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sábado, 9 de novembro de 2019

JOÃO DE SOUSA LIMA E DONA MARIA FERREIRA DE LIMA

Por João de Sousa Lima

Maria Ferreira de Lima 104 anos, encontrou Lampião quando criança e o cangaceiro falou: 

- Ei Galeguinha, se disse que me viu eu arranco a ponta de sua língua, corto pelo pé!!!!!.

Ela respondeu: 

- Oooxxxiiii num digo não...





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BARRA NOVA, CACHEADO E SABONETE

Foto do acervo do pesquisador Helton Andrade

Para quem não sabe Sabonete era irmão do cangaceiro Borboleta. Quando aconteceu a chacina de Angico e os cangaceiros ficaram sem proteção, isto é sem o velho guerreiro o capitão Lampião o Borboleta se entregou com Juriti e Maria de Juriti lá em Jeremoabo às autoridades policiais.

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DOCUMENTÁRIO

Coronel João Bezerra - O Comandante da Volante

Por Charles Garrido

Eis aqui o primeiro trabalho audiovisual totalmente dedicado à figura do Coronel João Bezerra da Silva, indubitavelmente, o comandante maior da volante policial alagoana, que no famoso combate da Grota do Angico, ocorrido no dia 28 de julho de 1938, pôs fim à "Era Lampião". Segue um pouco do histórico do documentário:

Locações: Fortaleza, Recife e São Paulo
Participações: Ângelo Osmiro e Antônio Amaury
Depoimento In Memoriam: Cyra Britto Representando a família: Paulo Britto.
Direção: Anne Ranzan (PE) e Renata Sales (CE)
Produção e Apresentação: Charles Garrido
Duração: 01:22:25

Agradecemos a todos que colaboraram em prol da consolidação dessa obra e desde já, pedimos a compreensão do público quanto às nossas limitações, pois não somos profissionais da área televisiva ou cinematográfica, mas sim, apenas pesquisadores e estudiosos do tema. Aceitamos críticas, sugestões e elogios. Entretanto, permitam-nos comunicar que, todo e qualquer comentário inserido será previamente analisado, caso algum fuja aos padrões, infelizmente será excluído, pois pautamos o respeito para com os componentes e personagens históricos que participam do vídeo.

Seguimos uma ordem cronológica, inserimos cinquenta e três fotografias, dentre elas, vários documentos pessoais do militar.

No final, uma surpresa, ouviremos um trecho da entrevista exclusiva (apenas em áudio) com João Bezerra, realizada pelo escritor Antônio Amaury, no ano de 1969, no município pernambucano de Garanhuns. Para um melhor aproveitamento, colocamos uma legenda sincronizada à fala do militar. Finalizamos citando que, o intuito maior é poder colaborar de alguma forma para o engrandecimento e divulgação dos temas, cangaço e volantes.



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RETRATO DE UM RIO

*Rangel Alves da Costa

Perante o meu olhar, uma fotografia do Rio São Francisco e suas beiradas, com algumas embarcações e um leito raso de água. Lá em Bonsucesso, povoação sertaneja em Poço Redondo. Mas poderia ser em Curralinho, em Cajueiro, em Jacaré. Aquele que avista a fotografia logo se enche de encantamento. Não poderia ser diferente, pois tudo emoldurado numa beleza poética sem igual.
O Velho Chico, mesmo padecente como de vez em quando se mostra, assim tão magro e tão ossudo, com suas veias esvaídas, não deixa de encantar o seu beiradeiro e o seu visitante. Logicamente que o beiradeiro sofre, lamenta e chora quando seu rio parece pouco demais e passando sem vida, e principalmente se puxar da recordação e relembrar outros tempos, nos idos de antigamente, que tanto rio como a ribeira d’água era uma festa só.
Um rio rico de outrora. Grandes embarcações chegando e partindo, carrancas apontando nas curvas, afastando os maus espíritos das águas, e pedindo passagem rumo aos portos. Sacos de açúcar, de farinha, de biscoitos, de carne seca, de sortimentos. E á na beirada, pronto pra ser embarcada a lenha, os fardos de algodão, um carregamento de peles, as produções ribeirinhas e sertanejas. E nas calçadas altas - e assim tão altas por causa das constantes cheias -, as pessoas sentadas em cadeiras para o maravilhamento perante aqueles momentos.


