Seguidores

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

EM SERGIPE, COITEIROS DE LAMPIÃO SÃO PRESOS.


“JORNAL DE NOTÍCIAS” – 01/02/1932

Já estão aqui os coiteiros de Lampião. Ontem, logo na chegada do primeiro trem do sul do Estado, a gare da estação e circunvizinhanças encheram-se de formidável massa popular. Ao chegar o trem do norte, a onda cresceu, avolumou-se na ânsia incontida de ver, bem de perto, os amiguinhos da terrível fera humana.


Ei-los, afinal, cercados de soldados.

Manifesta alegria se espalha pela multidão.

Tinha razão de ser esse contentamento, pois esta presa foi a melhor conquistada dentre todas as outras, por parte das forças que perseguem Lampião.

Os coiteiros do célebre facínora, ontem chegados, são em número de quinze, doze homem e três mulheres.
Nossa reportagem pôde avistar alguns deles, os que se acham na Chefatura de Polícia, tomando-lhes os nomes.

São eles, Manoel José de Souza, filho de Canindé; onde se deu a prisão do bando. Euclides de França Belém, alagoano; José Fernandes Leite, Ariston Lucas de Souza, João de Souza, natural de Porto da Folha, Antonio Fernandes, natural de Curitiba; Pedro Rezende, vulgo Pedro de Candeia, natural de Gararu, Francisco de Jesus e Virgílio Ângelo Ventura.

Os demais se encontram na Penitenciária Modelo.


“JORNAL DE NOTÍCIAS” – 22/02/1932

FOI PRESO MAIS UM ACOITADOR DE LAMPIÃO

José Alves Adriano Feitosa, da fazenda de Pedra D’Água, município de Porto da Folha, limites com Bahia, foi preso por ter sido denunciado como acoitador de Lampião. Feitosa confessou que, realmente comprava gêneros alimentícios para o célebre cangaceiro.

Esse novo acoitador foi conduzido a esta capital no trem vindo do norte do Estado, ontem.
Fonte: facebook

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

O escritor Antonio Vilela e Sinhosinho


O escritor Antonio Vilela de Souza com Sinhozinho. Este era irmão da cangaceira Lídia Pereira da Silva, companheira do cangaceiro Zé Baiano. Ele faleceu recentemente.


O escritor Antonio Vilela de Souza com a ex-cangaceira Durvalina, companheira do ex-cangaceiro Moreno. Durvalina faleceu em 2008 e Moreno em 2010.


O escritor Antonio Vilela com o ex-cangaceiro Candeeiro - Manoel Dantas Loyola. Este faleceu também recentemente

Fonte: facebook
Página: Antonio Vilela

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

A MORTE DO PAI e DA MÃE de LAMPIÃO

Por Raul Meneleu Mascarenhas
Fonte: Youtube

Não querendo faltar com o respeito aos direitos autorais do Padre Maciel, mas solicitando todas as desculpas, transcrevo uma parte da vida e morte desse homem que passei a admirar, que foi 

Bico de pena de Lauro Villares com retratos da época

José Ferreira e desta mulher que seguiu seu amado esposo, Dona Maria Lopes, em cuidados com seus filhos, e suportarem tantas injustiças, somente e grandiosamente, para proteção deles.

Também fica registrado aqui nesse blog sem pretensão, a não ser no interesse em mostrar as perseguições sofridas por esta duas almas (que Deus as tenha), fatos acontecidos e testemunhados por pessoas que o autor entrevistou.

Quando li esses dois relatos escrito por esse autor, que pesquisou por 30 anos e somente por insistência de amigos, produziu essa preciosa obra, dividida em 6 livros, atinei em registar e incentivar os amigos a lerem essa obra.

Faço isso para aqueles que não tiveram a oportunidade que estou tendo em conhecer a história desde o princípio da saga guerreira de lampião e de seus irmão, Livino, Antônio e depois Ezequiel (quando se deu a morte da mãe e do pai, ele era menininho), que o acompanharam nessa aventura.

Fica também registrado o meu repúdio, aos perseguidores e destruidores de uma família humilde do sertão nordestino.

Vamos à história, pelas mesmas letras, do livro 'LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU REINADO' de Frederico Bezerra Maciel.

MORTE DE D. MARIA LOPES
21 de maio de 1920.

Ainda escuro, entre o primeiro e segundo canto dos galos, reuniu José Ferreira a família e seus haveres — tão pouco: uma pequena trouxa para cada um! — e partiu, de mudança pela terceira vez* — “os Proscritos!”  Conduzia sua esposa enrolada em desgastado cobertor, de algodão e montada no velho e serviçal Condave. Os seis filhos atrás, olhos arregalados de pavor a que já estavam afeitos, pés no chão para não acabar com as apragatas muito gastas e remendadas, tiritando de frio apesar do exercício do caminhar.

No arrasto da vida e do destino escuros, quiném aquela noite impenetrável, arrastava José Ferreira a família e a miséria. Seguia ele na frente, trôpego, puxando o animal; na outra mão, levantada para alumiar o caminho, o butirão aceso, feito de garrafa de meio litro, com gás e grossa torcida de molambo fumacento. 

Caminhava devagar como vagaroso era o seu maginar e raciocinar diante da prepotência do destino nos enigmas das ditriminações divinas. Já perto de chegar, voltou-se, consolador, para sua esposa e disse com resignação e fé:

 — "Maria, é preciso aceitar a vontade de Deus!"

Ela, desde a chegada, continuava sempre amurrinhada. Não se sabe se do cansaço da viagem, embora curta, ou porque sorrateiramente se aproximava a sua hora derradeira. O certo é que, não fossem as tramas ocultas dos perversos, atiçando perseguições e injustiças, não estaria ela assim desacabando a saúde e a vida.

* A primeira mudança da fazenda Ingazeira (Vila- Bela) para a fazenda Poço Negro (Floresta), a quatro léguas de distância; — a segunda, do Poço do Negro para a fazenda Olho d'Agua de Fora (Água Branca, Alagoas), vinte e duas léguas; — a terceira, de Olho d'Água dê Fora para a fazenda Engenho (Mata Grande, Alagoas), quatro léguas; — total: trinta léguas ou sejam cento e oitenta quilómetros! Perseguiram assim José Ferreira ponto por ponto até matá-lo! Dal em diante a família Ferreira não teria mais descanso, tornar-se-ia como Ahasvero, o judeu errante. A perseguição em cima, sem parar. Que se perseguissem os três — Virgulino, Antônio e Livino — que se lançaram no cangaço, compreende-se. Mas a familia que nada tinha a ver com isso? Perseguição inominável! A familia vagueou por Águas Belas, Bom Conselho, Juazeiro do Padre Cícero, Picos no Piauí E com Eurico de Sousa Leão caiu na diáspora! 

Não se adornava a natureza sua a uma vida assim acuada por toda parte. Sentia-se desinfeliz, sem poder viver. Inda bem ali não chegara e já as perseguições recomeçaram. Não tinha vindo para ali fugida delas? E ei-las de novo! Sempre injustas, e agora grumitadas pela autoridade. Foi mesmo muito pior ter vindo para Alagoas. O arreliado e vendido comissário de Matinha de Água Branca, o famigerado Amarílio, querendo desarmar seus filhos dela para desmoralizar, corregendo as casas e desassossegando as famílias, prendendo sem motivo e torturando um inocente, botando emboscada, atacando à bala, doido para ganhar mais dinheiro matando... Nessas aflições todas, teve durante o dia dois passamentos. Botaram-lhe até vela na mão, maldando estivesse nas últimas e não resistisse mais.

José Ferreira também agoniado, com as mãos apertando a cabeça e sem encontrar canto para aquietar o juízo, exclamava: "Não! Não é possível viver aqui! Não passo mais um dia nessa terra. Vou falar com o delegado de Mata Grande, que é meu amigo, para poder ficar por lá". 

