José Inácio do Barro e o Cangaço, Barro, Ceará, 2011;

• Entrevista com José Araújo Celião (Zé Tirí), em 28.02.2019, Brejo Santo, Ceará;

• Entrevista com Francisco Gomes Feijó (Chico de Sinésio), em 09.03.2019, Brejo Santo, Ceará;

• Entrevista com Francisco Assis Alves (Valmir Alves), em 27.07.2019, Brejo Santo, Ceará.

https://amunganga.blogspot.com/search/label/Cangaceiro%20Raimundo%20Morais

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A LAGOA DA MALHADA FUNDA

 Por Bruno Yacub

Aspecto atual da Lagoa da Malhada Funda.
No seu centro está localizado o marco
dos limites entre os
municípios de Brejo Santo, Missão Velha e Porteiras.




Ao falarmos sobre as passagens de Lampião pelo Cariri cearense entre 1922 e 1928, quando este e seu bando iriam se refregar e reabastecer de armas e munições, cerca de duas a três vezes por ano, na Serra do Mato, em Missão Velha, região de domínio do Cel. Santana, é comum a citação da passagem destes bandoleiros em pontos estratégicos no percurso, onde poderiam descansar e dessedentar seus animais. Estes lugares onde se acumulava água da chuva, chamados de “barreiros” ou “aguadas” eram conhecidos no platô da Serra do Araripe, com a sua mata virgem, sem divisões de propriedades e suas cercas, onde o gado bravo criado solto mitigava sua sede, como era o caso do barreiro do lugar Baixa das Cacimbas, já no município de Jardim, como também a Lagoa da Malhada Funda, ponto de divisa territorial entre os municípios de Brejo Santo, Porteiras e Missão Velha.

A Lagoa da Malhada Funda ficou marcada como um dos cenários no episódio do Fogo das Guaribas, pois o local serviu de camarote para o Rei do Cangaço ouvir o tiroteio no seu início, entre as forças volantes de três estados contra o Cel. Chico Chicote, já que usando o pretexto de perseguição ao famoso bandido, o Estado usou a sua força para dar cabo ao temido Coronel. Em um país onde houvesse realmente o Estado de Direito, Guaribas teria sido indenizada pelos enormes prejuízos e os seus invasores exemplarmente punidos.

Assim citado por Otacílio Anselmo e Silva em A Tragédia das Guaribas, Itaytera; N° 16; de 1972; pág. 21:

“Exatamente naquele instante, Lampião se achava com seu bando na chapada do Araripe, acantonado no local denominado Malhada Funda, a pouca distância de Guaribas. Ao escutar o tiroteio, e certo de que se tratava do ataque policial a Chico Chicote, ele assim manifestou-se: “Se ele fosse meu amigo, eu ia lá”. E foi na mesma data — l.° de fevereiro de 1927 — que Lampião passou a cometer selvageria no Ceará, sequestrando, no lugar Baixa das Cacimbas, município de Jardim, os caririenses Pedro Vieira, fuzilado no dia seguinte — após o fracasso do ataque a Ipueiras, na fronteira de Pernambuco com o Ceará — e Vicente Venâncio, que conseguiu fugir do bando logo depois do sequestro”.

Sabe-se que Chico Chicote e Lampião eram notórios desafetos, como cita Napoleão Tavares Neves em Cariri Cangaço, Coiteiros e Adjacências – Crônicas Cangaceiras; Editora Thesaurus; 2009; pág. 49:
“(...) Não se entendiam desde que, descansando na Serra do Mato, Lampião deu liberdade aos seus cangaceiros para comerem churrasco na bebida da Fonte da Pendência e eles mataram um boi do coronel Pedro Martins (Pedro Martins de Oliveira Rocha, proprietário da fazenda Cacimbas, em Brejo dos Santos) e dele se alimentaram. O vaqueiro do coronel indagou sobre a autoria da matança do boi e os cangaceiros disseram que havia sido por ordem de Chico Chicote. Lampião silenciou, mas Chico Chicote não gostou nada daquela infundada informação e passou a ter Lampião como inimigo.”