Hoje o rio já não é aquele rio. Corre no mesmo lugar, faz curva entre as mesmas serras, vai cortando o mesmo caminho entre as beiradas, mas perdeu sua pujança de outrora. A pujança da água muita, da largueza do espelho d’água, do peixe em profusão para a tarrafa e a rede. Pelas margens, na sonolência dos dias, os barcos e as canoas repousam na esperança de dias melhores. Contudo, há uma magia no rio que nada parece afastar. Seja de água muita ou rasa, o rio continua apaixonando tanto o visitante como o povo ribeirinho.
Logo o espírito e alma bebem da magia do alvorecer e do entardecer. Verdadeiramente não há cenário mais mágico e cativante. Contudo, seria preciso avistar além da moldura para adentrar nas raízes do próprio rio, de seu meio e de seu habitante. A pintura de cores vivas se mostra apenas uma aparência. Há, na alma do rio e do seu povo, um âmago tomado por sensações muito diferentes daquelas tidas apenas pela visão do cenário.
É um rio que sofre e um povo que sofre, é um rio que pranteia e um povo que chora, é um rio que vai se exaurindo nos braços aflitos de seu ribeirinho. Somente quem vive o dia a dia conhece a real situação. Somente quem nasceu e se criou nas suas beiradas conhece a dor da saudade de um passado de águas grandes, piscosas, cheias de vida e de embarcações. Hoje há apenas um leito. E quase de morte. Os vapores não passam mais, os navegantes seguiram outro porto. Cadê o surubim, há de se perguntar.
Tudo passou, tudo seguiu na curva do rio. E nas beiradas ficou o seu habitante, o beiradeiro, o ribeirinho. Aquele que sorri no olhar e chora no coração.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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"FIDALGO", MAS NEM TANTO

Lampião comia... também com as mãos!

Por Ivanildo Silveira (*)


Na foto, vê-se o Rei do cangaço comendo utilizando as mãos , enquanto dois cangaceiros se servem com prato e colher.

Compulsando a literatura cangaceira, vamos encontrar que os hábitos cangaceiros, no tocante à alimentação, eram os mais variados. Cada cangaceiro possuía seu copo/caneco, sua colher , o prato e a cabaça/ cantil para depósito de água.

Entre os alimentos destacavam-se: Farinha, carne de sol, rapadura, café, sal, leite, coalhada, galinha, bode, caças em geral etc... Some-se a isso, também, as frutas silvestres que eram consumidas, inclusive cactos (xique-xique, coroa de frade..etc..), quando havia muita falta de água.

As carcaças dos animais (peles e ossos) eram enterrados, a fim de que a podridão dos mesmos, vista pelos urubus que rondavam o local, não os denunciassem a policia. Quando desarmavam as barracas/tordas e abandonavam o "coito", deixavam um odor de ciganos.

*Ivanildo Alves Silveira é Colecionador do cangaço Membro da SBEC


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LAMPIÃO NA SERRA VERMELHA

trágico e covarde assassinato de José Nogueira

Por: Luiz Ferraz Filho


Os livros sobre a história brasileira sempre trouxeram no capitulo sobre a Coluna Prestes o simbolismo da liberdade. Porém, nada foi mais aterrorizante para a população do Sertão do Pajeú, no mês de fevereiro de 1926, do que esses revoltosos sulistas. Vinda da Paraíba em direção ao Pajeú sob o comando do general Isidoro Dias Lopes, a Coluna Prestes contou com o "reforço" da boataria que estava alinhada ao bando de Lampião, para assim aterrorizar ainda mais o sertanejo. 
 
General Isidoro Dias Lopes
 
E foi esse boato que fez muitos fazendeiros da região abandonarem suas casas para se embrenhar na caatinga como esconderijo. Somada a isso, tinha também um batalhão patriótico para combater os revoltosos e que confundia ainda mais a população. Ao passarem por Betânia (PE), onde esfomeados saquearam o comercio local, os revoltosos marcharam em direção ao povoado de São João do Barro Vermelho (Tauapiranga), distrito de Serra Talhada. De lá, desceram pelas margens do Riacho São Domingos em direção a lendária vila de São Francisco, também distrito de Serra Talhada. 