Diante da melhora, súbita e surpreendente, da esposa, andando embora devagarinho e pegada, comendo e conversando alegre — não sabia ninguém que era a "visita da saúde" precedendo a morte! — resolveu José Ferreira, de madrugada, selar dois burros e com seu filho João ir logo à Mata Grande trazer remédios e falar com o delegado, seu amigo. Os três filhos mais velhos, tendo espalhado antes que iriam ao brejo de Triunfo, na verdade continuavam ocultos no mato por causa da policia. 

Aproveitando a manhã, alegre e de esperança, daquele dia 22 de maio de 1920, conduziram as filhas a mãe para fora, no terreiro de frente da casa, a modo de ela despairecer, tomar um arzinho e uns esquentes do sol brando. Ficou ela sentada numa cadeira, distraindo-se feliz com Ezequiel e Anália, os dois caçulinhas, a brincarem de pega no terreiro. Não demorou muito tempo, deu-lhe nela inexplicável cansaço seguido de sonolência. As três filhas, cada qual com um pote de barro na cabeça, tinham ido vexadas ver água na cacimba. Naquele momento instante, voltando, notaram que sua mãe, de repente, pendia a cabeça de lado e virava os olhos para cima, enquanto o queixo afrouxava entreabrindo a boca.

Compreenderam a evidência do desenlace... 

Num sufragante, Virtuosa segurou a mãe pelas costas, levantando-a um pouco para Angélica retirar a cadeira. Ali mesmo foi ela deitada, a cabeça no colo de Virtuosa que se Sentara no chão. Posição essa mais favorável para ajudar a doente a desafogar o peito e a respiração, fazendo passar a agonia. Pela terceira vez — não sabendo que era a derradeira, Mocinha vigiou a vela benta e lhe colocou acesa na mão.

Ezequiel e Anália agarraram-se ao regaço da mãe, chorando e chamando: 

— "Mamãe! Querida mamãe!"

Talvez para sua consolação, nesse instante derradeiro, tenha ela ouvido dos lábios infantis de seus caçulas essa doce palavra que traduzia inteiramente tudo o que ela fora na vida — mãe! 

O semblante sereno, o olhar fugindo para a eternidade, tendo diante de si a imagem do Senhor Crucificado apresentado por Angélica, que a custo repetia entre soluços:

— "Meu Jesus, misericórdia”, entregou sua alma ao Criador. 

— "Sem o mínimo estremeço o modo de um passarim!"

Mocinha apagou a vela. Soprava uma aragem macia e refrescante aliviando aquelas almas transidas de dor... Uma poeira de luz emoldurava aquele quadro de tragédia em terra estranha e de exílio... Lá para o meio-dia chegaram José Ferreira e João, simultaneamente com os três chamados de seus esconderijos. Encontraram a morta deitada numa cama de vento, amortalhada, com os lábios sorrindo para a morte, de vez que há muito deixara de sorrir para a vida!... Na dor e na lágrima lamentaram todos a desdita. Os três filhos perseguidos, às pressas colheram cravos amarelos e bugaris, enfeitaram o leito da mãe defunta e se esconderam de novo. Não podiam ficar velando. 

Somente à noite, assim mesmo cismados e precavidos, voltariam para o velório. A família e vizinhos entre lágrimas e soluços de todos, inteiraram a noite fazendo a sentinela com os cânticos lúgubres das incelenças e o ofício das almas.

No dia seguinte domingo, pela manhã, conduzida numa rede pelos filhos, que se revezavam, foi feito o enterro, estrada a fora rezando, e sepultada numa cova do cemitério do povoado de Santa Cruz do Deserto*, após lhe terem o esposo e filhos beijado o rosto frio. Três coroas, lembranças do esposo, dos filhos e dos parentes, além de muitos buquês levados pelos acompanhantes, floriam a sepultura, que mais parecia um canteiro de festa, e de vida.**

* Povoado de Santa Cruz do Deserto no município de Mata Grande (cfr. cap. 24).

** Enviado, cor urgência, de Engenho para Vila Bela, um pombeiro, a fim de avisar aos Ferreiras das ribeiras do Pajeú e do São Domingos esta morte. Dona Mariquinha Ferreira, filha do Cândido Ferreira e prima de Virgulino, ao receber a dolorosa notícia — e ela bem se recorda que ainda na penúltima semana de maio de 1920 — exclamou, os olhos rasos de lágrimas: — "Tá! Maria Lopes morreu..." E ela mesma afirma que José Ferreira foi morto trinta e oito dias depois.

MORTE DE JOSÉ FERREIRA (29 de junho de 1920)

Penúria...

O pobre do José Ferreira, com tanta coisa amarga e trágica sem trégua se sucedendo, ficou desatinado, abatido, sem gosto pra nada na vida, curtindo os penares da dor e da saudade e os sobressaltos de uma desgraça ameaçadora e iminente. Chamou os três filhos que continuavam ocultos, e lhes disse: — "Vocês aqui não podem mais ficar. Vão para Pernambuco que depois eu tomo o mesmo caminho". Não podia, de súbito, se afastar de perto da sepultura da finada esposa. Seguiram os três filhos para Espírito Santo do Moxotó, onde ficaram; trabalhando na propriedade de seu Terto. José Ferreira vendeu os dois burros para comprar roupa de luto para todos de casa. 

A diligência do diabo...

Cartas do delegado de Água Branca — comprado por Zé Saturnino — ao Chefe de Polícia de Alagoas, carregando em cores os assucedidos mais recentes: a revolta dos Porcinos; a invasão de "perigosos bandidos" vindos de Pernambuco, onde cometeram "muitos crimes"; o caso do soldado Jagunço em Mata Grande; a desfeita à polícia em Água Branca quando ela, "com bons modos", procurou desarmar aqueles "criminosos bandidos", os quais ao depois desfeitearam o comissário de Paricônia;. um "bandido, ainda jovem, comprando armas"; "a ameaça e o terror ganhando as populações"... Alarmado diante de tudo isso, resolveu o Governo cortar pela raiz todos esses males. Para tal, determinou ao delegado de Viçosa, 2° Tenente José Lucena, famoso por excessos de severidade, fazer uma diligência por aquelas bandas conflitadas. Ao chegar em Água Branca, foi Lucena inteirado de tudo o que ocorrera. Inclusive por carta de Zé Saturnino tivera conhecimento do nome dos "três perigosos bandidos e criminosos": os irmãos Virgulino, Antônio e Livino, além de Antônio Matilde, que, armados, haviam descido do Navio para aquele município alagoano. De primeiro, dirigiu-se Lucena à fazenda Chupete, para perguntar ao Capitão Sinhô pelos irmãos Ferreiras. — "Despachei eles para o Coronel José Abílio, de Bom Conselho; não costumo ter bandido comigo" — descartou-se o capitão. Carecia não se inocentar. Lucena não ofendia coronel e protegido da política de cima. Mas somente cabra solto, isolado ou de grupo. Seguiu, então, Lucena, na pista deles, em direção de Santa Cruz do Deserto.*

* Da fazenda Chupete seguiu Lucena no sucaro dos Ferreiras guiado por Zé Batista Quirino e outros mais da mesma família. Zé Batista sabia exatamente paro onde se havia mudado o velho José Ferreira. Tinham os Quirinos transações com os Ferreiras em razão do carguejamento de mercadorias. A aproximação dos Ferreiras com os Marcos, inimigos dos Quirinos, levou estes à denúncia de traição. Além de seus soldados, compunham a tropa de Lucena alguns cachimbos, juntamente com Amarílio e os Quirinos.

O assassínio... 