Fonte da Pendência,
região da Gameleira de São Sebastião,
em Missão Velha - CE.

Ainda em A Tragédia das Guaribas, Itaytera; N° 16; de 1972; pág. 10, Otacílio Anselmo faz a seguinte explanação sobre a relação de Chico Chicote e Lampião:

“(...) A partir daí, o boato alastrou-se no município e nas suas imediações, e, como não podia deixar de acontecer, provocou forte indignação ao caluniado.

De resto, o caso foi comunicado pessoalmente a Chico Chicote por Pedro Martins, para o que o convidara a ir a Cacimbas acompanhado do seu irmão Manoel Inácio de Lucena (Manoel Chicote). 

Pouco depois, no intuito de evitar luta entre Lampião e Chico Chicote, Antônio Aristides Xavier, genro de Pedro Martins, conseguiu levar Lampião à fazenda Crioulo (município de Jardim) e convidou Chico para ir até lá, tentando, desse modo, fazer a paz entre ambos.

Lá chegando, e cientificado de tal intenção, Chico Chicote repeliu o intento, não entrando, sequer, na casa do fazendeiro, em cujo interior se achava o famoso bandoleiro. Além disso, em voz alta – como sempre costumava falar – fez severas criticas a conduta de Virgulino, acrescentando que continuaria a tê-lo como inimigo, como foi detalhado por Antônio Lucena Cabral, sobrinho legítimo de Chico Chicote, ao autor.

Sem nenhuma dúvida, a recusa de “Seu Chico” à sugestão de Antônio Xavier deixou Virgulino bastante preocupado, naturalmente pelo fato de não ter um só inimigo no Ceará, onde encontrava com seus mais prestigiosos coiteiros e onde se mantinha absolutamente inofensivo. Daí porque, decorridos alguns dias, Chico Chicote recebeu um convite do Cel. Antônio Joaquim de Santana para comparecer à sua casa, no sítio Serra do Mato.

Ao ser recebido pelo mandão de Missão Velha, “Seu Chico” perguntou-lhe para que fora chamado. Em resposta, disse-lhe o Coronel que o convidara a pedido do cabra Sabino, que desejava conhece-lo pessoalmente.

Como é sabido, esse bandoleiro (Sabino Barbosa de Melo, mais conhecido como Sabino Gomes ou Sabino das Abóboras), era lugar-tenente de Lampião. E está evidente que ele apenas serviria de intermediário para a conciliação almejada pelo Rei do Cangaço.

“Seu Chico”, porém, além de recusar-se à apresentação, não esperou nem pelo café-gordo que o Coronel mandara preparar, voltando incontinenti para Guaribas, segundo informes de Pedro Celião de Moura ao autor.”

Escombros do Casarão do
Cel. Antônio Joaquim de Santana
Serra do Mato, Missão Velha - CE.

Aspecto atual do local do Casarão do
Cel. Santana na Serra do Mato.
Pois bem, ao visitarmos recentemente a Malhada Funda, podemos observar a sua descaracterização, sendo o local ocupado por atividades humanas: adensamento populacional, construção de moradias ao longo da parede da lagoa, como o uso de sua área para fins agrícolas. Sabe-se que posterior à década de 1960, o proprietário, um famoso pecuarista da região, aterrou o local com a finalidade de práticas agropastoris.

E desde então a Lagoa da Malhada Funda “não pegou mais água”.

Memorial Descritivo o município de Brejo Santo,
 da Lei Estadual n° 16.198, de 29.12.16,
sobre os limites municipais do estado do Ceará.

Mapa atual do município de Brejo Santo.
Fonte: IPECE.


O Brejo é Isso!

