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sábado, 31 de maio de 2014

O escritor “fora de moda”


Euclides da Cunha: desilusão com a República.
Euclides da Cunha, o autor de Os Sertões, tinha uma característica curiosa: fazia questão de se vestir ostensivamente “fora de moda”. Antes de pensarmos que se tratava de uma tola excentricidade de Euclides, precisarmos entender um pouco do que estava ocorrendo no Brasil àquela época. Proclamada a República (1889), instalou-se um clima de euforia entre as elites brasileiras que decidiram fazer do país uma “nação moderna”. As nossas cidades, principalmente o Rio de Janeiro, deveriam se equiparar às “civilizadas” cidades europeias. Para isso, foram realizadas grandes obras, cortiços foram derrubados, surgiram cafeterias e docerias refinadas.

As pessoas também deveriam estar à altura desse novo Brasil e, portanto, começou uma verdadeira obsessão pela moda – os pobres ficavam proibidos de andar “em mangas de camisa” ou descalços pelo centro. Os mais abastados viviam um período de ostentação, e as colunas sociais ditavam as regras rígidas de comportamento e vestuário. Os dândis e as melindrosas passaram a dominar o cenário – fazia-se de tudo para ser chic ou smart. O lado mais perverso dessa lógica era que a maioria da população não tinha condições de comprar roupas novas, chapéus, luvas e nem mesmo sapatos. A discriminação em relação aos mais pobres – e mal vestidos para os padrões da alta sociedade – era explícita e violenta.

Bom, voltemos a Euclides da Cunha. O escritor -, que foi um entusiasta do novo regime-, logo se tornou um republicano desiludido com os rumos do País. Ele compreendia bem a crueldade dessa política elitista. Mesmo circulando entre pessoas poderosas – era amigo pessoal do Barão do Rio Branco –  Euclides fazia questão de enfatizar o desprezo que sentia por essa ditadura da moda, vestindo-se sempre com antiquadas roupas dos tempos imperiais. Em meio a essa loucura consumista e ostentatória que o Brasil vivia, o autor queria marcar a sua posição, e a moda foi usada como forma de expressão.

Rejeitando a moda e o chiquismo da época, Euclides da Cunha demonstrou o que a maneira de se vestir pode marcar até mesmo uma posição política. 

Texto de Márcia Pinna Raspanti