Serra Vermelha vista da Fazenda de Zé Nogueira

Entre essas duas localidades, os revoltosos encontraram a Fazenda Serra Vermelha, na época fonte rica para o abastecimento da tropa composta de seiscentos ou oitocentos soldados. Com a barriga cheia, precisavam eles de uma pessoa da região para servir como "guia dos revoltosos" e nada melhor que um homem conhecido e respeitado por todos para usarem como "escudo". E foi assim que o influente dono da fazenda, José Alves Nogueira, acabou "sequestrado" pelos revoltosos. Três dias sem nenhuma regalia, andando a pé sob olhares dos soldados até ser libertado próximo ao povoado de São João do Barro Vermelho (Tauapiranga). 

Cruz no terreiro da casa demarcando o local 
onde foi covardemente assassinado 
Zé Nogueira pelo cangaceiro Antônio Ferreira.

Aliviado, mal podia imaginar José Nogueira que voltando para sua Fazenda Serra Vermelha passaria por situação ainda pior. Ao chegar, José Nogueira pediu para um dos moradores ir avisar aos parentes e familiares que estava tudo bem com ele e que  estava em casa. E nisso, aproveitou para ir na vazante (plantação no baixio) olhar uma cacimba que abastecia o lugar. Depois de algum tempo lá, José Nogueira recebeu um recado de Antônia Isabel da Conceição (Isabel de Luis Preto) que inocentemente disse que a força volante de Nazaré (comandada por Manoel Neto) estava no terreiro da casa esperando ele. Desconfiado, José Nogueira ainda perguntou: - Tem certeza que é a força ?. Tenho sim, respondeu Isabel. 

O fazendeiro João Nogueira (neto de Zé Nogueira 
e bisneto do major João Alves Nogueira), 
na calçada onde foi assassinado o avô em fevereiro de 1926.
 
 
Domingos Alves Nogueira 
(neto de José Nogueira) 

Ao subir da cacimba em direção ao terreiro da casa, José Nogueira avistou o bando de Lampião com 45 cangaceiros enfurecidos após saírem derrotados na tentativa de invasão ao povoado de Nazaré do Pico. Homem de firmeza, continuou José Nogueira o trajeto mesmo sabendo que dificilmente escaparia da morte. Nisso, o cangaceiro Antônio Ferreira, aproximou-se dele e falou: - É hoje José Nogueira. Ele ele respondeu: - Seja o que Deus quiser. 

Lampião mandou todos baixarem as armas e começou a conversar com o velho fazendeiro. Após a palestra, Lampião observou ele muito cansado, doente e asmático, liberando o fazendeiro. Deu voz de reunir e começou a seguir no destino da caatinga quando escutou um tiro. Tinha sido o cangaceiro Antônio Ferreira que havia covardemente atirado nas costas de José Nogueira. Vendo o ocorrido, Lampião reclamou dizendo que o velho estava doente e quase "morto". Então, Antônio Ferreira (que era irmão mais velho de Lampião) falou: - Matei, tá morto e pronto. 

Antonio Ferreira

Era 26 de fevereiro de 1926. Calçou Antônio Ferreira as alpercatas (sandálias de couro) do falecido e seguiu junto ao bando caatinga a dentro. Segundo o fazendeiro João Nogueira Neto (neto de José Nogueira), durante anos o local onde o avô paterno foi assassinado ficou manchado com o sangue nas pedras. No local, os filhos do fazendeiro depois fincaram uma cruz para demarcar a tragédia. O corpo de José Nogueira foi enterrado no dia seguinte, do outro lado do riacho, no cemitério da Serra Vermelha. 
 
Deixou ele a viúva Francisca Nogueira de Barros (Dona Dozinha, tia dele) e sete filhos. 

Luiz Ferraz Filho, é pesquisador, Serra Talhada - Pernambuco
 
FONTE: (LIRA, João Gomes de - Memórias de Um Soldado de Volante) 
- (AMAURY, Antônio e FERREIRA, Vera - O Espinho de Quipá) - (FERRAZ, Marilourdes - O Canto do Acauã) - (SOBRINHO, José Alves - Zé Saturnino - Nas Pegadas de Um Sertanejo).  
 
FOTOS/ENTREVISTADOS: 
João Nogueira Neto e Domingos Alves Nogueira (netos de José Alves Nogueira).
 