Bruno Yacub Sampaio Cabral
A Munganga Promoção Cultural

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CORONEL NÉ ROSENDO DAS PORTEIRAS

Por Bruno Yacub

Através das memórias escritas por Dr. Napoleão Tavares Neves, neto materno do coronel Né Rosendo (Manoel Tavares Rosendo), proprietário do sítio Saquinho, em Porteiras, trazemos relatos surpreendentes sobre as passagens de Lampião e seu bando pela região, a tentativa frustrada de assalto ao casarão do Coronel, por Horácio Novais e o esconderijo para fugir do ataque às Guaribas.

Boa leitura!

Clique no link abaixo para ler toda história:

https://amunganga.blogspot.com/2020/12/coronel-ne-rosendo-das-porteiras.html

 https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste

AO LADO DE JOÃOZINHO, CORDIAL FILHO DE CANGACEIROS.

 Por Rangel Alves da Costa

O amigo Joãozinho, de nome João Batista dos Santos, nasceu em 12 de outubro de 1938, poucos dias após a morte de Canário (Bernardino Rocha), seu pai. Sua mãe era a também famosa cangaceira Adília, e os dois cangaceiros filhos de Poço Redondo. Veio ao mundo nas proximidades da cidade sergipana de Propriá, numa localidade chamada Morro do Chaves. Por muito tempo morou com seus avôs maternos (família Mulatinho), numa propriedade nas proximidades da atual sede municipal. 

Como dito, Joãozinho é filho legítimo - de carne e sangue, como se diz - dos renomados cangaceiros Canário e Adília. Aliás, a feição do filho muito lembra aquele rosto carregado e carrancudo do pai, com a diferença de que Joãozinho é uma figura humana não só doce como cativante. Bom amigo, apreciador de boa prosa, jamais se negou a enveredar por aqueles labirintos espinhentos tão duramente vividos por seus pais. 

E diz o que sabe, abre sem medo seu baú de memórias. E conta tudo em verdade sem disfarces e sem rodeios ou segredos. Residindo em Brasília, apenas de vez em quando é que retorna aos sertões poço-redondenses para visitar irmãos maternos, parentes e amigos. Abraço, amigo Joãozinho.

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GUERRA DE CANUDOS PELO FOTÓGRAFO FLAVIO DE BARROS

Por Sergio Burgi*

Esta fotografia de Flavio de Barros, feita no dia 2 de outubro de 1897, é uma dos registros mais emblemáticos dos conflitos e contradições da sociedade brasileira na passagem do Império para a República. Talvez uma das nossas mais expressivas fotografias de guerra, ela diverge radicalmente da maior parte dos registros realizados pelo fotógrafo, que estava em Canudos a serviço do Exército, durante a última expedição que, em 5 de outubro daquele ano, aniquilou definitivamente a resistência dos conselheiristas. A imagem registra o momento em que mulheres, feridos, velhos e crianças se entregam ao Exército, numa provável estratégia de resistência final dos poucos conselheiristas restantes, os quais permaneceram entrincheirados e em combate até o fim da guerra, como indica Euclides da Cunha no magistral Os Sertões. 

Ao contrário das imagens oficiais e posadas de diversos destacamentos do Exército e de algumas cenas reencenadas de batalhas e confrontos entre soldados e jagunços, essa imagem é o registro de um evento não antecipado nem pelo Exército nem pelo fotógrafo Flavio de Barros. Sua força decorre de seu caráter essencialmente frontal e direto e seu valor histórico e documental se amplifica também em função do trágico desfecho desse momento da Guerra de Canudos: a chacina dessas mulheres, homens e crianças pelas forças regulares.

O título “400 jagunços prisioneiros”, tal como figura nos álbuns de Flavio de Barros, busca atribuir àqueles desvalidos e indefesos uma ferocidade que a própria imagem desmente e que mesmo Euclides fez questão de corrigir, reintitulando-a “As prisioneiras”, buscando coerência com seu testemunho do evento. Foi uma das três imagens publicadas na primeira edição de Os Sertões.

