Por José Cícero
Enquanto ela
brincava a contemplar seu pai na lida dando ponto ao mel.
As moendas do
engenho de Antônio Argeu mastigavam, literalmente, os canaviais.
Barulho
intermitente dos afazeres do eito. Gentes e burricos fustigados sob a gritaria
matuta e alegre dos cambiteiros.
Braseiro da
fornalha alimentando os tachos quentes de metal.
A casa Grande
no alto. Os pés de Oitis, o tabuleiro, a estrada de areia e barro batido, a
paz, como a dormitar no alpendre do casarão. O riozinho sempre corrente.
A harmonia de
todas as coisas parecia beirar a perfeição primordial.
Enquanto isso,
a bagaceira secava ao sol como a querer pintar de cinza e branco o sagrado chão
do mundo inteiro. Enquanto a menina do engenho colocava um a um, os seus sonhos
e utopias no varal.
E a própria
vida ali mesmo parecia se encher de aromas, fumaça e doçura.
Ao tempo em
que nas gamelas de pau d'arco e de angico, o bom melaço dava forma definitiva à
rapadura.
Garapa e
tiborna no parol e nos tonéis de madeira do alambique sob os olhares
experientes do mestre Pedro.
Os ventos
frescos e adocicados, além da fumaça no ar de todo dia eram, por assim dizer, a
incorporação quase factual do mito de Prometeu e Sisifo a se espalhar pelos
baixios de cana.
Mas à frente,
o povoado... os bodegueiros, o quadro da feira e a capelinha ancestral de Santo
Antônio, o padroeiro.
Fartas águas
das nascentes das Barreiras: sangue na veia dos canaviais.
E de verdade,
a menina estava feliz. O mundo não era assim tão grande. E viver tão somente se constituía como um detalhe a mais, na ligeira e abundante perspectiva da
verdadeira felicidade.
A menina de
repente cresceu, se fez guerreira e aprendera ser feliz por si mesma e para
todo o sempre.
Enfim, a força
da memória venceu o esquecimento total.
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