Na casa de José Ferreira, só tristeza. Tinha ele ido ao cemitério e não compreendia por que desta vez chorara muito mais do que das outras. Revelara aos filhos o que dissera à falecida, já na cova enterrada, que não havia mais sentido para ele continuar a viver. Queria ir pra de junto dela. Repassou, de minúcia e fagueiro, os bons tempos de antanho, de paz e ternura. Recordou particularmente a última festa; do Senhor São João, há dois anos atrás, em que a finada, tão bonita e saudável, tão vistosa e alegre, dançara com ele... Hoje, era ele mais morto do que ela morta! No dia seguinte, 29 de junho, terça-feira, precisamente 38 dias depois da morte de D. Maria Lopes, de manhãzinha, o tempo chuviscoso, ele com mais João e as três meninas fora adjutorar, como alugados, os trabalhos de um roçado vizinho, a modo de trazer para casa alguma coisa de ganho para o de-comer carecente. Voltara logo para casa José Ferreira, cansado e escanchado em Condave, trazendo dependurados, de cada lado das ancas do velho burro, dois sacos contendo quatro mãos de milho plantado em São José e colhido agora para o São João.*

* A mão de milho em Alagoas: 25 espigas não debulhadas; em Pernambuco: 50. 

Ao chegar no terreiro de frente da casa, bem perto do lugar em que a esposa falecera, apeiou-se. Correram pressurosos e choramingando de fome os dois menores e lhe tomaram a bênção. Abraçou-os o pai, afetuosa e longamente, acarinhando e beijando. Em seguida tirou os sacos e derramou as espigas num balaio. De cócoras, apanhava as espigas, tirava a palha, que avoava para Condave comer. Debulhava o milho numa gamela para depois fazer xerém no pilão, facilitando assim o trabalho das meninas que, ao regressarem, era só preparar o angu. O qual dessa vez não seria comido puro. Tinha ele comprado um bom taco de carne de bode e um litro de farinha. O "café" (almoço) seria sustancioso.

Estava José Ferreira dessa maneira entretido quando, escornetando a concha da mão na orelha, ouviu um tropel. Com mais, estava sua casa cercada de soldados. A uma distância de três braças gritou Lucena para o velho José Ferreira: 

— "Cadê os seus três filhos bandidos?" 

Ferido em seus brios e honra, José Ferreira retrucou, com todo o desassombro e altivez, alto, firme e pausadamente: 

— "Não, sinhô! Bandidos, não! Meus filhos não são bandidos. Querem forçar eles a ser. Mas eles são é home!..." 

— "É assim que responde a um oficial, velho malcriado, cachorro da mulesta" revidou furioso Lucena.

E, sem mais, descarregou ele próprio a pistola no peito daquele pobre velho, pacifico e indefeso, que caiu, por estranha coincidência, ali, no mesmo chão onde falecera sua esposa. Na queda, de chofre e de bruços, por cima do balaio, o corpo esparramado, o braço direito estirado segurando na mão um cabucé, torceu o rosto de lado e balbuciou:

— "Coma... coma..."

Pareceu, nessa única palavra, que a derradeira preocupação de seu coração paterno era desafaimar 'as crianças. Elas, as crianças, apavoradas, dispararam, aos berros, por dentro do mato. Um soldado para agradar ao comandante deu na direção delas um tiro de fazer medo, provocando gargalhadas nos seus companheiros de selvageria. Lucena vasculhou a casa de Zé Ferreira, encontrando de arma apenas um quicé!

Ao retirar-se notou dois homens ,vindo, desconfiados e irriquietos, na sua direção. Sem saber nem perguntar quem eram, ordenou uma descarga de fuzil, matando um e ferindo o outro, que correu. Uma senhora e u'a moça que vinham a certa distância ficaram levemente feridas. Não era ele o senhor absoluto da vida e da morte?! 

Os dois eram o velho Fragoso e seu irmão Zequinha. Aquele, viúvo e dono da fazenda Engenho, onde, por caridade, cedera uma humilde casa de morador para José Ferreira ficar até que resolvesse seu destino. A senhora era a dona da casa e a moça sua filha. Atentando nos disparos, tinham ido ver, desarmados, o que acontecia, sendo seguidos pelas duas mulheres.*

* É absolutamente autêntica, _ com todos os seus pormenores, a descrição. 'assassínio doi. pobre; manso e indefeso velho José Ferreira., assim como das outras circunstâncias. Em vez de debulhando milho, alguém fantasiou José Ferreira tirando leite de uma vaca ...

Vezo da polícia, para justificar seus crimes: alegar que houve "resistência". Assim fez Lucena: O cúmulo do grotesco: o alquebrado velho José Ferreira enfrentando sozinho uma formidável volante e "tiroteiando" com uma quicé, isto é, com um toco do facas Quando João Ferreira, filho da vítima, em entrevista, usou a palavra "tiroteio", entendeu dizer que houve tiros de um lado, o da volante.

Quase profético o Padre Epifânio Moura, vigário de Água Branca: — "Esse crime vai trazer muita desgraça para o sertão". O povo: — "Mataram dois cidadãos de bem só pru gosto de matar!" — "É do esperar que não fique nisso, não". E, de fato, o povo não se enganou. Tão revoltante crime lançou Virgulino e seus irmãos no cangaço. Criou Lampião! A situação piorou. Diante do ressurgimento do cangaceirismo, agora em forma diferente, recrudescido e desafiador. Chamou o Governador alagoano aquele homem de sua confiança, o único, a seu ver, que enfeixando poderes absolutos e indiscriminados, poderia liquidar, de um golpe, todo aquele mal, muito embora enegrecendo o seu nome e o da História. Este homem: — Segundo Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão. Esteve confabulando no Palácio do Governo, em Maceió, no dia 4 maio de 1921. Depois destituído da delegacia policial de Viçosa, iria com carta branca, acabar com o banditismo em todo o estado. E assim e vexado com uma poderosa volante de vinte e quatro homens, deixaria no dia 10 de maio, a cidade de Palmeira dos Índios “na direção do sertão.” A ação repressiva de Lucena chegou a ser "desumana", conforme ele próprio reconheceu. (Cfr. Adendo ao capítulo 45.)

A desolação da abominação! *

Alarmados pelos tiros, João Ferreira e as três irmãs abalaram para casa. 
No maior desespero reviraram o cadáver, fecharam-lhe os olhos e o conduziram para dentro de casa. — "Mas, cadê Ezequiel e Anália?" — "Onde estavam escondidos?" — "Ou será que foram roubados?" — perguntavam-se angustiados uns aos outros, noutro desespero somado. . Feito loucos, saíram João e Angélica às procura deles, chamando-os repetidamente com toda a força dos gritos. Encontraram, enfim, os coitadinhos, com bem cem braças, num estado horrível, assombrados e atordoados, rasgados dos espinhos e tocos de pau, sujos de terra, quase sem mais falar de tão roucos, caídos no chão, semimortos de fome e pavor! Tragédia de rara concepção ou de difícil visualização nesse quadro desumano de miséria e barbaridade! — "Pareciam (as crianças) dois filhotes de ema perdidos no mato, piando de fome!..." Atirados os irmãos aos ombros, retornaram às pressas. No entanto, o grave da situação era que ninguém cia vizinhança, com medo de Lucena, queria se aproximar, para amortalhar e sepultar as vítimas. João Ferreira mandou comunicar o triste acontecido ao delegado de Mata Grande, Maurício de Barros** que atendeu prontamente e pessoalmente veio ao local, providenciando, por sua conta e risco, o enterro, mas de um modo tão atabalhoado, dadas as circunstâncias de terror, que João Ferreira nem viu quando os corpos, altas horas da noite, candeeiro aceso na frente, foram levados! - "José Ferreira também era filho de Deus e não bicho para os urubus..." — dissera Maurício, essa destemida autoridade e mais tarde integrante da polícia pernambucana. Sem que, ninguém da família assistisse, José Ferreira foi sepultado numa cova do cemitério de Mata Grande, na manhãzinha do dia 30 de junho de 1920, a última quinta-feira do mês.***

Unidos à mesma gleba do Pajeú, que os viu nascer, unidos numa vida de vinte e seis anos de amor conjugal; unidos ao mesmo chão do Moxotó em que expiraram o último alento, deveriam seguir o mesmo destino de continuar diante de Deus. 