Do ponto de vista da história da fotografia no Brasil, esta imagem, suas circunstâncias e os diversos textos e relatos de época sobre o evento, constituem referências germinais para uma melhor compreensão do que viria a se constituir ao longo do século XX  no país como um fotojornalismo e uma fotografia de autor socialmente engajados e de forte vertente humanista.

Artigo escrito por Favila Nunes na Gazeta de Notícias, de 17 de outubro de 1897, na segunda coluna, onde descreve a “procissão enorme da jagunçada…esqueletos humanos, com as mãos decepadas, ferimentos horríveis e asquerosos, alguns apodrecidos…”

Impressão do tenente-coronel Dantas Barreto sobre os prisioneiros de Canudos, na página 66, da dissertação de mestrado de Vanessa Monteiro, intitulada “Canudos: as crianças do sertão como butim de guerra, de abril de 2007

*Sergio Burgi é curador da Brasiliana Fotográfica e coordenador da área de Fotografia do Instituto Moreira Salles.

Acessando o link para as fotografias de Flavio de Barros disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas. 

Todas as imagens de Flavio de Barros sobre a Guerra de Canudos disponibilizadas na Brasiliana Fotográfica são fruto de um projeto realizado pelo Instituto Moreira Salles, em 2002, de recuperação digital dos originais existentes nos acervos do Museu da República, no Rio de Janeiro, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, em Salvador, e da Casa de Cultura Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo. Com a colaboração dessas instituições foi possível constituir um álbum canônico virtual gerado a partir do exemplar em melhor estado de conservação existente em cada uma das apenas setenta imagens conhecidas do evento. Um panorama formado digitalmente a partir da junção de duas imagens também integra o conjunto das fotografias de Canudos disponíveis no portal Brasiliana Fotográfica.

Pequeno perfil de Flavio de Barros - Andrea C.T. Wanderley**

Flávio de Barros, fotógrafo expedicionário, 1897. Canudos, Bahia / Acervo Museu da República / Imagem recuperada digitalmente pelo Instituto Moreira Salles

O fotógrafo Augusto Flavio de Barros notabilizou-se pela documentação que fez da Guerra de Canudos. Foi o autor dos únicos registros até hoje conhecidos do dia a dia das tropas, da rendição e destruição do arraial organizado por Antônio Conselheiro. Flavio de Barros criou um álbum de 70 fotografias do confronto, tendo registrado a paisagem árida do sertão baiano, a destruição do Arraial de Canudos, a imagem do corpo exumado de Conselheiro, grupos de oficiais e além de, segundo Boris Kossoy, “uma pretensa cena de ação montada onde se vê um grupo de jagunços sendo dominado pela cavalaria do Exército”. O fotógrafo havia sido contratado pelo Exército para registrar as ações militares, acompanhando a Divisão de Artilharia Canet, sob o comando do general Carlos Eugênio de Andrade Guimarães. Partiu de Salvador, em 30 de agosto de 1897, passou por Alagoinhas, Queimadas, Tanquinho, Cansanção, Quirinquinquá e Monte Santo. Chegou em Canudos, em 26 de setembro, onde ficou até, provavelmente, 12 de outubro. 

Sobre a exumação de Antônio Conselheiro, ocorrida em 6 de outubro de 1897, e a fotografia tirada por Barros, há interessantes informações no jornal Gutemberg, de 24 de outubro de 1897, sob o título “Canudos”. No Paiz, de 30 de outubro do mesmo ano, sob o título “Vitória”, informava que o presidente da República, Prudente de Morais, havia felicitado o ministro da Guerra, marechal Carlos Machado de Bittencourt, pela vitória em Canudos. Em seguida, noticiava que Flávio de Barros tinha a intenção de fazer uma exposição com os registros fotográficos do conflito. Veio para o Rio de Janeiro, a bordo do vapor S. Salvador em 1897, trazendo nada menos que 65 clichês de fotografias tiradas em Canudos (Jornal do Brasil, 27 de outubro de 1897, quinta coluna). Em fins de 1897 e início de 1898, era noticiada a exibição por projeção elétrica das fotografias, na rua Gonçalves Dias, nº 46 (Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1897 e Gazeta de Notícias, de 2 de fevereiro de 1898).

