Seguidores

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

JOSUÉ DE CASTRO E AS FERIDAS ABERTAS QUE OS PODEROSOS INSISTEM EM NÃO CURAR – Parte 1

Por José Romero Araújo Cardoso –UERN-Mossoró-RN e Benedito Vasconcelos Mendes - UERN-Mossoró-RN

As paisagens urbanas e rurais, através de sua geografia humana, sobretudo, nas periferias do capitalismo globalizado que marca os dias atuais, vêm sendo caracterizadas pelas manifestações aviltantes cada vez mais agudas do drama da fome, que ‘consagram’ o significado da exclusão de grande parcela dos seres humanos, espalhada pelos quatro cantos do Planeta, e que ainda não foi beneficiada pelas conquistas tecnológicas, bem como pela capacidade de gerar emprego e renda decentes que garantam melhores dias, formulando, de forma efetiva, o real sentido da cidadania.

Os donos dos meios de produção selecionam metodicamente espaços que são e serão beneficiados pela ação do capital em suas múltiplas metamorfoses e interesses, relegando ao esquecimento os que não interessam de imediato à reprodução das estruturas de poder.

São os espaços marginalizados que não servem a curto ou médio prazos, muitas vezes também a longo prazo, aos propósitos definidos em infindáveis reuniões temperadas pelo gosto refinado por dinheiro em quantidade absurdamente estratosférico.

Assim, cotidianamente milhares de pessoas são atiradas no fosso da miséria, da pobreza e da fome, pois sem perspectivas de melhores dias amargam a triste realidade do abandono e do infortúnio, sendo submetidas à escravidão da falta de interesses dos poderosos que as enxergam apenas como frios números das estatísticas que permitem absurda maximização de lucros com interessante minimização de custos para aqueles que são contemplados pelas benesses do sistema.

Citando exemplo clássico presente nas distorções inter-regionais brasileiras, indubitavelmente podemos afirmar que em consonância com o despovoamento do campo no nordeste brasileiro desponta de forma imperiosa o agrobusiness em determinados espaços rurais previamente selecionados, dotado de tecnologia de primeiro mundo. Em contrapartida, a agricultura familiar vem sendo notavelmente prejudicada e desestimulada em razão que percentual significativo dos investimentos garantidos pelas políticas públicas voltadas para o agro, viabilizadas pela ação do Estado, destina-se ao sucesso da produção agrícola concentrada em atender as exigências do mercado externo a fim de gerar divisas para fomentar a política paternalista que caracteriza a atuação do Estado em garantir os privilégios da poderosa classe que detém o poder.

Além do mais, os poucos recursos destinados ao fomento agricultura familiar não vem acompanhado de necessária e eficaz instrução técnica que permita favorecer o sucesso da produção e da comercialização agropecuária, não esquecendo ainda que existem graves denúncias de corrupção envolvendo a destinação dos recursos para este setor produtivo que garante inúmeros benefícios para suprir o mercado interno, ao contrário do primo rico que se dedica a atender as exigências externas cada vez mais sofisticadas. O resultado óbvio é o recrudescimento da situação de penúria dos que sofrem com a intransigência da lógica do capital, avançando de forma desumana as conseqüências trágicas da desnutrição.

Crianças, elos frágeis da teia maléfica montada pelo capitalismo, perdem a visão por falta de alimentos, ficando apenas no couro e no osso devido à ausência de proteínas que possam garantir a sobrevivência e engrossando dia-a-dia as estatísticas referentes à mortalidade infantil, motivada por doenças provocadas pela fome.

Esqueléticas e famintas desfilam suas desditas pelos espaços menos privilegiados das favelas, alagados, palafitas, pontes, campos adustos, lócus urbanos sem infra-estruturas e outros locais usados como moradias, pois sinônimos da ausência de compromissos, esses lugares se constituem nos territórios da fome e das privações.

Enquanto isso, os poderosos que mandam e desmandam não demonstram sensibilidade, comoção, atitude alguma concreta, que seja pragmática de fato, que possa reverter o quadro surreal que vem tomando aspecto tétrico, cada dia pintado de forma mais intensa com cores berrantes que revelam o drama da miséria e da fome, da insensibilidade de parcela intransigente da humanidade satisfeita e feliz com o esquema montado sobre privilégios.