* Naquela época, culto sacerdote-vigário, corajosamente vergastou do púlpito e censurou severamente, condenando esses abomináveis fatos, tomando por tema de confronto as Sagradas Escrituras no famoso texto, cap. 9, v. 27, do profeta Daniel": — "O maldito Coronelismo, simbolizado no deus pagão-político, prepotente, cruel e desumano foi erigido sobre o altar da Justiça — divina por natureza — sob à qual procuravam se abrigar os humildes e ofendidos, os pobres e fracos, cuja vida é um perpétuo holocausto de seus direitos sagrados! Profanação, na linguagem bíblica chamada de "abominação da desolação" ou desoladora e horrorosa abominação".

**. Maurício Vieira de Barros. Lampião, a 29 de novembro de 1930, o prendeu juntamente com um soldado, nas Negras (Aguas Belas), quando ainda estavam deitados e dormindo. Levou-os presos até Pau Ferro (hoje Itaíba) município de Águas Belas. A porta da casa de Maurício, disse Lampião: — "Vou matar o soldado. Você não, porque lhe devo um grande favor: enterrou meu pai! Lhe poupando a vida, paguei a dívida. Se continuar a me perseguir e eu lhe pegar você não tem jeito, não. Morre, visse?!" Apesar das súplicas de Maurício, Lampião matou ali mesmo o soldado e soltou o prisioneiro. Maurício havia verificado praça na Polícia Militar de Pernambuco, chegando a ser sargento. Foi comandante de volante. Era perverso, cometendo muitos crimes. Etelvino Lins, Interventor do Estado, expulsou-o da polícia. Chamava a atenção seu bigodão, Ainda vive com seus noventa anos.

*** Defronte da igreja de Santa Cruz do Deserto visitou o autor deste livro um velho, em sua casa, o qual ajudou no enterro e, sem registro de óbito, no sepultamento de José Ferreira em Mata Grande, território da jurisdição policial do delegado Maurício Vieira de Barros. O nome do velho, o autor não guardou, mas tem como testemunhas o Dr. Tarcísio de Freitas então engenheiro chefe do DNOCS, emt Palmeira dos Índios.


http://meneleu.blogspot.com.br/2014/10/a-morte-do-pai-e-da-mae-de-lampiao.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

O CORONÉ PEREIRA TEM TIDO UMA EXCELENTE RECUPERAÇÃO

J. Barbosa, Coroné Pereira, Edmilson Lucena, Givanildo Silva, Edvaldo Moraes e Chico Monte - Carnaval – 1974 - http://www.azougue.org/conteudo/dobumba139.

Hoje, 23 de Outubro de 2014, às 9:40 do dia, estive na residência do nosso amigo radialista Antonio Pereira de Melo, o Coroné Pereira, e ele me informou que está se recuperando muito bem.

Ele já havia me informado que posteriormente agradecerá através de emissoras, o apoio que recebeu dos amigos, as visitas, as orações, as preocupações de todos pela cirurgia que fez, e pela sua saúde.

http://mendespereira.blogspot.com
http://sednemmendes.blogspot.com
http://jmpminhasimpleshistorias.blogspot.com


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

PEDIDO DE ORAÇÃO. www.redepromessa.com


Queridos, sei que esses dias estão carregados de muita emoção para a maioria de nós, E como é fácil que em meio à esta guerra da eleição nos esqueçamos dos amigos, gostaria de assumir com vocês um compromisso de nos unirmos em oração a favor deste amado irmão, esqueçamos as diferenças religiosas.

Especialmente, meus irmãos evangélicos, peço para compartilhar este pedido de oração com seus pastores e líderes, em suas comunidades de fé, para que possam incluí-lo em suas orações.

A oração transcende as paredes de nossos locais de reunião, e lhes convidamos a compartilhar e motivar a muitos a unir-se à campanha de oração, usando suas redes sociais e outros meios de divulgação.

Oremos pelo Padre Marcelo Rossi, para que Deus o abençoe e lhe saúde.

Deus abençoe a todos.

www.redepromessa.com

Faz parte de nós. Vamos orar pela sua recuperação.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Houvesse "Justiça" não haveria Lampião...

Material do acervo do pesquisador Raul Meneleu Mascarenhas

Essa estória da história de Virgulino Ferreira da Silva, é a estória comum até os dias de hoje, onde infelizmente não progredimos como é desejado por todo homem e toda mulher que vive nesse país. Infelizmente ainda impera o poderio da riqueza, muitas vezes amealhada pela injustiça de alguns ao povo pobre e sofrido, principalmente ainda no sertão dos poderosos e ainda vivos coronéis, vestidos com o manto de políticos.

Foi-nos relatada por um dos maiores estudiosos do cangaço, em especial a Lampião, mostrando-nos que se tivesse havido justiça naquela época, não haveria Lampião. Que não nos enganemos em achar que ele era um herói, ou um bandido. A meu ver era uma mistura desses dois adjetivos, pois quando leio os livros de pesquisadores honestos em expor o cotidiano de lampião e os atores de sua vida, admiro-o pelo senso de justiça e ao mesmo tempo, critico-o pela selvageria e falta de respeito em determinadas ocasiões de sua vida.

Esse é um relato bem próximo da vida de Lampião e como começou o 'emparedamento' para ele tornar-se um fora-da-lei, para que seu principal inimigo, o primeiro, o número um, que começou tudo, completasse a sua vingança. Por mais que se tente desculpar ou mesmo aliviar a inimizade deles, nós poderemos ver que a inveja é a mãe da injustiça e pela história vemos sua perversa perseguição a esta família de pobres trabalhadores, acuados no sertão pernambucano.

Tomemos a pesquisa feita pelo Padre Maciel, autor de uma das maiores obras sobre o cangaceiro. Não irei tecer comentários finais do artigo do Padre Maciel, para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões.

E nós neófitos, aprofundemos nosso conhecimento dos fatos pesquisados por 30 anos pelo autor de'LAMPIÃO, Seu Tempo e Seu Reinado - As Origens' em seu livro Um, da sextologia no capítulo 7: 

ZÉ SATURNINO, O INIMIGO № 1 (1915-1917)

Os atores

Ao pé da Serra Vermelha, distendiam-se, outrora, três fazendas homônimas, que se distinguiam pelo nome de seus proprietários* 1: Serra Vermelha de Manuel Ferreira de Lima, Serra Vermelha de João Nogueira e Serra Vermelha de Cândido Martins José. 

A do primeiro crescia nas vistas e se avantajava das mais em toda a ribeira: mais de oitocentas cabeças de gado, criações sem conta, engenho de madeira, moente e corrente, para o fabrico de rapadura. Manuel Ferreira de Lima, vulgo "Ferreira Catendo", era fazendeiro incansável e empreendedor. Comprara muitos chãos aos Pereiras, já em decadência por razões de lutas com os Carvalhos (cfr. cap. 6, Adendo 1, A, 4, b). Evidentes suas qualidades morais de honestidades e honradez. Casou-se em segundas núpcias com D. Joana Lopes, "D. Joaninha", tia pelo lado materno dos irmãos Ferreiras. Vizinhos seus, de um lado - João Nogueira. Homem completamente diferente do primeiro. Soberbo e ambicioso: queria Ser o maior fazendeiro daquela ribeira e com pretensões à chefança política da mesma. Daí por que, criminoso, mandara matar o Padre Pereira que lhe frustrara os intentos (cfr. cap. 4 e 5). E se mordia de inveja e despeito diante da crescente prosperidade de seu vizinho, com quem jamais pôde brigar, dado o bom senso e tenência do próprio Manuel Ferreira de Lima.