São poucos os dados biográficos sobre Flavio de Barros, mas se sabe que na última década do século XIX ele possuía um estúdio de retratos na cidade de Salvador na Rua do Lyceu, 3. No início do século XX, era proprietário do estabelecimento Photografia Americana, na rua da Misericórdia. Segundo o pesquisador Claude Santos, no artigo “A fotografia e Canudos”, de 1997, antes de ser fotógrafo, Flavio de Barros havia sido pintor.

A fotografia “400 jagunços prisioneiros” destacada nesse post pode ser melhor investigada no portal a partir de sua magnificação, que destaca a tragédia dos fotografados, o que já foi feito no Cadernos de Fotografia Brasileira – Canudos, editado pelo Instituto Moreira Salles, em 2002.

Uma curiosidade: o fotógrafo Juan Gutierrez de Padilla (c. 1860 – 1897), um dos fotógrafos da Revolta da Armada, que havia chegado em Canudos em abril de 1897, foi mortalmente ferido em 28 de junho do mesmo ano. Até hoje, não se conhece nenhum registro fotográfico que ele tenha feito do conflito. No livro Os Sertões, Euclides da Cunha referiu-se a ele como um “Oficial honorário, um artista que fora até lá atraído pela estética sombria das batalhas”. Sua morte foi noticiada no O Paiz, de 14 de julho de 1897, com fotografia na primeira página e um artigo de Luiz Murat. 

Pequeno resumo da Guerra de Canudos

A Guerra de Canudos, no interior da Bahia, foi um conflito entre seguidores do carismático Antônio Vicente Mendes Maciel (1830 – 1897), que passou para a história como Antônio Conselheiro , “o peregrino”, e o Exército brasileiro, entre 21 de novembro de 1896 e 5 de outubro de 1897. O beato Conselheiro liderava um movimento messiânico de cunho social e religioso em uma região caracterizada por secas, desemprego e pela forte presença de latifúndios improdutivos. É assim que Euclides da Cunha o descreve no livro Os Sertões: “Espécie de grande homem pelo avesso, Antônio Conselheiro reunia no misticismo doentio todos os erros e superstições que formam o coeficiente doentio da nossa nacionalidade. Arrastava o povo sertanejo não porque dominasse, mas porque o dominavam as aberrações daquele. Favorecia-o o meio e ele realizava, às vezes, como vimos, o absurdo de ser útil”

Sertanejos e ex-escravos foram para a cidadela de Canudos, erguida às margens do rio Vaza-Barris, ou Belo Monte, como o arraial era chamada por Antônio Conselheiro e  seus seguidores, sob a crença de que seriam poupados do clima e da miséria, além de salvarem suas almas. Conselheiro conseguiu implantar em Canudos um sistema de vida comunitária com autonomia econômica. Além disso, recusava-se a a respeitar as regras impostas pelo Estado e pelo clero. A República havia sido recém proclamada e os fazendeiros da região e a Igreja convenceram o governo de que Canudos se armava para reinstaurar a monarquia. Na coluna “A Semana”, Machado de Assis colocava em dúvida os temores em relação a Canudos (Gazeta de Notícias, de 22 de julho de 1894). Voltou a escrever sobre o assunto, protestando contra a perseguição ao grupo de Antônio Conselheiro: na Gazeta  de Notícias, de 13 de setembro de 1896, de 6 de dezembro de 1896 e de 31 de janeiro de 1897, sempre na coluna “A Semana”. 