Recantos esquecidos espalhados na imensidão nordestina abrigam populações famintas e desvalidas cujas condições de vida são iguais às apresentadas pelos grandes bolsões de carência crônica do continente africano, pois os indicadores sócio-econômicos teimam em se repetir em cada amostragem populacional que busca revelar a situação do povo brasileiro, embora saibamos que muitas foram propositalmente maquiadas para atender determinados interesses.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
CARDOSO, José Romero Araújo; MENDES, Benedito Vasconcelos. “Discutindo a Importância da Atualidade do Pensamento de Josué de Castro em Escolas das Redes Estadual e Municipal de Ensino do Município de Mossoró - Estado do Rio Grande do Norte”.Mossoró/RN, PROEX/UERN, 2008 (Projeto de Extensão)
CASTRO, Anna Maria de (org.). Fome:um tema proibido - últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003
CASTRO, Josué Apolônio de. Geografia da Fome – O dilema brasileiro – Pão ou Aço. 10 ed. Revista. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1984
_____. Geopolítica da Fome – Ensaio sobre os problemas de alimentação e de população no mundo. 4 ed. Revista e aumentada. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957, vol. 1 e 2
____. O livro negro da fome. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957.
_____. Ensaios de Geografia Humana. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957
_____. Ensaios de Biologia Social. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957
_____. Homens e Caranguejos. Porto: Editora. Brasília, 1967
MENEZES, Francisco R. de Sá. Josué de Castro: Por um mundo sem fome. São Paulo: Mercado Cultural, 2004. 120p. il. (Projeto Memória, 8)
CASTRO, Josué de. Disponível em .< http://www.josuedecastro.org.br/jc/jc.html.> . Acesso em 22 de janeiro de 2013
"Geografia da Fome", de Josué de Castro, faz 60 anos. Disponível em <http://www.fomezero.gov.br/noticias/geografia-da-fome-de-josue-de-castro-faz-quarenta-anos.> Acesso em 22 de janeiro de 2013
TENDLER, Sílvio. Josué de Castro - Cidadão do Mundo.[Vídeo–documentário]. Rio de Janeiro: Bárbaras Produções, 1996

JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO
Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Contato: romero.cardoso@gmail.com.

BENEDITO VASCONCELOS MENDES

Graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Ceará (1969), Mestrado em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (1975) e Doutorado em Agronomia (Fitopatologia) pela Universidade de São Paulo (1980). Atualmente é professor adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN), ex-chefe geral da EMBRAPA MEIO NORTE, em Teresina-PI, ex-presidente da Fundação de Pesquisa Guimarães Duque e atual Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Norte. Publicou vários livros sobre o desenvolvimento regional, entre eles: Alternativas tecnológicas para a agropecuária do Semi-Árido (Ed. Nobel, São Paulo), Plantas e animais para o Nordeste (Ed. Globo, Rio de Janeiro) e Biodiversidade e desenvolvimento sustentável do Semiárido (editado pela SEMACE, Fortaleza-CE).

CONTINUA...

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo17:47:00

    Caro Mendes: O texto supramencionado, é o retrato das nossas necessidades brasileiras. Antes do meu ingresso na Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, colaborei como Comissário Voluntário por dez anos no Juizado de Menores de Salvador, inclusive escrevia matérias sobre o assunto em alguns jornais. Pesquisei os angustiantes problemas que envolviam as famílias das favelas da periferia, e ali aprendi muito. Deparava-me com adolescentes que os pais deixaram seu chão no interior da Bahia e de outros estados e vinham a procura de dias melhores da Grande Salvador. Paravam aquelas famílias nas invasões. Ai o problema estava criado (entre aspas), logo que o problema já vinha com eles de longe. A seca e a falta de "assistência" por parte dos governantes, na origem dessas famílias, é que dava início ao cruciante problema. Se não encontravam oportunidade em sua Terra, partiam para o desconhecido e jogavam, inconscientemente os filhos ao sabor de consequências desastrosas. Lembro-me de um adolescente que prestávamos assistência pelo Juizado, onde teve um irmão, já deixando a menoridade, mergulhado na delinquência e foi metralhado na periferia da nossa Salvador. Quando procurei estudar o problema, compreendi como as coisas acontecem: A família pobre, de um interior sertanejo muito atrasado e sem assistência de Estado, enviou dois filhos para uma tia que residia numa invasão das muitas que temos em Salvador. Na sua nova moradia, juntaram-se a outros viciados em tudo, e o resultado não foi bom. ASSIM, TANTOS OUTROS FATOS PODERIA DESCREVER DAS MINHAS VISITAS E DOS MEUS PLANTÕES.
    Pois é Mendes, os Professores José Romero, conhecedor das CIÊNCIAS SOCIAIS e Benedito Vasconcelos, profundo conhecedor da Engenharia Agronômica, são autoridades muito bem indicadas para o assunto em pauta.
    Abraços,
    Antonio Oliveira - Serrinha - Bahia

    ResponderExcluir