* A fazenda Serra Vermelha, de Manuel Ferreira de Lima, media 400 braças de largura por uma légua e meia de comprimento. As fazendas Serra Vermelha, de João Nogueira (400 braças x 11/2 légua), a Pedreira, de Saturnino Alves de Barros (400 braças x 1 légua), contavam para mais de mil cabeças de gado. José Ferreira possuía na Ingazeira apenas umas trinta reses. Seu forte era a elmocrevia.

É de se notar que nessa inveja e nesse despeito de João Nogueira se encontram as raízes ocultas que estimularam Zé Saturnino a abrir questão e fazer sustança dela com os Ferreiras. O vizinho do outro lado, ao nascente — José Ferreira da Silva, ou simplesmente "Zé Ferreira", da fazenda Ingazeira. Com trabalho e esforço seu e a ajuda de Manuel Ferreira de Lima, botou nela prosperação: umas trinta reses, alguns animais, abastança de miunça, roçados de algodão-mocó e de legume, e sobretudo uma tropa de doze fortes burros, bem arreados, de almocrevar. Tudo isso dava mantença, aumentação e melhoração a uma família de onze pessoas, marido, mulher e nove filhos.

Pegada com a Ingazeira, pelo lado do norte, a fazenda Pedreira, acrescida com a fazenda Maniçoba. Pertencera ao finado Saturnino Alves de Barros, ou "Saturnino da Pedreira", casado com D. Alexandrina, "D. Xanda". De seus dois filhos, um se tornaria célebre — José Alves de Barros, conhecido por Zé Saturnino.* Alto, magro, esperto, trabalhador. Mas, segundo testemunhos fidedignos de familiares seus e de quem com ele lidaram, era "prepotente e arreliado", "gostava de provocar e afrontar os mais", "de pisar no cangote". "De maus bofes", era "odiento e vingativo", "jamais lhe conseguindo a própria mãe moderação nas contendas e dificuldades mais comuns". Inda hoje, encanecido e pisado pelo tempo e pelas lutas, por remorsos e pavores, se trai no ódio sopitado e insatisfeito contra os irmãos Ferreiras, apesar de mais de trinta anos já mortos! Indubitavelmente, servindo também de instrumento à inveja e ambição de seu sogro, João Nogueira, foi ele, como se verá, o causador da transformação do vaqueiro-almocreve Virgulino no cangaceiro Lampião. 

* Rodrigues de Carvalho, natural de Carnaíba, na ribeira do Pajeú, no seu livro "Serrote Preto", p. 99, escreve: "José Saturnino era um indivíduo de instinto perverso, espírito tacanho... Desde que viu o vizinho (José Ferreira da Silva) prosperando, não pôde mais esconder o seu despeito, demonstrando a propósito de tudo a mais sórdida inveja". Nertan Macedo, em "Capitão Virgulino Ferreira Lampião", primeira edição, p. 160, transcrevendo o trecho supramencionado do "Serrote Preto", endossa, com muitas testemunhas de vista e contemporâneas, o conceito geral da personalidade negativa de Zé Saturnino, que José inhamuns chama de "maldito homem". Cedo adquiriu Zé Saturnino o apelido de Zé Muié, confirmado por seu cunhado Vicente Moreira (cfr. cap. 10, Diário de Guerra e nota 14), no episódio da Favela, em Floresta (cfr. cap. 32) e pela voz geral de soldados, de cangaceiros e até de autoridades, segundo Davi Jurubeba e outros entrevistados.

A afoiteza de Zé Saturnino estava antes na cobertura que lhe davam os cabras que possuía: Zé Guedes e seu irmão Antônio Guedes, vulgo "Batoque", Tibúrcio, os três Beneditos (Olímpio, Manuel e José), Zé Caboclo... e mais que todos, os dois, Zé Cipriano e Vicente Moreira, cangaceiros (vindo o primeiro do grupo de Sinhô Pereira) e, depois, cunhados seus pelo casamento com suas irmãs, respectivamente Sinhá e Mariquinha. 

O drama

A questão, começada e sustentada por Zé Saturnino contra 'os irmãos Ferreiras, não se originou de uma causa única, de um "chocalho", como simploriamente houve quem dissesse. Mas de uma longa série de causas ou co-causas que se encadearam num entrecho crescente até o rompimento definitivo, com suas funestas consequências para toda a região do Nordeste. 

Já conhecida a causa oculta, íntima e estimulante — a inveja e ambição de João Nogueira. Resta saber agora as causas manifestas, ou melhor especifi-cando:

— Qual a causa primeira?
— Quais as causas subsequentes?
— Qual a causa determinante?

É o que se verá daqui por diante, a modo de três atos apresentados dentro de uma seqüência cronológica. De primeiro, eram muito cordiais as relações entre os Ferreiras e Zé Saturnino. Chegou mesmo José Ferreira a escolher D. Xanda para madrinha de apresentação no batizado de Virgulino. E, quando rapazes, Virgulino e Zé Saturnino compareceram juntos, em São Francisco, como testemunhas do casamento de Amélia (filha de Salvador) com o moço Emídio Germano, feitor das terras de Manuel Ferreira de Lima.

Cercas das divisas

Infalivelmente zonas de atrito os limites de terras. Entre nações por causa de contrabandos, entre propriedades por invasão de animais, até de quintal- para quintal por qualquer nada. 

O arame farpado, fator de direitos (delimitando as propriedades), do segurança (evitando depredações e estragos) e de paz social, era desconhecido. Apareceu no sertão somente a partir de 1920. Antes, as propriedades eram cercadas somente com paus e varas. Uso, aliás, continuado até os dias que são hoje pela facilidade de matéria-prima disponível no próprio terreno e economia de mão-de-obra.

Na variedade da tessitura dos tipos de cercas*, condicionados à segurança e duração requeridas, mostram-se os cerqueiros extremamente hábeis, exibindo interessante arte rústica nos quadros rurais da paisagem sertaneja. Com o tempo, porém, a madeira, ressequida ou apodrecida, torna a cerca vulnerável, especialmente aos terríveis caprinos. O bode fura, a ovelha pe-netra, a rês derruba, o animal entra, destiorando semeaduras e roçados. Coisas justificáveis por parte dos proprietários da Ingazeira e Pedreira, compreensivos e amigos. E, no caso de sério prejuízo, as compensações se realizavam dentro do clímax das boas relações existentes. "Oxente! O diaga é bicho. Ninguém pode dá juízo a bicho..." 

* Há vários tipos de cercas: — de pau-a-pique: vertical, de madeira grossa ou varas; — de faxina: varas finas e flexíveis entrecruzando com outras mais grossas; — deitada: com varas horizontais; — de ramo: horizontal entrelaçada de garranchos; — de pedra: onde abundam pedras soltas; — meia-cerca: metade inferior de pau-a-pique ou pedra, completada com arame farpado; — de arame: arame farpado. O arame farpado foi introduzido no sertão em 1920. Dado o seu custo, não é acessível senão a bolsas privilegiadas. Faz-se, essa última cerca, de nove arames para não deixar passar nada. Os primeiros quatro arames de 15 em 15 centímetros, para não passar bode, ovelha e miunça; o quinto arame com 20 centímetros; o sexto com 25; e os três últimos a 30 centímetros para o gado não meter a cabeça. Usam-se para estacas de sustento do arame esticado: aroeira, angico, catinga de porco, imburana... Sousa Barros, no seu livro "Cercas Sertanejas", apresenta 25 tipos.