Por ordem do arcebispo da Bahia, d. Jerônimo Tomé, em 1895, os freis capuchinhos italianos Caetano de Leo e João Evangelista de Monte Marciano vão a Canudos e, com o padre Vicente Sabino dos Santos, da cidade de Cumbe, atualmente Euclides da Cunha, tentam, sem sucesso, dispersar a comunidade. Um relatório elaborado pelo frei Marciano recomenda a intervenção do governo ( O Apóstolo, de 14 de julho de 1895 de 17 de julho de 1895 de 19 de julho de 1895de 21 de julho de 1895 e de 24 de julho de 1895, sempre sob o título “Uma história curiosa”). Em 1896, estima-se que Canudos já contava com uma população entre 10 mil e 25 mil  habitantes. Nesse mesmo ano, Conselheiro encomenda uma remessa de madeira em Juazeiro para a construção de uma igreja. O juiz da cidade, Arlindo Leoni, alegando que a comunidade de Canudos estaria se preparando para invadir Juazeiro para retirar a madeira, pede ao governo o envio de tropas (Gazeta de Notícias, de 6 de novembro de 1896, na segunda coluna, sob o título “Bahia”).

A partir daí, o Exército faz quatro expedições contra Canudos. Sai derrotado nas primeiras três. A primeira expedição, sob o comando do tenente Manuel da Silva Pires Ferreira, contava com três oficiais, 113 soldados, um médico, uma ambulância e dois guias. É atacada em 21 de novembro de 1896, em Uauá, a 50 quilômetros de Canudos, e recua (Gazeta de Notícias, de 4 de dezembro de 1896 e Gazeta de Notícias, de 23 de abril de 1897, na segunda coluna, sob o título “Sucessos da Bahia”). A segunda expedição começa em 25 de novembro de 1896 sob o comando do major Febrônio de Brito, que pede reforços e comenta que os bandidos de Canudos brigam fanaticamente (Gazeta de Notícias, de 28 de novembro de 1896, na segunda coluna, sob o título “Bahia”). Termina em 20 de janeiro de 1897 com a retirada das tropas do governo.

Revista Illustrada, de janeiro de 1897

 

Em fevereiro de 1897, o coronel Antônio Moreira César embarca do Rio de Janeiro para comandar a terceira expedição, com 1.300 homens (Don Quixote, de 13 de fevereiro de 1897).  O primeiro assalto acontece em 2 de março, quando Moreira César é ferido, vindo a falecer no dia seguinte. As tropas legais começam a dispersar e o novo comandante, o coronel Pedro Nunes Tamarindo, também morre no dia 3 (O Paiz, de 8 de março de 1897, sob o título “Moreira César”, e Don Quixote, de 21 de março de 1897). É um dos maiores fracassos da história militar do Brasil e a opinião pública fica apavorada. Conselheiro e seus seguidores passam a ser considerados inimigos da República. 

Na quarta e última expedição, comandada pelo general Artur Oscar de Andrade Guimarães, havia seis brigadas, distribuídas em duas colunas, sob a liderança dos generais João da Silva Barbosa e Claudio do Amaral Savaget. Parte em junho de 1897.  Em 31 de julho, uma outra brigada com 68 oficiais e 1042 praças é formada, sob o comando do general Miguel Maria Girard. Até o ministro da Guerra, Carlos Machado de Bittencourt, vai a Canudos.

A cidadela que, segundo o Exército, tinha 5.200 casebres, é incendiada e totalmente destruída. Cerca de 20 mil sertanejos são massacrados e prisioneiros de guerra, degolados. Além disso, estima-se que cerca de cinco mil militares morreram durante o conflito, que termina em 5 de outubro. O presidente Prudente de Morais elogia a campanha do Exército (Gazeta de Notícias, de 9 de outubro de 1897, na quarta coluna).

Sobre o fim da guerra, Euclides da Cunha escreve no livro Os Sertões (1902):

‘Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados’.