Pescado no Cariri Cangaço


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A MULHER E O CANGAÇO

Remanescentes, vitimas e familiares

Por: João "das meninas" de Sousa Lima

Há um fascínio natural quando se fala da mulher no cangaço. Em uma época tão difícil o que levou tantas mulheres - meninas a entrarem para esse mundo desconhecido e de certa forma brutal? Que tipo de atração o mundo feminino viu no movimento cangaceiro? Quais foram os motivos que causaram tanto deslumbramento aos olhos daquela juventude?

 *Ximando o almoço de Durvinha

A sergipana Adília

Apreciando o silencio de Maria de Jurity

Essas são algumas perguntas que fazemos tentando entender os reais motivos da entrada da mulher no cangaço. Mesmo diante dos depoimentos de algumas que foram forçadas a seguir seus companheiros, como foi o caso de Dadá que foi raptada por Corisco, no caso de Dulce que foi trocada por jóias pelo cunhado, de Aristéia que seguiu o cangaceiro Catingueira por sofrer maltrato da policia, Tanto Antônia quanto Inacinha forçadas por Gato, podemos citar vários casos dessa natureza, porém a maioria foi por pura paixão como é o caso de Durvinha que se apaixonou por Virgínio, Lídia por Zé Baiano, Maria por Lampião, Nenê por Luiz Pedro, Eleonora por Serra Branca, Naninha por Gavião, Aninha por Mourão, Catarina por Nevoeiro, Joana por Cirilo de Engrácia.

Edson Barreto, Ex Cangceira Dulce, João e Maria Cícera irmã de Dulce com "103 anos de idade"

João vive a mimar a ex cangaceira Aristéia

Alguns cangaceiros não concordaram com a entrada das mulheres no cangaço como foi o caso de Balão que deixou depoimentos confirmando que as mulheres atrapalhavam as caminhadas dentro da mataria, principalmente quando ficavam grávidas. Os tiroteios diminuíram e Balão era um dos cangaceiros que gostava dos confrontos.

Dona Rita, vitima de estupro praticado pelo cabra  Sabiá

A centenária Dona Mocinha (irmã de Lampião)

Para outros, com a mulher no cangaço, os estupros diminuíram, a violência sem aparente razão se atenuaram.
A verdade é que com a mulher no cangaço o movimento ganhou uma áurea romanesca, as histórias contadas sempre falam do amor entre casais famosos, no cinema, nos versos tantos eruditos quanto populares, no livreto de cordel, na arte plástica, na música, no teatro, na literatura, os romances sempre mexeram com a capacidade de imaginar o cavaleiro em seu cavalo alado salvando as mocinhas e donzelas para viverem o amor eterno.

Dona Joana ( irmã de Dadá)

Uma irmã da cangaceira "Moça" de Cirilo

A mulher cangaceira deixou para sempre na historiografia do nordeste brasileiro o nome da mulher sertaneja como sinônimo de mulher guerreira, bravia, independente, sem perder sua feminilidade, sua capacidade de amar, independente das circunstâncias.

*Ximar? É o mesmo que  desejar

Pescado no Açude do primo João

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PROTAGONISTAS DA RESISTÊNCIA

Manoel Duarte
por Honório de Medeiros

Então um preciso tiro de fuzil ecoou no final de tarde nublado do dia 13 de junho de 1927, e, aproximadamente cem metros além, atingiu o meio-da-testa de um caboclo puxado para o negro aparamentado com a indumentária típica do cangaceiro, prostando-o na terra nua, de barriga para cima, a contemplar com olhos fixos e vazios o céu acima, ali onde a Avenida Rio Branco cruza a Rua Alfredo Fernandes, bem onde, na quina, fica a famosa Igreja de São Vicente cuja efígie, do seu nicho decenal, tudo contemplava.
Manoel Duarte
Era o começo do fim. No alto da casa do Prefeito Municipal - o líder que começara a epopeia, no telhado, o atirador viu quando um outro cangaceiro, de um trigueiro carregado, aproximou-se rastejando e disparando da vítima e começou a rapiná-la, retirando freneticamente, de seus bolsos, munição, dinheiro e joias.