Origem da questão: um romance de amor (1915) 

O velho Terto de Inajá costumava contar*, na sua feitura de sertanejo probo, que fora uma questão de amor que dera origem às divergências entre os Ferreiras e Zé Saturnino. Quando no viço de seus dezessete anos, gostara Virgulino de uma jovem, Santina Lopes da Silva, a quem chamaria — "sua prenda querida" e "flor mimosa do sertão", em famosos versos de fina sensibilidade amorosa (cfr. cap. 6). O porém da história foi ter aparecido uma avança, da mesma idade de Virgulino e parente de Zé Saturnino, o qual se tomou de paixão encegueirada pela mesma donzela, apesar de não correspondido e até mesmo de ter levado vários cortes de repulsão. Num dia de sol ipiaça, arado pela roedeira do ciúme, foi ele esperar Virgulino, que ia desprecatado em caminho do bebedouro da fazenda. Todo raposeiro, fez-lhe perguntas ciumentas e, por que tal e por que vira, arrepiou-se amolestado para dar-lhe. Não foi de sorte nem de sustança na empreitada, apanhou muito de incoiar de queda e de arroxear no tapa-olho.

Por esse motivo, ficaram os parentes do moço apanhado (e provavelmente o próprio Zé Saturnino) queixosos, ressentidos, abafados. Os recalques nos sertanejos se acentuam, com o isolamento em que vivem. Seu campo de imagens é- reduzido ao pequeno e invariável mundo que os cerca. Donde a facilidade de fixação de lembranças, principalmente de fatos quentes. Não esquecem, seja o bem, seja o mal. De uma faúlha tudo pode ser fatível: Mesmo de dentro da cinza pode gerarem incêndios. Questão apenas de oportunidade, somente.

A imagem dessa jovem de tal modo se fixou durante quinze anos no coração de Virgulino que jamais, todo esse tempo, amou nenhuma das tantas mulheres, machão que ele era, com quem palpitava até deixando filhos. Somente em 1930 iria encontrar em Maria Bonita a réplica de sua Santina numa identidade de beleza com a imagem estereotipada no seu espírito que o desconcertaria no momento da primeira impressão. Para se ligar a ela chegou a modificar a estrutura do cangaço! E dedicou-lhe sinceramente fidelidade de amor a toda a prova (cfr. cap. 45).

* Esse fato foi também relatado por Pedro Rosa de Morais, conhecedor da vida de Lampião, o qual se hospedava em sua casa toda a vez que passava pelo Espírito Santo. Nasceu ele, Pedro, nessa vila, criou-se em Olho D'água do Coxo, situada perto da fazenda Beldroega. Assassinado, em dias do carnaval, no mês de fevereiro de 1938, em Pão de Açúcar, AL. 

Prisão do morador de Zé Saturnino

O tio materno dos irmãos Ferreiras, Manuel Lopes, ainda moço e muito disposto, fora nomeado inspetor de quarteirão, cargo equivalente hoje ao de comissário de polícia. Autoridade sem vantagem financeira. Estendia-se sua jurisdição pelas fazendas daquela ribeira: Matinha, Pedreira, São Miguel... Sua função: dirimir questões de terra, resolver problemas por causa de cacimbas, de cerca fora dos limites... E, também, repressiva contra malfeitores, principalmente ladrões de bode, apelidados de "onças de dois pés". Vez por outra, saía em diligência, sempre por iniciativa própria, em face de denúncias, ou para proteção de sua propriedade e família. Não dispondo de milicianos, fazia-se acompanhar de um ou mais sobrinhos seus, armados de rifles calibre 44, muito comuns. Corria o mês de agosto dessa era de 15 de grande seca. Um solão brabo vigorando no céu escampo, diáfano, sem azul, esturricando as cacimbas e secando os pés de pau. Os bichos berrando de desespero nos apertados da fome e da morte. 

Levas de retirantes, esmulambados e famélicos, no arrasto penoso da vida, varando o sertão, sem destino e sem um derréis, o coração desarriado das esperanças e o olhar parado ante a visagem apavorante da seca. Começaram os Ferreiras a estranhar o sumiço danado de bodes e cabras. Supondo tratar-se, não de necessitados por fome, que eram sempre acolhidos e atendidos, mas de aproveitadores do alheio, Manuel Lopes, valendo-se de sua autoridade e na qualidade de também prejudicado, resolveu, acompanhado de seu sobrinho Virgulino e dois cabras, fazer uma diligência à cata dos possíveis ladrões e dos caprinos.
Após infrutíferas batidas pelas redondezas e atendendo a várias denúncias de outros também prejudicados, incursionou pela fazenda Pedreira, dando um cerco num grupo de casebres de moradores de Zé Saturnino. Na de Zé Caboclo, depois de acurada busca, Virgulino deu de fé que a terra, sob um enorme pilão de braúna, na cozinha, estava revolvida de fresco. Retirando, com um ferro de cova, ou cavador, as primeiras camadas de terra, encontrou grande quantidade de peles de bode enterradas, verificando pelo sinal das orelhas tratar-se de animais desaparecidos da sua fazenda e pertencentes a seu pai e a seu tio.

Manuel Lopes prendeu Zé Caboclo e o negro criminoso, de nariz achamurrado, chamado Tibúrcio* indigitados responsáveis, conduzindo-os sob escolta para a Ingazeira. Onde os manteve detidos e amarrados no tronco por um ou dois dias, ao cabo do que, a pedido de José Ferreira, os mandou embora, advertindo-os de que, no caso de fazerem por onde, de reincidência, tomaria medidas severas.

* Esso negro Tibúrcio, mais tarde, juntamente com outros dois, Batoque e Zé Guedes, todos os três moradores de Zé Saturnino, foram à fazenda Serra Vermelha, da viúva 1), Joaninha Ferreira, e roubaram o paiol de milho, juntas de bois mansos, queijos... o lovarion para a fazenda Pedreira! (Lampião deu fim a ele — cfr. cap. 20). 

Com dias, numa feira, em Vila Bela, comunicou Manuel Lopes, pessoalmente, o ocorrido a Zé Saturnino e pediu-lhe expulsasse elementos tão indesejáveis. Zé Saturnino manifestou, de logo, o seu desagrado em torno do acontecido, negou expulsar seus "homens de confiança", achando se efetivara uma "invasão indébita" de sua propriedade com prisão de moradores sem sua licença; coisa que implicava em grave ofensa à sua reputação e à sua honra. Manuel Lopes recusou essa interpretação errônea. dos fatos, havendo entre os dois forte alteração, terminando, porém, sem maiores consequências em face da intervenção de pessoas amigas. Todos em casa dos Ferreiras, no entanto, acharam que o incidente não estava encerrado.

Realmente, desse fato inicial outros foram se sucedendo e somando até chegar a resultados trágicos. Socorrendo-se da política, conseguira Zé Saturnino a demissão de Manuel Lopes do cargo de inspetor de quarteirão. E, em consequência da falta de autoridade, estabeleceu-se, para começar, a má vizinhança. De quando em vez, apareciam cabras surradas, bodes de orelhas cortadas, ovelhas com perna quebrada, carneiros de roncolho...

Era o bicho de uma propriedade penetrar na outra adversa e acontecer tudo isso, de parte a parte; sem que ninguém visse, mas se sabia e adivinhava quem.

A primeira briga 

A 8 de setembro, véspera da tradicional festa da Padroeira de Vila Bela, Nossa Senhora da Penha, todo engangento desprecatado, fora Antônio Ferreira, no seu esquiparador melado de estampa, buscar um parelho que mandara costurar por Anízia Novais (casada com João Araújo Cavalcanti, conhecida por Anízia da Ipueira, sítio localizado na mel sido do caminho entre Pico e Nazaré.