No dia seguinte, o cadáver de Antônio Conselheiro, que havia morrido, em 22 de setembro, de disenteria, foi exumado. A Gazeta de Notícias, de 7 de outubro de 1897, noticia, na primeira página e com uma ilustração de Antônio Conselheiro, a vitória das forças do governo.

Sobre o escritor Euclides da Cunha e a Guerra de Canudos

O escritor Euclides da Cunha (1866-1909), após a derrota da terceira expedição do Exército, escreve para o jornal O Estado de São Paulo, na época Província de São Paulo, em 14 de março de 1897, o artigo “A nossa Vendéia”, no qual demonstra seu apoio à República e compara o conflito em Canudos com a sublevação católica, camponesa e monarquista, ocorrida durante a Revolução Francesa, no final do século XVIII.  Passa três semanas na Bahia como correspondente do citado jornal, durante a quarta expedição. Ali escreve também s2ua Caderneta de Campo, com o registro dos acontecimentos , anos depois transcrita por Olímpio de Souza Andrade e publicada pela Editora Cultrix (1975) e pela Biblioteca Nacional (2009). Euclides chega em Canudos em 16 de setembro de 1897, onde fica até 3 de outubro (íntegra de todos os artigos enviados pelo escritor e publicados na Província de São Paulo, no período de julho a outubro de 1897). Decepciona-se com o Exército e passa a ver o conflito de forma diferente. Escreve Os Sertões (1902), que imortalizou a Guerra de Canudos e é considerado uma obra-prima da literatura brasileira. O livro, que teve repercussão mundial, chamou a atenção para a dor e a miséria do sertão brasileiro. Na primeira edição, que chegou às livrarias, em 2 de dezembro de 1902, foram utilizadas três fotografias produzidas por Flavio de Barros: “Divisão Canet”, “7º Batalhão de Infantaria nas trincheiras” e “400 jagunços prisioneiros”, renomeadas por Euclides como “Monte Santo: Base das operações”, “Acampamento dentro de Canudos” e “As prisioneiras”, respectivamente.

Link para Cadernos de Literatura Brasileira – Euclides da Cunha, publicado pelo Instituto Moreira Salles, em dezembro de 2002, em comemoração ao centenário de Os Sertões. 

Primeira edição do livro Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha

Links para outras publicações da Brasiliana Fotográfica sobre conflitos:

A Revolta da Armada

Lampião e outros cangaceiros sob as lentes de Benjamin Abrahão

Registros da Guerra do Paraguai (1864 – 1870)

Link para a cronologia da Guerra de Canudos publicada no site do Museu da República:

Cronologia Resumida da Guerra de Canudos, pela historiadora Carla Costa, outubro de 2017

**Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Fontes:

ALMEIDA, Cícero F. de Almeida. Canudos: imagens da guerra. Os últimos dias da Guerra de Canudos pelo fotógrafo expedicionário Flávio de Barros, Rio de Janeiro, Museu da República/Lacerda, 1997.

Cadernos de Literatura Brasileira – Euclides da Cunha. Instituto Moreira Salles, 2002

Cadernos de fotografia brasileira – Canudos. Instituto Moreira Salles, 2002

GALVÃO, Walnice Nogueira. Euclidiana – Ensaios sobre Euclides da Cunha. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002. 408 p., il. p&b.

MONTEIRO, Vanessa Sattamini Varão. Canudos: as crianças do sertão como butim de guerra. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura) — Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura, Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2007.

Site da Enciclopédia do Itaú Cultural 

Site Euclides da Cunha

ZILLY, Berthold. Artigo Flavio de Barros, o ilustre cronista anônimo da guerra de Canudos, disponível na Revista da USP, volume 13, nº 36, de 1999

 Análise de documentoBiografiaCuradoriaEfemérides  álbum fotográficoconflitoEuclides da CunhaFlávio de Barrosfotografia históricaGuerra de Canudoshistória do Brasilperfil 

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