Calmamente, mirou e aguardou. Pressentindo o perigo iminente o feroz bandoleiro ergueu o tronco elevando os olhos até o telhado fatídico da casa cuja frente fora tomada por fardos de algodão prensados. Foi apenas um momento, mas foi fatal. Outro tiro de fuzil ecoou e, no mesmo local onde seu companheiro jazia sem vida mais um cangaceiro foi atingido. O violento impacto da bala derrubara-o momentaneamente e desenhara, em seu tórax, uma rosa de sangue. Começou a debandada. Enquanto os resistentes começavam a perceber que a ameaça fora sustada e o recuo dos cangaceiros era generalizado, o atirador recolhia o fuzil e fitava a cidade no prumo que tinha a Igreja de Nossa Senhora da Conceição como limite.

Olhava e pensava. Ele tinha morto um cangaceiro e ferido mortalmente outro. Não havia dúvida quanto à importância desse fato para a vitória. Mas cangaceiros são vingativos, cangaceiros são ferozes, cangaceiros são cruéis. Cangaceiros são dissimulados e não esquecem nunca, matutava ele com seus botões. Se ele aceitasse passivamente as homenagens que lhe seriam tributadas a partir daquele momento tudo poderia, no futuro, desandar no gosto amargo causado pela retaliação de algum anônimo, talvez até mesmo em algum parente, como era prática comum na vida cangaceira.

Não que fosse medroso. Ao contrário. Todos quantos lhe conheciam podiam atestar sua coragem e perícia com as armas, que já ficavam lendárias. Mas era melhor precaver-se. Era melhor silenciar. Não seria o caso de negar veementemente, por que não era homem para esse tipo de extroversão. Mas ia silenciar. Não ia comentar nada. O que estava feito estava feito e era de acordo com seu temperamento reservado. Se lhe perguntassem, mudaria de assunto. Se comentassem de alguma roda da qual estivesse fazendo parte, sairia de mansinho. Guardaria a verdade consigo e a contaria apenas para alguns escolhidos, por muito e muito tempo. Até que...

Até que naquele dia banal, sozinho com seu neto de dez anos de idade, sentiu vontade de contar aquilo que nunca contara a ninguém. Era uma necessidade da alma, um anseio de perpetuar um feito honroso, um gesto de heroísmo que o mostrava tão diferente daqueles que tinham fugido em direção ao mar quando os cangaceiros ciscavam nas portas de Mossoró, um gesto que lhe orgulhava por que defendera sua família e sua cidade a um custo alto, que era o de tirar a vida de alguém. Olhou para o neto e compreendeu que ali estava o interlocutor perfeito. Não questionaria, não interromperia, não esqueceria. Guardaria a lembrança do dia e do relato. Assim sendo começou a contar-lhe todo o episódio, detalhe por detalhe.

O neto apenas olhava intensamente e sentia que estava sendo transmitido, para ele, algo muito importante e que somente no futuro seria plenamente entendido. Acalmou sua inquietude de menino. Não desgrudou o olho do seu avô, aquele homem reservado e pouco propenso a confidências. No final, quando toda a história havia sido contada, compreendeu que devia guardá-la consigo, até mesmo esquecida, por muito tempo. Guardada até que...

Até que em um final de tarde tipicamente mossoroense, de muito calor, em um café, o neto aproximou-se de uma roda de estudiosos do cangaço e percebeu que discutiam a participação do seu avô na invasão da cidade pelo bando de Lampião. Uns diziam que havia sido ele o autor dos disparos. Outros negavam e apontavam nomes. Quase oitenta anos haviam passado do episódio.

O neto, agora, era cinquentão. Sentiu que ali estava o momento certo para contar a história, a sua história, a história do seu avô. Aquela plateia saberia ouvi-lo e entenderia plenamente as razões do silêncio da família. Contou tudo. Fechou-se o ciclo. Dezenas de anos depois já não há mais dúvidas. O atirador postado no alto da casa de Rodolfo Fernandes, o homem que praticamente abortara a invasão lampiônica, o herói entre heróis fora Manoel Duarte. Essa é a verdade, como o sabe sua família e a contou seu neto, Carlos Duarte, jornalista, muitos anos depois, a mim, a Kydelmir Dantas e Paulo de Medeiros Gastão, estes últimos dirigentes da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço – SBEC.

É verdade, dou fé.