De volta, numa curva do caminho, ainda perto da casa costureira, vinha, em sentido contrário, o cabra Zé Cabloco, também a cavalo. Assim que viu Antônio, deu um urro medonho e partiu a galope para cima dele, se atracando os dois, mesmo amontados, descendo agarrados e rebolando pele numa luta feroz. Em dado momento, Zé Cabloco conseguiu sujicar Antônio, montando-lhe em cima.

E quando deu de garra da pajeuzeira  para sangrar Antônio, este, reunindo, num esforço supremo, as forças todas juntas do instinto de conservação, danou um supetão , no cabra, que, despregado, caiu ao lado, de borco, afocinhando o chão e quebrando-se a faca numa pedra. Antes que tivesse dado tempo a Antônio de puxar de sua faca, e alarmado, também com os gritos de mulheres ali chegados, Zé Caboclo, num de repente, pulou feito gato, no osso de seu cavalo e correu, embrenhando-se na catinga.

Antônio pegou a roupa e pisou para casa. Em chegando, avoou o liforme em cima da mesa e disse não ir mais à festa. Entrou no quarto e saiu limpando o rifle e botando bala. A mãe interrogou a causa e o por que daquilo tudo. O filho lhe contou apressado o acontecido e saiu vexado no rumo da casa da avó para ver o irmão Virgulino, modo de pegar o cabra. Em vão esgravetaram e fizeram indagação por todos os cantos. 

— "Sujeito chia e titica! Se encafedeu!" — gritava Antônio.

José Ferreira, ao chegar, tratou de abrandar o ânimo afuleimado de Antônio, dizendo e convencendo não ter havido desfeita. E resolveu que naquele ano ninguém iria à festa. Essa a primeira briga que um dos irmãos Ferreiras tivera. Contava Antônio vinte anos de idade. 

A política no meio

Sempre juntas no sertão: seca, questões e política. Deflagrada a campanha para sucessão ao governo do Estado. No páreo: Dantas Barreto para reeleição e Manuel Borba na oposição. Os Carvalhos de cima, no situacionismo. Seguidos por João Nogueira e Zé Saturnino. Os irmãos Ferreiras, com seu pai José Ferreira e seu tio Manuel Lopes, acompanhavam Mário Alves Pereira Lira* votando na chapa borbista. Aliás, era a primeira vez que Virgulino, Antônio e Livino votavam, exercendo assim um direito civil de cidadãos. Zé Saturnino e seu sogro não viram com bons olhos essa votação dos Ferreiras no partido oposicionista. Assim, não deixou de haver motivação política na questão entre os dois adversários.**

* Mário Alves Pereira Lira, de Recife, fixou-se em Vila Bela, casando-se com uma Carvalho. Político influente, eleito prefeito municipal no período 1916-1920.

** Antes de Manuel Lopes, Luis do Tiú (Tiú localidade entre Vila Bela e Serra Vermelha) fora nomeado inspetor de quarteirão; instigado e acompanhado por seus correligionários, os Nogueiras, da política dos Carvalho, esteve em diligência através das propriedades dos Ferreiras, prendendo moradores, apreendendo armas, ocasião em que Manuel Ferreira Lima foi conduzido à casa do velho João Nogueira. 

Fatos subseqüentes (1916-1917).

Cada dia mais aumentando a tensão entre as partes adver-sas, passando as hostilidades a ter um caráter ostensivo, de atritos pessoais. 

a) Ninguém no Pajeú como Antônio Ferreira para mestrar cavalo e botar passo de esquipa, de baixo, de meio, de trote, de galope 'em animais. 

Certa vez, botava ele pisada ou carrego no seu bonito cavalo, quando, de passagem, Zé Saturnino, pilhérico e ofensivo, lhe fez indagação:

— "Quanto quê pela grélha?" Antônio, abodegado, respondeu ao insulto: 

— "Grélha é a mãe!" 

b) Ocultamente, Neneco Nogueira, solteirão, filho de João Nogueira fez capação-de-volta numas grelhas de escancho deixando-lhes os culodinos, atrofiados. Os animais pertenciam à Ingazeira. Os Ferreiras descontaram cortando pelo cotó as caudas e crinas dos cavalos da Pedreira.

c) De novo eleições. Desta vez para prefeito do município. Saindo eleito Mário Alves Pereira Lira para o período de 1916 a 1920. 

Pela segunda vez os irmãos Ferreiras votaram acompanhando o candidato vencedor.

d) 1917.

Zé Saturnino tirou uns chocalhos dos burros dos Ferreiras. Estes, notando a falta, tiraram chocalhos das vacas e cabras dele. Voltou Zé Saturnino, retirou os seus chocalhos e saiu amassando quanto chocalho encontrava nos animais dos Ferreiras.

Desta vez houve discussão forte e quase se pegavam. E como resposta à sua reclamação acusando aos Ferreiras pelo desaparecimento de chocalhos, Zé Saturnino, sofreado e estarrecido, ouviu de Virgulino:

— "Ladrão é você que roubou os chocalhos de nossos burros!"

e) Não foi difícil a Zé Saturnino arranjar sua nomeação para o ambicionado cargo de inspetor de quarteirão. Tendo conhecimento de que os irmãos Ferreiras estavam ausentes, aproveitou a ocasião para, acompanhado de cachimbos, correr e desarmar o velho Zé Ferreira. Encontrou apenas um bacamarte ou clavinote de festejar São João, uma espingarda lazarina de caçar e um facão de usar no mato. Era dia de São Pedro. 

E assim por diante, numa progressão perigosa e imprevisível de consequências. O certo é que ninguém queria ficar por baixo. E a situação não explodiu, mais cedo, em graves hostilidades por viverem os Ferreiras muito por fora, carguejando.

Fundação de Nazaré 

Resolvera o velho professor Domingos Lopes Soriano de Sousa criar um povoado na chã de sua fazenda Algodões, à margem esquerda do riacho Carqueja, assim chamado o riacho da Ema naquele trecho.

Lugar bem assentado, mesmo na confluência do dito com o seu afluente Ipueira e favorecido pelo caminho que liga Vila Bela a Floresta, ausente de oito léguas exatamente entre as duas. 

A moradia-escola da fazenda, construída ao sul do local escolhido, serviria de esquadro, na direção norte, para o riscado das duas linhas perpendiculares, longas de cento e vinte metros, e paralelas, separadas por vinte metros, que formariam o arruado. No fim do traçado, ficaria a capela com a porta da rua olhando para a casa do professor. Entusiasmado com a iniciativa e sendo solicitado, o vigário de Vila, Bela, então regendo Floresta, Padre Zacarias Paiva, batizou a futura localidade com o nome de Nazaré.*

* O Padre José Kehrle, vigário de Floresta, levou da Matriz para a capela de Nazaré uma imagem de. Nossa Senhora das Dores. Diante dos protestos dos florestanos -n imagem voltou e em seu lugar foi comprada a de Nossa Senhora da Saúde, que lá está.

O professor sabia o que queria. Por isso, valendo-se de seu tato e respeitável prestígio de mestre-escola, conseguiu interessar os amigos no projeto. Assim, Antônio Gomes Jurubeba, da fazenda Jenipapo, Pedro Tomás, da Lagoa do Mato, Raimundo Nogueira, do Pico e outros, logo no início de agosto, começaram a construir suas casas no cordeamento, muito embora nelas não residissem e as ocupassem somente nos dias de feira e de Missa.

A família Ferreira, de pronto, aceitou o convite do professor, seu grande amigo, tornando-se co-fundadora de Nazaré. Vieram fixar-se no incipiente arruado: João Ferreira, da fazenda Batata, Cândido Ferreira, da fazenda Caibros e D. Joaninha, da fazenda Serra Vermelha, assim que, em fins de novembro de 1917, enviuvara de Manuel Ferreira de Lima.*

A minúscula feira estabelecida em 1919, sem paga de imposto, às quartas-feiras, funcionava, debaixo da latada de mato junto da quixabeira em frente à casa de Florisbela, da fazenda Olhões, chamada vulgarmente Zolhões. Com a feira vieram os comerciantes de Floresta, João Novais e João Gominho, se estabelecer com pequenas lojas filiais de fazendas e miudezas. 