Beba no: Açude do Honório


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JORNAL A TARDE, EDIÇÃO DE 5 DE SETEMBRO DE 1980

Cantando aboios morre em Serra Talhada o maior inimigo de Lampião

Por: Juarez Conrado

 José Saturnino Alves de Barros
Acervo Lampião Aceso


Impressionante o fato de um simples furto de bodes, tão comum nos longínquos anos de 1910 a 1920, haver se constituído no ponto de partida para uma das mais emocionantes histórias do banditismo em toda América Latina, fazendo com que um dos seus personagens, um tímido e bem comportado garoto, do interior de Pernambuco, se transformasse numa figura legendária, da qual ainda hoje se ocupam jornalistas, pesquisadores e, principalmente, sociólogos, todos eles interessados em conhecer de perto detalhes da vida desse homem que marcou época nos sertões brasileiros.

Lampião, já o sabemos, morreu há 42 anos, na Grota do Angico, no município, sergipano de Poço Redondo. Mas, quem era, e o que para ele significava José Alves de Barros, o José Saturnino, falecido a semana passada, aos 86 anos, em Serra Talhada?

Uma pergunta cuja resposta não poderá ser encontrada senão com o retorno ao ano de 1916, quando ambos, de bons e pacíficos vizinhos, acabaram por se transformar em ferozes e irreconciliáveis inimigos, que faziam do ódio suas vidas marcadas por tiroteios e emboscadas, tingindo de sangue a pequena região onde conviviam.

Uma situação que iria se transformar com o furto praticado por um dos empregados de José Saturnino, logo descoberto por um inspetor de quarteirão violento e autoritário, compadre e amigo do velho José Ferreira, que não hesitou em prender o ladrão, impondo-lhe uma série de impiedosos castigos. Era o começo de tudo.

Represálias

Saturnino irritado, iniciou uma série de represália contra os Ferreira, mutilando, quando não matando, suas criações, criando uma situação tão tensa entre eles que exigia a medição de autoridades locais, como o juiz de direito, Adolfo Cardoso, e o coronel e chefe político Cornélio Soares, ambos prevendo acontecimentos de extrema gravidade, a persistirem os desentendimentos. Os fatos que se sucederam são do conhecimento geral e deles muitos já se ocuparam, narrando-os, nem sempre, com muita fidelidade. José Saturnino não aceitava as acusações que lhe eram feitas como responsável pela transformação de Virgulino no cangaceiro que todos nós conhecemos.

Marilourdes Ferraz

Tanto não aceitava que, pouco antes de sua morte, em carta dirigida à jornalista pernambucana Marilourdes Ferraz, dizia que, na “realidade dos fatos, os sertanejos viviam em época de grande atraso...Quando a minha pessoa, fui criado pelos meus pais na Fazenda Pedreira e baixa de São Domingos, e que me ensinaram a respeitar os direitos alheios, o que posso provar com os meus vizinhos, especialmente, alguns que ainda restam com suas idades avançadas. Os Ferreira, certos ou errados, queriam superar aos demais; quando não gostavam de uma pessoas, tratavam de hostilizar, assim aconteceu com a minha pessoa.

Retiraram-se para um distrito de Floresta: dentro de dois anos, saíram por motivo de questões com os filhos da terra e a polícia do destacamento. Venderam o que tinham e foram para Matinha de Água Branca, Alagoas, onde, muito cedo, desinquetaram os irmãos Porcino Cavalcanti Lacerda... em consequência da vida turbulenta dos Ferreira, vieram a perder a mãe, D. Maria Ferreira Lopes, que faleceu traumatizada pelos vexames que passara vendo seus filhos perseguidos pela polícia alagoana, e depois, o próprio pai... motivo da conduta dos seus filhos”.


Retrato falado dos pais de Virgulino José Ferreira e Maria Sulena
segundo o padre Frederico Bezerra Maciel.


A revolta de Saturnino, ente tantas acusações, estendia-se aos seus filhos Aureliano e João Alves Barros, que, na mesma oportunidade, há cerca de um mês, escreveram o seguinte comentário, publicado pela imprensa pernambucana:

“Se algum cangaceiro destrata meu pai, está certo, está no papel dele. Agora, o que nos revolta, como sempre revoltou meu pai, é o fato de homens que tiveram a oportunidade de maiores estudos viverem perseguindo meu pai com acusações injustas, só para dar uma explicação para vida de cangaceiro de Virgulino Ferreira”.