* Quem primeiro se transferiu para Nazaré foi D. Joaninha (Nanã). Seguida, sucessivamente, de Cândido, Noberto e João.

Nazaré ia crescendo devagarinho e tranquila. 

Causa determinante (12 a 15 de outubro de 1917)

Enquanto isso, na ribeira do São Domingos, a questão levantada e conduzida por Zé Saturnino chegava ao desfecho. Mandara fazer Zé Saturnino em sua propriedade uma broca no mato, cercando-a para situar um roçado. O caso, porém, é que, na construção da cerca, foram sobraçados bons tacos de terra da Ingazeira — o primeiro passo da invasão para a predeterminada tomada da fazenda. 

Os Ferreiras, certos de seu direito de propriedade, desmancharam a cerca, encoivararam a madeira e tocaram fogo. O gado da Ingazeira, pastoreando por essa fronteira aberta, invadiu a broca de Zé Saturnino. Isso, na terça-feira, 12 de outubro.

Zé Saturnino tendo ido ao campo vaquejar notou as reses dos Ferreiras. De volta, todo arrebatado e no seu modo ríspido de falar, recomendou ao cabra, seu morador, Olímpio Benedito: — "Quando os Ferreira vinhé juntá o gado na broca, chame o Chico Morais Arves (outro morador) e infinque bala neles. O rifle tá aqui no canto cum a cartucheira". No dia seguinte, 13, pelas seis da manhã, os três Ferreiras, encourados em trajes de vaqueiro e desarmados, chegaram para rever o gado. 

Olímpio, que estava trabalhando de foice na broca, correu, deu garra do rifle e chamou Chico Morais, que não quis ir. Olímpio deu três tiros, de mesmo, com o objetivo de atingir os rapazes, não acontecendo porque era a primeira vez que atirava de rifle.

No outro dia, 14, os Ferreiras, desta vez armados, vieram vaquejar. Ao avistarem alguns moradores de Zé Saturnino, meteram fogo neles, que saíram correndo. 

No dia 15 de outubro, sexta-feira, os três Ferreiras, agora seguidos de um seu agregado, Luís Gameleira, vieram, na mesma hora, seis da manhã, de novo armados e prevenidos, para a faina diária de recolher o gado. Foram vistos, de longe, ao passarem o aceiro da broca, por um morador da Pedreira, que correu a avisar Zé Saturnino, o qual estava batendo tijolo para sua casa. Zé Saturnino disse a seus cabras: — "Vamos dá uns tiro naqueles mocó?" (chamara os Ferreiras de mocós). Entrou em casa e retirou armamento com munição para Zé Caboclo, os três Beneditos (Olímpio, Manuel e José), 'Paizinho e Dionísio vaqueiro.

Aos quais se uniram João Nogueira e seu filho Zé Nogueira, presentes na ocasião. Emboscaram-se num serrote da Lagoa D'Agua Branca, ao pé da serra Vermelha, nos limites da Pedreira com a Ingazeira. Quando os Ferreiras estavam na mira de suas armas, fizeram fogo de surpresa, ficando, de início, Antônio Ferreira ferido com um balaço, que lhe pegou na região do apêndice e saiu na reata da calça, na altura dos rins. O tiroteio rompeu violento e rápido, durante apenas dez a quinze minutos, retirando-se os Ferreiras sem que os inimigos tivessem coragem de lhes seguir no encalço.

Pela primeira vez na vida, os irmãos Ferreiras atiraram em gente! Antônio com vinte e dois anos de idade, Livino com vinte e um e Virgulino com dezenove. Enquanto Livino, com o agregado, voltava para casa, Virgulino levava seu irmão ferido para a residência do tio Manuel Ferreira de Lima, na fazenda Serra Vermelha. Adonde, o genro deste e tio daqueles, Antônio Matilde Ferreira, entendido de ferimento, cuidou do sobrinho durante vinte dias, tempo que levou para ficar bom.* Nisto foi ajudado pelo jovem. de quinze anos João, irmão do baleado, que ensinava a carta de abe a seus primos, filhos do dono da Serra Vermelha.

* Antônio chegou todo melado de sangue na fazenda Serra Vermelha. 
Seu "tio" Ferreira Catendo, inteirado do ocorrido, mandou imediatamente chamar Antônio Matilde, na Mutuca. Este desinfetou a ferida com álcool e ácido fênico; com uma navalha flambada cortou a ferida em cruz: queimou um sacatrapo (rosca da vareta de espingarda) e com ele retirou a bala. Para sarar: fez uma papa 'de azeite doce com a baba (selva) do cipó de cobra ou tripa de galinha; melou essa mistura em uns fiapos do linho; xiringou (seringou) água fenicada no orifício; introduziu no furo os fiapos melados até o fim, deixando-os aí; diariamente a mesma operação; limpa a ferida vai ela sarando de dentro para fora até fechar sem necessidade de pontos. 

Nesse ínterim, José Ferreira tomou um burro e foi à Vila Bela dar parte e instaurar processo contra as sucessivas provocações e ameaças de Zé Saturnino, culminadas com o baleamento de seu filho. Ora, o delegado regional tinha um irmão querendo se casar com uma irmã de Zé Saturnino. Por isso, todo abusado, mal ouviu o queixoso, e terminou dizendo, com sarcasmo e menoscabo, que não se metia na encrenca, pois, conforme o ditado, "entre duas pedras catolé".

A justiça, subalterna ao mais forte, também fugira de atender a um justo reclamo de sua alçada e que poderia dar cabo de tais malquerenças e estabelecer paz em definitivo.* Diante do fracasso, voltou José Ferreira para casa, humilhado, desfazido, sofrido, e sem tino para encontrar solução.

"A besta-fera se soltou" — exclamava D. Jacosa.

É quando os Ferreiras compreenderam que tinham diante de si um "terrível inimigo" — o inimigo número 1 — Zé Saturnino!"**

Numa estrofe, sincera e sentida, Lampião lamentou as imposições do destino:

"Mas, o destino impiedoso,
Foi cruel para comigo.
E a sorte caprichosa
Me impôs este castigo.
Quando eu não esperava
Nem em tal coisa pensava
Tinha terrível inimigo!"

* "A Paz é Fruto da Justiça" (Pio XII). Houvesse "Justiça" e não haveria Lampião... Das instituições humanas a mais falha, quando deveria ser a mais perfeita, porque básica. — "A lei a gente espicha como quer!" — dizia certo juiz de direito. A justiça — sempre com letra minúscula, porque maiúscula só a divina, — é jogo de esgrima: vence o advogado mais atilado. Para libertar o criminoso, a que chamam de "constituinte", não tem escrúpulo o causídico de empregar a mentira. Isto porque a falta de consciência não lhe traz remorsos. A corrupção e subserviência de certos "íntegros", escudados na intocabilidade, transformam o título das peças e processados jurídicos em farsa. Se não se justifica a atitude de Lampião ao fazer justiça pelas próprias mãos, a carência de justiça, entretanto, a explica.

** Zé Saturnino é chamado de "inimigo n. 1" porque foi o "primeiro" e não o "maior", nem o mais importante. Entre os maiores contam-se José Lucena, que assassinou seu pai, levando-o daí ao cangaço, João Nogueira com sua ambição, Manuel Neto, por sua tenacidade e crueldade, José Pereira, de Princesa, que ele chamava de "perverso, falso o desonesto"... 


http://meneleu.blogspot.com.br/2014/10/houvesse-justica-nao-haveria-lampiao.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com