 João Alves de Barros em foto de 2013.
Créditos Kiko Monteiro



E ressaltou João:

“Meu pai sempre viveu nesta região (Serra Vermelha); trabalhou no campo toda a vida; a vida dele como militar foi uma fase. Só entrou nas Forças Volantes depois que Lampião veio de Alagoas, diversas vezes queimar nossas propriedades e roubar o nosso gado. Nunca meu pai matou ninguém, nem dos Ferreira. Lampião, ao contrário, matou muitos dos nossos parentes, inclusive José Nogueira, com frieza, à traição, roubando-lhe até as alpargatas dos pés, tendo Antonio Ferreira calçado e saído com elas.

Nas “Volantes”

Em um dos muitos livros publicados sobre a vida de “Lampião”, e de autoria de pesquisadora Aglae, José Saturnino fala das lutas, das emboscadas, dos “homens machos” que lutavam ao seu lado, como Zé Caboclo, Zé Batoque, Paisinho, Cassimiro e Nego Tibúrcio. Refeiru-se aos insultos que trocavam quando se encontrava com os membros da família Ferreira, da troca de tiros com Virgulino, Antonio, Livino, Antonio Matilde e Luiz da Gameleira. Do cavalo que vendeu a Zé Ciprino, de Nazaré, da emboscada que lhe foi preparada por Virgulino, quando, no dia da feira, foi receber o dinheiro correspondente à transação com o animal.

Uma narrativa simples e que vale a pena ser descrita para mostrar o clima que reinava entre eles:

- Pru vorta das treis hora da tarde arrecebi o dinheiro du cavalo. Cem mil réis. Selei meu burro. Quando andei meia légua, fui envolvido numa emboscada. Eu e João Fuló brigamo cinco hora. Quando cheguei in casa era 9 da noite. Naquele tempo a puliça era pouca e quando a gente quebrava as acomodação do Juiz e do Coroné tinha tiroteio de novo. Eu e os vizinho sabia aqui os Ferreira irá cercar minha casa antes do dia quilariá. E viero. Brigamo desde 1 da manhã às 6. Eu tinha 23 homes. João Flor, Zé Caboclo, Zé Batoque, Cassimiro e Tibúrcio era cabra muito home, muito macho. A munição dos Ferreira se acabou-se. Se arretiraro chamando nomes feio”.

José Saturnino foi integrante das forças Volantes durante alguns anos e conviveu com cangaceiros famosos como: Cassimiro Honório e Antonio Matilde. Foi fazendeiro e sobretudo, vaqueiro. Lutou contra secas, inclementes e amou sua terra tanto quanto amou sua família.

Na noite em que morreu, José Saturnino cantou aboios como nunca o fizera em sua acidentada vida no campo, tangendo as reses.


Diz a crença popular que as pessoas antes de morrerem, revivem o passado. Se assim é, certamente naquela noite, o velho Saturnino deve se ter sentido, novamente de mosquetão, em punho.

Ao lado dos velhos e corajosos companheiros, fugindo das emboscadas armadas pelos Ferreira, com eles lutando com aquela coragem que guardou até os últimos momentos da vida.


Deveria ter-se visto vestido de gibão, chapéu e alpargatas de couro cru cavalgando por toda aquela região onde, quando não estava lutando, aboiava como um autêntico vaqueiro que era. Saturnino, afinal, está descansando.

Está sepultado, há cerca de 15 dias, na terra pela qual sempre viveu e lutou, porque a amava como a sua própria família. E com sua morte, com poucos registros na imprensa, desaparece uma figura da maior importância na história do cangaço brasileiro.

Apagava-se a figura de um homem que, durante toda a sua existência, dedicou-se a combater bandidos e bandoleiros, expondo-se à balas dos inimigos, num verdadeiro desafio à morte.

A morte que afinal, o levou de vencido em Serra Talhada, fazendo desaparecer um dos últimos remanescentes, e certamente de todos... da era de “Lampião”.

Adendo Lampião Aceso:

José Saturnino Alves de Barros, faleceu em sua fazenda, Maniçoba da Pedreira em 5 de Agosto de 1980, com a idade de 86 anos e já sem lucidez. A matéria foi ilustrada por nós.


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